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Revista de la Secretaría del Tribunal Permanente de Revisión

versión impresa ISSN 2307-5163versión On-line ISSN 2304-7887

Rev. secr. Trib. perm. revis. vol.8 no.15 Asunción mar. 2020

https://doi.org/10.16890/rstpr.a8.n15.p148 

Artículo Original

Uma análise da atual realidade internacional sob a égide da cooperação jurídica internacional no novo código de processo civil brasileiro

Un análisis de la actual realidad internacional bajo la cooperación jurídica internacional en el nuevo código procesal civil brasileño

An analysis of the current international reality under international legal cooperation in the new civil procedural code

Eduarda Alfaro Mena Barreto Martins1 

1Universidad de la Empresa (UDE), Uruguay.


RESUMO

Por efeito do aumento das atividades que ultrapassam as fronteiras a cooperação jurídica entre os países tem impulsionado-se cada vez mais, com isso, assumindo um significativo papel diante do atual contexto internacional de um mundo globalizado. Nesse sentido, o ato de cooperar juridicamente revela-se como um importante mecanismo à garantia ao acesso à justiça, assim como, para o alcance de uma efetiva tutela jurisdicional além das fronteiras nacionais. Partindo dessa premissa, pretende-se empreender um estudo desde as dinâmicas da atual realidade internacional ao novo paradigma brasileiro da cooperação jurídica internacional, sobretudo, buscando enfatizar as inovações e os aperfeiçoamentos dos mecanismos de cooperação trazidos pelo Novo Código de Processo Civil Brasileiro (Lei nº 13.105/2015). Dessa forma, o trabalho encontra-se estruturado em dois capítulos, no primeiro será abordada uma contextualização das atuais dinâmicas da realidade internacional e no segundo capítulo será analisado especificamente os mecanismos de cooperação jurídica internacional vigentes no diploma processual civil brasileiro.

Palavras-chave: Realidade Internacional; Cooperação Jurídica Internacional; Novo Código de Processo Civil Brasileiro.

RESUMEN

Por efecto del aumento de las actividades más allá de las fronteras la cooperación jurídica entre los países se ha impulsado cada vez más, con eso, asumiendo un significativo papel ante el actual contexto internacional de un mundo globalizado. En este sentido, el acto de cooperar jurídicamente presentase como un mecanismo importante para garantizar el acceso a la justicia, así como para el alcance de una efectiva tutela jurisdiccional más allá de las fronteras nacionales. Desde esa premisa, se pretende emprender un estudio desde las dinámicas de la actual realidad internacional hasta el nuevo paradigma brasileño de la cooperación jurídica internacional, sobretodo, buscando enfatizar las innovaciones y las mejorías de los mecanismos de cooperación aportados por el Nuevo Código Procesal Civil Brasileño (Ley nº 13.105/2015).

De esta forma, el trabajo se estructura en dos capítulos, en el primero se abordará una contextualización de la dinámica actual de la realidad internacional y en el segundo capítulo se analizará específicamente los mecanismos de cooperación jurídica internacional vigentes en el diploma procesal civil brasileño.

Palabras clave: Realidad Internacional; Cooperación Jurídica Internacional; Nuevo Código Procesal Civil Brasileño

ABSTRACT

Due to the increase in activities across borders, legal cooperation between countries has been increasingly promoted, thereby assuming a significant role in the current international context of a globalized world. In this sense, the act of legal cooperation appears as an important mechanism to guarantee access to justice, as well as to achieve effective judicial protection beyond national borders. From this premise, it is intended to undertake a study from the dynamics of the current international reality to the new Brazilian paradigm of international legal cooperation, above all, seeking to emphasize innovations and improvements in the cooperation mechanisms provided by the New Brazilian Civil Procedure Code (Law nº 13.105 / 2015).

In this way, the work is structured in two chapters, in the first one a contextualization of the current dynamics of international reality will be addressed and in the second chapter the mechanisms of international legal cooperation in force in the Brazilian civil procedural diploma will be specifically analyzed.

Keywords: International Reality; International Legal Cooperation; New Brazilian Civil Procedure Code.

1. INTRODUÇÃO

As profundas e radicais mudanças sociais, políticas, econômicas e cientifico-tecnológicas, por um lado, e o espetacular aumento quantitativo no plano dos atores e das interações, por outro, acompanhados pelo surgimento de novos e dramáticos problemas e o agravamento dos já existentes, vêm influenciando sobremaneira, na evolução das próprias concepções das relações internacionais e, com isso, no próprio paradigma que inspira as mesmas.

Atualmente, devido à amplificação das diversas atividades que ultrapassam as fronteiras, há um crescente impulso do desenvolvimento da cooperação jurídica entre países. Partindo desse pressuposto, verifica-se que cada vez mais existem litígios em âmbito internacional que carecem de uma efetiva assistência, ocasionando, com isso, complexos desafios ao direito processual civil.

Em vista dessa nova realidade, o estudo da cooperação jurídica internacional assume um particular destaque, especialmente porque busca proporcionar o estreitamento das relações entre os países para que busquem conjuntamente contribuir para a composição de conflitos que transcendam suas respectivas fronteiras, seja por meio de tratados, convenções ou protocolos.

Nesse sentido, considerando que houveram significavas alterações com o advento do Novo Código de Processo Civil Brasileiro, no que diz respeito ao capítulo da cooperação internacional, torna-se imprescindível debruçar-se ao estudo dessa temática, especialmente considerando o preceito constitucional de que as relações internacionais regem-se, dentre outros princípios, pela cooperação entre os povos para o progresso da humanidade1, ou seja, cooperar não implica em um ato de favor, mas sim no cumprimento de uma obrigação jurídica e, mais que isso, na efetivação de um princípio constitucional.

Sendo assim, o presente estudo propõe-se a abordar desde as dinâmicas da atual realidade internacional ao novo paradigma brasileiro da cooperação jurídica internacional, sobretudo, buscando enfatizar as inovações e os aperfeiçoamentos dos mecanismos de cooperação trazidos pelo Novo Código de Processo Civil Brasileiro. Para tanto, a metodologia desenvolveu-se com base no método de procedimento histórico e no método de abordagem dedutivo.

2. CONTEXTUALIZAÇÃO DAS DINÂMICAS DA ATUAL REALIDADE INTERNACIONAL

O mundo, em consequência do acelerado desenvolvimento social, econômico, científico-técnico e comunicacional, caracteriza-se através do crescente fenômeno da interdependência e da cooperação, isso porque suas estruturas e dinâmicas vêm experimentado uma mudança transcendental2.

Estamos diante de um importante processo de transformação, considerando a existência de uma sociedade internacional onde as dimensões transnacionais e humanas passam a ter, junto à dimensão interestatal, uma importância e protagonismo igualmente decisivo nas relações internacionais3.

Por efeito, em decorrência desse fenômeno, desencadeiam-se, constantemente, novos problemas e desafios, suscitando, assim, necessidades e demandas novas, de maneira que surgem valores e interesses comuns a todos os países.

Assim, tanto na regulação de interesses comuns dos Estados, como na regulamentação jurídica de interesses gerais da comunidade internacional em seu conjunto, o clássico direito internacional vem substituindo-se por um direito internacional mais social, ou seja, mais comunitário4.

Atualmente, a sociedade internacional já não mais deve ser caracterizada por um sistema exclusivamente interestatal e estatocêntrico, mas sim por uma sociedade cada vez mais multicêntrica, a nível de atores e, consequentemente, mais imprevisível e mais instável a nível de estruturas e dinâmicas, visto que os problemas resultantes das atividades humanas transcendem os limites estatais5.

Não obstante as positivas transformações, a atual sociedade mundial caracteriza-se por ser um sistema em profunda mutação, carregada de crescentes incertezas, tendo em vista, sobretudo, o debilitamento da atuação do Estado, como entidade soberana, em consequência do crescente papel que vêm desempenhando os atores transnacionais e, inclusive, os indivíduos, tanto no âmbito internacional, como no interno6.

Nesse sentido, Celestino Del Arenal corrobora:

La sociedad internacional actual se encuentra en proceso de mutación o de cambio, como consecuencia de las tensiones dialécticas que se producen entre lo viejo y lo nuevo, entre el futuro y el pasado, entre un mundo de Estado que continúa anclado en el viejo dogma de la soberanía nacional y un mundo complejo, global, transnacionalizado e interdependiente en el que no existen fronteras y en el que actúan actores de todo tipo, entre las soluciones nacionales y egoístas que continúan ofreciendo los Estados y las soluciones comunes y solidarias que demanda el carácter global y humano de sus problemas7.

Em meio a evolução que vem experimentando a sociedade internacional pode-se destacar uma série de dinâmicas que passaram a caracterizá-la. Dessa forma, segundo Esther Barbé8 “a atual sociedade internacional merece múltiplos adjetivos”.

Primeiramente, segundo definição de Celestino del Arenal9, a universalização é a dinâmica fundamental da atual sociedade internacional, uma vez que ocasionou consequências e efeitos em diversos níveis, isto é, refere-se ao processo de configuração de um único mundo em escala planetária, considerando em termos geográficos, políticos e econômicos.

O resultado mais notável da mundialização foi a unificação do campo político-diplomático, estratégico e, principalmente, do campo jurídico internacional, econômico, da comunicação e informação10.

A partir da mundialização, ganharam impulso os processos de globalização, interdependência e transnacionalização, provocando a progressiva erosão das fronteiras estatais e do papel do Estado nas relações jurídicas, bem como, do desenvolvimento e fortalecimento das interdependências e dependências de todo tipo (políticas, econômicas, culturais, estratégicas, jurídicas, tecnológicas, etc).

Em segundo lugar, a dinâmica da interdependência atinge sua máxima a partir da Segunda Guerra Mundial, através do aumento e intensificação dos intercâmbios e interações no âmbito econômico, político, cultural e social, entre os Estados, os atores internacionais e os indivíduos11.

Celestino Del Arenal12, aponta que a interdependência se expressa claramente “no caráter comum e global de muitos problemas da sociedade mundial, diante dos quais as políticas nacionais ou individuais dos atores nada podem fazer, sendo necessárias políticas comuns e globais, baseadas na coordenação de políticas nacionais”.

A noção de interdependência é complexa, pois em princípio refere-se a uma situação de mútua dependência, onde os custos são repartidos entre os atores envolvidos, reduzindo-se, assim, a autonomia dos mesmos. É imperioso referir que a interdependência não se configura nos intercâmbios em que não há custos recíprocos13.

Ainda que, a interdependência ocasione custos recíprocos, pode-se considerar que os mesmos tragam consigo benefícios às partes, com o intuito de promover a integração e a cooperação, através do incremento de mecanismos passíveis à coordenação de ações que buscam um resultado em comum.

Estritamente relacionado com a dinâmica da crescente interdependência e com a mundialização, está a dinâmica da globalização. A globalização determina-se pelo desenvolvimento e incremento, que se produz nas últimas décadas, das interações que transcendem fronteiras, ou seja, superando as mesmas e, consequentemente, a lógica espacial do Estado e a lógica de tempo imperante até então14.

Novos desafios surgiram a partir desse processo multidimensional que é a globalização, como consequência da proliferação e relevância dos atores internacionais, considerando-se desde as organizações não governamentais às empresas transnacionais e, sobretudo, o imponente papel que assume o indivíduo15.

Por essa perspectiva, Celestino Del Arenal assinala:

La globalización, en cuanto fenómeno y proceso multidimensional, se expresa, por lo tanto, a través de la intensificación, inmediatez e interdependencia de las interacciones políticas, económicas, científico-técnicas, sociales y culturales transfronterizas, entre los distintos actores, estatales y transnacionales, afectando de forma desigual a los diferentes subsistemas internacionales, regiones y actores, provocando interdependencias y dependencias crecientes de todo tipo y conformando una sociedad mundial nueva. La globalización, por sus profundos efectos a nivel de actores, estructuras y dinámicas, está actuando en el sentido de provocar un radical cambio en la naturaleza de la sociedad mundial. Con todo es a nivel económico, muy especialmente financiero, y comunicacional e informativo, donde hasta el momento la globalización ha conocido su mayor desarrollo16.

Justamente considerando o crescente papel que vêm desempenhando os indivíduos, manifesta-se a dinâmica da humanização. Dessa forma, apresenta-se notável o triunfo da democracia e dos direitos humanos, ensejando, como consequência, em um novo consenso internacional, no qual o ser humano, tanto individual como coletivamente, passa a ser tomado em consideração a nível internacional17.

Nesse sentido, Celestino Del Arenal18 destaca que a transformação passa a ocorrer notavelmente a partir da Segunda Guerra Mundial, como reflexo de uma tomada de consciência, desde a opinião pública aos responsáveis governamentais, acerca da concepção dos direitos humanos a nível internacional. Por efeito, o reconhecimento dos direitos humanos em âmbito internacional implica no fornecimento de respostas às dinâmicas sociais diretamente relacionadas com situações de violação dos mesmos.

Diante do fortalecimento da dimensão humana e, considerando a transcendência da dimensão humanitária na atualidade, passa-se a ter em vista a concepção de que os problemas mais gerais do nosso mundo, são problemas globais e comuns, que atingem à todos e, portanto, a solidariedade, como um valor e atitude, passe a fazer frente aos mesmos19.

Assim, o caráter dinâmico da sociedade internacional exemplifica-se na multiplicação do número e do tipo de atores20, os quais implicam na debilidade do papel do Estado, fazendo com que este seja conduzido à expandir-se cada vez mais ao exterior, restringindo sua margem de autonomia21.

Dessa forma, impende assinalar que, com a evolução dos povos e das relações entre os mesmos além de seus limites territoriais, restou notória a insuficiência da concepção da soberania, diante da nova realidade fática que se manifesta nas últimas décadas22.

Ordinariamente, no terreno jurídico, o Estado se diferencia de qualquer outro ator por gozar de um status legal único, ou seja, por gozar de soberania23. Acerca da conceituação de soberania, Hedley Bull24, assinala que a soberania interna demanda supremacia sobre qualquer outra autoridade existente, já a soberania externa significa independência de qualquer autoridade externa.

Esther Barbé25, complementa, apontando que no conceito de soberania externa entende-se que não há nenhum superior hierárquico com autoridade legítima que determine ao Estado o que deve realizar, este é considerado independente.

Ocorre que, diante das novas dinâmicas sociais, o paradigma da soberania exige uma nova interpretação. Luigi Ferrajoli26 aponta que a partir da Declaração dos Direitos do Homem, a soberania externa do Estado deixa de ser uma liberdade absoluta e, passa a subordinar-se, juridicamente, ao imperativo da paz e à tutela dos direitos humanos.

Com isso, observa-se que a transformação do conceito de soberania é reflexo das transformações no sistema internacional e nas relações internacionais do século XX, possibilitando que as instituições internacionais amplifiquem sua atuação, de modo a ressignificar o conceito de soberania27.

Ao encontro da ressignificação do conceito de soberania, Antonio Remiro, esclarece:

La sociedad y el Derecho internacional se hicieron propiamente universales sólo desde el momento en que se renunció a los estándares civilizatorios para justificar la negación a los pueblos autóctonos de los derechos de soberanía y, por lo tanto, de igualdad, lo que ocurrió sólo en el presente siglo, cuando el principio de la libre determinación, que se había venido incubando tanto en el pensamiento liberal como en el socialista, animó la acción política que dió al traste con el colonialismo, y el principio de no intervención, enarbolado sobre todo por los países latinoamericanos, fue definitivamente enarbolado para atajar el imperialismo28.

Assim, impende observar que na mundialização as dimensões espacial e temporal são essenciais, fazendo com que o espaço e o tempo se façam únicos e planetários, permitindo a culminação, desde o ponto de vista jurídico-internacional, da universalização da sociedade e do direito internacional29.

Nesse contexto, evidencia-se a necessidade de “compartilhamento do aparato estatal para a resolução de questões jurídicas”30, visto que a jurisdição estatal, basicamente assentada no princípio da territorialidade, mostra-se insuficiente frente às demandas jurídicas oriundas das relações mantidas além das fronteiras nacionais.

Isso justifica-se em razão de que todos os dilemas que desencadeiam-se atualmente são de caráter global e comuns, sendo produtos da interdependência e da globalização que caracterizam a sociedade mundial, assim como, da superação do referente ente estatal para fazer frente aos mesmos31.

Desse modo, revela-se na cooperação jurídica internacional a expectativa em fornecer respostas às profundas transformações apresentadas pelas atuais dinâmicas da sociedade internacional.

3. A COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

Por efeito da dinâmica da interdependência apresenta-se evidente o desenvolvimento da cooperação entre os povos, constituindo-se em uma das características mais determinantes da atual realidade internacional frente ao passado.

As demandas atuais deixaram de ser exclusivamente estatais para transformarem-se em problemas globais e comuns entre os seres humanos, os quais, por consequência, demandam políticas e soluções comuns e globais por parte dos atores internacionais, baseadas na cooperação e na solidariedade.

Nesse sentido, indaga-se, afinal, o que é cooperar? Etimologicamente cooperar significa atuar conjuntamente com outros para conseguir um mesmo fim. A cooperação implica coordenação de interesses a partir da percepção de problemas comuns. Supõe, ainda, reciprocidade, desejo de dar e receber, esforço coletivo, criação de oportunidades para todos, distribuição equitativa de custos e benefícios32.

De acordo com Celestino del Arenal33 a cooperação existe quando as ações dos atores se adequam mutuamente através de um processo de negociação, ou seja, quando as políticas desenvolvidas por um governo são consideradas como meio de facilitar a execução de seus próprios interesses, como reflexo de um processo de coordenação de políticas.

Diante do atual contexto, o Novo Código de Processo Civil concedeu maior importância à cooperação internacional, considerando a necessidade de colaboração entre os Estados, sobretudo, diante da crescente globalização. Na atualidade, é impossível pressupor a existência de um Estado ilhado e centrado em seus limites territoriais, uma vez que, constantemente, os indivíduos estão em interação nas mais diversas áreas e, com isso, as distâncias não mais consideradas como obstáculos ao intercâmbio34.

O atual diploma processual civil prevê que a cooperação jurídica internacional reger-se-á por tratado em que o Brasil seja signatário. Inclusive, conforme o teor do art. 13, os tratados internacionais em matéria processual prevalecem sobre a lei brasileira em caso de conflito35, sendo esta, outra significativa inovação trazida pelo novo Código.

Dessa forma, os acordos internacionais determinados como fonte primária da cooperação, apresentou um destacado avanço, uma vez que a cooperação “depende da conjugação de vontades de pelo menos dois Estados soberanos e, nesse sentido, não poderia ficar à mercê de regulamentação unilateral exclusiva pelo Direito doméstico de um único Estado”36.

Para tanto, deve ser levado em consideração: a) o respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente; b) a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, assegurando-se assistência judiciária aos necessitados; c) a publicidade processual, exceto nas hipóteses de sigilo previstas na legislação brasileira ou na do Estado requerente; d) a existência de autoridade central para recepção e transmissão dos pedidos de cooperação; e) a espontaneidade na transmissão de informações a autoridades estrangeiras37.

A partir do exposto, verifica-se que o novo Código de Processo Civil foi lançado sob a égide principiológica da cooperação jurídica internacional. Inicialmente, a garantia do devido processo legal implica na observância dos princípios do contraditório, da ampla defesa, da produção de prova lícita e vedação de provas ilícitas e a publicidade dos atos processuais38.

O princípio da igualdade de tratamento, previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal de 198839, foi muito bem incluído ao diploma processual civil, sobretudo, porque visa garantir o pleno acesso à justiça tanto aos nacionais como aos estrangeiros, concedendo assistência judiciária aos que necessitem.

A regra da publicidade dos atos que tratem de demandas cooperacionais, somente será excepcionada pela eventual imposição de sigilo previsto no ordenamento jurídico brasileiro e no estrangeiro40. Assim, a publicidade opera-se na cooperação internacional como forma de garantir o devido processo legal, assim como, a ordem pública internacional.

A devida importância dada à figura da autoridade central é um ponto relevante do Direito Processual Internacional moderno e possui como objetivo precípuo simplificar e homogeneizar os critérios e as medidas tomadas para o processamento dos requerimentos42.

O princípio da espontaneidade na tramitação de informações a autoridades estrangeiras, por sua vez, implica no tratamento menos burocrático quando tratar-se de mera troca de informações, ou seja, não se torna exigível que um procedimento formal específico43.

Em que pese a regra trazida pelo caput do art. 26, nada impede que, na ausência de tratado internacional, a cooperação jurídica poderá realizar-se com base na reciprocidade, manifestada por via diplomática44.

Tratando-se de homologação de sentença estrangeira não será exigida a reciprocidade45. Desta feita, Luciano Meneguetti Pereira, complementa aclarando:

A não exigência de reciprocidade deveria ser a regra estabelecida pelo NCPC, pois tem como objetivo assegurar, em um contexto transnacional, o pleno exercício de direitos pertencentes a pessoas privadas, de modo a não sacrificá-las por culpa do Estado, que se omite em não oferecer reciprocidade. Com isso evita-se limitar indevidamente o acesso à tutela judicial transnacional. Da omissão em não firmar tratados ou oferecer reciprocidade, deve resultar restrições de interesses tão somente do próprio Estado inerte e não aos particulares46.

Não obstante a previsão legal de não exigibilidade de reciprocidade nos casos de homologação de sentença estrangeira, a doutrina majoritária compreende que a exigência da reciprocidade para a cooperação jurídica internacional em geral vai de encontro aos sistemas mais avançados em escala global.

No mesmo sentido, Flávia Hill esclarece:

Cremos ser desaconselhável a exigência categórica da assinatura de tratado internacional ou reciprocidade para que o acesso à justiça, que é uma garantia fundamental com vocação intrinsecamente universal, seja efetivamente garantido por nosso ordenamento jurídico-processual aos cidadãos envolvidos em litígios transnacionais47.

Ademais, em matéria de cooperação jurídica internacional não será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem a República Federativa do Brasil48. Deve-se entender, por normas fundamentais, aquelas previstas na Constituição Federal, consagradoras de princípios fundamentais, assim como, direitos e garantias individuais e coletivos, inclusive, os que se encontram dispersos no texto constitucional49.

Ainda, no que tange as disposições gerais, o novo Código disciplina que o Ministério da Justiça exercerá as funções de autoridade central na ausência de designação específica50. Todavia, a Procuradoria Geral da República exerce a função de autoridade central para pedidos de auxílio direito destinados e provenientes de Portugal e do Canadá. Já para os pedidos de auxílio direto de outros países, esta função é exercida pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, vinculado à Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça51.

No que se refere ao objeto dos pleitos cooperacionais, o novo Código apresenta um rol exemplificativo, possibilitando a adoção de qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não vedada pela legislação brasileira52, o que apresenta-se no mínimo conveniente, “uma vez que o Direito Processual Internacional encontra-se em franca evolução, com a permanente criação de novos instrumentos de cooperação voltados a melhor atender às novas relações que vêm sendo estabelecidas na sociedade contemporânea”53.

Assim, conforme preceitua o art. 27, a cooperação jurídica internacional terá como objeto: a) citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial; b) colheita de provas e obtenção de informações; c) homologação e cumprimento de decisão; d) concessão de medida judicial de urgência; e) assistência jurídica internacional54.

Em relação a modalidade de cooperação, o novo diploma processual civil, consagrou a distinção entre ativa e passiva, a depender do local em que for realizado o pedido e daquele em que será realizado o ato. Assim, se o Brasil for o solicitante de determinado ato ao país estrangeiro, a cooperação denomina-se ativa. Caso o Estado brasileiro seja o solicitado, ou seja, quando a autoridade central estrangeira é quem requer a realização de ato, a cooperação é passiva55.

Desta feita, o pedido de cooperação oriundo de autoridade brasileira será, primeiramente, encaminhado à autoridade central para, posteriormente, ser enviado ao Estado requerido para lhe dar seguimento. Tanto o pedido como os documentos anexos que lhe instruem, serão enviados à autoridade central com a devida tradução para a língua oficial do Estado requerido56.

Com relação ao pedido de cooperação internacional passiva, o mesmo será recusado no âmbito nacional se configurar ofensa manifesta à ordem pública. O que referenda na disposição geral no texto processual, quanto a não admissão da prática de atos que contrariem ou que gerem resultados incompatíveis com as normas fundamentais do Estado brasileiro, implicando, assim, na preocupação em resguardar a ordem pública interna58.

Além disso, no que diz respeito aos pedidos de cooperação realizados no Brasil, insta salientar que os documentos em língua estrangeira terão validade quando traduzidos para o vernáculo, por tradutor juramentado, oficial ou público59.

No entanto, é possível que documentos e comunicações que estejam em língua estrangeira possam valer no Brasil, independente de tradução oficial, quando autorizado por acordo internacional ou quando a compreensão do teor seja clara o suficiente60.

O diploma processual, permite, ainda, que documentos e comunicações redigidos em língua estrangeira poderão valer no Estado brasileiro, ainda que não traduzidos por tradutor juramentado, em caso de tramitarem pela via diplomática ou por meio de autoridade central61.

A partir da contextualização do capítulo constante no novo Código de Processo Civil que trata especificamente da cooperação jurídica internacional, revela-se importante ressaltar a inquestionável importância que o legislador brasileiro concedeu ao tema, isso porque, sob a égide do antigo Código de Processo Civil nada se falava sobre a importância e a utilização da cooperação internacional.

Flávia Pereira Hill e Humberto Dalla Bernardina de Pinho62 sustentam que o foco da cooperação jurídica internacional deve ser, prioritariamente, o indivíduo, o qual é destinatário da prestação jurisdicional e sujeito das garantias fundamentais do processo, a quem deve ser conferido o pleno acesso à justiça, em escala global. Isso justifica-se em razão de que a cooperação jurídica deve ser viabilizada em consequência do compromisso assumido pelo Estado em garantir o efetivo acesso à justiça, ao invés de priorizar meras conveniências geopolíticas.

À vista disso, Ricardo Andrade Saadi e Camila Colares Bezerra, concluem:

A cooperação jurídica internacional deixa de ser exclusivamente um ato de cortesia entre os Estados e, se antes podia ser vista como uma ameaça à soberania, hoje se apresenta como essencial à sua própria manutenção. Mais que isso, se antes a cooperação internacional se justificava somente pela necessidade de contribuir com a paz e o progresso da humanidade, atualmente o próprio exercício das funções soberanas por parte dos Estados depende vitalmente da ajuda internacional. A garantia dos direitos individuais, coletivos e difusos, a manutenção da segurança pública, o combate ao crime organizado, a estabilidade do sistema econômico-financeiro, e tantos outros temas a cargo dos Estados dependem cada vez mais da cooperação jurídica internacional63.

Depreende-se, portanto, que promover a cooperação jurídica internacional é uma imposição natural da própria comunidade internacional e, qualquer atitude de resistência ou desconfiança relacionada ao cumprimento de atos oriundos do estrangeiro, deve ceder lugar ao princípio da boa-fé, o qual rege as relações internacionais64.

Com efeito, ante o atual contexto, prevalece a necessidade de observação de uma solidariedade transnacional e transtemporal, considerando o humano como elemento comum, sem que jamais seja desatendida a diversidade cultural. Assim, a efetividade da justiça não pode ser barrada pelas fronteiras nacionais, as quais de modo algum podem se constituir em obstáculos à própria efetividade do Direito, sobretudo, no marco das relações jurídicas para além das fronteiras65.

Assim sendo, torna-se premente a necessidade dos Estados em cooperar juridicamente, ou seja, pressupõe trabalho conjunto, colaboração e solidariedade para proporcionar a solução de um objetivo comum revestido de reflexos jurídicos, respaldando-se pelos mecanismos de cooperação jurídica, com vistas à garantir efetividade ao acesso à justiça.

 

3.1. Auxílio Direto e Carta Rogatória

Um dos mais importantes avanços no que concerne a cooperação jurídica internacional foi a regulamentação do instituto do auxílio direto, mecanismo revestido de extrema importância no âmbito das demandas judiciais da atualidade.

Observa-se que o auxílio direto consiste em um mecanismo de cooperação mais coerente com a realidade atual, por tratar-se de um veículo mais aberto, célere e efetivo66, além do mais, funda-se em normas oriundas de tratados e convenções de cunho internacional, bem como na reciprocidade.

Assim, o auxílio direto representa um dos grandes progressos do novo Código de Processo Civil, o qual passou a regular esse instituto em seus artigos 28 a 34. Em suma, o Código estipula que “cabe auxílio direto quando a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil”67.

Como juízo de delibação, entende-se “elementos que giram em torno da preservação dos princípios gerais do ordenamento do Estado em que se pretende executar o ato jurisdicional alienígena, sem que haja análise de fundo sobre o bem da vida posto em julgamento”68.

A solicitação de auxílio direto deverá ser direcionada pelo órgão estrangeiro à autoridade central, competindo ao Estado requerente assegurar a autenticidade e a clareza do pedido69, ou seja, de modo a não deixar dúvidas sobre a solicitação oriunda do Estado requerido. Nesse ponto, cabe às autoridades centrais atuarem como intermediadoras e facilitadoras na tramitação e comunicação de atos cooperacionais.

O art. 30 determina que o auxílio direto terá como objetos (além dos casos previstos em tratados do quais o Brasil é signatário): a) obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso; b) colheita de provas, salvo se a medida for adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva de autoridade judiciária brasileira; c) qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira70.

À exemplo de providências que podem ser tomadas a partir do pedido de auxílio direto, pode-se mencionar: comunicações de atos processuais, fixação de pensão alimentícia, medidas cautelares, produção de provas71.

Com referência ao procedimento, o art. 31 prevê que a autoridade central brasileira se comunicará diretamente com suas congêneres e, fazendo-se necessário, com os demais órgãos estrangeiros responsáveis pela tramitação e execução de pedidos de cooperação, sempre, respeitando as disposições específicas provenientes de tratados72.

Sendo recebido o pedido de auxílio direto passivo, isto é, proveniente de outro Estado, a autoridade central encaminhará para a Advocacia-Geral da União, a qual requererá em juízo a medida solicitada. Se o Ministério Público for a autoridade central para o ato, deverá requerer em juízo a medida pleiteada73.

O pedido de auxílio direito passivo que demande prestação de atividade jurisdicional, é de competência do juízo federal do local em que a medida deva ser executada74, trata-se, portanto, de uma competência da Justiça Federal.

Havendo atos que não necessitem de prestação jurisdicional, conforme a lei brasileira, a autoridade central está autorizada a adotar as providências necessárias para seu cumprimento75. Isso implica na possibilidade da cooperação jurídica internacional ocorrer por meio da via administrativa76.

Nesse sentido, Luciano Meneguetti Pereira aponta as situações em que pode ocorrer pedido de auxílio direto administrativamente:

I) havendo um órgão administrativo competente diverso da Autoridade Central para o atendimento do pedido de auxílio, o pedido é enviado a este pela Autoridade Central, para cumprimento; II) não havendo um órgão administrativo competente diverso da Autoridade Central para o atendimento do pedido, este é cumprido pela própria Autoridade Central77.

Outrossim, faz-se mister ressaltar que a figura da autoridade central surge com vistas à modernização do instituto da cooperação jurídica internacional. Tratam-se, portanto, de “órgãos das estruturas governamentais dos Estados, indicados por estes, que concentrarão o tratamento das demandas relativas ao auxílio que os entes estatais prestam entre si78”.

Em suma, compete às autoridades centrais de cada Estado “enviar e receber pedidos de cooperação jurídica internacional, encaminhá-los à atenção das autoridades competentes, exercer um juízo de admissibilidade sobre os pedidos de cooperação e acompanhar sua execução”79.

No âmbito nacional, a principal autoridade central é o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), o qual é subordinado à Secretaria Nacional de Justiça, órgão este pertencente ao Ministério da Justiça80.

Conforme as palavras Ricardo Andrade Saadi e Camila Colares Bezerra, substancialmente, o papel da autoridade central concentra-se em dois eixos:

O primeiro está relacionado ao trabalho de receber, analisar, adequar e tramitar os pedidos de cooperação jurídica, conferindo maior celebridade e efetividade a este processo. O segundo, tão ou mais importante que o primeiro, refere-se à lisura da cooperação, dando ao Estado e aos cidadãos que dela se utilizam maior garantia da autenticidade e legalidade do que se tramita81.

À vista disso, a autoridade central caracteriza-se como um órgão especializado responsável, essencialmente, pela boa condução da cooperação jurídica exercida por cada Estado, competindo, assim, além do mero recebimento e transmissão dos pedidos, o exame e adequação dessas solicitações quanto a legislação estrangeira e ao tratado que a constitui82.

Por essa perspectiva, Ricardo Andrade Saadi e Camila Colares Bezerra, concluem:

A ideia de concentrar em um único órgão o envio e recebimento dos pedidos representa, sem dúvida, um grande avanço na organização da cooperação jurídica internacional, especialmente se considerarmos que o fluxo de pedidos dessa natureza aumenta exponencialmente a cada ano. No entanto, o papel da Autoridade Central vai além da tramitação de documentos, se estendendo a aspectos ligados à efetividade, celeridade e lisura da cooperação83.

Ademais, um dos mais importantes mecanismos de cooperação jurídica internacional são as cartas rogatórias, as quais “tratam-se de pedidos feitos pelo juiz de um Estado ao Judiciário de outro ente estatal, com vistas a obter a colaboração deste para a prática de certos atos processuais”84.

Em outras palavras, as cartas rogatórias tratam-se de um pedido formal, realizado por uma autoridade judiciária de um Estado a outro, com o fim de obter auxílio para a instrução de um processo.

Humberto Theodoro Júnior conceitua como “o instrumento de cooperação utilizado para a prática de ato como a citação, a intimação, a notificação judicial, a colheita de provas, a obtenção de informações e de cumprimento de decisão interlocutória”85.

Via de regra, é regulada pelo direito interno dos estados ou por tratados internacionais, que visam a harmonização e unificação da normativa, a fim de facilitar seu trâmite e execução86.

As cartas rogatórias dividem-se em ativas e passivas. Diz-se ativas quando o Estado as emite para uma autoridade judiciária estrangeira e passivas quando o Estado recebe da autoridade estrangeira87.

No campo das cartas rogatórias a Emenda Constitucional nº 45/2004 já implementou significativa mudança ao transferir a competência da concessão de exequatur às cartas rogatórias ao Superior Tribunal de Justiça, originariamente do Superior Tribunal Federal, buscando, com isso, fornecer maior celeridade ao procedimento.

No novo Código de Processo Civil sua regulamentação encontra-se no capítulo dedicado à cooperação jurídica internacional, sendo a segunda modalidade de cooperação prevista. O art. 36 prevê que o procedimento da carta rogatória perante o Superior Tribunal de Justiça é de jurisdição contenciosa e deve ser assegurado às partes as garantias do devido processo legal88.

Ainda, com relação ao procedimento, a defesa deve limitar-se à discussão quanto ao atendimento dos requisitos para que o pronunciamento judicial estrangeiro produza efeitos no Brasil e, em qualquer das possibilidades, é vedada a revisão do mérito do pronunciamento judicial estrangeiro pela autoridade judiciária brasileira89.

No âmbito interno, o processamento da carta rogatória é regulamentado por tratados e pela Constituição Federal, pela Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB), pelo Código de Processo Civil e pelo Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça90.

Do ponto de vista do ordenamento processual brasileiro, a rogatória ativa deverá atentar aos seguintes requisitos: a) a indicação dos juízes de origem e de cumprimento do ato; b) o inteiro teor da petição, do despacho judicial e do instrumento do mandato conferido ao advogado; c) a menção do ato processual que lhe constitui o objeto; d) o encerramento com a assinatura do juiz91.

A emissão da carta rogatória ao Estado estrangeiro dar-se-á por intermédio das autoridades centrais ou por via diplomática ou, ainda, admite-se por qualquer outro meio estabelecido por tratado internacional92.

Cabe referir que o juiz deve fixar o prazo para cumprimento da carta rogatória, atendendo à facilidade das comunicações e à natureza da diligência. As partes serão devidamente intimadas do ato de expedição da carta, as quais acompanharão o cumprimento da diligência perante o juízo destinatário, devendo cooperar para que se faça o cumprimento seja efetivado93.

O disposto nos parágrafos 1º e 2º do art. 36 vem a corroborar com o conceito de juízo de delibação, deixando clarividente que compete ao Superior Tribunal de Justiça apenas verificar o cumprimento dos requisitos legais, para que, assim, seja realizada a providência requisitada pelo Estado estrangeiro no território nacional, sendo vedado ao Judiciário brasileiro reexaminar o mérito94.

Por fim, conforme as disposições gerais no tocante a cooperação jurídica internacional, o objeto das cartas rogatórias serão os seguintes: a) citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial; b) colheita de provas e obtenção de informações; c) homologação e cumprimento de decisão; d) concessão de medida judicial de urgência; e) assistência jurídica internacional; f) qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira95.

Dessa forma, restou possível verificar que a cooperação jurídica internacional é crucial para a defesa dos interesses dos Estados, assim como, para a garantia do pleno acesso à justiça, com vistas a alcançar a efetiva tutela jurisdicional no plano transnacional e a enaltecer o respeito aos direitos humanos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atual realidade internacional, caracterizada pelas dinâmicas da universalização, da interdependência, da globalização e da valorização do humano, onde relações interpessoais transcendem os limites fronteiriços e, por conseguinte, os fatos jurídicos adquirem desdobramentos em outros países, a cooperação jurídica internacional passa a assumir, ainda mais, uma função de suma importância no Direito Processual Civil e no Direito Internacional Privado.

O novo Código de Processo Civil Brasileiro, atento às transformações das dinâmicas internacionais, atribuiu maior relevância à cooperação internacional, dedicando, assim, um capítulo completo para tratar do tema (Capítulo II, do Título II, do Livro II (“da função jurisdicional”).

Os avanços e aperfeiçoamentos trazidos pelo novo diploma processual civil brasileiro representam o fundamental papel em promover o alinhamento do Brasil à atual tendência verificada nos diplomas jurídicos de diversos países, em vista da desburocratização de atos e diligências judiciais entre países, sem que, com isso, desatenda as garantias processuais. Além de que, o Estado, como provedor do acesso à justiça, torna-se o responsável por criar, desenvolver e fortalecer os mecanismos de cooperação capazes de garantir a efetiva prestação jurisdicional às partes envolvidas na relação processual.

Conclui-se, portanto, que as fronteiras não mais representam um obstáculo à livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas e, a crescente troca de informações, como produto da globalização, naturalmente, promove conflitos jurídicos que dependem da cooperação internacional para sua solução. Isto posto, o dever de cooperar revela-se primordial à construção de uma verdadeira comunidade internacional para que, assim, possa-se vislumbrar um efetivo acesso à justiça tanto no âmbito nacional, como internacional.

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NOTAS

1Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.

2ARENAL, Celestino. “La teoría de las relaciones internacionales hoy: debates y paradigmas”. Estudios Internacionales.1989, vol. 22, n° 86, p. 165.

3ARENAL, Celestino. “La Nueva Sociedad Mundial y las Nuevas Realidades Internacionales: un reto para la teoría y la política”. Revista Cursos de Derecho Internacional y Realidades Internacionales de Vitoria-Gasteiz. 2001, n° 1, p. 21.

4BARBÉ, Esther. Relaciones Internacionales. Madrid: Tecnos, 1995, p. 98.

5ARENAL, 2001, Op. cit., p. 27.

6Idem.

7ARENAL, 2001, Op. cit., p. 29.

8BARBÉ, 1995, Op. cit., p. 101

9ARENAL, 2001, Op. cit., p. 30.

10Ibid., p. 31.

11Ibid., p. 32.

12Ibid., p. 33.

13ARENAL, 2001, Op. cit., p. 33.

14ARENAL, 2001, Op. cit., p. 35.

15AYLLÓN, Bruno. La cooperación Internacional para el desarrollo: fundamentos y justificaciones en la perspectiva de la teoría de las relaciones internacionales. Carta Internacional.2007, vol. 2, n° 2, p. 28.

16ARENAL, 2001, Op. cit., p. 26.

17ARENAL, 2001, Op. cit., p. 47.

18Ibid., p. 44.

19ARENAL, 2001, Op. cit., p. 81.

20BARBÉ, 1995, Op. cit., p. 102.

21ARENAL, 1989, Op. cit., p. 165.

22CAPUCIO, Camila. Dimensões da cooperação jurídica internacional: do direito à cooperação ao dever de cooperar. Revista da Faculdade de Direito. 2016, vol. 61, n° 3, p. 278.

23BARBÉ, 1995, Op. cit., p. 126.

24BULL, Hedley, 1977, p. 8 apud BARBÉ, 1995, p. 126.

25BARBÉ, 1995, Op. cit., p. 127.

26FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantías - La ley del más débil.Madrid: Trotta, 1999, p. 144.

27CAPUCIO, 2016, Op. cit., p. 279.

28REMIRO, Antonio, 1999, p. 12 apud ARENAL, 2001, p. 31.

29ARENAL, 2001, Op. cit., p. 31.

30CAPUCIO, 2016, Op. cit., p. 279.

31ARENAL, 2001, Op. cit., p. 53.

32AYLLÓN, 2007, Op. cit., p. 33.

33ARENAL, 2001, Op. cit., p. 52.

34THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 198.

35BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Planalto - Governo Federal.

36PEREIRA, Luciano Meneguetti. A cooperação jurídica internacional no Novo Código de Processo Civil. Revista CEJ. 2015, vol. 19, n° 67, p. 25.

37BRASIL, Op. cit., 2015.

38PEREIRA, Op. cit., 2015, p. 25.

39Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

40BRASIL, Op. cit., 2015.

42HILL, Flávia Pereira. Considerações sobre a cooperação jurídica no Novo Código de Processo Civil Brasileiro. Revista Jurídica Luso Brasileira.2015, vol. 1, n° 4, p. 531.

43Ibid., p. 533.

44BRASIL, Op. cit., 2015.

45Idem.

46 PEREIRA, Op. cit., 2015, p. 25.

47 HILL, Op. cit., 2015, p. 527.

48 BRASIL, Op. cit., 2015.

49 PEREIRA, Op. cit., 2015, p. 26.

50BRASIL, Op. cit., 2015.

51 HILL, Op. cit., 2015, p. 532-533.

52BRASIL, Op. cit., 2015.

53 HILL, Op. cit., 2015, p. 533.

54 BRASIL, Op. cit., 2015.

55 THEODORO JÚNIOR, Op. cit., 2016, p. 200.

56BRASIL, Op. cit., 2015.

58 HILL, Op. cit., 2015, p. 534.

59 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Pública e Privado - Incluindo Noções de Direitos Humanos e Direito Comunitário. 10ª Ed., rev., amp. e atual. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 766.

60 Ibid., p. 767.

61BRASIL, Op. cit., 2015.

62HILL, Flávia Pereira; PINHO, Humberto Dalla Bernardina. A nova fronteira do acesso à justiça: a jurisdição transnacional e os instrumentos de cooperação internacional no CPC/15. Revista Eletrônica de Direito Processual Civil. 2017, vol. 18, n° 2, p. 286.

63SAADI, Ricardo Andrade; BEZERRA, Camila Colares. A autoridade central no exercício da cooperação jurídica internacional. Manual de cooperação jurídica internacional e recuperação de ativos: cooperação em matéria civil. 4ª ed. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, Ministério da Justiça, 2014, p. 18.

64ARAUJO, Nadia. A importância da cooperação jurídica internacional para a atuação do Estado brasileiro no plano interno e internacional. Manual de cooperação jurídica internacional e recuperação de ativos: cooperação em matéria civil. 4ª ed. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, Ministério da Justiça, 2014, p. 30.

65SALDANHA, Jânia Maria Lopes; SUBTIL, Leonardo de Camargo. Os desafios do processo e da jurisdição frente à internacionalização do direito e aos processos de integração: rumo à efetividade dos direitos humanos. Revista NEJ - Eletrônica. 2010, vol. 15, nº 3, p. 349 e 353.

66PEREIRA, Op. cit., 2015, p. 27.

67BRASIL, Op. cit., 2015.

68PEREIRA, Op. cit., 2015, p. 27.

69BRASIL, Op. cit., 2015.

70Idem.

71PORTELA, 2018, Op. cit., p. 792.

72BRASIL, Op. cit., 2015.

73Idem.

74BRASIL, Op. cit., 2015.

75Idem.

76PEREIRA, 2015, Op. cit., p. 29.

77Idem.

78PORTELA, 2018, Op. cit., p. 787.

79PORTELA, 2018, Op. cit., p. 788.

80Idem.

81SAADI, BEZERRA, 2014, Op. cit., p. 20.

82Ibid., p. 19.

83Idem.

84PORTELA, 2018, Op. cit., p. 770.

85THEODORO JUNIOR, 2016, Op. cit., p. 201.

86PORTELA, 2018, p. 770

87PORTELA, 2018, p. 770

88BRASIL, Op. cit., 2015.

89Idem.

90PORTELA, 2018, Op. cit., p. 771.

91BRASIL, Op. cit., 2015.

92PORTELA, 2018, Op. cit., p. 772.

93BRASIL, Op. cit., 2015.

94HILL, 2015, Op. cit., p. 538.

95BRASIL, Op. cit., 2015.

RESUMO BIOGRÁFICO

0EduardaAlfaro Mena Barreto Martins é Advogada. Mestranda em Direito das Relações Internacionais, pela Universidad de la Empresa - UDE (Montevidéu/UY). Pós graduanda em Direito Processual Civil, pela Faculdade Damásio de Jesus - Damásio Educacional. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria - FADISMA, Brasil.

NOTAS

41PEREIRA, Op. cit., 2015, p. 26.

57 Idem.

Recebido: 31 de Outubro de 2019; Aceito: 03 de Fevereiro de 2020

Autor correspondiente: Eduarda Alfaro Mena Barreto Martins. E-mail: eduardambmartins@gmail.com

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