1. INTRODUÇÃO
Um acordo executivo é um tratado ao qual o poder Executivo vincula em definitivo o Estado sem a participação do poder Legislativo. Distingue-se dos tratados que exigem o concurso das vontades dos poderes Executivo, que os negocia e assina, e Legislativo, que aprecia o texto convencional e, em o aprovando, habilita o Executivo a obrigar o país. Este segundo tipo, a exigir a participação de dois poderes constituídos, será chamado aqui de tratado sujeito a apreciação legislativa.
Não é raro que o administrador público e outros operadores do direito se vejam às voltas com compreensíveis perplexidades ao lidar com os acordos executivos. No direito brasileiro, por exemplo, o tema não se beneficia de previsão constitucional ou legal explícita, embora a prática dos acordos executivos atravesse a história do Brasil monárquico e republicano. A guiá-la, principalmente o costume e a doutrina. Situação semelhante é encontrável, quanto a esta modalidade de tratados, no direito constitucional dos Estados partes do MERCOSUL.
Uma destas perplexidades refere-se ao momento da entrada em vigor do acordo executivo. Deve este, por sua natureza executiva, necessariamente entrar em vigor na data da assinatura? A grande maioria dos acordos executivos vige a partir de sua firma, mas será esta a sua característica definidora? Pode um acordo ser executivo, mas entrar em vigor em data posterior? Ou ter sua vigência sujeita a uma condição futura? E crucialmente: pode um tratado ser de natureza executiva para uma parte mas, para outra, estar sujeito a apreciação legislativa?
O presente artigo adota metodologia descritiva e analítica, examinando bibliografia e precedentes com o objetivo de dali extrair respostas às questões acima. O autor busca (I) descrever, brevemente, como tais acordos são abordados pela lei interna dos Estados partes do MERCOSUL; (II) efetuar uma breve análise sobre a natureza jurídica dos acordos executivos, ao examinar qual ordem jurídica define o papel dos poderes constituídos na sua celebração; (III) discutir que fórmulas são admitidas para a cláusula de vigência desta espécie de tratados, na modalidade bilateral, e se um mesmo acordo pode ser executivo para apenas uma das partes; e (IV) aferir até que ponto o raciocínio desenvolvido para os acordos executivos bilaterais pode ser estendido aos multilaterais. De modo a procurar orientar os operadores do direito no deslinde das questões atinentes ao tema, a conclusão destaca, para reflexão, as consequências da participação de contratantes que tragam à mesa de negociação regras internas distintas sobre a participação dos poderes Executivo e Legislativo na celebração de acordos e as eventuais dificuldades dali advindas, recapitulando maneiras de contorná-las.
Não se cuidará, aqui, dos limites materiais ou das condições de validade dos acordos executivos, em outras palavras, dos casos em que o tratado pode ser celebrado sem ouvir o Legislativo, aspectos que dependem de cada ordem jurídica nacional. Tais temas, vez por outra, suscitam polêmica doutrinária que transcende o escopo deste artigo.
2. OS ACORDOS EXECUTIVOS NOS ESTADOS PARTES DO MERCOSUL
As constituições dos Estados partes do MERCOSUL não contêm regras explícitas sobre a possibilidade de o poder Executivo celebrar tratados sem ouvir o Legislativo. O direito constitucional dos quatro Estados, não obstante, permite a prática dos acordos executivos e desenvolveu critérios para a sua aplicação.
Há registros do emprego de acordos executivos pela Argentina desde 1930; já em 1951, o governo argentino reconheceu, em resposta a consulta da ONU, a adoção de tratados desta natureza. A constituição argentina outorga ao presidente da Nação a prerrogativa de celebrar acordos e ao Congresso, a de “aprobar o desechar tratados”. Embora o texto constitucional não mencione os acordos executivos, a prática e a jurisprudência argentinas desenvolveram um costume constitucional que permite a sua celebração, sem ouvir o Congresso, em determinadas circunstâncias. Há, inclusive, manifestações da Corte Suprema neste sentido.
Desde a constituição federal de 1891, o poder de celebrar tratados é regulado no Brasil pelos dispositivos sobre as competências dos poderes Executivo e Legislativo, permitindo ao primeiro celebrar tratados ad referendum do Congresso Nacional e, ao segundo, resolver definitivamente sobre os mesmos. Como no exemplo argentino, o tema dos acordos executivos não encontra disciplina expressa na Carta, mas a doutrina jurídica brasileira admite a sua existência, em certos casos, apontando um costume constitucional ou uma prática reiterada.
Situação semelhante é encontrada na constituição paraguaia, que tampouco aborda a questão dos acordos executivos. O poder de celebrar tratados é regulamentado nas seções correspondentes às competências do Legislativo e do Executivo, as quais preveem que o parlamento tem autoridade para “aprobar o rechazar los tratados” que o Executivo celebre. Isto não obstante, o direito paraguaio admite, em certas circunstâncias, a existência e a validade dos acordos executivos.
A constituição do Uruguai atribui ao Executivo a função de celebrar tratados, “necesitando para ratificarlos la aprobación del Poder Legislativo”. Ainda assim, a Administração uruguaia utiliza com frequência os acordos executivos, em determinados casos, prática que é reconhecida pelo Judiciário local.
Nos quatro países, os limites materiais para a celebração de acordos executivos são semelhantes. Em geral, a autoridade para tanto advém de uma autorização prévia (por lei ou por outro tratado) outorgada pelo Legislativo ou da competência constitucional estrita da Administração. Tais limites - e a própria licitude de concluir tratados sem ouvir o parlamento - são definidos pelo direito nacional de cada país.
3. O FUNDAMENTO JURÍDICO DOS ACORDOS EXECUTIVOS
É o direito interno de cada Estado que determina quais poderes constituídos devem intervir na celebração de tratados. A ordem jurídica doméstica, em suma, define se, e em que casos, o Executivo pode concluir tratados sem ouvir o parlamento - os chamados acordos executivos - e dispõe também em que situações o crivo do Legislativo é incontornável, sem o qual o Executivo não estará habilitado a vincular o país em definitivo ao que foi avençado. No caso do Brasil, é o direito brasileiro, portanto, que estipula se o poder Executivo pode celebrar acordos executivos e em quais condições. O mesmo se aplica a Argentina, Paraguai, Uruguai e a qualquer outro Estado.
Sendo assim, o instituto do acordo executivo não é uma categoria de direito internacional, mas sim de direito interno de determinado Estado, frequentemente de direito constitucional. Não se deve, portanto, buscar em algum dispositivo do texto convencional a indicação de que um acordo pode ou não ser celebrado solitariamente pelo Executivo; deve-se procurá-la na constituição e nas leis do Estado. Nas palavras de Rezek:
para bem operá-la; a distinção entre o tratado executivo e tratado abonado pelo parlamento], não se levará em conta qualquer característica do próprio tratado, mas a maneira de agir de cada uma das partes pactuantes, em atenção às normas do seu direito interno que distribuem competência para o comprometimento exterior.
O tratado pode, por exemplo, prever que sua entrada em vigor não ocorrerá com a assinatura, e sim mediante condição futura (ratificação, notificação ou outro ato com o mesmo propósito, posterior à firma), mas ainda assim ser de natureza executiva para a parte cujo sistema constitucional dispense o Executivo de consulta ao parlamento. Ainda Rezek:
[É] desenganadamente executivo o tratado solene, de procedimento longo, em que o intervalo entre a assinatura e a ratificação de cada parte se vê preencher não com a consulta ao respectivo parlamento - acaso desnecessária, segundo seu sistema constitucional - mas com estudos e reflexões confinados no puro âmbito governamental.
Quando um tratado é de natureza executiva para determinado Estado, este pode expressar o seu consentimento definitivo em obrigar-se já no momento da assinatura, se assim desejar e o texto convencional o permitir. Os acordos executivos bilaterais frequentemente preveem sua entrada em vigor na data da firma. Por este motivo, o exame das cláusulas de vigência dos tratados em geral e daqueles da modalidade executiva é de particular importância para a compreensão do tema.
4. A CLÁUSULA DE VIGÊNCIA NOS TRATADOS BILATERAIS
Os tratados bilaterais frequentemente contêm cláusula de vigência vazada nos seguintes moldes: “Este Acordo entrará em vigor na data de recebimento da segunda nota diplomática indicando que todos os procedimentos internos necessários foram completados pelas Partes”. Conhecida como ‘assinatura sob reserva de ratificação, aceitação ou aprovação’, esta fórmula estabelece uma condição suspensiva da vigência, subordinando a entrada em vigor a uma notificação pelos canais diplomáticos. O que ocorre entre a assinatura e a notificação não diz respeito ao tratado em si, nem à outra parte - trata-se de procedimento interno de cada parte, como é dito no próprio texto convencional.
É bem verdade que as partes de um tratado costumam recorrer à expressão “procedimentos internos” quando não podem obrigar-se sem o consentimento do Legislativo. Esta fórmula permite que as partes busquem a anuência dos respectivos parlamentos antes de ratificar o acordo, caso as suas ordens jurídicas domésticas o exijam.
Mas é importante deixar claro que, por si só, a fórmula em questão não torna o texto convencional um tratado sujeito a apreciação legislativa, a exigir anuência parlamentar para a sua ratificação. Como já mencionado, não é (e não poderia ser) o texto do tratado que determina quais poderes constituídos devem intervir na celebração, já que este tema é da província do direito interno de cada parte. É o direito doméstico - frequentemente o direito constitucional de um país - que dispõe sobre como o Estado se vincula a atos internacionais e qual o papel dos poderes Executivo e Legislativo na matéria. Em outras palavras, a assinatura sob reserva de ratificação é frequentemente usada quando as partes (ou pelo menos uma delas) dependem do crivo do parlamento para ratificar o acordo, mas aquela fórmula, por si só, não significa que o tratado não possa ser executivo para uma das partes ou para ambas. Mais adiante veremos como um tratado pode ser executivo, mas conter uma fórmula de assinatura sob reserva de ratificação.
5. A CLÁUSULA DE VIGÊNCIA NOS ACORDOS EXECUTIVOS BILATERAIS
Os acordos executivos costumam apresentar uma cláusula de vigência na seguinte linha: “O Acordo entrará em vigor na data de sua assinatura e seus dispositivos produzirão efeitos imediatamente”. Por vezes, podem prever uma curta vacatio conventionis, um prazo já fixado no texto, em geral de cinco a sessenta dias após a data da assinatura. Por exemplo, “O presente Acordo entrará em vigor trinta (30) dias a partir da data da assinatura pelas Partes”. Há, ainda, casos em que uma data certa é fixada.
Desde logo, isto significa que o acordo só é executivo se entrar em vigor na data da assinatura ou alguns dias depois? Não. Como já se viu, é executivo o tratado ao qual o poder Executivo pode obrigar o Estado sem consulta ao Legislativo. Não custa repetir: não é um dispositivo do texto convencional que determina se o acordo é executivo, que dispõe quais poderes constituídos devem intervir na celebração, e sim o direito interno de cada parte.
O corolário evidente é que um mesmo tratado pode ser acordo executivo para uma das partes e tratado sujeito a apreciação legislativa para outra. Tudo dependerá do que o direito interno de cada uma das partes dispõe sobre o consentimento para vincular o Estado em definitivo ao que foi avençado. Neste caso, a questão passa a ser, então, a forma a adotar-se para a cláusula de vigência. Uma das partes poderia aceitar a cláusula de entrada em vigor com a assinatura, porque seu direito interno confere ao poder Executivo a autoridade para vincular o Estado sem ouvir o parlamento. Mas a outra parte talvez não possa, porque seu direito doméstico exige, para as circunstâncias ou a matéria disposta no tratado, a concorrência do poder Legislativo de seu país. O que fazer? Não tem acordo? Ou se tem, qual o aspecto da cláusula de vigência?
Situações como esta são comuns no plano internacional. E é claro que os Estados não deixarão de fazer negócios por conta desta aparente dificuldade ou incompatibilidade.
Uma solução possível é explicitar-se, na cláusula de vigência, que o tratado tem natureza executiva para uma parte, mas está sujeito a apreciação legislativa para outra, prevendo-se então uma notificação unilateral. Veja-se, como exemplo, o Acordo entre a República Federativa do Brasil e a República de Singapura sobre Isenção de Visto para Portadores de Passaportes Diplomáticos e Oficiais, cuja cláusula de vigência dispõe que o tratado tem natureza executiva para o Brasil, mas sua vigência depende da notificação de Singapura:
O presente Acordo entrará em vigor 30 (trinta) dias após a data de recebimento da notificação, por via diplomática, pela qual o Governo da República de Singapura informe ao Governo da República Federativa do Brasil sobre o cumprimento de seus requisitos internos para a entrada em vigor do Acordo.
A mesma forma foi adotada para acordo semelhante com a República Quirguiz, Omã, Moçambique e outros.
Outra solução é adotar para todas as partes a fórmula da assinatura sob reserva de ratificação - o apelo aos “procedimentos internos”. Para a parte que o requer, tais procedimentos serão o crivo parlamentar. Para a parte que o dispensa, poderão ser um eventual exame administrativo do texto convencional, enquanto aguarda a conclusão da apreciação legislativa pelo outro Estado. A primeira parte só poderá ratificar ou passar a nota diplomática que a vinculará em definitivo ao tratado após a anuência de seu poder Legislativo. Já a segunda parte poderá fazê-lo a critério da Administração Pública, antes ou depois do consentimento da primeira parte. Ou nunca - a ratificação de tratados não é obrigatória para os Estados signatários.
Diversos exemplos de tratados de natureza executiva para o Brasil, mas com fórmula de assinatura sob reserva de ratificação, podem ser citados. Tais acordos entraram em vigor sem haverem sido submetidos ao parlamento brasileiro.
O Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da China sobre Isenção de Vistos para Portadores de Passaportes Diplomático, Oficial e de Serviço prevê a assinatura sob reserva de ratificação e está em vigor. Sua ratificação pelo Brasil dispensou a aprovação parlamentar. Não foi submetido ao Congresso Nacional porque a matéria nele disposta está entre os casos em que o direito brasileiro permite a celebração de acordos executivos. No mesmo sentido vão acordos análogos com o Líbano, a Mauritânia, a Geórgia, o Nepal e outros.
É possível cogitar mais uma alternativa para contornar a diferença, para as partes, quanto à natureza jurídica de um tratado. Em vez de prever a vigência com a segunda e última ratificação (ou nota diplomática, no caso dos acordos por troca de notas, como visto abaixo), o acordo pode remeter a sua entrada em vigor a entendimento futuro entre as partes. A data da vigência seria, então, convencionada pela via diplomática, após a aprovação legislativa da parte que o requer. Há vários exemplos de acordos com esta linguagem, embora não necessariamente de natureza executiva para uma das partes. Trata-se de recurso fastidioso, diante das alternativas examinadas neste artigo para contornar a questão em apreço.
6. OUTRA OPÇÃO: O RECURSO À TROCA DE NOTAS
Uma outra solução disponível para a diferença, para as partes, quanto à natureza jurídica de um tratado, se executivo, se sujeito a apreciação legislativa, é o recurso ao acordo por troca de notas (“p.t.n.”), também chamado de notas reversais. Neste formato, aplicável como regra a tratados bilaterais, em vez de um único instrumento assinado por ambas as partes, há dois instrumentos distintos, duas notas diplomáticas contendo o texto convencional a serem intercambiadas, cada uma delas firmada pelo plenipotenciário de seu país, que, juntas, constituem um acordo. Quer celebrado num documento único, quer por notas reversais, o tratado estará ou não sujeito a apreciação legislativa conforme as normas constitucionais de cada Estado. Como regra, o acordo por troca de notas aperfeiçoa-se com o recebimento da segunda nota, de resposta, ou seja, é a partir daquela data que as partes estão vinculadas em definitivo ao tratado.
Assim sendo, mediante entendimento comum e prévio, a parte que dispensa a apreciação legislativa pode passar uma nota diplomática com a proposta de tratado; a outra parte, em seguida, buscará obter de seu parlamento a anuência respectiva e, assim habilitada, responderá à primeira nota, concluindo o acordo. O Acordo, p.t.n., entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo do Reino de Marrocos para Evitar a Dupla Tributação Decorrente do Transporte Marítimo e Aéreo é exemplo desta solução. Ressalte-se este formato só é viável se o direito interno da segunda parte permitir a submissão ao Legislativo de apenas uma das duas notas que constituirão o acordo, já que a emissão da segunda nota depende justamente da prévia aprovação parlamentar.
Naturalmente, também se pode cogitar o contrário. Após convir o procedimento com o outro contratante, a parte que necessita da anuência legislativa pode assegurá-la com antecedência - no entendimento de que a sua ordem jurídica o permite - e ser a primeira a passar a nota diplomática contendo a proposta de tratado. A parte que dispensa o crivo parlamentar poderá responder a qualquer momento. Esta opção permite, por exemplo, que as notas tenham a mesma data e sejam intercambiadas em cerimônia, entrando o acordo em vigor naquele dia.
Caso a efetiva troca das notas seja condição para que uma das partes possa submeter o acordo ao Legislativo, nada impede que as partes adotem um intercâmbio de reversais nas quais a cláusula de vigência remeta a uma condição suspensiva, situação análoga à assinatura sob reserva de ratificação, vista mais acima. Esta fórmula conta com precedentes, como o Acordo, p.t.n., para Evitar a Bitributação da Renda Decorrente do Transporte Marítimo e Aéreo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Chile, embora a condição suspensiva termine por frustrar o propósito das partes ao escolher o formato de troca de notas, considerado mais expedito por, geralmente, entrar em vigor na data do recebimento da nota de resposta.
Embora para o direito internacional seja indiferente se as notas de um acordo p.t.n. são assinadas ou verbais, o formato assinado e com a indicação do cargo é recomendável, de modo a identificar-se o agente signatário responsável.
7. OS TRATADOS MULTILATERAIS
O raciocínio aplicado acima para os tratados bilaterais pode estender-se aos multilaterais, mutatis mutandis. A regra geral permanece a mesma: a parte cujo direito doméstico o admita pode expressar o consentimento definitivo do Estado em vincular-se aos termos de um acordo sem necessidade de abono do seu parlamento.
Se o tratado o permitir, a parte pode consentir definitivamente em um acordo plurilateral ou multilateral por meio da assinatura. E poderá fazê-lo com dispensa de consulta ao Legislativo quando a sua ordem jurídica interna o facultar.
Um exemplo de tratado multilateral considerado de modalidade executiva pelo governo brasileiro é o Protocolo sobre o Texto Autêntico em Seis Idiomas da Convenção sobre Aviação Civil Internacional, o qual “entrará em vigor no trigésimo dia depois que doze Estados (...) tiverem assinado o mesmo sem reservas quanto a sua aceitação, ou aceitado o mesmo, e depois da entrada em vigor da emenda da cláusula final da Convenção (...)”. O assentimento definitivo do Brasil foi efetuado pela assinatura, conforme registrado pelo Estado depositário. Em sentido contrário foi a Argentina, que consentiu definitivamente quase três anos após a sua firma. O Paraguai vinculou-se diretamente por aceitação (sem assinatura prévia) e o Uruguai firmou o protocolo mas não havia assentido em definitivo até o fechamento do presente artigo.
Um caso de tratado plurilateral com vigência na data da sua firma, de natureza executiva para Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, é o Acordo para Revogar o Acordo Marco sobre Condições de Acesso para Empresas de Seguros com Ênfase no Acesso por Sucursal, celebrado no âmbito do MERCOSUL: “O presente Acordo entrará em vigor na data de sua assinatura”. Autorizado pelo direito interno, os Executivos vincularam seus respectivos Estados com a assinatura.
Também é possível prever-se uma vacatio ou data certa, como nos tratados executivos bilaterais. O Acordo sobre Documentos de Viagem e de Retorno dos Estados Partes do MERCOSUL e Estados Associados é exemplo plurilateral desta fórmula: “O presente Acordo entrará em vigor aos trinta (30) dias desde a data da sua assinatura”. Claro está, porém, que o consentimento definitivo das partes foi expressado na data da firma.
Devido ao número de partes e à diversidade dos seus sistemas jurídicos, é infrequente que acordos plurilaterais ou multilaterais contenham previsão de vigência na data da assinatura. Não obstante, podem ser executivos para a parte cujo direito interno assim disponha, ainda que o texto convencional preveja expediente como a assinatura sob reserva de ratificação, aceitação ou aprovação.
Como se viu, a fórmula da reserva de ratificação permite acomodar as partes cujo ordenamento jurídico demanda a aprovação legislativa; para os contratantes cujo direito doméstico a dispense, o assentimento definitivo poderá ser efetuado sem a participação do parlamento, por qualquer meio hábil em direito internacional, desde que não vedado pelo texto convencional.
O Acordo-Quadro para o Estabelecimento de uma Área de Livre Comércio entre o MERCOSUL e a República da Turquia é um exemplo de tratado plurilateral executivo para algumas das partes, embora estipule a assinatura sob reserva de ratificação: “Este Acordo entrará em vigor trinta dias após a data da última notificação pela qual as Partes Contratantes informam, por escrito e pelos canais diplomáticos, a conclusão dos procedimentos internos necessários para este fim”. A notificação efetuada pelo Brasil, por exemplo, dispensou a prévia apreciação parlamentar, por ser este um caso em que o direito brasileiro faculta a celebração por meio de acordo executivo. Dos cinco Estados envolvidos, consta dos registros do depositário que houve apreciação legislativa somente por parte de Paraguai, Turquia e Uruguai.
Outro caso de tratado plurilateral, com cláusula de assinatura sob reserva de ratificação, ao qual o Brasil se vinculou em definitivo sem anterior aprovação legislativa é o Oitavo Protocolo Adicional ao Acordo de Transporte Fluvial pela Hidrovia Paraguai-Paraná.
Já o Quadragésimo Terceiro Protocolo Adicional ao Acordo de Complementação n° 35, entre os Estados Partes do MERCOSUL e o Chile, adota solução para entrada em vigor que encontra paralelo na fórmula de notificação unilateral vista acima para tratados bilaterais. Este Protocolo prevê a sua vigência mediante a notificação apenas de Uruguai e Chile; não há providências a tomar pelos demais signatários, Argentina, Brasil e Paraguai, cujo consentimento definitivo foi expressado, portanto, na assinatura. A vigência está condicionada apenas às notificações de dois dos contratantes. Aqui, também, dispensou-se a anuência do Legislativo brasileiro.
Nos acordos multilaterais que as admitam, a assinatura diferida e a adesão também podem vincular o Estado em definitivo. Caso o direito interno da parte que apõe a assinatura diferida ou adira o autorize, o poder Executivo estará desobrigado de buscar o aval do Legislativo.
CONCLUSÃO
Alguns administradores públicos ainda demonstram insegurança quanto à possibilidade de negociar acordos executivos que não prevejam sua entrada em vigor imediata. Tais operadores do direito, cientes da margem em geral estreita que lhes concede o direito nacional para ajustar tratados da modalidade executiva, por vezes hesitam em aceitar hipóteses alternativas para vigência, como a assinatura sob reserva de ratificação, temerosos em extrapolar o mandato legal que lhes foi conferido e invadir a competência do poder Legislativo. Tais alternativas, perfeitamente válidas, servem para acomodar Estados com regras distintas sobre a intervenção dos poderes constituídos na celebração de acordos.
Salutar que seja a preocupação em observar os limites de sua atuação e em preservar as prerrogativas do parlamento, o administrador público precisa estar ciente de que seus interlocutores em outros governos nem sempre terão as mesmas competências. Insistir no modelo executivo com um parceiro que não dispõe de tal faculdade legal é condenar a negociação ao fracasso.
Como se viu, há várias opções para contornar a diferença, entre as partes, quando à natureza executiva ou não de um tratado. A adoção de uma destas alternativas, por si só, não descaracteriza o acordo como executivo para a parte cujo direito interno faculta à Administração Pública celebrar o tratado solitariamente, sem a participação do Legislativo. Este artigo procurou demonstrá-lo com o recurso a diversos precedentes.
Não é o momento da entrada em vigor que determina a natureza executiva de um acordo. Tampouco é o texto convencional que define se o tratado é da modalidade executiva ou se está sujeito à prévia apreciação parlamentar. É o direito constitucional de cada parte que decide se, e em que casos, o Executivo pode celebrar acordos sem a participação do Legislativo. É, portanto, perfeitamente aceitável que a vigência de um tratado se subordine a condição futura - a ratificação ou ato análogo - e, ainda assim, seja executivo para a parte ou partes cuja ordem jurídica doméstica dispense a consulta ao parlamento.
Para concluir, cabe notar que o fato de o direito interno autorizar o poder Executivo a celebrar tratados, em determinados casos, sem a necessidade do consentimento parlamentar não significa que a Administração Pública seja proibida de submetê-los ao crivo do Legislativo. A conclusão de acordos executivos é uma faculdade legal outorgada ao Executivo, não uma obrigação que lhe é imposta. Este pode valer-se de uma disposição de assinatura sob reserva de ratificação, num acordo que poderia celebrar solitariamente, para enviá-lo ao parlamento.