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Investigación Agraria

versión On-line ISSN 2305-0683

Investig. Agrar. vol.16 no.2 San Lorenzo dic. 2014

 

ARTÍCULO CIENTÍFICO

 

Erosão hídrica e perda de sedimento, água e nutrientes durante eventos pluviais em duas bacias hidrográficas rurais

Water erosion and loss of sediment, water and chemical elements during rainfall events in two rural watersheds

 

Jimmy Walter Rasche Alvarez1*, André Pellegrini2, Márcia Luciane Kochem3, Gilmar Luiz Schaefer3, Viviane Capoane4, Tales Tiecher3, Mayara Regina Fornari3 e Danilo Rheinheimer dos Santos3

 

1 Facultad de Ciencias Agrarias, Universidad Nacional de Asunción. San Lorenzo, Paraguay.

2 Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Dois Vizinhos, Brasil.

3 Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil.

4 Universidade Federal do Paraná. Curitiba, Brasil.

* Autor para correspondencia (jwrasche@yahoo.com.ar)

Recibido: 21/10/2014; Aceptado: 09/12/2014.

 


RESUMO

As atividades agrícolas geram impactos sobre o ambiente e necessitam de constante estudo e monitoramento para melhorar o entendimento das formas e grau de contaminação. O trabalho teve como objetivo quantificar e comparar as perdas de água, sedimento em suspensão e alguns elementos químicos durante dois eventos pluviais sequentes, em duas bacias hidrográficas (BH) rurais situadas no assentamento Alvorada, em Júlio de Castilhos, Rio Grande do Sul, Brasil. As BH’s estudadas possuem 144,5 ha (BH140) e 79,5 ha (BH80), com diferentes proporções de uso do solo. Os eventos pluviométricos ocorreram nos dias 18 (45,9 mm) e 19 (39,7 mm) de setembro de 2012. A perda de água por escoamento superficial na BH140 foi de 5,5% e na BH80 de 15,2%. Na BH140, a máxima concentração de sedimento em suspenção medida foi de 1,4 g l-1 contra 0,9 g l-1 na BH80. O fósforo solúvel nas amostras de água + sedimento na BH80 oscilaram entre 0,01 e 0,02 mg L-1; e na BH140 alcançaram 0,06 mg L-1. O fósforo total das amostras de água + sedimento da BH140 foi superior ao da BH80, alcançando os valores máximos de 2,10 e 0,47 mg L-1 na BH140 no primeiro e segundo evento, respectivamente. As BH’s apresentaram baixa perda de fósforo, perda moderada de bases (Ca, Mg, K e Na) e outros elementos químicos que constituem a estrutura do solo como Fe, Al, Mn e transferência insignificante de elementos traços metálico aos cursos de água.

Palavras-chave: Qualidade da água, degradação do solo, eutrofização, contaminação de cursos hídricos.

 

ABSTRACT

Agricultural activities generate impacts on the environment and require constant study and monitoring to improve understanding of the forms and degree of contamination. The present study aimed to quantify the losses of water, sediment and chemical elements during two rainfall events in two rural watersheds (RW) from an agricultural settlement in Júlio de Castilhos, State of Rio Grande do Sul, Brazil. The studied RWs have an area of 144.5 ha (RW140) and 79.5 ha (RW80), with different land use distribution. The monitored rainfall events occurred in 18 (45.9 mm) and 19 (39.7 mm) September 2012. Water loss by runoff in the RW140 was 5.5%, and in RW80 was 15.2%. In the RW140 the highest concentration of suspended sediment was 1.4 g L-1 compared to 0.9 g L-1 in RW80. The levels of soluble phosphorus in the water samples + sediment in the RW80 ranged between 0.01 and 0.02 mg L-1 and en the RW140 reached 0.06 mg L-1. Total phosphorus in samples of water samples + sediment in the RW140 was higher than the RW80, reaching maximum values of 2.10 and 0.47 mg L-1 in the RW140 in the first and second event, respectively. Both RWs in this study showed low phosphorus losses, moderate losses of bases (Ca, Mg, K e Na) and elements that are constituents of the soil structure as Fe, Al, Mn, and insignificant losses of metallic trace elements.

Key words: Water quality, soil degradation, eutrophication, water contamination.


 

INTRODUÇÃO

A qualidade da água de um curso hídrico depende da conformação do terreno, da cobertura vegetal e sua distribuição na paisagem, do uso das terras e do grau tecnológico aplicado nas atividades econômicas predominantes na bacia de drenagem (Mota 2008). A bacia hidrográfica surge, então, como a unidade a ser considerada quando se deseja avaliar efeito do uso e a ocupação do solo sobre a qualidade e quantidade de água escoada durante os eventos pluviométricos. Dessa maneira, o rio é um integrador dos fenômenos ocorrentes nas vertentes das bacias.

O transporte de nutrientes no escoamento superficial de sedimentos pode ser substancialmente alterado nos sistemas agrícolas onde não há o manejo adequado do solo, quando comparado aos biomas naturais. A erosão hídrica é um dos principais problemas dos solos de uso agrícola e pecuário no Brasil (Silva et al. 2005) e consequentemente nas bacias hidrográficas rurais. Juntamente com as partículas de solo erodidas são transportados nutrientes adsorvidos, fertilizantes e moléculas de agrotóxicos (Pellegrini et al. 2008), matéria orgânica (viva e morta) e uma gama de substâncias tóxicas, incluindo metais pesados e patógenos. Estes materiais, por sua vez, podem afetar a saúde dos vários componentes ecológicos de bacias hidrográficas como a biota aquática, a vida do solo, vegetação, fauna e da vasta gama de insetos que dependem da vegetação e corpos d'água, que fornecem alimento para as aves de ordem superior e outros animais. Além disso, a água é usada por seres humanos para fins industriais, agrícolas e outros, bem como para consumo doméstico (Conacher 2002).

O sedimento atua como vetor natural importante na transferência de elementos químicos para a biota aquática. No entanto, o excesso de algum elemento pode ocasionar desequilíbrio do ecossistema. Entre os nutrientes perdidos via escoamento superficial, o fósforo (P), por ser um dos responsáveis pelo processo de eutrofização das águas, tem sido foco de vários trabalhos nas últimas décadas. O aumento no teor de P nas águas superficiais desencadeia o aumento da população de plantas aquáticas e, posteriormente, com a morte destas é gerado acúmulo de material orgânico que aumenta a demanda de oxigênio na sua decomposição. Além disso, cianobactérias, como Microscystis aeroginosa, proliferam-se em águas ricas em fosfatos, e quando estas morrem liberam hepatotoxinas e neurotoxinas afetando a saúde humana (Cerioni et al. 2008). Além do P, há perda de outros elementos químicos, em especial aqueles mais solúveis (potássio, cálcio, magnésio, enxofre, entre outros), que não causam tanto impacto no ambiente aquático.

O presente trabalho teve como objetivo quantificar as perdas de água, de sedimento em suspensão e de alguns elementos químicos durante dois eventos pluviais seguidos, em duas pequenas bacias hidrográficas rurais situadas no assentamento Alvorada, em Júlio de Castilhos, no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil

 

MATERIAIS E MÉTODOS

As duas bacias hidrográficas (BH’s) estudadas estão localizadas no assentamento Alvorada, no município de Júlio de Castilhos, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. As águas das BH’s drenam para a BH do rio Jacuí. A hierarquia fluvial das BH’s seguindo os critérios introduzidos por Strahler (1957) é de terceira ordem. As BH’s possuem 144,5 ha e 79,5 ha e foram denominadas como BH140 e BH80, respectivamente. Em ambas as BH’s o divisor de água foi considerado até o ponto onde foram instaladas secções de monitoramento hidrossedimentológico.

O uso da terra na BH140 é constituído por 10,2% da área com mata ciliar; 1,9% com silvicultura; 16,8 % com pastagem nativa; 5,3 % com áreas úmidas cobertas por pastagem nativa; 58,6% com lavouras anuais; 1,2 % com estradas; 1,9 % com açudes e 1,6% são ocupadas pelas sedes. A BH80 apresenta 1,4% da área com mata ciliar; 1,0% com silvicultura; 13,4 % com pastagem nativa; 15,3 % com áreas úmidas cobertas com pastagem nativa; 50,3% com lavouras; 1,0 % com estrada; 0,4 % com açudes; 2,3% são ocupadas pelas sedes das propriedades. O sistema de produção predominante nas BH’s é baseado no cultivo de soja e milho sob sistema plantio direto, com o uso de fertilizantes e agrotóxicos no verão, e pastoreio de aveia e azevém pelo gado no inverno. Nas pastagens nativas de áreas úmidas a atividade pecuária é a predominante (Rasche 2014).

Na BH140 encontra-se instalada uma estação meteorológica automática (Danvis, Vantage Pro 2), um pluviógrafo que realiza leituras a cada 5 minutos e dois pluviômetros. Na BH80 foi instalado um pluviógrafo conectado a um datalogger (SL PNV 2000) que registra os dados a cada 5 minutos. Também foi instalado um terceiro pluviômetro na cabeceira desta bacia. A distância entre os exutórios das duas bacias é de aproximadamente 1.750 m. Para o monitoramento da vazão foram construídas duas calhas Parshall localizadas nos exutórios das BH’s. Na BH140 a largura crítica (Lc) foi de 1,52 m, com vazões mínimas e máximas entre 0,017 m3s-1 e 3,35 m3s-1, respectivamente. A BH80 possui Lc de 1,22 m gerando vazão mínima de 0,013 m3s-1 e máxima de 2,68 m3s-1. Nas duas calhas foram instaladas linígrafos de pressão no interior de um poço estabilizador, conectado a um datalogger (SLPNV 2000) que registra valores em milivolt, em intervalos de 5 minutos e também se encontram instalados turbidímetros. A altura da lâmina de água e a concentração de sedimento em suspensão (CSS) foram calibradas durante vários eventos pluviométricos. Para a vazão foi aplicada a equação de vazão para calha Parshall, sendo:

Q = 2,2 * Lc * Hm3/2           (1)

Onde Q = vazão m³s-1; Lc = largura crítica da calha (m); Hm = altura da lâmina de água que cruza a secção (m). A separação entre o escoamento superficial e o escoamento de base foi realizada pela inspeção visual, com base na plotagem da recessão da vazão em uma escala mono-log e tendência retilínea da mesma (Tucci 2002). A amostragem de água e CSS foram realizadas nas secções de controle localizadas nos exutórios das pequenas bacias hidrográficas durante dois eventos pluviométricos, ocorridos nos dias 18 e 19 de setembro de 2012. Os dados apresentados no trabalho começaram a ser considerados a partir das 5:00 horas do dia 18 até às 11:00 do dia 19 de setembro, totalizando 30 horas.  Nesta época, boa parte das áreas de lavoura, em ambas as bacias, estava sendo utilizadas para pastoreio do gado.

As amostragens foram realizadas manualmente a cada variação na altura da lâmina de água, sendo o número e a frequência de amostragem definidos de acordo com as condições de cada evento. Para a coleta utilizou-se um amostrador manual do tipo US DH-48. As amostras foram deslocadas ao laboratório de Química e Fertilidade do Solo (LQFS), do Departamento de Solos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), para serem analisadas. As determinações de pH, turbidez e condutividade elétrica foram realizadas no momento da chegada das amostras ao laboratório.

O teor de P solúvel (Ps) foi analisado logo após a chegada das amostras de água + sedimento ao laboratório. Para determinar o Ps, inicialmente as amostras foram filtradas em uma membrana de celulose com poros de diâmetro de 0,45 µm. A análise de Ps foi realizada segundo o método de verde de malaquita (Makris 2002).

Para determinar o teor de P total (PT) das amostras de água + sedimento foram pipetadas 10 ml de amostra e colocados em tubos de digestão. O P total do sedimento foi determinado empregando-se digestão ácida (H2SO4 + H2O2) na presença de MgCl2 saturado (Brookes e Polwson 1982). O P particulado biodisponível (Ppb) das amostras de água + sedimento foi estimado por meio de uma única extração (a primeira) com resina trocadora de ânions (RTA), com base na metodologia desenvolvida por Kroth (1998), e a determinação do teor de P, de acordo com Murphy e Riley (1962). As lâminas de resina foram retiradas dos tubos e recuperadas segundo Miola (1995). Desse modo, o P particulado biodisponível (Ppb) do solo corresponde àquele que é obtido na primeira extração com a resina trocadora de ânions.<

O P particulado potencialmente biodisponível (Pppb) da água + sedimento foi estimado por meio de extrações sucessivas com RTA, realizadas após a primeira extração. O procedimento experimental segue a mesma metodologia descrita acima para o P particulado biodisponível. As extrações foram diárias até o momento que os teores de P se tornassem constantes e próximos de zero. A cinética de primeira ordem, proposta por McKean e Warren (1996), foi aplicada aos dados experimentais obtidos, de acordo com a equação 1:

 

Onde Pdes = P dessorvido, β = P particulado potencialmente biodisponível, α = P biodisponível particulado, λ = taxa de dessorção constante de P e t = tempo de extração.

Foi realizado a análise de correlação entre o PT, Ppb e Pppb nas diferentes amostras de agua + sedimento coletados durante os dois eventos pluviométricos.

Para quantificar o teor total dos elementos químicos: fósforo, cálcio, magnésio, potássio, sódio, alumínio, ferro, manganês, silício, cobre, zinco, chumbo, cádmio, vanádio, titânio, estrôncio, antimônio, níquel, lantânio, cromo, cobalto, berílio, bário e boro, uma alíquota de 20 ml de água + sedimento foi coletada em diferentes etapas do evento de precipitação, onde foi digerida em tubos de teflon com 1,0 ml de HCl concentrado e 0,5 ml de HNO3 concentrado a 175ºC em forno de micro-ondas (USEPA 1996). Outra alíquota foi filtrada em filtro Milipore 0,22 µm para quantificar os teores solúveis dos elementos químicos citados anteriormente. As leituras foram feitas no ICP-OES e a diferença entre os teores total e solúvel foi considerada como a parte particulada do elemento avaliado. Os parâmetros analisados da água + sedimento coletado em ambas as bacias foram enquadradas em Classes de acordo a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) n° 357 (BRASIL 2005).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No evento ocorrido no dia 18 de setembro de 2012 choveu 44,5 mm e no dia 19 de setembro de 2012, choveu 39,7 mm, desta forma, o somatório total de precipitação foi de 84,2 mm, em 25 horas. Para o primeiro evento, o volume da precipitação na BH140 foi de 66.472 m3 e na BH80 foi de 36.508 m3, no entanto o escoamento superficial na BH140 foi de apenas 3.252 m3 (5,1%) e na BH80 de 5.564 m3 (15,2%). A vazão de pico na BH140 foi de 0,939 e de 0,596 m3s-1 no primeiro e segundo evento, respectivamente (Figura 1), na BH80 a vazão de pico foi de 0,898 e 0,447 m3s-1 no primeiro e segundo evento, respectivamente (Figura 2). A primeira vazão de pico foi similar entre as duas BH’s, onde a vazão de pico da BH140 foi superior em 4,4% comparativamente à vazão de pico da BH80, e 33,3% superior no segundo evento. Antes da precipitação de 18 de setembro de 2012, nos dias 10 e 17 de setembro, houve precipitação de 41 e 7,3 mm, respectivamente. Isto significa que o solo tinha maior umidade, principalmente nas áreas úmidas por naturalidade, o que resultou em alto escoamento superficial na BH80, quase alcançando a vazão de pico da BH140. O efeito das áreas úmidas pode ser observado no tempo de vazão de pico; essas áreas úmidas diminuem a velocidade do escoamento superficial na BH80.

 

 

O tempo de pico no primeiro evento para ambas as bacias foi de 40 minutos e no segundo evento foi de 55 minutos na BH140 e de 50 minutos na BH80. Já o tempo de concentração (Tc) da vazão entre as duas bacias foi diferente em ambos os eventos, no primeiro evento, o Tc na BH140 foi de 90 minutos e na BH80 foi de 170 minutos. No segundo evento foi de 110 e 165 minutos, respectivamente para a BH140 e BH80.  Umas das possíveis explicações para essa variação no tempo de concentração é o maior percentual de área de amortização (áreas úmidas) próximo a rede de drenagem na BH80. Ambas as bacias apresentam altura de pico similar, no entanto, a BH80 perde maior porcentagem de água devido a maior proporção de área úmida, onde o solo já se encontrava saturado e, portanto com pouca ou nula infiltração de água antes do inicio do escoamento superficial. O baixo escoamento superficial nas bacias deve-se a baixa intensidade da precipitação média (4,17 mm h-1 e 3,75 mm h-1 no primeiro e segundo evento, respectivamente), sendo que a máxima intensidade da precipitação foi de 70,2 mm h-1 no primeiro evento e 48,6 mm h-1 no segundo evento.

Na BH140, a CSS medida foi superior, alcançando 1,4 g l-1 contra 0,9 g l-1 na BH80 durante o primeiro evento. No segundo evento, o pico, como a intensidade da precipitação foi menor, a vazão máxima também foi menor em ambas BH’s, e o tempo entre o início do escoamento e a vazão de pico foi maior. Constata-se que o pico de CSS em ambos os eventos antecedeu a vazão de pico. Além disso, para a BH80, no evento de setembro de 2012, houve aumento da CSS no primeiro pico, enquanto que o segundo pico de CSS praticamente não foi afetado pelo aumento da vazão. A maior CSS na BH140 se deve, possivelmente, à maior conectividade entre os diferentes usos do solo e destes com os cursos d’água, bem como à menor área de banhado, comparativamente à BH80, pois nessas áreas de baixada ocorre a deposição do solo erodido das lavouras.

A concentração de sedimentos na BH140 acompanharam o comportamento da vazão do curso hídrico, sendo maior o poder erosivo quanto maior a intensidade da chuva (Figura 1). Na BH140 grande parte da área é usada para pastoreio do gado, onde embora exista o cultivo de aveia, nabo e azevém, o solo não se encontrava totalmente coberta, devido ao pastoreio excessivo, expondo o solo aos processos erosivos. Já na BH80, embora a perda de água por escoamento superficial tenha sido maior, a CSS não acompanhou o comportamento da vazão (Figura 2). A menor entrada de sedimento na BH80 ocorreu porque as áreas úmidas retardam o escoamento superficial, agindo como armadilha e retendo parte do sedimento.

Durante os eventos, a condutividade elétrica (CE) e o pH da água coletada diminuíram com o aumento da vazão em ambas as BH’s (Tabela 1).  No entanto, na BH80 tanto a CE quanto o pH foram inferiores aos valores correspondentes a BH140. A diminuição da CE e do pH é devida ao efeito da diluição de sais no volume de água escoada durante a precipitação, pois antes da ocorrência da chuva a vazão dos córregos é muito baixa, sendo de apenas 0,009 e 0,005 m3 s-1 na BH140 e BH80, respectivamente.

 

Os teores de P solúvel (Ps) nas amostras de água + sedimento na BH80 foram baixos, oscilando entre 0,01 e 0,02 mg L-1; já na BH140 os valores correspondentes foram bastante altos, chegando a ser em alguns momentos até 6 vezes maiores do que na BH80. Observa-se que no primeiro pico da vazão há maior concentração de Ps em ambas BH’s, embora isso seja mais visível na BH140.  Já no segundo evento, o Ps é maior na fase de ascensão da vazão na BH140, diminuindo posteriormente, enquanto que na BH80 não há diferença entre as três fases da vazão com relação ao segundo pico. Os baixos teores de Ps são decorrentes dos baixos níveis de P disponível encontrados na maioria dos solos das lavouras e pastagens das bacias (Rasche 2014). Além disso, não há gado em confinamento, criação de suínos em forma intensiva ou aviários nas BH’s que poderia resultar em aumento na contaminação dos cursos hídricos com Ps, como observado por Capoane e Rheinhermer (2013) em uma BH no noroeste do estado do Rio Grande do Sul.

O teor de PT das amostras de água + sedimento da BH140 foi superior ao da BH80, alcançando os valores máximos de 2,10 e 0,47 mg L-1 na BH140 no primeiro e segundo evento, respectivamente; e de 0,90 e 0,13 mg L-1 no primeiro e segundo evento da BH80, respectivamente. Em ambas BH’s, a máxima concentração de P total ocorre antes do pico de vazão do evento, ocorrendo inclusive antes da máxima concentração de sedimento nas BH’s, indicando que esse nutriente se encontra quase na sua totalidade na forma particulada.

Os valores de PT encontrados durante os eventos são superiores ao teor máximo para ambientes lóticos (0,1 mg L-1) estabelecido pela Resolução nº 357 do CONAMA (BRASIL 2005). O valor máximo de PT antes do pico da CSS pode ter ocorrido devido à granulometria mais grosseira das partículas erodidas no pico (fração areia), enquanto que aquele material erodido antes do pico da CSS é mais rico em partículas finas (fração argila e silte), as quais possuem maior capacidade de sorver e transportar P.

O Ppb aumenta em ambas BH’s com o aumento da vazão no primeiro pico; já no segundo pico, apenas na BH140 ocorre aumento de Ppb com o aumento da vazão. A Ppb é responsável pela maior parte do Pppb, chegando a representar 86% do Pppb. Há muita oscilação na porcentagem do Pppb e este parâmetro não possui muita relação com a vazão ou com a CSS.

A maior perda de Ppb na BH140 quando comparada à BH80 decorre do fato da camada 0-10 cm do solo na BH140 apresentar maior teor de P disponível, comparativamente à camada análoga da BH80 (Rasche 2014). O maior teor de Ppb nas BH’s de Júlio de Castilhos foi encontrado antes do pico da vazão, diferentemente do que foi observado por Schenato (2009) na bacia de Agudo, em que o maior teor de Ppb ocorreu após o pico da vazão. Isso pode ter ocorrido porque na bacia de Agudo há maior aplicação de fertilizante solúvel nas lavouras de tabaco. Como ao término dos eventos pluviométricos ainda ocorre escoamento de água superficial das lavouras, pode-se dizer que nesse momento a água que escorre possui pouco sedimento em suspensão, mas na bacia de Agudo ela é rica em P dissolvido, de modo que continua havendo perda de P na forma solúvel. Já nas BH’s de Júlio de Castilhos há pouco P disponível e também há pouca perda de P na forma não particulada.

A diferença existente entre o Pppb e o Ppb, demonstra que depois da primeira dessorção de P do sedimento, onde ocorre a maior liberação deste elemento, continua existindo dessorção de P do sedimento para a fase líquida, embora mais lentamente. Esta disponibilização de P por dessorção do sedimento se dará toda vez que se alcance condições adequadas, tais como a possibilidade do sedimento transitar por lugares com baixo teor de Ps na água, ou quando essas partículas sedimentam em banhados, lagos, etc. Os resultados obtidos neste trabalho estão de acordo com aqueles encontrados por Gonçalves, (2007), o qual constatou que 70% do Pppb foi obtido nas três primeiras extrações com RTA em uma BH com predomínio de lavoura de tabaco.

É importante ressaltar que somente uma parte do PT será solubilizada, permanecendo grande parte deste na fase sólida do sedimento. Isso demonstra que o PT, considerado indicador de qualidade de água na legislação brasileira, nem sempre pode ser utilizado satisfatoriamente para tal fim. Países como o Reino Unido consideram o Ps com teor de 0,01 mg L-1 para rios e 0,01 mg L-1 de PT para lagos. Zhou et al. (2001) constataram que lagos com o mesmo PT apresentaram diferentes quantidade de P biodisponível para as algas.

Embora exista mais perda de P particulado e solúvel na BH140 do que na BH80, devido ao teor de P disponível no solo da camada 0-10 cm nas áreas de lavouras da BH140, em geral as perdas na forma particulada e solúvel são baixas, principalmente quando comparada a outras BH’s (Pellegrini et al. 2009, Schenato 2009, Waltrick 2011).

A baixa perda de Ppb e Pppb quando compara-se com outras BH’s monitoradas deve-se, em grande parte, à baixa dose de P aplicada nas BH’s de Júlio de Castilhos. Em conversas informais com os agricultores das BH’s do Assentamento Alvorada foi constatado que os mesmos aplicam fertilizantes somente na cultura de verão (que na maior parte das lavouras é soja). Essa adubação é feita principalmente com a aplicação de 250 a 350 kg ha-1 da fórmula 0-18-18 % de N-P2O5-K2O, respectivamente, ou 200 a 300 kg ha-1 da fórmula 2-23-23 % de N-P2O5-K2O, respectivamente. Em muitos casos, essa fertilização é realizada concomitantemente com a aplicação de cal filler na dose de 50 a 100 kg ha-1 na linha de semeadura, além da aplicação de 50 kg ha-1 de KCl a lanço em cobertura antes do início do florescimento da soja. Assim, anualmente nas lavouras das BH’s são aplicados entre 20 a 30 kg ha-1 de P, quantidade que possivelmente é exportada quase totalmente nos grãos de soja no verão e na forma de leite no inverno, com uma parte sendo transferida via esterco para as áreas de pastagem permanente. Assim, pouco P lábil chega a ser perdido na forma solúvel ou particulada.

Na BH140 foi observada um coeficiente de correlação de 0,91 entre o PT e o Ppb (Ppb = 0,0953*PT; R2 = 0,82) e do PT com o Pppb (correlação = 0,88; Pppb = 0,0997*PT; R2 = 0,68). Já na BH80, observou-se a correlação de 0,87 entre o PT e o Ppb  (Ppb = 0,056*PT; R2 = 0,72) e o coeficiente de correlação de 0,82 entre PT e o Pppb (Pppb = 0,089*PT; R2 = 0,44).

Considerando a perda de elementos químicos durante os dois eventos, a realizar-se a integração das amostras de sedimento em suspenção, se constata que o teor de P total na água escoada na maior parte do tempo foi muito baixo (<0,1 mg L-1), exceto durante a ocorrência de deflúvio superficial (Tabela 2 e 3). Os parâmetros analisados da água de escoamento de base em ambas as bacias enquadra-se na Classe I de acordo a Resolução do CONAMA n° 357 (BRASIL  2005). A quantidade total de P que passa nos exutórios das bacias é muito baixa (0,029 e 0,023 kg ha-1 de P na BH140 e BH80, respectivamente) comparativamente com bacias de paisagens montanhosas e com cultivo de tabaco (Pellegrini et al. 2008).

 

 

A quantificação de alguns elementos químicos representantes dos Grupos I e II da tabela periódica (Ca, Mg, K e Na) evidencia que o manejo do solo, em especial a sua cobertura com vegetação e resíduos, as práticas mecânicas de controle de enxurrada e a adubação estão completamente fora dos padrões mínimos tanto para obtenção de altas produtividades quanto de minimização dos impactos ambientais do uso agrícola dos solos. Frisa-se aqui, em especial, os altos valores de K transferidos aos cursos de água na forma solúvel (Tabela 4), uma vez que os seus teores no solo já são suficientes (Rasche 2014) e os agricultores insistem em aplicar fertilizantes a lanço na superfície do solo, ou por desconhecimento técnico e/ou por pressão das empresas fornecedoras de insumo.

 

As altas concentrações de elementos químicos que constituem a estrutura dos minerais do solo na água dos cursos hídricos comprova que grande parte dos elementos tem origem geoquímica, pois o Al, Fe, Mn e Si formam parte da estrutura dos minerais do solo (Press e Siever 2006) e são os que se encontram em maior quantidade. Observa-se que a maior parte destes elementos se perde na forma particulada durante os eventos. O teor de Fe, Al e Mn são bastante elevados enquadrando a água coletada na Classe II, IV e IV, respectivamente de acordo com a Resolução do CONAMA n° 357 (BRASIL 2005). No entanto, em dias onde não há precipitação, a concentração destes elementos é baixa porque a água apresenta baixa CSS, ou seja, se não há perda de sedimento a perda destes três elementos é mínima.

A quantidade de Cu e Zn perdidos na BH140 durante os eventos foi baixa, observa-se que mesmo na maior concentração os mesmos foram enquadrados na Classe I de acordo com Resolução do CONAMA n° 357 (Tabela 4), já na BH80 o teor de Cu perdido superou o limite para enquadrar-se na Classe I de acordo com Resolução do CONAMA n° 357 (Tabela 4).

Considerando que ambos os elementos são bastante solúveis em água, o baixo teor destes dois elementos também pode ser atribuído à inexistência de granjas de criação de suínos e aviários, que são importantes fontes geradoras de Cu e Zn em BH’s rurais.

Cabe destacar que o Pb, V e Sb  na PB140, apresentou níveis elevados, o que os enquadrou na Classe IV, IV e III, respectivamente, de acordo a Resolução do CONAMA n° 357 (BRASIL 2005), já na PB80 o Pb, V e Sb foi enquadrado na Classe III, I e III, respectivamente, de acordo a Resolução do CONAMA n° 357 (BRASIL 2005), entanto os três elementos apresentam baixa solubilidade. Assim, somente durante os eventos pluviométricos aparecem em excesso nos cursos d’água das BH’s, indicando que eles possuem possivelmente origem geoquímica, e não antrópica (Tabela 4).

 

CONCLUSÃO

A perda de água foi três vezes superior na BH80 que na BH140, mas na BH140. A presença de áreas úmidas na BH80, embora permitam maior perda de água durante eventos pluviométricos, são fundamentais na retenção de sedimentos. As BH’s monitoradas apresentaram baixa perda de fósforo, perda moderada de outros elementos químicos que constituem a estrutura do solo e insignificante transferência de elementos traços metálicos aos cursos de água. As quantidades de elementos químicos, em especial dos nutrientes, transferidos aos cursos de água das duas bacias hidrográficas seguem o manejo das culturas adotadas pelos agricultores assentados, sendo conflitante tanto sob o ponto de vista produtivista como conservacionista.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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