1. INTRODUÇÃO
Há tempos a estrutura e o funcionamento do Mercado Comum do Sul - MERCOSUL têm sido alvos de críticas por parte de autores de sólida formação eurocêntrica, como por exemplo, de pesquisadores como Malamud e Schmitter1.
Ocorre que não se mostra adequado analisar o projeto de integração mercosulino, cujas características são únicas, utilizando-se de proposições e categorias teóricas gestadas a partir do modelo integracionista europeu, o qual, igualmente, possui um contexto singular.
O presente estudo tem como ponto de partida as variadas reflexões e críticas que foram, e ainda são, tecidas em relação à arquitetura, eficiência e operacionalização do MERCOSUL, críticas essas que, de regra, foram pautadas tendo como referência o processo integracionista da União Europeia.
Afinal, demandaria um mínimo de cautela a importação de teorias integracionistas estrangeiras, construídas sob circunstâncias político-econômicas e fatores sociais e culturais diversos daqueles presentes no contexto sul-americano, com vistas a explicar o funcionamento e a efetividade dos processos e instituições mercosulinos.
Por exemplo, no contexto europeu, distintamente da história sul-americana, de certa forma, concretizou-se um modelo de Estado Social, onde direitos mínimos para uma vida humana digna são verificados. Desse modo, as teorias integracionistas eurocêntricas tiveram como substrato um contexto econômico-social diverso e muito menos desigual do que a realidade sul-americana, a qual, historicamente, é caracterizada por profundas distorções e injustiças sociais.
Assim, o modelo europeu de integração, e, consequentemente, todo o arsenal teórico produzido em decorrência do funcionamento daquela estrutura integracionista, denotaria apenas relativa utilidade para análises acerca do processo de integração do MERCOSUL. Como exemplo, não se negaria a importância do modelo integracionista europeu para a realização de estudos comparativos de diferentes processos de integração regional.
Contudo, a suposição de que o processo de integração europeu figuraria como paradigma2, e a presunção de que as teses científicas formuladas a partir dele seriam adequadas e pertinentes a todo e qualquer projeto integracionista, a princípio, ignoraria fatores, valores e causalidades ínsitos a distintos contextos e processos históricos e políticos.
E, por conseguinte, como no caso de tentativas de explicação da formatação e funcionamento do MERCOSUL, a aplicação de teoria construída a partir de uma outra conjuntura comprometeria um resultado científico visando uma compreensão mais rigorosa de um objeto singular.
Logo, o entendimento do fenômeno mundial da integração regional entre países não é unívoco, estanque ou linear. Ademais, distintas óticas podem ser adotadas para a análise desse objeto, e sendo assim, as teorias construídas exogenamente, na maior parte dos casos, não se apresentariam como as mais compatíveis ao cenário integracionista sul-americano.
Por derradeiro, este trabalho visou demonstrar a presença de fortes discrepâncias sócioeconômicas entre os países membros do MERCOSUL e a vigência de regimes de governo predominantemente presidencialistas, e evidenciar um contexto histórico-político único no cenário sul-americano. E de efeito, buscou-se descortinar que, a utilização acrítica de modelos teóricos construídos com vistas ao modelo europeu de integração, por conseguinte, mostrar-se-ia inadequada e despropositada para responder aos mais variados questionamentos que pairam sobre o MERCOSUL.
2. AS REFLEXÕES TEÓRICAS GESTADAS A PARTIR DA INTEGRAÇÃO EUROPEIA
O conceito clássico de integração formulado por Ernst Haas3 já trazia a voluntariedade dos Estados participantes em abrir mão de parcelas de sua soberania, com vistas à prevenção e à solução de conflitos interestatais. Ademais, é presente na proposta teórica de Haas a relevância da supranacionalidade das instituições regionais, às quais seriam atribuídas parcelas de atributos de soberania transferidos por outros Estados membros.
No entanto, tal elaboração teórica teve como assento fatores históricos que não encontram paralelo na realidade integracionista sul-americana. Afinal, conforme relembra Rogério Santos da Costa4, o viés funcionalista das instituições supranacionais europeias teve o intuito de prevenir novas conflagrações, e contou com o apoio da potência vencedora do último conflito mundial. Na mesma vertente é a opinião de Jose Briceño Ruiz5, para o qual, diante da beligerância entre franceses e alemães que perdurou décadas, em disputa sobre o controle do carvão e do aço, a ideia de autoridades supranacionais poderia ser um meio de prevenir novos conflitos.
De outro lado, observa Lewandowski6 que o desenvolvimento da noção de supranacionalidade deveu-se muito às decisões dos órgãos jurisdicionais europeus e ao Tribunal de Luxemburgo sobre as regras comunitárias. Para o referido autor, a supranacionalidade tem a ver com uma arquitetura institucional entre Estados da Europa, cujo relacionamento seria viabilizado através de organismos comunitários, aos quais foram atribuídas competências para o cumprimento de objetivos da comunidade. E explica que esse “relacionamento caracteriza-se pela submissão dos Estados aos comandos que emanam desses órgãos, situados fora e acima deles, sempre que resultantes do exercício das competências que lhes foram atribuídas”.
Portanto, a insistência em utilizar teses neofuncionalistas7 para analisar o MERCOSUL acarretaria em uma dissonância entre uma reflexão científica que, apesar de rigorosamente formulada e amplamente difundida, descreve uma realidade complexa diversa. Ou seja, inobstante a ampla aceitação e sustentação das bem concatenadas ideias neofuncionalistas, a realidade contextual sobre a qual foram pensadas tais formulações teóricas seria distinta daquela vivenciada no Cone Sul. Aliás, bem recorda Candeas8 que os expoentes do neofuncionalismo, como Haas, Schmitter, Nye e Keohane, quando sublinharam os interesses transnacionais e o papel das elites e das burocracias, o faziam com base na experiência europeia.
Então, as análises que afirmam que no MERCOSUL estariam ausentes instituições regionais supranacionais e condições de oferta e demanda relacionadas à interdependência econômica9, e que asseveram que tais fatores seriam essenciais para propiciar o fenômeno do spill over, consequentemente, apresentar-se-iam tais reflexões deslocadas e inadequadas para melhor descrever o processo integracionista verificado no MERCOSUL.
Aliás, a ideia de spill over faz sentido e buscou atender interesses relacionados, maiormente, ao panorama histórico e à realidade política e integracionista europeia. Ademais, a integração iniciada na Comunidade Europeia, conduzida por Jean Monnet e Robert Schumann, considerava fundamental dar início a uma cooperação em determinado setor estratégico, a qual, tenderia a espalhar-se para outros setores, demandando, posteriormente, meios e intervenções para a sua disciplina e coordenação pelo campo político10.
Então, importante relembrar que, sob a ótica neofuncionalista, os conflitos inerentes do processo de integração, aliado às condições democráticas que sustentam as representações e as exigências populares regionais, demandariam dos governos nacionais o aperfeiçoamento e o fortalecimento das instituições regionais criadas por eles, no intuito de atender àquelas demandas com as devidas e satisfatórias respostas. Desse modo, ainda através da percepção neofuncionalista, aquelas exigências iniciais em um setor específico seriam devidamente atendidas pelas organizações regionais competentes, propiciando, assim, um encadeamento dinâmico que se alastraria para outros setores11.
Ademais, para Malamud, a integração do MERCOSUL seria protetora da soberania, ou seja, ali só os Estados teriam relevância, sendo, portanto, bem diversa do modelo europeu de sovereignty-sharing, onde atores transnacionais e instituições supranacionais impulsionariam um cenário de interdependência12. E numa previsão pessimista, complementa esse autor que, caso o intuito seja desenvolver e aprofundar a integração, as debilidades das instituições mercosulinas atuais não poderiam persistir por muito tempo.
Sem embargo, a análise neofuncionalista sobre os conflitos, demandas e expectativas regionais, pressuporiam uma suposta homogeneidade das exigências e anseios dos cidadãos, movimentos sociais, grupos empresariais, entre outros, dos distintos países componentes de um bloco regional. Ou seja, tal pensamento partiria da premissa de que todos os potenciais anseios pudessem ter a mesma característica, essência e natureza, e que fossem passíveis de serem atendidos por políticas públicas comuns. Mais uma vez, é possível afirmar que um cenário dessa ordem seria plenamente condizente à Europa pós-guerra, porém, bem diverso da conjuntura sul-americana.
Ademais, ignorar-se-iam através da abordagem neofuncionalista as atrozes discrepâncias sociais e econômicas entre países profundamente assimétricos. Desse modo, a aplicação desse modelo teórico partiria da equalização de inexoráveis divergências de expectativas que permeiam a sociedade civil e outros grupos sociais interessados de países dotados de relevantes diferenças sócio-econômicas, como por exemplo, a Argentina e o Paraguai13, e, como proposta, focaria na necessidade de serem incrementadas autoridades regionais com atributos supranacionais.
3. O CONTEXTO SUL-AMERICANO E O PROJETO MERCOSULINO
Quando da assinatura do Tratado de Assunção em 1991, o projeto de integração do Mercado Comum do Sul - MERCOSUL foi concebido como um instrumento para uma melhor inserção internacional de países comercialmente menos competitivos. O ambiente econômico vivenciado por todos os países signatários do bloco sul-americano estava submetido a um cenário internacional de rápida transformação e concorrência, mudanças de paradigmas, e de formação e interconexões de espaços econômicos distintos.
A redemocratização14 vivenciada pela Argentina e pelo Brasil, nos anos 1980, impulsionou uma política externa de superação de rivalidades históricas, e proporcionou aos governos dos Presidentes Raúl Alfonsín e José Sarney a elaboração de um projeto conjunto de integração de unidades produtivas15 dos respectivos países. Então, com a derrocada dos regimes militares nesses dois países, oportunizou-se a idealização da construção de uma região de cooperação, mesmo que, nesse espaço de interação, fossem ausentes as condições de interdependência econômica16.
Além do mais, a conjuntura econômico-social enfrentada por esses dois países nesse período, caracterizada por um esgotamento do modelo de desenvolvimento pautado em estratégias protecionistas17, demandou alternativa inovadora à política externa. Essa referida reaproximação entre Brasil e Argentina pode ser entendida, de acordo com as lições de Raúl Bernal-Meza, como o princípio sustentador do MERCOSUL18.
Logo, na esteira da criação de sucessivos blocos econômicos para uma eficaz inserção na economia mundial, em um contexto de pós-Guerra Fria e emergência da transnacionalização dos mercados, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, em 26 de março de 1991, firmaram o denominado Tratado de Assunção, criando o Mercado Comum do Sul - MERCOSUL.
Ou seja, o Tratado de Assunção apenas formalizou as agendas político-econômicas dos respectivos governos que aderiram a esse novo bloco, explicitando, desse modo, o propósito de inserção internacional com vistas a um multilateralismo, tendo como premissa um ambiente de formação de uma nova Ordem Econômica Mundial, a qual foi gestada a partir da implosão das economias planificadas e da prevalência do modelo liberal de economia de mercado19 ditado pelos países hegemônicos.
Ainda, conforme já mencionado, a redemocratização dos governos brasileiro e argentino foi um dos fatores que impulsionou o projeto do MERCOSUL. Entretanto, como os demais países-membros, Uruguai e Paraguai, igualmente, tinham recentemente superado regimes políticos autoritários, naquele contexto era presente o entendimento dos respectivos governos de que o aprofundamento da integração regional almejada exigiria que valores democráticos estivessem garantidos. Destarte, através da Declaração Presidencial de Las Leñas, em 26 e 27 de junho de 1992, propugnou-se como condição indispensável à viabilidade do MERCOSUL a plena vigência de instituições democráticas. Pouco tempo depois, na Declaração Presidencial da Província de San Luis, em 25 de junho de 1996, tal compromisso democrático foi reafirmado20.
Com esteio na visão política dominante àquela época, no sentido de que a democracia representativa liberal deveria ser assegurada para o regular e legítimo aprofundamento dos projetos integracionistas, asseverou-se com a assinatura do Protocolo de Ushuaia, em 24 de julho de 1998, a imprescindibilidade da plena vigência de instituições democráticas para a integração dos Estados-Partes do MERCOSUL. Consolidou-se, assim, uma cláusula democrática para o bloco.
Ademais, com o Protocolo de Ushuaia, previu-se consequências politicamente relevantes para o Estado membro que afrontasse a ordem democrática, podendo, inclusive, conforme previsão do artigo 5 do referido Protocolo, acarretar em “suspensão do direito de participar nos diferentes órgãos dos respectivos processos de integração, até a suspensão dos direitos e obrigações resultantes destes processos”.
Por fim, é importante ressaltar que o MERCOSUL, em sua essência, com base no Tratado de Assunção, e, posteriormente, explicitado no Protocolo de Ouro Preto, possui natureza intergovernamental. E assim sendo, lembra Vazquez21, “tanto si se considera que los miembros que componen las instituciones representan a los Estados partes, como el hecho de que las decisiones se toman por consenso, manteniéndose el poder de veto de cada uno de ellos”.
Para Lewandowski22, no conceito de intergovernamentalismo estão presentes os seguintes aspectos relacionados à condução de um bloco regional: “a tomada de decisões ocorre por unanimidade ou por consenso, com a presença de todos os membros; depois, não há a criação de um direito autônomo e superior ao nacional”. E de efeito, não haveria a vinculação imediata dos Estados membros, nem de seus respectivos cidadãos, às deliberações tomadas pelas instâncias regionais.
4. O INTERGONVERNAMETALISMO DO MERCOSUL E A INADEQUAÇÃO DE INSTITUIÇÕES SUPRANACIONAIS
Em que pese a crítica pela ausência de instituições supranacionais no Mercado Comum do Sul, tão clamada nos escritos apologistas das ideias neofuncionalistas, é de fundamental relevância recordar que, em todos os países membros do bloco sul-americano, há a prevalência do sistema presidencialista.
De modo que, no presidencialismo, irrogam-se a representação do Estado e a administração do governo nacional na figura do Presidente da República, o qual é eleito para um termo fixo e pré-estabelecido. Assim, naturalmente, esse tipo de regime garantiria relativa estabilidade governamental e administrativa23, em função, justamente, da menor responsabilidade e submissão política do Presidente em relação ao órgão legislativo, o que diversamente ocorre nos sistemas parlamentaristas europeus.
No sistema parlamentarista, os governos alçados ao poder estão propensos à queda abrupta pela perda de confiança da casa legislativa. De efeito, é natural que a estrutura de integração regional mais compatível a esse tipo de sistema político seja aquela em que atributos supranacionais sejam exponenciados.
Já no presidencialismo sul-americano, distintamente, a escolha direta do Presidente pelo povo o faz representante e responsável imediato dos anseios populares, cuja função exercida como chefe de Governo e de Estado perante o MERCOSUL, a princípio, seria melhor explicada através de uma abordagem intergovernamental24.
Por outro lado, a corrente intergovernamentalista valorizaria o protagonismo do Estado no processo de integração regional, e sustentaria a manutenção dos atributos da soberania estatal nas interlocuções regionais. Logo, sob o viés intergovernamental, seria prioritária a atuação soberana do Estado em prol do interesse nacional, o qual atuaria, assim, em issue areas, substituindo-se, então, o processo acumulativo e gradual do spill over, tão valorizado nas proposições neofuncionalistas25.
Assim, como bem observado por Miriam Gomes Saraiva26, no intergovernamentalismo, também teriam voz os atores sociais relevantes, como aqueles detentores de poder econômico e político, contudo, as decisões mais fundamentais relacionadas à integração regional ficariam a encargo dos cálculos dos respectivos Estados membros e soberanos.
De outra banda, as nada desprezíveis distorções sócio-econômicas existentes entre as nações membros do bloco sul-americano obstaculizariam a cessão de parcelas da soberania estatal e a implementação de dinâmicas supranacionais na região.
Todavia, possui razão Peña27 ao ressaltar as diversidades que caracterizam cada país membro do MERCOSUL, de modo que, ao firmarem acordos e assumirem obrigações perante o Bloco, “é importante que cada país tenha uma estratégia de desenvolvimento e de inserção internacional elaborada em função das suas próprias características internas e dos objetivos valorizados pela respectiva sociedade”.
Portanto, é possível afirmar que as análises que levam em conta o predomínio de uma visão eminentemente nacional no processo integracional sul-americano, por corolário, partem de postulados condizentes com o cenário regional, e não negam a interlocução entre projetos mercosulinos comuns com aqueles concebidos de acordo com os interesses especificamente nacionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em que pese a comparação da arquitetura institucional do MERCOSUL em relação àquela existente na União Europeia possa, dependendo da perspectiva adotada, denotar estar presente uma débil e ineficiente institucionalização no bloco sul-americano, a análise das estruturas vigentes nos dois modelos comporta várias óticas. Há muito Malamud28 já tecia críticas à suposta irrelevância estrutural-institucional do MERCOSUL e à sua ausência de órgãos supranacionais.
No entanto, seguindo o argumento da lavra de Mallmann29, é possível vislumbrar que a organização estrutural do Mercado Comum do Sul é dotada de maior flexibilidade e versatilidade de atuação em razão, justamente, de sua baixa institucionalização. E assim sendo, fatores internos de instabilidade política ou crises externas, tanto financeira como econômica, são, potencialmente, mais bem enfrentados pelo bloco, justamente, em vista de seu menor engessamento institucional, e, concomitantemente, maior discricionariedade de gerenciamento dos governos nacionais na tomada de medidas contingenciais.
Por isso, os impactos reais causados pelas possíveis flutuações dos preços dos produtos primários ou das taxas de juros incidentes sobre as dívidas públicas, pelas remessas de lucros aos países cêntricos e pelas retiradas de capital especulativo em períodos de incerteza, além de outros fatores de grave repercussão na economia real e na ordem social dos países sul-americanos, por conseguinte, exigiriam para a sua mitigação contundente e focalizada atuação governamental.
E considerando as relevantes assimetrias existentes entre os países do Cone Sul, é perceptível que os reflexos provenientes das instabilidades políticas e econômicas são diversos e específicos em cada país, demandando, portanto, estratégias governamentais nacionais específicas.
Desse modo, a autonomia de cada governo nacional para definir a sua política industrial, trabalhista, social, cambial, fiscal ou tributária, com vistas a um efetivo enfretamento à erosão do tecido social distintamente infligida em cada país membro, em tese, seria mais eficaz do que uma atuação via política comum regional e concebida por órgão supranacional.
Pois, as instituições e políticas de caráter supranacional, dificilmente, lograriam coerência nas suas medidas perante um cenário complexo e fragmentado, onde as crises econômicas e sociais, e seus desastrosos efeitos, são diversificadas entre os países atingidos.
Por outro lado, exemplos concretos observados em relação a crises sociais que assolam alguns países da União Europeia30 demonstram que, em que pese o evidente esgarçamento do welfare state em algum desses países específicos, as medidas supranacionais tomadas são, na maior parte das vezes, de natureza monetária e focadas na austeridade fiscal, possuindo, assim, forte caráter recessivo, minando, consequentemente, a governabilidade31 desses países atingidos.
Destarte, a ausência de órgãos supranacionais na vigente estrutura institucional do MERCOSUL, diferentemente do que ocorre no modelo de integração europeu, manteve e garantiu a seus países membros as prerrogativas relacionadas à soberania nacional e aspectos referentes a uma política nacional autônoma. No entanto, a observação de maior relevância é no sentido que, levando em conta a vulnerabilidade a que estão potencialmente acometidos todos os países do Bloco, o funcionamento do desenho institucional do MERCOSUL32 apresenta-se, no mínimo, mais apropriado para fazer frente a tais instabilidades conjunturais.
Por conseguinte, com base nas lições de Garcia33, verifica-se que as assimetrias econômicas existentes entre os países integrantes do MERCOSUL constituem um dos mais relevantes óbices ao avanço da integração regional almejada. E assim o sendo, não se mostrando tão úteis ao cenário sul-americano as reflexões integracionistas embebidas por contextos diversos, as proposições teóricas sobre o MERCOSUL são mais sustentáveis quando gestadas levando em conta as referidas distorções socioeconômicas vigentes, tanto em relação aos países membros entre si, quanto sob a ótica intranacional.
Nesse panorama, ainda seguindo as lições de Garcia34, “longe de uma fuîte en avant, as soluções para essa dificuldade exigem pensar de forma original a especificidade da integração na América do Sul”. E nessa linha, como ponto de partida, é possível estabelecer melhor um critério para identificar as categorias analíticas inservíveis a uma melhor descrição do funcionamento e dos aspectos circundantes da dinâmica do MERCOSUL.