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Revista de la Secretaría del Tribunal Permanente de Revisión

versión impresa ISSN 2307-5163versión On-line ISSN 2304-7887

Rev. secr. Trib. perm. revis. vol.8 no.16 Asunción set. 2020

https://doi.org/10.16890/rstpr.a8.n16.p204 

Artículo Original

O papel da governança das instituições consultivas: União Europeia e MERCOSUL

El rol de la gobernanza de las instituciones consultivas: Unión Europea y MERCOSUR

The role of governance of consultative institutions: European Union and MERCOSUR

1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil.


RESUMO

A participação de atores descentralizados nas integrações regionais tem ganhado um papel relevante não somente na tomada de decisões dentro da instituição ao longo dos anos, mas tem também chamado a atenção de parte da comunidade acadêmica. O desenvolvimento da sociedade civil tomou forma de sindicatos, ONG’s, OI’s, associações, entre outros, que encontraram através da organização formal uma maneira de se infiltrar e institucionalizar sua influência e participação dentro dos mecanismos das integrações regionais. Tendo como principais órgãos de representação de nível subnacional o Comitê das Regiões (CdR) e da participação civil o Comitê Econômico e Social Europeu (CES), o presente artigo busca investigar qual o papel das ações desses órgãos junto ao conjunto da União Europeia. No caso do MERCOSUL, serão analisados o Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do MERCOSUL (FCCR) e o Foro Consultivo Econômico e Social (FCES). Para isso, utilizamos uma tipologia que define a sociedade civil em quatro papeis: parceira, legitimadora, manipuladora e contestadora. A primeira sessão do artigo define e explora essas tipologias, enquanto as seções seguintes buscam investigar a origem, principais atores, e o grau de autonomia dos órgãos supracitados. Nas considerações finais busca-se, a partir das características levantadas sobre as instituições, associá-las às tipologias afim de refletir quais interações e pressões dessas agências sobre a União Europeia e o MERCOSUL.

Palavras-chave: União Europeia; sociedade civil; MERCOSUL; instituições consultivas

RESUMEN

La participación de actores descentralizados en integraciones regionales ha ganado relevancia no solamente en la tomada de decisiones en las instituciones a lo largo de los años, pero ha también llamado atención de parte de la comunidad académica. El desarrollo de la sociedad civil tomó la forma de sindicatos, ONG’s, OI’s, asociaciones, entre otros, que encontraron a través de la organización formal una manera de infiltrarse e institucionalizar su influencia y participación dentro de los mecanismos de integraciones regionales. Teniendo como principales órganos de representación subnacional el Comité de las Regiones (CdR) y de participación civil el Comité Económico Social Europeo (CES), el presente artículo busca investigar cual el rol de esos órganos junto a la Unión Europea. En el caso de MERCOSUR, serán analizados el Foro Consultivo de Municipios, Estados Federados, Provincias y Departamentos (FCCR), y el Comité Consultivo Económico Social (FCES). Para eso, utilizamos una tipología que define la sociedad civil en cuatro roles: parcera, legitimadora, manipuladora y contestadora. La primera parte del artículo define y explora esas tipologías, en cuanto las sesiones siguientes buscan investigar el origen, los principales actores, y los grados de autonomía de los órganos supra citados. En las consideraciones finales son conectadas, a partir de las características descritas, las instituciones a las tipologías a fin de reflejar cuales son las interacciones y presiones de estas agencias sobre la Unión Europea y sobre el MERCOSUR.

Palabras clave: Unión Europea; sociedad civil; MERCOSUR; instituciones consultivas

ABSTRACT

The participation of decentralized actors in regional integrations has gained relevance through the years not just concerning institutional decision-making but also has called the attention of part of academic studies. The development of civil society has taken shape of labor unions, NGO’S, IO’S, associations, and others, who found trough formal organization a way of infiltrate and institutionalize their influence and participation inside mechanisms of regional integrations. Taking into account that the main institution of representation for the subnational level is the Committee of Regions (CoR) and for the civil society is the European Economic and Social Committee (EESC), the present article intends to demonstrate the role of these institutions in face of the European Union. In the case of MERCOSUR will be analyzed the Consultative Forum of Municipalities, Federated States, Provinces and Departments (FCCR) and the Economic and Social Consultative Forum (FCES). In order to label these roles, will be used a typology that defines civil society in four different categories: partner, legitimator, resistance, and critiques. The first session defines and explores this typology, while the following sessions cover the origins, main actors, and level of autonomy of the above-mentioned institutions, associating them with one of the typologies in order to better reflect on their interactions and pressures of these agents over European Union and MERCOSUR.

Keywords: European Union; civil society; MERCOSUR; consultative institutions

1. INTRODUÇÃO

O Tratado de Roma de 1957 deu início ao Comitê Econômico e Social Europeu, que tinha apresentado como objetivo construir uma ponte entre a Europa e a sociedade civil. No entanto, só ganha força relevante com a ampliação de seus poderes em 1993, no Tratado de Maastricht. Esse mesmo Tratado teve a época de suas negociações marcada por uma forte movimentação sobre a importância do nível regional na União Europeia, dando assim origem ao Comitê das Regiões.

De maneira semelhante, o marco institucional traçado pelo Protocolo de Ouro Preto em 1994 no MERCOSUL criou o Foro Econômico e Social, primeiro órgão de participação no bloco que não fosse composto pelo executivo dos Estados membros. Dez anos depois, na Cúpula de Ouro Preto, é criado o Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamento, com órgãos que representam a divisões regionais e locais dos Estados Parte. Desde então, no caso de ambos projetos de integração, o debate sobre a participação da sociedade civil, níveis subnacionais e regionais tem sido alvo de acadêmicos e policy makers.

As questões que rodeiam esse debate trazem como principais pontos reflexões sobre a difusão de poder entre outro níveis que não o estatal, surgimento e aumento de relevância de novos atores, descentralização do Estado na tomada de decisão, por vezes predizendo um futuro em que o ganho de poder por esses novos atores e descentralização de poder do Estado como um movimento progressivo1 . Comparativamente, menor é a quantidade de produção acadêmica sobre como essas novas instituições funcionam de facto, ou seja, de que forma elas realmente alteram e influenciam o processo decisório, se conseguem desenvolver mecanismo de by-pass, ou se conseguem agilizar/otimizar as demandas de seus atores.

Como resultado, por vezes nessas reflexões existe um gap entre como a evolução institucional da União Europeia é descrita e como esses órgãos atuam e evoluem, sem que se estabeleça um vínculo explícito entre o discurso e a prática. Diversos outros pontos também faltam ser devidamente analisados tais como qual a função que esses órgãos prestam à União Europeia e ao MERCOSUL (se é que prestam); se a relação deles com a instituição é baseada majoritariamente em pressão ou cooperação; ou se eles legitimam ou contestam o processo decisório.

Existe, no geral, a falta de estudos sobre como essa relação entre novos atores com a União Europeia é caracterizado e como o aumento de poderes progressivo é permitido, além do que esses órgãos têm a oferecer para a instituição. Dessa forma, o presente artigo busca responder à seguinte pergunta: Qual o papel que essas instituições subnacionais têm para a governança na União Europeia e no MERCOSUL? Apesar de serem órgãos “correspondentes”, eles servem às integrações regionais de maneiras semelhantes?

A fim de responder essa pergunta, utilizamos a categoria criada por Armstrong2, e já explorada por Godsater, Soderbaum3, que busca classificar a sociedade civil em 4 papeis principais: como parceira, legitimadora, manipuladora e contestadora. As 4 tipologias serão caracterizadas e apresentadas ao longo da primeira sessão, onde também é justificada a utilização de órgãos da União Europeia como uma manifestação institucionalizada da participação da sociedade civil no bloco.

Na segunda sessão, o Comitê Econômico e Social Europeu (CES) tem seu desenvolvimento explicitado a partir de um órgão primitivo da CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço), processo necessário para dar significado a sua existência e lhe designar uma função adquirida ao longo da trajetória. É chamado atenção para as principais ferramentas que lhe conferem o papel de “representante da sociedade civil”, ao mesmo tempo que o diferencia em questões de proposta do Parlamento Europeu. É também explorado o contexto do Comitê das Regiões, que tem suas origens a partir do lobby de atores provenientes de níveis abaixo do estatal. Nesse caso, o intuito de representar regiões e ter como membros representantes dessas municipalidades dá ao órgão um tipo diferente de ação dentro da UE. Sem levantar uma bandeira direta de representantes da sociedade civil, o CdR usa o conceito de subsidiariedade e sua fiscalização a fim de defender o ponto de vista de regiões.

Ne sessão seguinte, são analisados esses órgãos no caso do MERCOSUL. O Foro Econômico Social Europeu (FCES) institucionalizou a participação de atores que já mantinham diálogo informal com o processo decisório, como empresas e sindicatos, ocupando um espaço além dos SGT’s (sub-grupos de trabalho). São alguns dos canais para a manifestação de interesse desses grupos, considerados concorrentes e complementares. Também foi da participação de governos locais em Reuniões Especializada de Municípios e Prefeituras (REMI) o que deu origem à criação o Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do MERCOSUL (FCCR), dividido em um órgão destinado a governos locais, e um outro separado destinado a governos regionais. O FCCR cumpre importante papel da aproximação da invenção do cidadão do MERCOSUL, constituindo uma disposição de maior democratização do bloco.

As considerações finais procuram então correlacionar o funcionamento e desenvolvimento dessas instituições ao longo dos anos com seu papel prestado a essas integrações regionais. Assim, o artigo age a fim de trazer uma reflexão sobre a dinâmica existente entre os órgãos responsáveis pela parte centralizadora do processo decisório (no caso da União Europeia, a Comissão e o Conselho, e no caso do MERCOSUL, o Conselho e o Grupo) e suas novas instituições (órgãos consultivos), que abrem espaço para novos atores que fogem ao âmbito estatal. Nesse sentido é importante levar em conta que exista algum tipo de troca de serviço entre as agências que operam entre as instituições da União Europeia, e que dessa interação depende o futuro maior ganho de poder desses novos atores e a cristalização dessas instituições, bem como a institucionalização da participação de âmbitos da sociedade civil organizada.

2. ÓRGÃOS CONSULTIVOS DAS INTEGRAÇÕES REGIONAIS COMO SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA E SUA TIPIFICAÇÃO

A emergência da sociedade civil, especialmente nos anos 90 reformulou o modo como as Relações Internacionais se dão e são discutidas. Juntamente com ondas de enaltecimento a valores democráticos acabou por institucionalizar sua participação a partir de seu papel em democracias representativas, inserindo essa nova dimensão, estabelecendo assim espaço para novo atores dentro do sistema internacional. Com diferentes definições variando de acordo com autor e época, a sociedade civil é por vezes caracterizada como civis, que de maneira individual ou em grupo, estabelecem diálogo organizado com o nível estatal.

É frequentemente vagamente definido como o domínio público e a vida associacional existente entre o estado e a esfera privada. Desde essa perspectiva a sociedade civil é vista como uma arena na qual diferentes associações e grupos de interesses podem expressar seus interesses e engajar com o estado. Ainda que nem sempre conceitualizadas dessa maneira, a sociedade civil é geralmente considerada distinta o estado. Scholte define a sociedade civil como o espaço público onde associações voluntarias, intencionalmente ou não, moldam as regras que governam um ou mais aspectos da vida social. Isso inclui uma rica variedade de atores e associações voluntárias, como organizações não-governamentais (ONG’s), organizações baseadas na comunidade, grupos de interesse, sindicatos, movimentos sociais, organizações baseadas na fé, instituições acadêmicas, círculos de clã ou parentesco, lobbies, associações juvenis e iniciativas de cooperação para o desenvolvimento. (agrupadas aqui como organizações da sociedade civil, OSC’s). A orientação política ativa de um grupo é um importante ingrediente para essa definição, mas ambos atores com fins lucrativos e partidos políticos estão excluídos, já que eles estão em uma direta disputa por poder político4.

A emergência da participação da sociedade civil ganha um papel de legitimadora da democracia, o que também reveste a criação das instituições que serão analisadas nesse artigo a partir de um contexto específico enfrentado pela União Europeia à época: a questão do déficit democrático. Essas instituições serviriam então para estabelecer um diálogo mais direto entre a sociedade civil e o processo decisório da UE, ou pelo menos, pra revestir de legitimidade as questões debatidas e aprovadas dentro da UE como um processo democrático.

Outro valor defendido á época diz respeito à governança e multilateralismo. Esse fenômeno já descreve por si só a emergência desses novos atores dentro da dinâmica internacional. Uma vez que esses atores se provaram capazes de incentivar e realizar mudanças, dialogar com estados e fóruns internacionais, e agirem como mediadores e influenciadores entre atores estatais e o restante da sociedade, as instituições passam a ver nele um forte aliado para otimizar e agilizar seus resultados e objetivos. Assim é visto pelas instituições um valor em estabelecer a sociedade civil como um parceiro/aliado.

A época da globalização trouxe também um dicotômico debate acerca da uniformização e diversidade. Ao mesmo tempo em que dava uma sensação de uniformidade de valores e estilo de vida, o que da globalização também carrega um contexto de pluralidades, e dentro dela, a contestação. Para o capitalismo global, surge o movimento anti-capitalismo, sindicatos, ongs de direitos dos trabalhadores, etc. Nesse sentido, são diversas as possibilidades de grupos contra hegemônicos: mulheres, grupos de defesa ao meio ambiente, defensores de minorias étnicas e religiosas etc. E por vezes, instituições pregam modelos econômicos e valores que não contemplam esses grupos, caracterizando a atuação da sociedade civil como contestadora da estrutura vigente.

Já o viés manipulador consiste em instituições, estados e organizações usarem esses órgãos da sociedade civil organizada a seu favor. Isso pode significar banalizar a relação instituições-cidadãos, criando uma relação de fachada afim de ganhar maior legitimidade para suas instituições, ou se utilizar de relações com meios que apoiam suas ideias/agendas de interesses próprios e originais dessas instituições de forma a vendê-las como um acordo dentre sociedade e instituições.

Quadro 1: As quatro categorias de Organizações da Sociedade Civil 

Parceira Essas partes da sociedade civil podem ser entendidas como parceiras a governança regional basicamente aceitando e apoiando a agenda formulada pelas organizações intergovernamentais regionais. Os instrumentos políticos para alcançar governança regional socioeconomicamente e ambientalmente estão majoritariamente no lugar, mesmo que precisem de um pouco de refinamento. É possível distinguir entre dois papeis que a sociedade civil tem como parceira: na entrega de serviços e em lobbying/monitoramento. Diversas organizações da sociedade civil (OSC’s) parceiras realizam ambas funções, mas em diferentes proporções 5.
Legitimadora Sociedade civil como legitimador da governança regional se refere as CSO’s que buscam colaborar, mas que tem um mais um engajamento crítico do que diretamente uma parceria. Seus objetivos são de reforçar reformas políticas ao invés de desenvolver e implementar políticas existentes, e, ultimamente, fazer a governança regional mais accountable e democrática. Sua abordagem crítica significa que as relações com os Estados e organizações regionais são mais tensas e controversas do que o tipo anterior6.
Contestadora Deve ser dito que governança regional resistente que busca “transformação” não transforma automaticamente essas OSC em forças positivas na sociedade nem pró-democracia. Agentes da sociedade civil como governança regional resistente são claramente administrados para preencher um vácuo criado pela ausência de alternativa reais ao regionalismo liderado por Estados. Mas ao preencher esse buraco esses agentes não são necessariamente “iniciativa popular”, e frequentemente proclamadas ligações com suas raízes e o “povo” devem ser escrutinizadas e debatidas. Seções da sociedade civil resistente são processos liderados por elites, dominadas por relativamente pequenos representantes de ONG’s e ativistas7.
Manipuladora Elites políticas e governos podem usar e abusar da sociedade civil para poder ganhar accountability e legitimidade e para seus próprios regimes decadentes. Então, a sociedade civil deve ter um papel político em reforçar e legitimar dimensões controversas e por vezes repressivas da governança regional, tais como projetos de infraestrutura regional de grande escala, ou facilitação para operação regional de grandes empresas. Esse papel é feito por ONG’s regionais, ou melhor, organizações “semi-governamentais’, que são meramente uma extensão de instituições intergovernamentais, e doadores em que as agendas em desenvolvimento em princípio convergem. Nesse tipo de ligações com atores estatais regionais são ativamente fortes e elas frequentemente se misturam. Além da entrega de serviços, essas ONG’s regionais frequentemente usam propaganda, disfarçada de “compartilhamento de informações” e “educação popular” como importantes estratégias para seus fins políticos e econômicos. Sem dúvidas, é uma estratégia comum de diversos governos estabeleceram na região grupos de pesquisa, think tanks e ONGs que operam como braços estendidos ou frentes do governo. Esses atores raramente criticam o governo benfeitor, e ao invés disso tem um papel importante em legitimar atividades por vezes autoritárias ou ilegais desse governo8.

Fonte: elaborado pela autora.

Esses 4 tipos foram inicialmente criados por Armstrong a partir da observação dos movimentos dessa chamada sociedade civil dentro do sistema internacional, bem como a interação deles com outros estados e instituições no geral. Ela se torna associada necessariamente à uma integração regional por Godsater/Soderbaum, sendo aplicada ao comportamento da sociedade civil africana frente a EAC, caracterizando assim diversas organizações da sociedade civil aos seus papéis frente ao boco regional.

Para o nosso caso, busca-se explorar instituições subnacionais (no caso do Comitê de Regiões) e a própria sociedade civil (no caso do Comitê Econômico e Social). O Comitê das Regiões surge como representante da sociedade civil em um em seu objetivo de estabelecer um vínculo de aproximação entre cidadãos e a União Europeia que não dependa de representantes não-eleitos, mas sim que unam um representante eleito localmente com o contexto da integração como um todo. Mesmo que não possa defender interesse locais, existe em determinada medida uma noção de eco de vozes regionais9. Já o Comitê Econômico e Social é representante da sociedade civil por englobar diversos setores de grupos civis sejam a partir de profissões, grupos étnicos e religiosos, e oferecerem assim, suas opiniões acerca de decisões a serem tomadas dentro da UE. Juntos, os dois são os principais órgãos consultivos da União Europeia por trabalharem em conjunto com suas instituições centrais de poder decisório direto: o Parlamento, a Comissão e o Conselho.

Faz-se necessário aqui também esclarecer que nem todas as “vozes” da sociedade civil foram cobertas por esse artigo. Dentre outras agências, a Comissão10 e o Parlamento são órgãos diretamente conectados ao processo decisório da UE e que tem um papel diretamente ativo e conectado á sociedade civil. Dessa forma, o intuito do artigo não é focado em como a sociedade civil age e se tipifica nas instituições da UE, mas sim como se tipifica a relação entre os órgãos consultivos e a União Europeia como instituição, tendo esses órgãos consultivos como manifestações da sociedade civil. A mesma observação deve ser feita tendo em mente o Parlasul no caso do MERCOSUL. Ainda que não faça parte direta no processo decisório da integração regional, o Parlamento do MERCOSUL é uma importante instância de participação civil no MERCOSUL, tendo ganhando mais relevância após evoluir da Comissão Parlamentar Conjunta. Assim, buscamos analisar apenas o papel de órgãos consultivos de caráter (1) econômico social (CES e FCES) e (2) regional (FCCR e CdR) junto às integrações regionais, exatamente por serem instituições com seus correspondentes (porém diferentes) na União Europeia e no MERCOSUL.

3. ORIGEM, DESENVOLVIMENTO E ATUAÇÃO DO CES E CDR

As origens do Comitê Econômico e Social remontam o Comitê Consultivo da anterior Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, que se torna uma instituição de maior relevância com a Comunidade Econômica Europeia a partir do Tratado de Roma (1957). Na época chamada Comissão Econômica e Social Europeia, o órgão tinha como função estabelecer uma ponte entre as instituições da Comunidade Europeia e a sociedade civil. No entanto, no tratado, ela não promete representar a sociedade civil como um todo nem grupos de interesses, mas sim representantes de diferentes setores da sociedade civil.

Desde o início e até hoje, o órgão é dividido em três grupos: empregadores, empregados e outros (esse último composto por grupos étnicos de gênero, outros setores tais como consumidores, defesa da criança, etc.). A quantidade de membros se modificou ao longo do tempo até chegar nos 350 membros de hoje (mesma quantidade que o Comitê das Regiões), que são reelegíveis.

À época de sua criação, discutia-se sobre como a Comissão Econômica e Social (CES) se diferenciaria em função, já que o papel de “representar sociedade civil” já era ocupada dentro da UE, e no caso, por um órgão com maior grau de desenvolvimento e autonomia, o Parlamento Europeu. Assim, a CES foi logo cooptada pelo Conselho de Ministros e transformada informalmente em subsidiária. O Conselho desenhou suas regras de procedimento, a impedindo de emitir opiniões ou pareceres a não ser quando fosse consultada por algum dos órgãos da UE11.

Como resultado, por muitos anos, a independência do órgão foi cortada por pedidos formais de consulta que deveriam ser emitidos pelo Conselho ou pela Comissão. Assim, o escopo do conteúdo também acabou sendo limitado. As opiniões pedidas tinham um tempo limite de 10 dias para serem apresentadas, prazo que por muitas vezes, (pela incapacidade do consenso e pelas reuniões esporádicas) acabava por não ser cumprido, e assim o órgão acabava por ser simplesmente ignorado12.

Por vezes, a função do CES também se limitava apenas a fornecer parecer técnicos sobre consulta das instituições da União Europeia, e também por vezes, acabava pro verbalizar sua frustração em servir como consultor técnico, pedindo pelo direito de iniciativa das opiniões.

Duas tentativas quanto ao direito de iniciativa incorporadas à regra de procedimentos da CES foram feitas A primeira falhou, especialmente porque alguns estados membros temiam que as provisões dos Tratados seriam excedidas. O Conselho de Ministros dispensou a proposta de CES de revisão das regras, lembrando das vezes em que “...o Conselho nota que as intenções do CES de submeter a ele, quando apropriado, pedidos para considerar questões específicas. O conselho irá continuar a examinar favoravelmente quaisquer sugestões submetidas a ele”. Então em outubro de 1972 chefes de governo da Comunidade Europeia aprovara o princípio do CES ter o direito de aconselhar a partir de iniciativa própria em todos temas que afetem a Comunidade Europeia, direito eventualmente incorporado nas Regras de Procedimento de 1974. Daí em diante, todas opiniões emitidas por iniciativa própria são publicadas no Jornal Oficial da Comunidade Europeia. Com a visão de fortalecer esse tipo de iniciativa, a CES pediu aos futuros presidentes do Conselho de Ministros para submeter rascunhos das programações do Conselho e suas agendas prováveis dos próximos seis meses13.

De acordo com Lodge e Herman14, ter adquirido o direito de emitir opiniões foi o que moldou o CES como órgão e foi assim um ponto definitivo para caracterizar sua função: a partir de agora não era um órgão para ser consultado em busca de pareceres técnicos, mas sim uma entidade com voz própria, e que, mais do que isso, que poderia se fazer ouvir e expressar a voz da sociedade civil para órgãos que tomavam parte direta processo decisório. Mais do que isso, tinham suas opiniões expostas de maneira pública, possibilitando mobilização popular no caso de não resposta ou recusa por parte desses órgãos decisórios, dependendo da gravidade em afetar o cotidiano dessa população.

Essa possibilidade torna possível que o CES possa interferir regulações, diretivas e decisões que estejam em curso de qualquer etapa do processo legislativo, causando impacto no resultado final. Esse ganho de poderes, no entanto aumentou a competitividade por ocupar esses cargos e fez com que a o lobbying aumentasse significativamente. Com o tratado de Maastricht (1993), é pedido que a CES tenha seu nome mudado de Comissão para Comitê. Além disso, a criação do Comitê das Regiões fez com que o CES temesse ser marginalizado, o que não só não aconteceu, como hoje em dia os dois órgãos trabalham com grande proximidade. Mas na época isso serviu para que o CES criasse canais diretos com a comunidade, aumentando sua propaganda de canal Europa-Cidadãos, servindo diretamente ao seu objetivo explicitado na sua criação no Tratado de Roma15.

Hoje, os Estados enviam listas com os possíveis nomes, e os membros são apontados pela Comissão. Esses membros são divididos em 7 temas. A propaganda do órgão muda de “canal direto entre Europa e cidadãos” para um “fórum da sociedade civil organizada”, dando voz para aspirações de cidadãos Europeus. Além disso, outras instituições da União Europeia reconhecem seu grande diferencial no formato das “opiniões exploratórias”, ou seja, aquelas opiniões de iniciativa própria” que o CES conquistou o direito de emitir e que serviriam hoje, como um mecanismo de prevenção entre problemas futuros que seriam encontrados no nível de implementação das leis e regulações e sua recepção pelos cidadãos.

O Comitê das Regiões teve as primeiras movimentações a favor de sua criação na época das negociações do Ato Único Europeu (1986). Com um forte lobby promovido pelas regiões, especialmente da Itália e da Espanha, o Parlamento Europeu foi utilizado para chamar atenção para o fato de que 70 a 75% das leis aprovadas na União Europeia são implantadas em nível regional/municipal. Dessa forma, se grande parte das leis afeta especialmente regiões/municipalidades, o justo seria que esses níveis sejam possibilitados de opinar nessas questões16.

Contando com forte oposição pela Grécia e Reino Unido, o assunto é retomado contando com maior relevância a partir das negociações do Tratado de Maastricht, tratado que inaugura a criação do Comitê das Regiões (CdR). O seu texto de criação coloca, inclusive que “sua forma atual não deve ser definitiva”, no sentido de que o objetivo e o modo de funcionamento final do CdR ainda seriam definidos17.

Em 1995, o CdR pede reconhecimento perante à Corte quanto ao seu “direito de subsidiariedade” ou seja, sua competência em cobrar ás instituições da União Europeia que os problemas e questões levantados sejam resolvidos no nível mais baixo em que aparecem, sem que sejam levados, debatidos e resolvidos no nível supranacional sem necessidade. Assim, o CdR deseja destacar sua função de “guardião de subsidiaridade”. O direito de poder emitir opniões para o Parlamento quando requisitado lhe é dado, sendo conferido o papel de servir como “canal para a população”. Esse canal é reforçado com a criação do European Summit of Regions and Cities, que continua a acontecer todos os anos e dialoga diretamente com a comunidade acadêmica e sociedade civil.

O Tratado de Amsterdam (1997) consolida e aumenta o papel do CdR, dobrando o número de áreas em que a Comissão deve obrigatoriamente consultá-lo. O órgão ganha independência orçamentária e administrativa, que antes era poder do Comitê Econômico e Social. Assim, a relação do CdR com as instituições tradicionais da UE acaba por se tornar cada vez mais intensa, pedindo para poder emitir mais opiniões ao invés de apenas pareceres técnicos e ter sua importância reconhecida no processo de co-decisão.

Até então, a função e objetivo do CdR existe de maneira difusa: com intuito de representar regiões e cidades, seu trabalho de aproximar a sociedade civil das instituições é ofuscado por sua aproximação cada vez maior dessas instituições da UE, que já funcionam com um certo nível de distanciamento dos cidadãos. Ao mesmo tempo ela requer o papel de guardiã da subsidiariedade, o que poderia não só acabar por exercer um papel fiscalizador nas instituições da UE, como também advogar por maior independência das regiões e municipalidades frente ao aparato supranacional.

No Tratado de Lisboa (2008) o CdR tem o poder de agir como fiscalizador da subsidiariedade reconhecido frente à Corte da União Europeia, desde que exerça esse poder de maneira razoável (reasonable manner), agindo mais como um reconhecimento de sua monitoração. O adiamento desse reconhecimento se deu especialmente devido à desconfiança de como o termo subsidiariedade poderia ser aplicado. Dessa forma, a definição é parte importante para que o processo de reconhecimento, e definição das funções conferidas ao CdR fossem possíveis. A subsidiariedade é então compreendida como áreas que não sejam de competência exclusiva da UE, ações que são implementadas com maior sucesso pela UE, e objetivos que não seriam suficientemente alcançados apenas pelos Estados Membros individualmente18.

Em 2007, mais um compromisso é firmado com a população, o de disponibilizar ao público opiniões a que são levadas à Comissão sobre os rascunhos das leis. É aumentado também o mandato de seus membros para 5 anos, para coincidir com o início e fim dos mandatos do CES. Hoje em dia a quantidade de membros também a mesma nos dos órgãos.

Entre as competências atuais do Comitê das Regiões está a elaboração de Relatórios de Impacto (ou seja, a adoção e o impacto das sugestões feitas pelas opiniões do CdR no material que é realmente aprovado pelo processo decisório da UE) que devem ser anualmente entregues ao Parlamento. Além disso, existem áreas temáticas nas quais o CdR deve ser o obrigatoriamente consultado pela Comissão e pelo Conselho, podendo eventualmente ser consultado também pelo Parlamento. Para além disso, o comitê pode emitir opiniões conforme lhe desejar. Conforme já foi colocado, pode recorrer à Corte e cooperar com alguns outros países. Hoje, seus representantes são divididos entre áreas temáticas que se reúnem 4 vezes por ano, contando com cerca de 100 membros em cada uma, de maneira que cada representante pode participar de duas comissões. Essas comissões também submetem opiniões com os assuntos de cada reunião nas assembleias do CdR.

Ter como membros prefeitos, governantes de províncias e comarcas, etc acaba também por definir como um dos objetivos do CdR o valor de representar o nível regional na UE, representar o nível regional e local na União Europeia e agir como “aproximador” da população e instituições da UE. A partir de suas competências, sua grande diferenciação é encontrada no objetivo de guardar o princípio de subsidiariedade. No entanto, diferente do CES, o CdR opta por distanciar-se do papel de representação civil, assumindo uma postura mais institucional e formal como forma de reconhecer e promover sua diferenciação e justificativa para sua existência.

O comitê de regiões (CdR) também se mantém particularmente silencioso nas questões de sociedade civil e diálogo civil. Composto por representantes de autoridades locais e regionais, ele prefere fazer uso do discurso de subsidiariedade, ‘proximidade’, e ‘perto do povo’, ao invés de reforçar o papel como organização intermediária, já que eles são os interlocutores diretos mais naturais para organizações raíz (...) Ainda que o CdR ‘apoie a intenção da Comissão em consulta em larga escala aos representantes da sociedade civil’, ele acredita que a legitimidade democrática de representantes eleitos por sufrágio universal direto não deve ser confundida com maior envolvimento de ONGs e outros arranjos para a representação de interesse individuais dentro da sociedade’. Mais do que isso, o CdR olha de maneira suspeitosa para o diálogo civil sob as associações de que autoridades regionais e locais devam ser consultadas diretamente. Em sua Opinião de 8 de Julho de 2002 sobre a Convenção Europeia do Comitê de Regiões reconhece que associações europeias que representam autoridades locais e regionais fornecem contribuição valiosa para o debate europeu e um diálogo entre essas organizações e as instituições da UE é desejável, mas que também querem ‘reiterar sua exclusividade legítima como parceiro para discussão institucional para autoridades locais e regionais da União, e rejeitar qualquer tentativa de substituí-lo com diversas estruturas que não representam todas autoridades regionais e locais. Para firmar seu papel como parceiro em discussão institucional, o Comitê das Regiões chama atenção para o fato de ter lançado medidas de cooperação com UE a partir de autoridade locais e regionais19.

A propaganda do CdR o descreve como “o futuro da Europa”, com essa lógica baseada no otimismo do Funcionalismo em que é o menor nível da UE, ou seja, os cidadãos que definem o planejamento da Europa a partir de participação direta20. Termos como “governança multinível”, “democracia”, “cidadania” e “subsidiariedade” são altamente valorizados pelo CdR de maneira a destacar sua relevância junto às instituições da UE (COMITÊ DE REGIÕES, 2019)21.

4. ORIGEM, DESENVOLVIMENTO E ATUAÇÃO DO FCES E FCCR

O Protocolo de Ouro Preto (1994) estabelece a criação do FCES, um órgão consultivo ao que caberá a representação de setores econômicos e sociais dentro do MERCOSUL. O seu regimento interno é elaborado pelo próprio FCES, e encaminhado ao Grupo Mercado Comum para aprovação em 1996. O órgão tem, ao analisar suas funções definidas, uma série de liberdades para sua manifestação: avaliar e apresentar o impacto social e econômico da integração, propor normas e políticas econômicas e sociais, realizar investigações e eventos de questões sociais e econômicas que sejam relevantes para o MERCOSUL, contribuir para a maior participação da sociedade, promovendo a integração de facto, entre outras22. Ele tem também a liberdade de criar e atribuir funções a comissões temáticas especializadas, grupos de trabalho e órgãos de estudo que sejam temporários ou permanentes.

Uma das questões mais polêmicas do FCES diz respeito a sua composição: são 9 delegados que compõe cada seção nacional. A baixa quantidade numérica em representação foi escolhida a fim de facilitar a tomada de decisão. Existia também falta de acordo quanto à representação desses 9 delegados e a proporção desses grupos, especialmente quanto à organizações de consumidores no caso Brasil e Argentina. Por fim cada seção nacional tem sua composição decidida internamente, cumprindo alguns critérios: (1) são 3 categorias de classificação: empresários, trabalhadores e setores diversos, e cada seção nacional deve buscar por equilíbrio em quantidade igual de representantes de cada uma dessas categorias; (2) esses delegados devem ser importantes representantes do principais setores em cada um dos países; (3) cada seção nacional tem o direito a até 9 delegados, mas não é obrigatório que todas essas cadeiras sejam preenchidas ou estejam sempre presentes23.

As reuniões ocorrem de maneira ordinária uma vez a cada 6 meses, podendo se reunir também de maneira extraordinária. Por um lado, as reuniões que acontecem duas vezes (ou pouco mais do que isso) ao ano acabaram por encorajar sua formação em seções nacionais em porque faz com que as atividades do órgão sejam mantidas e articuladas nacionalmente nesse meio-tempo. No entanto, como resultado, o FCES acaba por replicar o processo decisório central ao ter um caráter fortemente intergovernamental ao se dividir em seções nacionais, tornando-o mais suscetível à defesa dos chamados “interessas nacionais”, em detrimento de tornar o FCES um órgão de caráter mais transnacional24.

As recomendações do FCES se manifestam em grande parte pelo acordo da União Europeia e o MERCOSUL, sobre rodadas da OMC, direitos humanos e meio ambiente25. Além disso, as recomendações são aprovadas por consenso entre as sessões nacionais, e caso alguma delas esteja ausente, são dados 30 (trinta) dias para apresentar objeções, em caso contrário, a recomendação é aprovada. Caso seja uma consulta por pedido do Grupo Mercado Comum e não haja consenso sobre a aprovação da recomendação, todas as posições são elevadas, no entanto, a consulta do GMC muito raramente acontece. Na organização do regulamento oficial do FCES, foi inclusive um dos pontos recusados pelo GMC que ele tivesse a obrigatoriedade de consultar o FCES sobre determinadas temáticas. “Pareciera que el GMC, en lugar de percibir el Foro como un órgano cooperativo, lo viera como un órgano competitivo, abrigando cierta desconfianza hacia el mismo desde su nacimiento”26.

Outras duas questões no regulamento interno do FCES foram recusadas pelo GMC. Uma questão foi orçamentária, da qual o GMC se defendeu com a afirmação de que o FCES é um órgão terceirizado (o que é um estranhamento, já que o FCES está inserido no marco institucional do MERCOSUL), e uma questão de legitimidade, que pedia a inserção das recomendações emitidas pelo FCES no boletim oficial do MERCOSUL, o que foi permitido mediante permissão do GMC27. Desde então, a única mudança em seu regulamento interno foi ter aumentado as seções nacionais de 9 (nove) para 12 (doze) delegados por país.

O interesse de governos locais de se inserirem no processo de integração data o ano de 1995, com a criação da Rede MERCOSUL de Cidades (Mercocidades), uma rede de diálogo e engajamento dentre cidade do MERCOSUL e sues Estados Associados, que hoje conta com mais de 300 membros. A articulação de seus membros leva a criação de Reunião Especializada de Municípios e Intendências (REMI) em 2000, e no ano seguinte começam os diálogos entre governadores de Estados Federados, Departamentos e Províncias. Em 2004 é criado o FCCR. As cláusulas preambulares reconhecem a necessidade de ações coordenadas entre todos os níveis dentro do MERCOSUL. O FCCR substitui a REMI, criando duas subdivisões: uma destinada aos níveis locais (municípios), e uma aos níveis regionais (Estados Federados, Departamentos e Províncias). A sua função inclui a proposição de medidas de coordenação política para o bem estar e qualidade de vida aos habitantes do MERCOSUL, no formato de recomendações que são dirigidas ao GMC. Ele é composto por 10 no máximo representantes por Estado nacional, de cada uma de suas subdivisões, que devem se reunir pelo menos uma vez a cada seis meses.

No regimento interno do FCCR é possível perceber a influência do Mercocidades no projeto do órgão: as suas funções conectadas ao desenvolvimento sustentável, transparência, pluralidade, tolerância, promoção da paz, valore de igualdade e eliminação de formas de discriminação, defesa do meio ambiente e biodiversidade descrevem valores mais comuns ao diálogo horizontal entre municípios do que órgãos de caráter intergovernamental do MERCOSUL.

Entre seus objetivos, promessas que seriam de grande valor ao bloco: criar espaços de participação cidadã para garantir a permanência, desenvolvimento e aprofundamento do bloco; além de defender e recuperar patrimônio de identidade regional, sejam eles culturais, sociais, produtivos e tecnológicos como os pilares de uma história e um futuro em comum. Outro ponto que interessaria ao MERCOSUL diz respeito a um mecanismo de avaliação da implementação dos projetos do Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM), que avaliem o impacto local no sentido econômico e social dos seus projetos28.

Existiram, no entanto problemas para a instalação do FCCR, que só ocorreu em 2007, uma dificuldade no nível federal apresentada em todos os países do MERCOSUL29, já que não existia consenso sobre quais órgão seriam os responsáveis por escolher os representantes que compõem o FCCR. No caso do Brasil, ficou a cargo da presidência, na Argentina e no Paraguai, a cargo do Ministério de Relações Exteriores, na Venezuela, a cargo do Estado, e no Uruguai, a cargo de uma associação de prefeitos.

el mayor déficit de participación de la sociedad civil en el MERCOSUR reside en la calidad de la participación y no en la cantidad de mecanismos. Numérica y formalmente existen, pero no hay gobernabilidad en la definición de los mismos. Es decir, no es clara la justificación de por qué es admitida la participación en determinados mecanismos y no en otros. La mayoría de las veces, la apertura a la participación adviene de una coyuntura política o, a veces, hasta personal y no sistémica. Tal deficiencia queda todavía más en evidencia cuando no están establecidos los procedimientos de participación, incluyendo la rendición de cuentas sobre los efectos de dicha participación31.

Quanto à suas realizações, é possível observar um engajamento muito mais forte de governos locais, e um engajamento muito mais baixo dos governos regionais. Além disso, mesmo entre os governos locais existem assimetrias de participação, já que o engajamento é muito maior em áreas diretamente afetadas pelo processo de integração e suas fronteiras., e que grande parte da agenda do FCCR se direciona a essas atividades. Por vezes o também o FCCR é esvaziado por existirem outros órgãos considerados mais benéficos às cidades e que ainda estão diretamente conectados com o propósito da integração, como o Mercocidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo se propôs a analisar a origem e desenvolvimento de instituições que representam atores não estatais dentro da União Europeia e do MERCOSUL e classificá-los entre algumas de quatro categorias (legitimadora, parceira, contestadora, manipuladora) a fim de fornecer uma reflexão sobre o que é esperado delas pela comunidade acadêmica e como elas estão se comportando de maneira prática, especialmente em relação ao plano das suas respectivas integrações regionais como um todo. No caso da União Europeia, as instituições acabam por receber as mesmas classificações, mas de maneiras bem diferentes. O acordo de parceria não é o mesmo, mas a partir deles podemos visualizar sobre como se dão trocas entre eles.

Primeiro, é importante reiterar o papel das duas instituições como fortes legitimadoras, no caso da democracia dentro do processo decisório da UE e de suas decisões como um todo. Isso é visível devido ao contexto em que elas surgem e se fortificam, pelos membros próximos à comunidade civil, e pelos próprios canais que esses órgãos tem a função de construir. Nesse sentido, a legitimidade que essas instituições podem fornecer s discussões e práticas da UE beneficiam a instituição como um todo.

No caso do CES, à primeira vista pode parecer um órgão contestador, devido a receptividade e proposta de agir como um fórum para uma diversidade de grupos singulares que compõem a população da UE. No entanto, sua postura não é combativa exatamente devido a essa pluralidade ao qual o CES dá espaço. Em determinada medida, pode-se inclusive afirmar sua importância como instituição parceira, diminuindo o gap entre o que esses grupos esperam da UE, e o que a UE fornece a eles, tornando leis e decisões menos custosas e mais eficientes. Esse caráter de “órgão preventivo”, característica que ele próprio desenvolveu e sobre a qual recebe destaque pelas outras instituições.

Já no caso do CdR, comportamento mais distinto pode ser observado. O princípio de subsidiariedade e a desconfiança que as outras instituições tiveram quanto ao o que ele significava e como ele seria usado pode indicar que esse órgão fosse inclusive visto como contestador ao valorizar e proteger as tomadas de decisão em níveis mais inferiores. No entanto, seu comportamento não tem indicado essa tendência pela alta proximidade de relações com outras instituições da UE, e inclusive interesse no aumento dessas dinâmicas.

Na situação do MERCOSUL, situações diferentes são observadas. No caso do FCES, é difícil avaliar as relações reais entre o órgão e o MERCOSUL. Ao mesmo tempo em que lhe foi dada uma independência total para se manifestar, a sua expressividade não tem sido tão grande dentro do bloco (se comparado com alguns SGT’s, como o de trabalho, ou com algumas reuniões especializadas, como a de agricultura familiar). Faltam trabalhos acadêmicos sobre como o FCES se posiciona para além de suas preocupações com as empresas e trabalhadores do MERCOSUL para além dos acordos que o bloco assina. A sua atuação parece esvaziada e, em uma primeira análise, esse parece ser um problema de orçamento, já que segundo o seu regimento interno existe um interesse de produzir estudos e investigações sobre setores da integração e estabelecer reuniões com proposições de grande relevância, mas falta orçamento para fazê-lo com regularidade. Outra questão é que do FCES participam atores que já tem outros canais de diálogo com o Mercosul, seja a partir de suas relações internas com os governos nacionais, reuniões especializadas e SGT’s, que são subsidiários ao GMC, causando uma concorrência de canais de influência que caso não tenha uma diferenciação funcional significativa, não se justifique. Tendo dito isso, observar o FCES funcionar tal como descreve o seu regimento interno, e com as atribuições que lhe foram concedidas poderiam transformá-lo em um forte ator de papel legitimador, e principalmente, contestador.

Por fim, o FCCR. Um dos pontos mais alarmantes na relação entre o FCCR e o GMC é um determinado nível de desinteresse do GMC pelo órgão. Por um lado, o FCCR é considerado uma conquista pelos governos subnacionais de se inserir no arcabouço institucional do MERCOSUL. A observação de sua atuação indica que suas atividades são feitas de maneira quase independente do bloco de integração, e suas implementações encontram sucesso principalmente em questões fronteiriças e engajamento de atores que são diretamente afetados pelas fronteiras mercosulinas. É perdida a oportunidade, por parte do GMC de ganhar uma importante instituição com um caráter de parceria fortíssimo: atores com grande interesse de contribuir com a integração, que tem muito o que oferecer ao MERCOSUL em questões de construção de cidadania (em parcerias com a Unidade de Apoio à Participação Social, UPS), e monitoramento, principalmente quanto à uma das principais preocupações do MERCOSUL, as assimetrias regionais (em parceria com o FOCEM).

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NOTAS

1BLANK, Kermit; HOOGHE, Liesbet; MARKS, Gary. European integration from 1980’s: from state-centric v. Multi-level governance.

2ARMSTRONG, David; LLOYD, Lorna; REDMOND, John. The emergence of Global Civil Society.

3GODSATER, Andreas; SODERBAUM, Fredrik. Civil society in Eastern and Southern Africa.

4Ibid, p. 149-150.

5Ibid, p. 152-153.

6Ibid, p. 156.

7Ibid, p. 158.

8Ibid, p. 159.

9UNIÃO EUROPEIA. Tratado de Maastricht.

10Para a relação entre Comissão e sociedade civil, ver SMISMANS, Stijn. European Civil Society: shaped by Discourses and Institutional Interests.

11LODGE, Juliet; HERMAN, Valentine. The Economic and Social Committee in EEC Decision Making.

12Ídem

13

14Op. cit.

15SMISMANS, Stijn. European Civil Society: shaped by Discourses and Institutional Interests.

16LOUGHLIN, John. Representing Regions in Europe: The Comittee of Regions.

17Ídem.

18Ídem.

19SMISMANS, Stijn. Op. cit., p. 9, p. 485-486.

20KURT, Ümit. Europe of Monnet, Schumann and Miltrany: A Historical Glance to the EU from the Functionalist Perspective.

21COMITÊ DE REGIÕES. The Future of Europe.

22 MERCOSUL. RES 68/96.

23Ídem.

24MOAVRO. Un nuevo órgano del Mercosur: el Foro Consultivo Económico- Social.

25, Laura Bonemer; RIBEIRO, Marcia Carla. A importância do Foro Consultivo Econômico Social para o acordo de livre comércio entre o MERCOSUL e a União Europeia.

26MOAVRO, Horacio. Op. cit., p. 14

27ROCHA, Laura Bonemer; RIBEIRO, Marcia Carla. Op. cit.

28MERCOSUL. DEC 41/04

29 LIMA, Amanda Faria. A rede Mercocidades na integração regional do MERCOSUL: Atuação da Rede Mercocidades no Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Departamentos e Províncias do MERCOSUL (FCCR)

31VÁZQUEZ, Mariana. Los escenarios de participación social en el Mercosur.

RESUMO BIOGRÁFICO

0Tainá Siman é Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relaçõs Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil (PPGRI-UERJ).

NOTAS

30SADECK, Bruno; FROIO, Liliana Ramalho; MEDEIROS, Marcelo de Almeida. Os governos subnacionais e o MERCOSUL: um balanço dos 10 anos de funcionamento do FCCR.

Recebido: 30 de Maio de 2020; Aceito: 28 de Julho de 2020

Autor correspondiente: Tainá Siman. E-mail: taina.siman@gmail.com

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