1. INTRODUÇÃO
O MERCOSUL é uma organização internacional voltada para a integração regional entre os países da América do Sul. Criado no início da década de 1990, contexto em que suas atividades se concentravam majoritariamente no desenvolvimento econômico e no comércio exterior, a iniciativa viveu momentos de maior abertura para temas de natureza social ou política, experimentou certo engessamento institucional e atualmente busca caminhos para retomar objetivos antigos ou se reinventar. O Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM) se insere justamente nesse entrelugar entre os objetivos de outrora e as necessidades da atualidade.
Entre as idas e vindas da integração regional no MERCOSUL, há quem defenda que a iniciativa fracassou e que seus objetivos já não seriam mais tão interessantes para os seus Estados-membros. Por outro lado, o funcionamento de organismos como o FOCEM indica que, ainda que possa parecer estagnada, talvez a organização tenha simplesmente avançado por outros caminhos que aquele inicialmente proposto e que importantes iniciativas no contexto regional acabaram passando desapercebidas pelos estudiosos muito afeitos aos temas econômicos e comerciais, pela mídia de massa e pelo público geral.
Considerando, então, o FOCEM, como uma macropolítica pública em escala regional, entende-se que cada um dos projetos financiados pelo Fundo tem o caráter de política pública, merecendo então que se realize alguma modalidade de monitoramento para o fim de verificar a sua eficiência e, por conseguinte, permitindo abordar esse mecanismo em uma perspectiva mais ampla.
O objetivo deste estudo é verificar se o FOCEM realmente opera como uma política de integração em nível regional para construção de uma cidadania integrada entre Estados mercosurenhos, bem como procurar estabelecer o seu papel no contexto do Direito e das Relações Internacionais na América Latina. Ademais, será feito um estudo de caso de projeto financiado pelo Fundo, nomeadamente o projeto de saneamento básico integrado de Aceguá, executado na fronteira entre o Brasil e o Uruguai, com objetivo de ilustrar as percepções resultantes da pesquisa.
O método de abordagem utilizado será o dedutivo, partindo de uma premissa geral, para tão somente identificar um fenômeno particular, individualizado, e a partir daí uma conclusão. A técnica de pesquisa será a documentação indireta, por meio da pesquisa bibliográfica de fontes secundárias, como publicações, revistas e livros e monografias.
A análise proposta parte de premissas teóricas para o monitoramento de políticas públicas - focadas em eficiência e transparência - para que, em seguida, se proceda a uma abordagem que pretende se dar de maneira desagregada dos fenômenos denominados inputs (referentes aos os recursos financeiros, humanos ou de qualquer outra natureza investidos na política pública”), outputs (“aquilo que efetivamente foi feito por conta da política: os serviços prestados, as atividades desenvolvidas, os bens fornecidos”) e outcomes (“os resultados efetivos sobre os direitos fundamentais”).
Finalmente, a metodologia proposta para análise das políticas públicas recomenda uma avaliação e revisão da política com base nas informações levantadas nas etapas anteriores, visando corrigir eventuais falhas e aprimorar lacunas de desenvolvimento.
A relevância do estudo decorre da necessidade de estabelecer normas comuns e mecanismos de cooperação institucional em matéria licitatória que fortaleçam a integração entre os Estados-Membros e o livre mercado, evitando o favorecimento de particulares sem prejudicar o andamento dos projetos financiados pelo FOCEM.
2. O FUNDO DE CONVERGÊNCIA ESTRUTURAL COMO POLÍTICA PÚBLICA NO CONTEXTO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL NO MERCOSUL
O Mercado Comum do Sul foi criado em 26 de março de 1991 pelo Tratado de Assunção, documento por meio do qual, à época, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai se comprometeram com a tomada medidas de aproximação econômica que têm como principal objetivo a formação de um mercado comum entre seus Estados-membros, perpassando a criação de uma união aduaneira que deveria ser concluída até o final do ano 1994.
O compromisso de implementar rapidamente as medidas necessárias à construção de uma institucionalidade comum como suporte para o mercado comum foi instrumentalizado para estabelecer diretrizes e ferramentas claras de implementação do projeto no marco normativo da iniciativa, que, inicialmente, consistia do Tratado de Assunção e do Protocolo de Brasília, que por sua vez regulamentava a solução de controvérsias. Contudo, somente em 1994, no Protocolo de Ouro Preto, o MERCOSUL adquire personalidade jurídica de Direito Internacional e tem sua estrutura administrativa organizada, superando a condição de tratado associativo e sendo alçado à categoria de Organização Internacional.
A integração entre Estados latino-americanos não foi uma inovação histórica da década de 1990 nas relações Internacionais na região. As primeiras construções teóricas, elaboradas nas tradições bolivarianas e panamericanas do século XIX, inspiraram, com efeito, a criação do MERCOSUL, conforme se extrai do próprio preâmbulo do Tratado de Assunção quando mencionados os objetivos do Tratado de Montevidéu como antecedentes para a criação da iniciativa regional.
No contexto da sua criação, o MERCOSUL poderia ser considerado uma estratégia regional que objetivava o desenvolvimento de mercado e o aumento da competitividade dos seus membros em um cenário de comércio internacional amplamente aquecido e dinâmico criado pelo fim da dicotomia entre os sistemas capitalista e socialista, marcado pela dissolução da União Soviética.
No decorrer dos primeiros anos de vigência do Tratado de Assunção, a expressiva intensificação do fluxo comercial entre os Estados-membros do MERCOSUL sinalizava o sucesso da iniciativa, projetando-a globalmente como uma das mais bem sucedidas experiências de integração regional. Apesar disso, o propósito de implementar o mercado comum até o final do ano 1994 não foi atingido até o presente. Em que pese o expressivo sucesso dos primeiros anos do MERCOSUL, a crise econômica que se instalou na América do Sul no final da década 1990 afetou consideravelmente as relações econômicas e comerciais na região e acabou gerando a adoção de medidas unilaterais descoordenadas e, via de consequência, a perda da aparente sinergia inicial que marcava o MERCOSUL.
Paralelamente, nos entornos da passagem da década de 1990 para a de 2000, vários Estados da América Latina experimentaram movimentos de alternância de poder, imprimindo na região um conjunto de tendências políticas, sociais e econômicas diferentes daquelas anteriormente praticadas. O impacto desses fatores internos no ambiente regional, fortemente marcado pela ascensão de governos do espectro de centro-esquerda no poder, embora não tenha necessariamente neutralizado as forças liberais (na acepção clássica) e conservadoras que detiveram os mandatos executivos na década anterior desde a redemocratização, logrou implementar ideias que ampliaram o escopo concreto da atuação institucional das organizações regionais.
É relevante também mencionar que, até o momento indicado, muito embora se tenha observado inegáveis resultados na economia e no comércio internacional na região durante os primeiros anos do MERCOSUL, a criação do mercado comum não havia sido atingida. Tampouco o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a coordenação das políticas macroeconômicas entre os Estados-membros, todos elencados como objetivos da iniciativa no artigo 1.º do Tratado de Assunção, haviam sido concluídos naquele momento.
A sobreposição de todos esses fatores levou o MERCOSUL a se atentar institucionalmente menos para a integração econômica e comercial e mais para os demais aspectos da integração regional, passando, então, não a abandonar seus objetivos iniciais, mas a priorizar a retomada de discussões que resultaram na criação de órgãos e na tomada de medidas ligadas ao fomento de recursos e garantias sociopolíticas na região. Exemplos de temáticas dessa nova matriz de atuação seriam infraestrutura, democracia, educação, integração cultural e a própria ampliação institucional da organização.
Em decorrência destes acontecimentos, alguns indicadores como a manutenção reiterada das diversas exceções à tarifa externa comum e a suavização do fluxo comercial interno entre os Estados-membros sugerem um processo de desaceleração - ou mesmo de estagnação - da integração econômica no MERCOSUL. Esse arrefecimento acabou abrindo espaço nas relações comerciais para players externos, a exemplo da China, que ganhou projeção com a sua sobrevivência à crise que se seguiu da franca expansão dos Tigres Asiáticos no mesmo período.
Note-se, todavia, que em que pese o fato de o desenvolvimento econômico ter sido a tônica do processo de integração que culminou na criação do MERCOSUL, não se trata de uma finalidade exclusiva da iniciativa, conforme se depreende da simples leitura do Tratado de Assunção, que já em seu preâmbulo menciona o anseio por avanços em campos como a justiça social, o desenvolvimento científico e tecnológico, a ampliação e aprimoramento da qualidade nos bens de serviço e a melhoria da qualidade de vida na região.
Como resposta às dificuldades trazidas pela crise econômica contemporânea à virada do milênio, deu-se início a um terceiro momento de convergência nas estruturas políticas e sociais na América Latina nos anos que se seguiram e, até os primeiros anos da década de 2000, vários países tiveram seus governantes substituídos por candidatos de oposição com tendências mais voltadas à esquerda. Entre os membros do MERCOSUL, apenas o Paraguai não acompanhou esta tendência imediatamente, tendo sido eleito neste país um candidato progressista somente em 2008.
Esse terceiro movimento sincrônico se reflete nas políticas externas dos países latino-americanos de modo a abandonar o extremo apego tipicamente neoliberal aos aspectos econômicos e comerciais da integração regional, o que ocasionou a não retomada do desempenho inicial do MERCOSUL no que se refere ao desenvolvimento econômico e comercial e aos demais avanços referentes à integração econômica.
De outro lado, e em especial ao se analisar as construções políticas e jurídicas da organização, é possível identificar uma série de avanços conquistados em outros aspectos da integração mercosurenha. Surgem outras prioridades como o fortalecimento e a expansão institucional do MERCOSUL (inclusive por meio do ingresso de novos Estados-membros, a exemplo da Venezuela, em 2013, e da perspectiva de ingresso da Bolívia, no futuro) e o tratamento de outras matérias, como a cooperação jurídica internacional (por meio do Protocolo de Las Leñas) e o desenvolvimento do compromisso com a cláusula democrática (no Protocolo de Montevidéu, conhecido como Ushuaia II).
Na mesma toada, também se expandiu a estrutura institucional e administrativa do MERCOSUL para atender às novas demandas identificadas, criando-se o Setor educacional do MERCOSUL, em 2001, o Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL (voltado para o desenvolvimento da infraestrutura na região), em 2005, o Instituto Social do MERCOSUL, em 2007, e o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos, em 2009, todos estes representando, entre diversos outros órgãos surgidos posteriormente - com especial destaque para o Parlamento do MERCOSUL, uma expressiva ampliação temática na atuação da organização.
No caso específico do Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM), a Decisão n.º 45 emitida pelo Conselho do Mercado Comum em 16 de dezembro de 2004 estabelece sua criação, destina os respectivos recursos a “financiar programas para promover a convergência estrutural, desenvolver a competitividade e promover a coesão social, em particular das economias menores e regiões menos desenvolvidas”, além de “apoiar o funcionamento da estrutura institucional e o fortalecimento do processo de integração”, conforme a inteligência do art. 1 do referido documento.
Em continuação, a Decisão n.º 18, de 19 de junho de 2005, regulamenta a integração e o funcionamento do FOCEM, preservando os mesmos objetivos e organizando-os por meio do desenvolvimento de quatro programas, apresentados nos artigos 2º e 3º da decisão em destaque, da maneira a seguir:
O Programa de Convergência Estrutural (Programa I) é voltado para o desenvolvimento e ajuste das economias menores e regiões menos desenvolvidas, abarcando o aprimoramento da integração fronteiriça e dos sistemas de comunicação.
O Programa de Desenvolvimento de Competitividade (Programa II) diz respeito à implementação de práticas de reorganização laboral e produtiva, abrangendo tanto a integração de cadeias produtivas e a facilitação do comércio quanto o aprimoramento da qualidade da produção e iniciativas de pesquisa e inovação de produtos e processos produtivos.
O Programa de Coesão Social (Programa III), por sua vez, está voltado para projetos de beneficiamento comunitário, sobretudo nas áreas de saúde, redução da pobreza e do desemprego.
Derradeiramente, o Programa de Fortalecimento da Estrutura Institucional e do Processo de Integração (Programa IV) dedica-se às propostas que visam o aprimoramento do próprio MERCOSUL, viabilizando proposições para a criação de novas estruturas no âmbito institucional.
Merece destaque, desde a concepção do FOCEM, o fato de que as economias e regiões de menor desenvolvimento relativo recebem atenção especial do projeto, o que refletiu nos artigos 6º e 10 da Decisão 18/05 de modo a estabelecer que os Estados com economias mais fortes contribuiriam em maior proporção para o Fundo, em proporção baseada na média histórica dos produtos internos brutos, sendo os recursos destinados em proporções congruentes com a mesma lógica. Assim, em momento inicial, estipulou-se as contribuições pela Argentina na proporção de 27%, pelo Brasil na proporção de 70%, pelo Paraguai na proporção de 1% e pelo Uruguai na proporção de 2%. Já no que se refere à destinação dos recursos, a previsão inicial era destinar 48% dos recursos aos projetos apresentados pelo Paraguai, 32% àqueles apresentados pelo Uruguai, e 10%, respectivamente, para os projetos apresentados pela Argentina e pelo Brasil.
A decisão 18/05 do Conselho do Mercado Comum (CMC) também estipulou as diretrizes básicas para a regulamentação, a procedimentalização e o funcionamento do FOCEM, com destaque, neste momento - uma vez que a seção seguinte deste estudo abordará a normatização mais detalhadamente - para a previsão de criação de uma Unidade Técnica para, em conjunto com especialistas ad hoc disponibilizados pelos Estados para avaliar e acompanhar a execução dos projetos, nos termos do artigo 15 da referida decisão.
Em 2015, em virtude da assinatura do protocolo de adesão pelo Estado venezuelano em 2013, as proporções das contribuições e da destinação dos recursos foram atualizadas por meio dos artigos 3º e 4º da Decisão 22, de 16 de julho de 2015, que aprovou a continuidade do FOCEM e da respectiva unidade técnica. A partir dela, as contribuições passaram a ser normatizadas já com discriminação pecuniária, em dólares, da seguinte maneira: o Brasil contribuirá anualmente com USD 70 milhões, a
Argentina e a Venezuela com 27 milhões cada, o Uruguai com 2 milhões e o Paraguai com 3 milhões. O recebimento dos recursos, por sua vez, ficou redividido de modo que os projetos apresentados pelo Paraguai receberiam 43,65%, aqueles apresentados pelo Uruguai receberiam 29,05% e os apresentados pela Argentina, pelo Brasil e pela Venezuela seriam contemplados com 9,1% para cada Estado membro.
Até o presente momento, o Fundo viabilizou a realização de mais de 50 projetos, em todos os Estados membros do MERCOSUL, sendo três deles pluriestatais. 22 projetos já foram finalizados, 12 já tiveram suas atividades concluídas, e outros 15 encontram-se em execução.
Compreendendo então a natureza do FOCEM, seus delineamentos mais marcantes e seu fundamental papel na estrutura institucional do MERCOSUL, sobretudo na etapa corrente, em que a organização prioriza atuar no desenvolvimento da integração e convergência estrutural e social, compreende-se também sua inserção na realidade atual da organização. Mais do que simplesmente se ater a sucessivamente buscar emplacar uma tarifa externa comum ou o aperfeiçoamento da integração econômica proposta, identifica-se o MERCOSUL, especialmente por meio do FOCEM, como um foro de implementação de políticas públicas em nível regional.
Esta perspectiva, traz à tona, então, a necessidade de se investigar em que medida os projetos financiados e executados com recursos providos pela iniciativa regional atingem os objetivos traçados. Tal mapeamento permitiria averiguar, em última análise, a eficácia do próprio FOCEM e a adequação da institucionalidade do MERCOSUL como organização internacional que, quase desapercebidamente, veicula políticas públicas transnacionais para o aprimoramento de realidades locais inseridas no contexto da integração regional.
3. SANEAMENTO INTEGRADO DE ACEGUÁ
Desde a sua concepção, em 2004, o FOCEM financiou 49 projetos para fomentar atividades e infraestrutura nas áreas de competitividade (6), direitos humanos (2), energia (3), ensino (2), ferrovias (2), institucionais (4), moradia (2), pesquisa em saúde (1), promoção social (3), rodovias (17), saneamento (4), saúde (0), saúde animal (2) e turismo (1).
O Projeto do Saneamento Urbano Integrado de Aceguá, um dos quatro na área temática financiados pelo FOCEM, é também um dos dez projetos ainda em andamento, segundo a base de dados disponibilizada na página do Fundo. Entende-se que este projeto ilustra adequadamente o estudo proposto em razão do caráter praticamente imediato do impacto proposto pelo projeto, ao mesmo tempo em que também se visualizam na prática as questões pertinentes à transnacionalidade dos seus efeitos.
Aceguá é um município localizado na fronteira do estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, e Cerro Largo, no Uruguai. De acordo com o Censo 2010 do IBGE, do lado brasileiro Aceguá conta com 4.394 habitantes. Do lado uruguaio, segundo o Censo 2011 daquele país, há 1.686 habitantes.
O Projeto do Saneamento Urbano Integrado de Aceguá, então, consiste na “implantação de obras de infraestrutura hídrica para contenção e adução de água bruta, de saneamento ambiental e de macrodrenagem”, beneficiando a população do município em ambos os lados da fronteira e apoiando o desenvolvimento econômico da região.
Na tabela a seguir, enumeram-se as obras a serem realizadas de cada lado da municipalidade de Aceguá conforme o projeto:
Fonte: FOCEM. Projetos FOCEM. Saneamento Urbano de Aceguá.
Para obter financiamento do Fundo, um projeto precisa ser apresentado, primeiro, à Unidade Técnica Nacional FOCEM (UTNF), que analisará a conformidade com a normativa mercosurenha, a viabilidade do projeto e a documentação apresentada, competência essa que lhe foi atribuída pelo artigo 18 do Regulamento do FOCEM, seguindo os critérios dispostos nos artigos 40 e seguintes, do mesmo diploma.
Os projetos selecionados pelas UTNFs são, então, encaminhados, quando compreendidos como aptos e de interesse para o Estado que os encampar, à Comissão de Representantes Permanentes do MERCOSUL (CRPM), que na forma do art. 46 do Regulamento do FOCEM proferirá uma decisão sobre a elegibilidade do projeto em pauta para o financiamento pelo Fundo, seguirão para emissão do parecer da Unidade Técnica do FOCEM na Secretaria do MERCOSUL e, então, retornarão ao CRPM para que encaminhe as avaliações finais ao Grupo do Mercado Comum, que, finalmente submeterá o projeto à aprovação final do Conselho do Mercado Comum.
Foi seguindo este rito que o projeto de Saneamento Urbano Integrado de Aceguá, apresentado conjuntamente pelas UNTFs brasileira e uruguaia com base em estudo técnico de viabilidade realizado pela Universidade Federal de Pelotas, obteve a aprovação e o financiamento do FOCEM, aperfeiçoados por meio da Decisão n.º 30/2012 do Conselho do Mercado Comum (CMC), o órgão decisório superior em toda a estrutura do MERCOSUL.
A decisão, que acompanha o procedimento de apresentação e aprovação do projeto, também apresenta informações mais aprofundadas sobre o estado da região sem o projeto, ao estimar os benefícios pretendidos, que incluem na rede sanitária pública, segundo o projeto, a totalidade da população uruguaia e mais da metade da população brasileira de Aceguá, além de disponibilizar outros serviços e pavimentar vias públicas.
Ficaram outorgados como entidades executoras do projeto o órgão uruguaio OSE - Obras Sanitarias del Estado e, por descentralização, a Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN), avalizada pelos Ministérios da Integração Nacional, das Relações Exteriores e do Planejamento, Orçamento e Gestão brasileiros.
Passando à segunda etapa da metodologia de monitoramento de políticas públicas propostas, e extraindo algumas informações sobre os inputs e outputs do projeto da Decisão CMC 30/12, merece destaque a distribuição dos recursos destinados pelo FOCEM e pelos Estados (brasileiro e uruguaio) para execução do projeto. Quanto aos recursos financeiros, o Convênio de Financiamento (COF) n.º 04/2013, celebrado entre o Fundo, os Estados-Membros envolvidos e as entidades executoras informa a seguinte distribuição dos investimentos:
Fonte: FOCEM. Convênio de Financiamento do Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL N.º 04/13. p. 2.
O COF 04/2013 informa também a distribuição dos recursos na execução do projeto, nos seguintes termos:
Fonte: FOCEM. Convênio de Financiamento do Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL N.º 04/13. p. 6.
Em 2015, o Convênio de Financiamento do projeto foi aditado, aumentando o valor total do projeto para 9.213.954,43 dólares e alterando o cronograma e a distribuição de desembolsos dos valores investidos, nos seguintes termos:
Fonte: FOCEM. Addendum ao Convênio de Financiamento do Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL N.º 04/13. p. 2.
Contemplando também o cronograma do projeto, o último aditamento do Convênio de Financiamento previa que o último desembolso seria realizado no primeiro semestre de 2018, compreendendo o cronograma de vinte e quatro meses de trabalho para implementação das obras, ajustável aos processos licitatórios necessários.
No entanto, o projeto ainda se encontra em execução, sendo diversas as razões concorrentes para o atraso na conclusão total das obras.
No lado uruguaio, a execução do projeto foi iniciada sem maiores contingências em 2017, tendo sido inaugurado publicamente e colocado parcialmente em funcionamento. No lado brasileiro, contudo, a mesma sorte não contemplou a execução do projeto, que além dos atrasos relacionados ao licenciamento ambiental para a execução das obras, também encontrou dificuldades de ordem licitatória.
Em 2018, quando estavam programados os últimos desembolsos do projeto inicial, foi publicada a dissertação de mestrado “A integração transfronteiriça Brasil-Uruguai e o Projeto de Saneamento Urbano Integrado (Aceguá-Acegua)”, que dava conta do andamento da execução do projeto no lado brasileiro além de corroborar o sucesso do empreendimento no lado uruguaio. De acordo com a autora, o projeto precisou ser parcialmente reestruturado, impactando assim o licenciamento ambiental e demandando novas análises por parte dos órgãos do FOCEM. O atraso no licenciamento ambiental somou-se, ainda, à própria natureza das contratações administrativas e, na altura da publicação do trabalho, ainda não haviam sido realizadas as contratações e compras de materiais, tendo, naquele momento, contudo, sido logrados avanços no licenciamento ambiental, na regularização fundiária e na desapropriação e doação de imóveis.
O jornal Minuano, veículo de comunicação profissional local, publicou uma série de artigos jornalísticos acompanhando de maneira esporádica o andamento do projeto no lado brasileiro, corroborando a conclusão das desapropriações e do licenciamento ambiental em 2017 e relatando reiteradamente, avanço físico na conclusão de 56% das obras em 2020 e de 80% em 2021 e em janeiro de 2022, restando ainda executar, por meio de nova licitação, as obras da etapa conclusiva do projeto binacional no lado brasileiro.
Retomando a etapa intermediária da metodologia proposta para o monitoramento de políticas públicas, com aplicação ao caso do Saneamento Urbano Integrado de Aceguá, percebem-se alguns outcomes já aperfeiçoados, particularmente no atendimento integral à população da porção uruguaia, iniciado em 2019 dentro do prazo de 24 meses após a etapa licitatória previsto para a conclusão das obras.
Por outro lado, diversas dificuldades obstaram a execução temporânea das obras no lado brasileiro, tendo sido enumerados pela pesquisadora Daniela Schneider Tonel:
A inexistência de uma legislação capaz de abarcar uma realidade própria existente em faixas de fronteira e mesmo de diferenciá-las entre si, o que levou a necessidade de readequar por várias vezes o PSUIAA24;
Consequentemente, a necessidade de elaboração e adequação do projeto à duas legislações distintas. No caso, as exigências das leis brasileiras e uruguaias, o que se tornou uma missão de difícil resolução;
A dependência dos fundos de financiamento regionais, como o FOCEM, o que ficou evidente quanto a falta de cumprimento dos pagamentos do Brasil junto ao FOCEM o que ocasionou atrasos nas obras;
A disparidade das exigências relativas à preservação e à conservação do meio ambiente impostas aos projetos dessa natureza. No caso em questão, observou-se que a Fundação Estadual de Proteção Ambiental- RS (FEPAM), responsável pelo lado brasileiro, impôs exigências maiores se comparada àquelas observadas pelo lado uruguaio, em que se observa exigências menores. Isso levou a necessidade de se fazer adequações ao projeto quanto ao ponto de lançamento do efluente tratado e também da forma de tratamento do esgoto, acarretando mais um atraso da obra, sobretudo no lado brasileiro;
A existência de um descompasso entre as ações da FEPAM e da agência de saneamento responsável, a CORSAN;
Apesar de alguns avanços, ainda há falta de visibilidade das questões relativas à faixas de fronteira nos demais níveis de poder.
Mesmo assim, há notícias de que as obras do lado brasileiro, atualmente, encontram-se no patamar de 80% concluídas, de modo que, havendo a licitação prevista para o ano 2022, o projeto tenderia a ser concluído em seu escopo binacional.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS - DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O presente estudo buscou ilustrar, com base no estudo do caso do Saneamento Urbano Integrado de Aceguá, a importância do Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL como uma política pública regional com relevância e impacto material na cidadania em âmbito constitucional.
Nas etapas finais da metodologia proposta, procede-se à análise e revisão da política pública tendo em vista o exame realizado nas etapas anteriores das questões precedentes sobre a legalidade, a necessidade e o contexto de implementação do projeto, assim como os recursos empregados, os meios de execução, os benefícios esperados, o estado atual das obras e os impactos já alcançados pela iniciativa.
No caso do estudo proposto neste artigo, é necessário admoestar o leitor que se trata de uma análise de caráter amostral específico, de modo que o caso selecionado apresentou desenvolvimento fático relevante para a teorização do tema e tem natureza imediata no que tange à visualização dos resultados. Não se trata de um estudo restrito ao projeto de Saneamento Urbano Integrado de Aceguá, mas, de modo ilustrativo, também se analisa o próprio FOCEM sob as lentes do projeto especificamente detalhado.
Se, desde a sua concepção, o FOCEM finalizou 31 projetos e concluiu atividades de outros 8, dando transparência ao processo de apresentação, aprovação, financiamento e execução dos projetos por meio de um portal online onde se podem consultar digitalizações de documentos e detalhes específicos sobre cada iniciativa fomentada pelo FOCEM, por outro lado, a disponibilidade de dados no âmbito local fica difundida entre os poderes público brasileiro e uruguaio, no caso do projeto em análise, o que dificultou de maneira significativa o acesso às informações respectivas ao manejo dos mecanismos de execução locais.
A relevante diferença na velocidade da conclusão da obra, no caso do Saneamento Urbano Integrado de Aceguá, evidencia a necessidade de centralizar o controle os processos licitatórios e a execução do orçamento dos projetos, seja em um órgão do FOCEM ou em uma instância ad hoc, de preferência de caráter técnico, visando articular, além das entidades executoras, também e principalmente os atores diretamente envolvidos nos trâmites administrativos e ambientais (ou, em outros projetos, de quaisquer outras naturezas pertinentes).
Para além disso, também é necessário avançar com relação à transparência dos processos de auditoria e licitação desde o próprio Fundo, que não tem motivos para não reunir e dispor publicamente as informações sobre os gastos informados pelas entidades executoras dos projetos FOCEM nas prestações de contas respectivas.
O caso do Saneamento Urbano Integrado de Aceguá também evidencia, em contraste com a carência de articulação com atores locais de harmonização normativa regional de caráter regulatório - para além das entidade executoras e governantes, o que, contudo, é de se esperar, dada a desaceleração da agenda comercial e econômica no MERCOSUL.
O projeto também demonstra o sucesso e o potencial de impacto do FOCEM como macropolítica em escala regional, proporcionando melhoria na qualidade de vida e garantia de direitos à população que será atendida, ao fim das obras, na totalidade do território de Aceguá, no Rio Grande do Sul (no Brasil), e de Acegua, em Cerro Largo (no Uruguai).
Mais do que simplesmente se ater às tentativas de entabular uma tarifa externa comum ou o aperfeiçoamento da integração econômica proposta, identifica-se o MERCOSUL, especialmente por meio do FOCEM como um foro de implementação de políticas públicas em nível regional, trazendo à tona, então, a necessidade de se investigar mais inciativas aprovadas pelo Fundo e em que medida os projetos financiados e executados com recursos providos pela iniciativa regional atingem os objetivos traçados. Tal investigação permitiria averiguar, em última análise, a eficácia do próprio FOCEM e a adequação da institucionalidade do MERCOSUL como organização internacional que, quase desapercebidamente, veicula políticas públicas transnacionais para o aprimoramento de realidades locais inseridas no contexto da integração regional.