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Revista de la Secretaría del Tribunal Permanente de Revisión

Print version ISSN 2307-5163On-line version ISSN 2304-7887

Rev. secr. Trib. perm. revis. vol.7 no.14 Asunción Sept. 2019

https://doi.org/10.16890/rstpr.a7.n14.p313 

Artículo Original

A cooperação jurídica internacional sob a perspectiva do Brasil: o viés de sua aplicabilidade

Cooperación jurídica internacional bajo la perspectiva de Brasil: el camino de su aplicabilidad

International legal cooperation under the Brazilian perspective: the way of its applicability

Paula Cristina Ribeiro Hudson1 

1MELO&HUDSON Sociedade de Advogados, Brasil.


RESUMO

A cooperação jurídica internacional ganhou suma importância com a inovação trazida pelo Código de Processo Civil de 2015. No âmbito do direito internacional, a cooperação existe há anos, viabilizando o cumprimento de atos judiciais e administrativos de um país em outro, com fundamento em tratados ou até mesmo na reciprocidade. A ideia central da cooperação jurídica internacional com seus principais instrumentos de cooperação - cartas rogatórias, auxílio direto, extradição, homologação de sentença estrangeira - é harmonizar os interesses dos Estados soberanos respeitando a autonomia de cada um. Assim, o direito internacional se fortalece e os países contribuem para a harmonia internacional. No Brasil há dispositivos que implementam a cooperação jurídica internacional além da ratificação de acordos internacionais para sua viabilização. O objetivo é apresentar as modalidades de cooperação jurídica internacional presentes pela legislação brasileira e demonstrar a concretude por meio de jurisprudência. Tal instituto em comento resulta para o Brasil em ampliação do seus contextos judicial e administrativo internacionais.

Palavras-chave: Cooperação jurídica internacional; Tratados; Reciprocidade; Ordenamento Jurídico; Brasil

RESUMEN

La cooperación legal internacional ha cobrado gran importancia con la innovación presentada por el Código de Procedimiento Civil 2015. Según el derecho internacional, la cooperación existe desde hace años, lo que permite el cumplimiento de los actos judiciales y administrativos de un país en otro, sobre la base de tratados o incluso en la reciprocidad. La idea central de la cooperación legal internacional con sus principales instrumentos de cooperación (cartas rogatorias, ayuda directa, extradición, ratificación de sentencias extranjeras) es armonizar los intereses de los estados soberanos respetando su autonomía. Así, el derecho internacional se fortalece y los países contribuyen a la armonía internacional. En Brasil existen disposiciones que implementan la cooperación legal internacional además de la ratificación de acuerdos internacionales para su viabilidad. El objetivo es presentar las modalidades de cooperación jurídica internacional presentes en la legislación brasileña y demostrar la concreción a través de la jurisprudencia. Un instituto de este tipo en los resultados de comentarios para Brasil en la expansión de sus contextos judiciales y administrativos internacionales.

Palabras clave: Cooperación jurídica internacional; Tratados; Reciprocidad; Ordenamiento Jurídico; Brasil

ABSTRACT

International legal cooperation has gained importance with the innovation brought by the Code of Civil Procedure of 2015. In the field of international law, cooperation has existed for years, making judicial and administrative acts from one country to another, based on treaties or even on reciprocity. The central idea of international legal cooperation with its main instruments of cooperation - letters rogatory, direct aid, extradition, homologation of foreign sentence - is to harmonize the interests of sovereign states respecting the autonomy of each one. Thus, international law is strengthened and countries contribute to international harmony. In Brazil, there are mechanisms that implement international legal cooperation in addition to the ratification of international agreements for its viability. The objective is to present the modalities of international legal cooperation present in the Brazilian legislation and to demonstrate the concreteness through jurisprudence. This institute in question results for Brazil in expanding its international judicial and administrative contexts.

Keywords: International Legal Cooperation; Treaties. Reciprocity; Legal Planning; Brazil

1. INTRODUÇÃO

O Direito Internacional, além de seus vastos princípios, é norteado pela importante premissa da soberania do Estados. Isto porque, apesar do desiderato em possuir harmonia entre os Estados, no âmbito internacional, por via diplomática, não se pode permitir atos atentatórios contra a soberania estatal.

Isto significa que, via de regra, nenhum país pode intervir em outro. A isto, se aplica perfeitamente o princípio da territorialidade. Este princípio se aplica a todos os Poderes da República Federativa do Brasil, entretanto, neste trabalho, o desenvolvimento parte sob a ótica do Poder Judiciário.

No Código de Processo Civil há previsão do princípio da territorialidade, sem seus artigos 13 e 16, dispondo que a jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte e, ainda, que a jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional.

Posto isto, todo juiz exerce sua jurisdição dentro do território nacional sob pena de infringência ao princípio da territorialidade. Entretanto, se averiguasse somente pela soberania estatal, qualquer país restaria engessado na possibilidade de resolver questões internas que dependessem de auxílio internacional. Isto levaria a uma complexa não solução de fatos que dependam de questões internacionais.

Neste diapasão, emergiu a necessidade de se regular, na ótica internacional, a possibilidade de auxílios e ajudas internacionais, seja por via diplomática, tratados internacionais, seja por previsão no ordenamento interno de cada país. Assim, primado se tornou a Cooperação Jurídica Internacional.

2. Cooperação jurídica internacional

Partindo do pressuposto da soberania Estatal e, ainda, do princípio da territorialidade, fez-se necessária a fixação de cooperação entre países para auxílios e ajudas internacionais, resolvendo questões internas com benesse internacional. “Cada Estado, no contexto internacional, é detentor de soberania, razão pela qual a jurisdição, como expressão do poder dela decorrente, encontra natural barreira nas jurisdições dos demais Estados”1.

Na lição de Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva A preferência pela expressão ‘cooperação jurídica internacional’ decorre da ideia de que a efetividade da jurisdição, nacional ou estrangeira, pode depender do intercâmbio não apenas entre órgãos judiciais, mas também entre órgãos judiciais e administrativos, de estados distintos2.

A cooperação jurídica internacional, seguindo um viés diplomático, emerge na possibilidade de regulação pelos ordenamentos internos dos países. Certo é que as leis internas que compõem o arcabouço jurídico de um país soberano podem prever possibilidades de uma cooperação jurídica internacional.

Logicamente, a ideia de “poder” prever tal possibilidade encontra respaldo na premissa de serem os Estados soberanos, não havendo como obrigá-los a legislarem ou aceitarem a cooperação internacional. “A possibilidade de cooperação jurídica internacional aplica-se, em princípio, a todos os amos do Direito e é regulada pelos ordenamentos internos dos Estados e por tratados”3.

Os Tratados internacionais são fontes da cooperação jurídica internacional, isto porque, permitem que os Estados-partes regulem as ações de seu interesse, concluindo pelo aperfeiçoamento da própria cooperação.

O primeiro elemento da definição, indispensável à noção de tratado é o acordo, o encontro de vontades, o compromisso, sob qualquer forma. Em seguida, para que haja tratado internacional é preciso que os entes cujas vontades se encontram tenham, segundo o direito internacional, personalidade jurídica e, portanto, capacidade para celebrar tratados. É preciso ainda que o instrumento seja destinado a produzir efeitos jurídicos [...] Finalmente, devem os tratados ser regidos pelo direito internacional4.

Entretanto, a cooperação não afirma-se somente pela existência de um tratado internacional entre os países envolvidos. Isto porque, por diversas vezes, há países que não fazem parte de nenhum tratado internacional ou, ainda, que não possuem tratados com determinados países. Se pela inexistência de tratado concluísse pela impossibilidade de cooperação jurídica internacional, haveria notório engessamento das relações internacionais e, inclusive, do próprio Direito Internacional.

O princípio da reciprocidade permite, neste caso, o direito de igualdade e de respeito mútuo entre os Estados no qual, na falta de Tratado, os países soberanos prestam assistência aos outros sobre um verdadeiro dever moral.

Exceção ao princípio da territorialidade das leis consiste no privilégio de extraterritorialidade, mediante o qual aos chefes de Estado e agentes diplomáticos de um Estado, em território estrangeiro, é concedida a faculdade de se aplicar a lei do país que representam[...]5.

Portanto, depreende-se que existem exceções à soberania dos Estados. A cooperação jurídica internacional é efetuada por meio de canais diplomáticos mas, também, de estruturas adicionais. Estas estruturas adicionais são as autoridades centrais e as redes de cooperação entre órgãos dos Poderes Executivo, Ministério Público e Poder Judiciário6.

As autoridades centrais foram criadas para facilitar o recebimento e processamento dos pedidos de cooperação jurídica internacional e cada país possui seu regulamento interno. Assim, o juiz remete o pedido de cooperação jurídica para a autoridade central brasileira e este envia para a autoridade central estrangeira que, por fim, encaminha ao órgão competente para cumprimento.

No Brasil, o Ministério da Justiça e Segurança Pública exerce essa função para a maioria dos acordos internacionais em vigor, por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça e Cidadania7.

Pode ser que haja tratados internacionais dos quais faça parte o Brasil, prevendo outras autoridades centrais que não o Ministério da Justiça e Segurança Pública, como é o caso da Procuradoria Geral da República e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

A fim de sistematizar e facilitar a cooperação jurídica internacional, surgiu a ideia de criação de redes de cooperação entre órgãos dos Poderes Executivo e Judiciário e do Ministério Público. “A cooperação interna e com os judiciários e autoridades de outros estados é essencial para que os direitos de terceira geração, trazidos pela Constituição de 1988, sejam efetivados”8.

Hodiernamente, o Brasil faz parte de duas redes de cooperação: a Rede Iberoamericana da Cooperação Judicial e a Rede de Cooperação Jurídica e Jurídica Internacional dos Países de Língua Portuguesa.

A IberRED (Rede Iberoamericana da Cooperação Judicial) é um esquema de cooperação informal, não caracterizando uma organização internacional. Foi criada em 2004, em Cartagena de Índias (Colômbia), após recomendação da VI Cúpula Ibero-americana de Presidentes de Cortes Supremas e Tribunais Superiores de Justiça. Além de estabelecer um sistema de informações, a rede busca aprimorar a cooperação judicial em matéria civil e penal entre seus membros9.

A Rede de Cooperação Jurídica e Judiciária Internacional dos Países de Língua Portuguesa foi criada pela Conferência dos Ministros da Justiça dos Países de Língua Portuguesa, reunida na Cidade da Praia, Cabo Verde, em 22 e 23 de novembro de 2005 e correspondeu a uma iniciativa lançada por ocasião da IXª Conferência, que se realizou em Brasília em outubro de 200310.

A Rede Judiciária da CPLP foi criada por meio do “Instrumento que cria uma Rede de Cooperação Jurídica e Judiciária Internacional dos Países de Língua Portuguesa”, documento que não é um tratado, mas apenas um diploma de soft law. Sua função principal é “facilitar, agilizar e criar condições mais favoráveis à cooperação jurídica e judiciária entre os Estados-membros”11.

Diante disto, seja por canal diplomático, por tratados, pelo princípio da reciprocidade, pelas autoridades centrais e redes de cooperação, a Cooperação Jurídica Internacional é uma realidade. Os principais instrumentos de cooperação jurídica internacional são as cartas rogatórias, homologação de sentenças estrangeiras, auxílio direto, extradição e cooperação estabelecida por meio de tratados sobre temas específicos.

3. PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DE COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL

As cartas rogatórias são pedidos, formalizados, feitos por um juiz ao Judiciário de outro país, buscando a cooperação para realização de atos processuais. Tais atos processuais podem ser citações, intimações, notificações judiciais e até colheita de provas.

A rogatória existe na maior parte dos sistemas jurídicos do mundo. É regulada pelo Direito interno dos Estados e, quando houver, por tratados, que normalmente visam a harmonizar ou a uniformizar - entre alguns entes estatais - a normativa referente às rogatórias e a facilitar seu trâmite e execução12.

Assim, as cartas rogatórias podem ser legisladas pelo direito interno do país e, ainda, previstas em tratados internacionais. Pela aplicação da soberania estatal, por consequência lógica, o país não está obrigado a cumprir o pedido de cooperação realizado por outro país. Entretanto, se a lei interna prever e, ainda, houver tratado internacional específico da matéria ao qual faça parte o país requerido, entende-se pela “obrigatoriedade” do cumprimento do pedido de cooperação.

A comissão ou carta rogatória (exhortos, commissions rogatoires, lettres rogatoires, letters rogatory, letter of request, Rechtshilfeersuchen) é o instrumento processual destinado ao cumprimento de atos ordinatórios, de mera tramitação (notificações, citações ou emprazamentos no exterior) ou instrutórios, para o recebimento e obtenção de provas e informações, quando presentes elementos de estraneidade13.

No Brasil, as cartas rogatórias estão reguladas por Tratados, pela Constituição Federal de 1988, pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, pelo Código de Processo Civil e outros atos normativos.

Em regra, as rogatórias subordinam-se, quanto ao conteúdo, à norma do Estado rogante, e, quanto à forma de execução, à lei do Estado rogado, ou seja, ao princípio locus regit actum, salvo a parti de solicitação do Estado rogante, que possa ser atendida no Estado rogado14.

No ordenamento jurídico interno do Brasil, quando se trata de pedido de cooperação remetido a este por outro país, a carta rogatória necessitará do exequatur do Superior Tribunal de Justiça para ser executada pelo Juiz Federal de 1º grau - artigos 105, I, “i” e 109, X da Constituição da República de 1988. O STJ, neste caso, somente efetua um juízo de delibação, não adentrando no mérito da carta rogatória, ou seja, analisa-se somente seus aspecto formais. Segundo PORTELA [...]“a jurisprudência passou a admitir a possibilidade do auxílio direto como substituto das rogatórias”[...]15.

O Brasil, quanto à matéria, faz parte da Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias de 1975 (Decreto nº 1.899, de 9 de maio de 1996.) e do Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa de 1992 (Protocolo de Las Leñas, Decreto nº 6.891, de 2 de julho de 2009).

Outra espécie de instrumento de cooperação jurídica é a homologação de sentença estrangeira, mediante o qual se confere eficácia, em território nacional, a decisões judiciais proferidas em solo estrangeiro.

Dispõe o artigo 105, I, “i” da CF/88 que é da competência do Superior Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente a homologação de sentenças estrangeiras. Esta competência passou a ser do STJ com a Emenda Constitucional nº 45/2004.

O Supremo Tribunal Federal decidiu que se trata de norma constitucional de aplicabilidade imediata, não se aplicando o princípio perpetuatio jurisdictionis, pelo que, mesmo que a ação homologatória tenha sido ajuizada à época em que o Supremo Tribunal Federal detinha competência originaria para processá-la e julgá-la, não lhe cabe prosseguir no julgamento, por se tratar de competência absoluta16.

A extradição, prevista no artigo 5º, LII, artigo 22, XV, artigo 102, I, “g”, todos da Constituição da República de 1988, é o instrumento pelo qual determinado Estado requer a outro Estado que determinado indivíduo seja entregue àquele para que possa processá-lo e julgá-lo conforme as leis do país requerente.

Em se tratando de produção e colheita de provas no exterior, insta constar que o Brasil não faz parte de nenhum tratado específico sobre a matéria. Ordinariamente, a produção e colheita de provas no exterior é objeto de carta rogatória. Entretanto, por inexistir tratado específico sobre o tema, no qual o Brasil faça parte, o Código Bustamente tem sido utilizado.

O código Bustamante (promulgado pelo Brasil pelo decreto nº 18.871, de 13 de Agosto de 1929), prevê sem seus artigos 398 e 407, respectivamente, que “La ley que rija el delito o la relación de derecho objeto del juicio civil o mercantil, determina a quién incumbe la prueba” e “A prova indiciaria depende da lei do juiz ou tribunal.”

A principal regra do Direito brasileiro sobre o tema é o artigo 13 da LINDB, que determina que “a prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça’17.

O auxílio direto também é um principal instrumento da cooperação jurídica internacional.

Os Estados viram-se diante da necessidade de criar mecanismos ainda mais arrojados de colaboração interestatal. Surgiu, então, uma nova forma de cooperação, mais versátil e compatível com essa nova era, que se convencionou chamar de Auxílio Direto18.

O auxílio direto ocorre quando um Estado necessita de uma providência relevante que deva ser tomada em outro Estado. Partindo da premissa de que todo país é soberano, logicamente não poderia um Estado interferir na esfera de outro, a não ser por meios diplomáticos, tratados, reciprocidade e, no caso em comento, por meio do auxílio direto.

O auxílio direto é um mecanismo de cooperação judiciária empregado quando um Estado necessita que seja tomada, no território de outro Estado, providência relevante para um processo judicial que tramita em seu Judiciário, que pode ser inclusive uma sentença judicial19.

Este instrumento de cooperação jurídica internacional pode ser utilizado para o cumprimento de uma diligência de natureza administrativa ou objetivando a prolação de uma decisão judicial no país requerido.

No Brasil já houve pedido de cooperação jurídica internacional envolvendo a Noruega. O que se pretendeu foi a prolação de uma decisão no Brasil, a pedido da União em nome da Noruega, a fim de que os menores noruegueses que residiam no Brasil fossem restituídos a seu país de origem. O pedido de auxílio direto foi concedido pelo Brasil. Parte da decisão segue transcrita:

CONVENÇÃO DE HAIA SOBRE ASPECTOS CIVIS DO SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS, DE 25/10/80 - DECRETO N.º 3.413/2000 - COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL - RESTITUIÇÃO DE MENORES À NORUEGA - A UNIÃO FEDERAL É PARTE LEGÍTIMA PARA FIGURAR NO PÓLO ATIVO DA DEMANDA - PRECEDENTES DO STJ E DO TRF-2ª REGIÃO - GUARDA E JURISDIÇÃO (ARTS. 16, 17 E 19 DO DECRETO N.º 3.413/2000) - SEGURANÇA DENEGADA. I-A cooperação judiciária internacional pode se dar pela via da carta rogatória, através da homologação de sentença estrangeira ou diretamente, como é o caso dos autos, hipótese em que a União Federal não pretende executar em solo nacional a sentença estrangeira, mas tão-somente obter uma “decisão brasileira de restituição dos menores à Noruega”, com base na Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças, à qual o Brasil aderiu, tendo-a incorporado ao ordenamento jurídico pátrio. II-A Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças - internalizada pelo ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto 3.413, de 14 de abril de 2000 - prevê explicitamente a promoção de medidas judiciais tendentes à restituição ao país de residência habitual de menores ilicitamente transferidos para o território nacional. III- A União postula, pela via oblíqua, os interesses da Noruega - Estado requerente da cooperação judiciária internacional - de ver restituídos para o seu território os menores que ali residiam até o momento da ilícita transferência para o Brasil. IV- Em sede de cooperação judiciária direta, não se busca o cumprimento de ordem judicial estrangeira, pretendendo-se, no caso vertente, a obtenção de decisão brasileira de restituição dos menores à Noruega. V- Precedentes: STJResp 954.877; TRF-2ª REGIÃO AC 200551010097929). VI- A questão da guarda e a jurisdição apropriada para apreciá-la são matérias disciplinadas pela Convenção da Haia nos dispositivos dos arts. 16, 17 e 19, não cabendo à Justiça brasileira tomar para si o conhecimento de questão que compete à jurisdição de outro Estado. VII- Ainda que exista decisum do Judiciário Brasileiro definindo questões de guarda e visitas, o Estado Brasileiro, por meio do Poder Judiciário, não pode negar pedido de restituição de menores se os requisitos do Tratado estiverem presentes. VIII- A decisão tomada nos autos de ação de guarda não pode impedir o cumprimento de decisão que deferiu a restituição dos menores, ou mesmo prejudicar o prosseguimento da ação por meio da qual se busca tal devolução, sob pena de afronta aos compromissos internacionais da República Federativa do Brasil assumidos quando da ratificação e internalização da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. IX- Segurança denegada, cassando-se liminar ab initio concedida no presente mandamos. (MS 2009.02.01.004118-6 TRF 2ª Região, 8ª Turma Especializada, Data do Julgamento: 28/07/2009, Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL Raldenio Bonifacio).

O auxílio direto pode se consubstanciar em Tratados, acordos bilaterais e, na inexistência destes, na reciprocidade entre os Estados. Portanto, a cooperação não deixará de ser realizada pela mera inexistência de acordo formal, podendo se valer da solidariedade entre os países e na reciprocidade moral, fortalecendo a harmonia internacional.

No Brasil, ao contrário dos meios de cooperação judiciária tradicionais, cuja competência constitucional é atribuída ao Superior Tribunal de Justiça (Carta Rogatória e Homologação de Sentença Estrangeira) para exercício de mero juízo de delibação, o auxílio direto é instituto que permite cognição plena. Para cumprir tal finalidade, sua competência é atribuída ao juiz de primeira instância20.

No Brasil, a competência para processamento e julgamento dos pedidos de auxílio direto é do juiz federal de 1º grau. Ao contrário das cartas rogatórias, no auxílio direto há verdadeiro juízo de prelibação, ou seja, há notória análise de mérito do pedido. Pode-se citar como exemplos de convenções internacionais que tratam de auxílio direto a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças e o Protocolo de Las Leñas sobre Cooperação Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa no âmbito do MERCOSUL.

4. A COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

No Brasil, os limites de jurisdição e aplicação da legislação brasileira e internacional ganharam escopo na legislação interna.

A Lei de Introdução as normas de direito brasileiro prevê em seu artigo 17 que as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Importa salientar, neste momento, a importância da norma contida na lei supracitada. Os mecanismos de cooperação jurídica internacional, seja em qualquer faceta, não podem atentar contra a ordem pública e os bons costumes do Brasil. Isto significa que apesar de consubstanciada a cooperação jurídica em algum tratado, acordo ou reciprocidade, caso haja notória ofensa à ordem pública e aos bons costumes do Brasil, tal cooperação não poderá ocorrer.

Como exemplo, cite-se o pedido de extradição feito por um país ao Brasil, requerendo a extradição de um indivíduo que cometeu crime político. Tal pedido está em notória ofensa ao artigo 5º, LII da Constituição da República de 1988, ou seja, ofensa direta à ordem pública, razão pela qual o pedido de cooperação deve ser negado.

Indubitavelmente, todo pedido de cooperação encontra proteção na legislação interna de cada país, tendo em vista que cada um, conforme sua soberania, legisla diversamente sobre determinado assunto. Obrigar um Estado a aceitar pedido de cooperação ainda que frontalmente ofensivo à sua legislação, é infringir a soberania estatal.

O Código de Processo Civil de 2015 inova ao trazer capítulo específico sobre a cooperação jurídica internacional. Dispõe que a cooperação jurídica internacional será regida por tratado de que o Brasil faz parte. Na ausência de tratado, a cooperação jurídica internacional poderá realizar-se com base em reciprocidade, manifestada por via diplomática. (artigo 26 do CPC).

Dispõe ainda que a cooperação jurídica internacional não será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro. E mais, ainda designa o Ministério da Justiça para exercer as funções de autoridade central na ausência de designação específica. (artigo 26 do CPC).

Consagra Portela que “na cooperação jurídica internacional como um todo, não será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro”21.

O CPC também trouxe seção específica sobre o auxílio direto, dispondo no artigo 28 que cabe este instrumento quando a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil. E, encerrando o capítulo, o CPC dispõe que o pedido passivo de cooperação jurídica internacional será recusado se configurar manifesta ofensa à ordem pública, enaltecendo o próprio artigo 17 da LINDB.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depreende-se que a cooperação jurídica internacional está em consonância direta com a harmonia entre os Estados soberanos, além de garantir o cumprimento de leis internas e procedimentos processuais ou administrativos no exterior.

A possível inexistência desta cooperação, poderia ocasionar um choque entre os interesses dos Estados e consequente engessamento do direito internacional. Com a globalização, o inter-relacionamento entre os países cresceu, necessitando de regulação quanto a prática de determinados atos.

O processo judicial depende de cumprimento de atos processuais, até para garantir sua efetividade e solução da lide. A impossibilidade de garantir o cumprimento de tais atos no exterior, por inexistência de cooperação do Estado estrangeiro, geraria a maior crise de ineficácia das leis internas de um país, sejam de cunho material ou processual.

Entretanto, apesar da regulação da cooperação jurídica internacional por meio de tratados, reciprocidade e leis internas, a sua inobservância por um país não gera sanção suficiente para exigir o cumprimento. Ademais, em respeito ao maior dos princípios da seara internacional que é o princípio da soberania dos Estados, não há como obrigar tal Estado a agir de determinada forma e, mesmo que haja tratado acerca do tema, as sanções são ineficazes. Daí a necessidade de uma maior regulação desta cooperação pelas leis internacionais, a cargo do direito internacional.

O Brasil, reconhecendo a importância do instituto, previu em suas leis a cooperação jurídica internacional e a regulou, significando um passo na evolução do próprio direito como essência de resolução de conflitos, ultrapassando barreiras. Assim, o país assume a importância do viés internacional para solução das questões judiciais e administrativas que dependem de outros países, afirmando a necessidade de cooperação destes para a efetivação dos resultados.

Diante disso, o Código de Processo Civil de 2015 e a própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 são concretizações da necessidade da cooperação jurídica internacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NOTAS

1 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Volume 1. 11a ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 119.

2SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva. O direito internacional contemporâneo - estudos em homenagem ao professor Jacob Dolinger. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 798.

3PORTELA, Carlos Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado - Incluindo Noções de Direito Humanos e de Direito Comunitário. 7a ed. Bahia: Ed. JusPodivm, 2015, p. 695.

4NASSER, Salem Hikmat. Fontes e normas do direito internacional: um estudo sobre o soft law. 2a ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 69.

55 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 15a ed., rev. atual e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 115.

6PORTELA, Carlos Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado - Incluindo Noções de Direito Humanos e de Direito Comunitário. 7a ed. Bahia: Ed. JusPodivm, 2015, p. 711.

8CALMON, Eliana. Ministra do Superior Tribunal de Justiça na abertura do III Workshop Grotius de Cooperação nas Fronteiras. Cooperação é essencial para relações jurídicas internacionais. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2013-nov-21/cooperacao-entre-poderes-essencial-relacoes-juridicas-internacionais>

11PORTELA, 2017, Op. cit., p. 714-715.

12PORTELA, 2017, Op. cit., p. 698.

13BRITO, Tarcísio Corrêa de. “Cartas Rogatórias no direito interamericano e no MERCOSUL: Algumas Observações”. Em LAGE, Émerson José Alves; LOPES, Mônica Sette. O direito do trabalho e o direito internacional, questões relevantes. São Paulo: LTr, 2005, p. 162.

14PORTELA, 2017, Op. cit., p. 698.

15Íbid., 2017, p. 706.

16CARVALHO, 2009, Op. cit., p. 1335.

17PORTELA, 2017, Op. cit., p. 710.

18TOFFOLI, José Antônio Dias; CESTARI, Virgínia Charpinel Junger. Mecanismos de cooperação jurídica internacional no Brasil. In: Manual de cooperação jurídica internacional e recuperação de ativos. Brasília: Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, 2008, p. 9.

19PORTELA, 2017, Op. cit., p. 715.

20TOFFOLI; CESTARI, 2008, Op. cit. p. 9.323

21PORTELA, 2017, Op. cit., p. 717.324

Recebido: 14 de Janeiro de 2019; Aceito: 15 de Julho de 2019

Autor correspondiente: Paula Cristina Ribeiro Hudson. E-mail: pcrhudson@yahoo.com.br

Paula Cristina Ribeiro Hudson é Advogada Trabalhista, Cível e Criminal, Sócia Administradora da empresa MELO&HUDSON Sociedade de Advogados, Mestranda em Direito das Relações Internacionais e da Integração Latino Americana pela UDE - Uruguay, Pós graduada latu sensu em Ciências Criminais pela PUC Minas Gerais, Bacharel em Direito pela PUC Minas Gerais, Consultora Jurídica da APAC Itabirito, Advogada da Federação de Hapkido do Estado de Minas Gerais.

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