1. INTRODUÇÃO
No dia 2 de julho de 2019 foi finalizada na Haia a 22ª Sessão Diplomática da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado (“Conferência da Haia”). O resultado foi a adoção da Convenção sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Estrangeiras em Matéria Civil ou Comercial (“Convenção de Sentenças”). A negociação entre os Estados Membros da Conferência da Haia foi realizada na Academia de Direito Internacional, sediada no Palácio da Paz, na cidade d’A Haia, Holanda. O ato final da Convenção de 2019 foi assinado no Great Hall of Justice, no Palácio da Paz11.
A Convenção será, nas palavras finais do Secretário Geral da Conferência da Haia, um gamechanger para disputas transnacionais e vai auxiliar os esforços globais para melhorar o efetivo acesso à justiça nos casos em que a sentença de um estado deva ser reconhecida e executada em outro.
Para o Brasil a convenção é positiva porque permitirá melhorar a circulação de sentenças nacionais em outros países. Hoje o sistema brasileiro é muito aberto e exerce mínimo controle sobre as bases indiretas de jurisdição, muito menos do que em outros países que reconhecem e executam sentenças estrangeiras2.
Este artigo relata o resultado da 22ª Sessão Diplomática e de forma resumida sua relação com o modelo brasileiro de homologação de sentenças estrangeiras, e estima a produção de efeitos positivos para o ambiente de negócios transnacional.
Como já dissemos outras vezes3, o funcionamento eficiente do comércio internacional não pode dispensar o elemento de confiança entre as partes que realizam seus negócios através de contratos internacionais, na maioria das vezes à distância. Nem sempre essas relações internacionais chegam a bom termo, resultando em um número significativo de litígios em que as partes estão em países diversos, ou pelo menos o patrimônio que satisfará o julgamento está no estrangeiro. Isso implica a necessidade de litigar judicialmente em um país pretendendo que os efeitos da sentença se produzam em outro. Se o cumprimento da sentença doméstica é automaticamente garantido pelo sistema jurídico que a proferiu, a execução de sentença no estrangeiro fica à mercê das regras do foro em que se pretende haver o cumprimento.
Vale referir, também, que o crescente número de relações transfronteiriças destaca a possibilidade de pessoas naturais ou jurídicas se verem envolvidas em situações de responsabilidade civil por dano, questão de difícil solução do ponto de vista da internacionalidade de eventual discussão judicial. O fato de uma sentença nessas condições ser proferida em um Estado e os bens do devedor estarem em outro Estado dificulta em muito a realização material de uma indenização. A Convenção de Sentenças inova ao estabelecer um parâmetro forte para facilitar a circulação internacional desses tipos de sentença.
A dificuldade de execução de uma sentença no estrangeiro pode causar prejuízos a contratantes nas situações em que os contratos são descumpridos, e a titulares de indenizações por dano. Os custos de litigar e executar em outro país podem superar o valor do crédito reconhecido na sentença. A falta de efetividade das regras de Direito nessas condições abre a possibilidade de fraudes que se valem da boa-fé comercial e de ilícitos de toda ordem, diante da certeza de que um inadimplemento contratual ou um dano não será objeto de disputa judicial. Há muitas dificuldades para liquidar uma indenização em jurisdição diversa daquela na qual foi outorgada, impedindo que a penalização seja efetiva contra o infrator. O estabelecimento de regras para a circulação internacional de sentenças tem por efeito melhorar a ideia geral de acesso à justiça e reduzir riscos, conduzindo a diminuição de custos nas relações transnacionais4.
São conhecidos os problemas relativos à produção de efeitos das sentenças judiciais em Estado diverso do em que proferida. Há marcante diferença para as partes em optar entre a via arbitral e a via judicial para solucionar controvérsias internacionais. Os laudos arbitrais estrangeiros têm circulação e execução facilitada por aplicação da Convenção de Nova Iorque5, mas em contrapartida a arbitragem implica custos de litigar elevados, e em geral não está disponível para os casos de indenização por danos extracontratuais. As decisões judiciais, em especial em casos de responsabilidade civil e outros temas extracontratuais, não contavam com um diploma internacional a facilitar sua circulação. A posição de um indivíduo ou empresa que participa de negócios transnacionais, portanto, fica caracterizada por um alto nível de incerteza quanto à produção de efeitos no estrangeiro de uma sentença que lhe seja favorável, acrescendo riscos a sua atuação6.
A Conferência da Haia de Direito Internacional Privado7, organização internacional que tem por objetivo promover a uniformização e a harmonização do Direito Internacional Privado, afinal concluiu uma convenção internacional prevendo regras que minimizam os entraves à circulação internacional de sentenças.
O objetivo da convenção é mitigar a incerteza nas relações privadas internacionais, por meio de um sistema facilitado e seguro de circulação internacional de sentenças. A afirmação transnacional do efeito da decisão judicial estimulará o cumprimento das regras de direito ao facilitar a cobrança das indenizações por violação.
Com um breve histórico das negociações que afinal resultaram na adoção do texto da convenção pelos membros da Conferência da Haia na 22ª Sessão Diplomática, este artigo apontará alguns temas de relevância e como estão resolvidos no novo texto.
2. O PROJETO DE SENTENÇAS
2.1. Início do Projeto e objetivos
A Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, uma das organizações internacionais mais antigas em atividade, retomou em 2012 o “Judgments Project”, o Projeto de Sentenças, visando a facilitar a circulação internacional das sentenças através de uma convenção internacional. A iniciativa concretizou-se através de um Grupo de Trabalho formado por representantes de vários países, encarregado de apresentar uma primeira minuta da convenção. O Brasil integrou o Grupo de Trabalho e participou ativamente da iniciativa, sempre enviando representantes para as reuniões. O anteprojeto instruiu os trabalhos da Comissão Especial composta por todos os membros da Conferência, com reuniões realizadas em junho de 2016, fevereiro e novembro de 2017, e maio de 20188.
As negociações tiveram origem em proposta apresentada pelos Estados Unidos da América à Conferência da Haia em 1992. Apesar de as negociações terem sido paralisadas em 2001, os estudos desenvolvidos e que refletiam certos temas em consenso resultaram na Convenção sobre Eleição de Foro de 20059, oferecida a ratificação pelos Estados interessados, não estando limitada aos Estados-membros da Conferência da Haia. A Convenção de 2005 entrou em vigor em 2015 com a adesão do México, da União Europeia e de Singapura, e posteriormente teve a adesão da Ucrânia em 2016 e de China e Montenegro em 201710. Atualmente, está em processo de aprovação em outros Estados, inclusive pelo Brasil, tendo-se notícia de que está em vias de ser enviada ao Legislativo para aprovação.
A aprovação da Convenção sobre Eleição de Foro de 2005 pela 20ª Sessão Diplomática da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado encerrou um primeiro ciclo de trabalho do Projeto de Sentenças. No ano de 2011 o Conselho de Assuntos Gerais estabeleceu diretriz para retomada do projeto de sentenças, dada a receptividade da Convenção de Eleição de Foro e o incremento das expectativas globais sobre o tema. Após recomendação de um grupo de especialistas reunido em 2012, o Conselho constituiu um grupo de trabalho formado por delegações de países-membros da Conferência da Haia que, após cinco reuniões presenciais, finalizou o anteprojeto levado a discussão na Comissão Especial para a qual foram convidados todos os membros da Conferência da Haia. O Brasil esteve representado em todas as oportunidades, e as últimas reuniões contaram com representantes ativos de vários países latino-americanos.
O objetivo principal da convenção é estabelecer um sistema facilitado de circulação de sentenças estrangeiras, através da fixação de certos parâmetros geralmente aceitos como suficientes para reconhecer que a jurisdição no país de origem foi exercitada de forma legítima. Nesse sentido note-se a semelhança com outras iniciativas anteriores no âmbito do trabalho realizado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) com as Conferências Especializadas de Direito Internacional Privado, conhecidas como CIDIPS11. Na CIDIP III, foram estabelecidos os princípios gerais da matéria na Convenção Interamericana sobre Competência na Esfera Internacional para Eficácia Extraterritorial das Sentenças Estrangeiras12 concluída em 1984 em La Paz, Bolívia. Ainda na integração regional, há as regras presentes no Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual no âmbito do MERCOSUL, este último internalizado no Brasil pelo Decreto 2.095, de 17 de dezembro de 1996.
Pretende-se auxiliar os operadores jurídicos nas decisões a respeito do local onde iniciar suas disputas, estabelecendo um quadro normativo claro e seguro para o cumprimento de uma sentença estrangeira de um para outro dos países contratantes. Um objetivo complementar é evitar a circulação de decisões obtidas em uma jurisdição que poderia ser considerada um foro escolhido de forma exorbitante, ou seja, sem contato razoável do caso com o Juízo que proferiu a sentença.
Para alcançar esses objetivos, a Convenção de Sentenças respeita as importantes diferenças entre os diversos países quanto à aceitação da decisão jurisdicional estrangeira em sua esfera de soberania. A questão foi assim abordada no relatório explicativo da Convenção sobre Eleição de Foro de 200513, cujas conclusões podem ser aplicadas à Convenção de Sentenças, que lhe é muito similar:
[…] where the court has jurisdiction on an approved ground, it can hear the case, and the resulting judgment will be recognised and enforced in other Contracting States under the Convention (provided certain other requirements are satisfied). […]
Em simplificação de valor acadêmico, pode-se classificar em três tipos os sistemas de reconhecimento de sentenças estrangeiras quanto à abertura para admitir a produção de efeitos em território nacional de decisão emanada de outro país14:
a) não se admitem decisões estrangeiras (completamente fechados);
b) estabelecem-se regras para reconhecimento da jurisdição estrangeira, exigindo certos vínculos entre a autoridade estrangeira e a causa decidida;
c) não se verifica a jurisdição estrangeira quanto ao vínculo da autoridade com a causa decidida (completamente abertos).
Enquanto em considerável parcela dos países do mundo a admissão de sentença estrangeira impõe a verificação de que a autoridade que a proferiu tinha vinculação fática com a causa decidida (hipótese do item b acima), no caso brasileiro pouco se exercita esse “controle indireto da jurisdição estrangeira”, aproximando-se do modelo do item c15.
3. O RESULTADO DAS NEGOCIAÇÕES E OS PRINCIPAIS PONTOS ADOTADOS PELA CONVENÇÃO
Como consideração geral registra-se que a convenção evidencia conceitos negociados nos últimos quatro anos e consagrados na 22ª Sessão Diplomática. Trata-se de uma convenção de caráter vinculante, que passa a integrar a legislação interna dos países membros como tratado, em oposição à adoção de princípios e regras de soft law. Com isso, atingir-se-á o grande objetivo de harmonizar as soluções de Direito Internacional Privado para regras de reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras.
A convenção guardou, na medida do possível, coerência com a Convenção sobre Eleição de Foro de 2005, e as regras adotadas ampliam a segurança jurídica na circulação internacional de decisões judiciais civis e comerciais. Com isso, evita-se a duplicação de procedimentos em Estados diversos e diminuem-se os custos das transações e as despesas judiciais, além de prevenir discussões sobre a razoabilidade da jurisdição. Promove-se, ainda, maior previsibilidade quanto à circulação de decisões judiciais, auxiliando as partes em suas decisões de caráter comercial.
No que diz respeito à sua estrutura, a convenção de sentenças16 foi dividida em dois capítulos de regras substantivas: “âmbito de aplicação” e “reconhecimento e execução”, seguidos de dois capítulos de “cláusulas gerais” e de “cláusulas finais”. Estes últimos capítulos contêm previsões instrumentais, regras sobre adesão, depósito e guarda de documentos relevantes, comunicações entre as partes, e os importantes elementos autorizadores de declarações e reservas, tudo dirigido a compor a certeza de entrada em vigor e produção de efeitos jurídicos.
3.1. Ambito de aplicação, definições e regras gerais
O capítulo relativo ao âmbito de aplicação começa pela definição dos temas admitidos ao sistema da convenção, seguida pela lista de matérias excluídas, e termina com as definições aplicáveis. As matérias de que trata a convenção de sentenças são “civis” e “comerciais”, donde se extrai que a matéria criminal está excluída do âmbito de aplicação.
A questão acerca da definição do que sejam “questões civis e comerciais” foi discutida ao longo das negociações, adotando-se a expressão com comentários no Relatório Explicativo na linha do que já constava do projeto resultante da Comissão Especial. Fica claro que a decisão acerca da qualificação do que se enquadra na definição cabe ao tribunal do país requerido, ainda porque se segue o princípio da prevalência da lex fori para as questões processuais, na forma do artigo 1317. Conforme estudo elaborado pelos relatores do Relatório Explicativo sobre o tema18, a expressão deve ter interpretação autônoma (internacional), e a caracterização de um caso como “civil ou comercial” deve se dar conforme a natureza da lide, e não depende da especialidade do Tribunal ou do simples fato de um Estado ser parte no processo.
A terminologia, já empregada pela Conferência da Haia em outros documentos19, foi objeto de divergências acerca da necessidade ou não de se incluir uma definição mais precisa na convenção, evidenciando especialmente preocupações em excluir as sentenças sobre os atos típicos de Estado. A questão revela diferenças entre os sistemas jurídicos de “common law” e de direito civil continental. Para os países de direito civil o problema é solucionado utilizando a antiga distinção entre atos de império (ius imperii) e atos de gestão (ius gestionis).
Os países da América Latina apresentaram suas preocupações, realçadas por Argentina e México, para que houvesse uma exclusão mais clara de ações contra Estados na Convenção, o que acabou não acontecendo. A partir de proposta da Argentina, foram excluídas do âmbito de aplicação as sentenças sobre dívidas soberanas reestruturadas de forma unilateral por medidas estatais (artigo 2.1.q2020). A circulação de sentenças contra Estados e suas companhias permanece, o que implica ter sido preservado o método de exclusão ratione materiæ, embora tenha sido introduzida uma opção de declaração excluindo para o Estado declarante a obrigação de reconhecer e executar sentenças emanadas de processos em que um Estado ou suas agências tenha sido parte (artigo 1921).
Da leitura do artigo 2.422, combinado com o artigo 2.523, observa-se a preservação da imunidade de jurisdição dos Estados e a proteção de seu patrimônio em qualquer circunstância. As negociações sobre este tema revelaram intensa coordenação entre os países da América Latina, além de forte interesse de China e Rússia.
Ainda sobre o âmbito de aplicação da convenção de sentenças (artigo 2), temas como propriedade intelectual, poluição marinha, privacidade e concorrência ensejaram acirradas discussões para afinal serem excluídos, na sua maioria com uma linguagem bem simples e direta. Era grande a preocupação do plenário de que as exclusões não deixassem margem para interpretação dúbia sobre o campo de aplicação da convenção no futuro.
O tópico da propriedade intelectual absorveu as atenções dos presentes por mais tempo do que o previsto. No texto do projeto emergente da 3ª Reunião da Comissão Especial, em novembro de 2017, dois caminhos distintos estavam indicados: a exclusão do tema, com a consequência de se estabelecer com clareza a forma de o fazer, ou a inclusão como base indireta de jurisdição em um item autônomo (artigo 5.3) e artigos correlatos. No decorrer da 22ª Sessão Diplomática, apesar dos esforços do Grupo de Trabalho e de países que apoiavam a inclusão, como Brasil, Israel e União Europeia, prevaleceu a resistência dos demais, em especial Estados Unidos, Canadá e Austrália, concluindo-se pela exclusão. O plenário, em difícil decisão que pôs à prova as regras de procedimento, optou pela completa exclusão através de linguagem simplificada no artigo 2.1.m, referindo apenas propriedade intelectual, mas preservada alguma matéria contratual em que não se discute o direito de propriedade intelectual diretamente, nos termos do artigo 2.2 e do artigo 8 (questões preliminares).
O Brasil sugeriu melhorias de redação no item referente à exclusão de casos relativos às forças armadas e law enforcement (artigo 2.1.n e o)24 o que acabou sendo direcionado ao Relatório Explicativo.
Outro ponto que merece destaque refere-se ao artigo 325, que contém a definição do que seja uma sentença (judgment), que só pode ser considerada como passível de circular no sistema da convenção se for proveniente de um tribunal ou uma corte (um órgão do judiciário), e deve resolver o mérito da controvérsia ainda que à revelia, mas pode se limitar aos ônus de sucumbência. A definição exclui expressamente a possibilidade de medidas cautelares (interim measures) circularem sob o pálio da convenção.
O artigo 4 é um dos principais da convenção pois estabelece a obrigação de um estado contratante de reconhecer e executar uma sentença proveniente de outro estado contratante, desde que cumpridas as bases de jurisdição indireta previstas. A linguagem em inglês usa o verbo shall26, que não contém qualquer dubiedade com relação à obrigação assumida. Se a decisão sobre a qual se pede o reconhecimento está dentro do âmbito de aplicação da convenção, o estado requerido não a pode recusar.
Após muita discussão prevaleceu a norma do artigo 4.2, de que não haverá revisão sobre o mérito da controvérsia como decidido pelo país de origem da decisão. Era um tópico sensível, porque a regra na maioria dos países, especialmente nos de direito civil, é de não se reexaminar o mérito da decisão objeto de reconhecimento, senão para proteção da ordem pública, segundo o sistema de delibação27. No entanto, havia países que queriam reter essa faculdade. Afinal prevaleceu a regra de não reexame, ainda que se tenham desenvolvido variantes da formulação até alcançar o texto final. O artigo 4.4 confere a possibilidade de postergar ou negar o reconhecimento ou a execução quando ainda houver recurso contra a sentença estrangeira, ou o prazo para recurso não tiver decorrido.
3.2. Bases indiretas de jurisdição
Depois da mal-sucedida primeira fase das negociações do Projeto de Sentenças nos anos noventa do século XX, a estratégia que permitiu o avanço na segunda fase foi o abandono da pretensão de se realizar uma convenção que estabelecesse bases diretas de jurisdição, restringindo o objeto ao reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras.
Para que a ideia vingasse foi necessário estabelecer de forma detalhada bases indiretas de jurisdição de consenso, o que permitiria a cada estado contratante perceber com clareza as obrigações internacionais que assumiria no momento de ratificar a convenção. Esse desenho foi fruto do Grupo de Trabalho anterior à instalação da Comissão Especial, mas ao longo das negociações até a 22ª Sessão Diplomática muitos ajustes foram feitos para se chegar aos artigos 5 e 6 adotados.
É crucial, pois, examinar e compreender como se dá a atividade de controle indireto da jurisdição estrangeira no momento do reconhecimento e execução28, seguindo os debates durante as negociações que culminaram na Convenção de Sentenças. O registro das origens do projeto no relatório explicativo da Convenção sobre Eleição de Foro de 200529 pressupõe o controle indireto dos fundamentos da jurisdição exercida no estrangeiro. Relembre-se também as formas com que os Estados estabelecem seus sistemas de reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras como descrito ao final do item 1.1 acima.
As negociações para o estabelecimento da Convenção de Sentenças só foram possíveis porque há entre os Estados convergência quanto a certos fundamentos para exercício de jurisdição. Quando concretizados certos pontos de contato admitidos por todos os Estados parte e registrados na convenção, as indirect jurisdictional bases, resultará na circulação facilitada da sentença.
O que se exige é haver uma conexão razoável entre as características da ação e o foro em que foi julgada, sem que se evidencie um excesso no exercício da jurisdição pela corte de origem que impediria sua aceitação pelo Estado que deverá proceder à execução. O componente relevante da convenção, portanto, é a lista padronizada das bases indiretas de jurisdição, os parâmetros para que um Estado parte a que se dirige o titular do direito reconhecido em sentença (o “Estado requerido” na linguagem da convenção) esteja obrigado a reconhecer que a jurisdição no “Estado de origem” (na linguagem da convenção o Estado parte em que se proferiu a sentença) foi apropriadamente exercida, e não há razão em função desse elemento para recusar reconhecimento e execução.
A evolução desses conceitos, com as dificuldades a eles inerentes30, resultou em uma convenção que arrola alguns fundamentos reconhecidos como autorizadores de circulação sob o regime da convenção, que não exaustivamente podem ser resumidos em31:
- domicílio (habitual residence) da pessoa natural - artigo 5.1.a;
- manutenção de filial, agência ou estabelecimento pela pessoa natural ou jurídica - artigo 5.1.d;
- submissão expressa ou tácita à jurisdição, anterior ou contemporânea - ao processo - artigo 5.1.c, e, f, e m;
- local do cumprimento da obrigação contratual - artigo 5.1.g; e
- local da prática do ato danoso - artigo 5.1.j.
O artigo 5, que trata das bases indiretas de jurisdição32 ou filtros jurisdicionais é, sem dúvida, o mais complexo da convenção. Foi a solução encontrada para viabilizar o consenso entre os estados que resultou na adoção da convenção. Isso porque, ante a existência na legislação interna dos Estados partícipes da negociação de regras diversas sobre o controle da razoabilidade do exercício da jurisdição quanto examinado o reconhecimento e execução de sentença estrangeira, não era possível para todos aceitar apenas um princípio geral sobre bases indiretas.
Os filtros jurisdicionais são padrões utilizados para o reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras, com os quais
os Estados estão de acordo e nesse sentido foram harmonizados pela Convenção de Sentenças. São interpretados como as hipóteses em que os Estados que receberão a sentença estrangeira para reconhecimento e execução admitem ter sido legítimo o exercício da jurisdição por uma Corte que não seja sua. Por outro lado, os filtros jurisdicionais aumentam o escrutínio sobre a vinculação do caso concreto com a jurisdição do Estado requerente.
Esse trecho da convenção é de substancial relevância, pois os dispositivos representam um conjunto de regras que permite aos Estados se obrigarem internacionalmente a reconhecer e executar sentenças estrangeiras confiando na lisura e qualidade do exercício de jurisdição pelos demais Estados. É, portanto, matéria em que houve intensas discussões e posições divergentes, e o texto final representa o esforço conjunto para se chegar a uma convenção aceitável para todos, ainda que não completamente satisfatória do ponto de vista interno de cada um dos participantes.
A técnica interpretativa aplicável ao artigo 5 exige considerar que a Convenção prevê uma lista exaustiva de bases de jurisdição aceitas uniformemente, situação cuja ocorrência estabelecerá a obrigação do Estado destinatário do pedido de reconhecimento e execução de admitir a sentença estrangeira proferida em Estado no qual se cumpram condições descritas. Não estando presente pelo menos uma das bases indiretas de jurisdição previstas na convenção, o Estado parte a que dirigido o pedido de reconhecimento e execução os poderá recusar.
O fato principal que induz vinculação suficiente à jurisdição, ou seja, que estabelece base para reconhecimento do exercício da jurisdição estrangeria, é a residência habitual do réu no local do foro. Nessas condições, partindo de um modelo simples de processo que supõe um autor e um réu, tem-se mundialmente reconhecido como razoável o exercício de poder jurisdicional sobre o réu domiciliado no país que é a sede da autoridade jurisdicional, o que facilita sobremaneira sua defesa. Consolidação desse princípio está no artigo 5.1.a33.
Na visada daquele que propôs o processo, o autor, a submissão expressa à jurisdição do foro a que recorreu revela suficiente vinculação para os casos em que ele venha a ser derrotado e condenado pelo juízo estrangeiro. O efeito também se estabelece se o réu consentir expressamente com a jurisdição. O princípio da submissão está contido nas alíneas c e e do artigo 5.134.
As bases de jurisdição aceitas com relação a pessoa jurídica, quando for a autora, são equivalentes às da pessoa física, sobrelevando o princípio da submissão. Já quando a pessoa jurídica for a ré, o princípio da residência habitual se aplica, naturalmente com as dificuldades de se estabelecer o local da residência habitual da pessoa jurídica. A solução da Convenção de Sentenças foi definir a residência habitual no artigo 3.2, considerando como residência habitual o local indicado nos atos constitutivos, o local da sua constituição35, o local da sede da administração, ou o local do principal centro de negócios. Trata-se de um problema clássico de Direito Internacional Privado, muitas vezes presente em casos concretos como questão prévia, para cuja solução se empregaram soluções muito comuns, contidas nas regras de conexão do estado no qual a ação está em curso.
Também se admite satisfatória vinculação para fins jurisdicionais quando houver no foro filial, agência, ou outro estabelecimento sem personalidade destacada da pessoa que a constituiu, desde que o objeto do processo esteja relacionado às atividades praticadas por esse ente subsidiário (artigo 5.1.d).
Na matéria contratual a regra não reconhece base de jurisdição adequada quando o réu que foi parte do contrato não dirigiu proposital e substancialmente suas atividades para produzir efeitos jurídicos no Estado de origem. A expressão adotada no artigo 5.1.g para instrumentalizar a exceção é: the defendant’s activities in relation to the transaction clearly did not constitute a purposeful and substantial connection to that State.
A matéria da Propriedade Intelectual constava nos artigos 5.3 e 6.a do projeto, tema no qual a Delegação Brasileira atuou com protagonismo em conjunto com a Delegação Israelense. A ideia era expressar o princípio da territorialidade dos direitos de propriedade intelectual através de bases de jurisdição constituintes da obrigação de reconhecer a sentença estrangeira somente relacionadas ao Estado em que se constitui a propriedade intelectual, sem risco de afetar a territorialidade nacional, que é típica desses direitos. Essa ideia não vingou e o tema foi excluído, registrando-se comentários das Delegações que se opunham à manutenção do tema no âmbito de aplicação da convenção de não haver apoio interno para tal tomada de decisão. Foram mantidos na convenção alguns contratos que se referem a propriedade intelectual, mas sem que seja esse o elemento decisivo. O contrato típico que se mantém na convenção é o relativo ao não pagamento da licença de uso da patente, o contrato típico que não entra na convenção é o sobre o qual se discute se o direito de propriedade intelectual licenciado está ou não vigente.
Há uma possibilidade de recusa limitada no artigo 8.2 quando propriedade intelectual for uma questão prévia na sentença, limitada ao conteúdo específico relevante, preservado o restante da sentença.
Também houve deliberação sobre as bases de jurisdição relacionadas com o trust, instituição desconhecida no Brasil mas que tem grande importância em outros países, notadamente da common law. O filtro jurisdicional estabelecido no artigo 5.1.k se refere a um foro previsto expressa ou tacitamente nos trusts instituídos voluntariamente e com registro escrito.
O artigo 5.236 cuidou da questão das bases indiretas relativas aos contratos de consumo. A definição de consumidor não sofreu modificações no curso das negociações da 22ª Sessão Diplomática, e foi adotada como constava do projeto. A divergência anterior era entre a definição restritiva, já adotada pela Convenção sobre Eleição de Foro de 2005 em contraponto com a pretendida por alguns países, entre eles Argentina e Brasil. Prevaleceu o texto em que “Consumidor” ficou definido a partir de uma visão clássica contratual, limitada a atividades pessoais domésticas, mas permitindo que as sentenças proferidas a seu favor circulem internacionalmente no regime da convenção.
A proteção do consumidor se estabelece por limitação da circulação das sentenças contra ele proferidas aos casos em que a jurisdição seja exercida no seu domicílio, ou quando o consumidor se submeta expressamente à jurisdição estrangeira, limitada essa oportunidade ao período de curso do exame jurisdicional da contenda relevante. Neste ponto específico a Delegação Brasileira atuou com intensidade nas duas primeiras reuniões da Comissão Especial (junho de 2016 e fevereiro de 2017), apresentando documento informativo durante as negociações37. As posições brasileiras foram atendidas em grande medida, embora se possa considerar que na questão da definição de consumidor haja discrepância com relação à proteção da legislação nacional.
3.3. Bases exclusivas de jurisdição e causas de recusa de reconhecimento
O artigo 6 cuida de uma peculiar base exclusiva de jurisdição, cujas regras se superpõem às do artigo 5, estabelecendo a obrigação dos membros da convenção de reconhecer qualquer sentença proferida segundo seus termos, e a obrigação adicional de recusar sentença estrangeira que não provenha do país indicado na base de jurisdição.
A leitura mais aprofundada desse dispositivo revela que está a traduzir, de forma negativa, uma harmonização das normas sobre jurisdição, iniciando, pois, a uniformização da jurisdição direta: os Estados que aderirem à futura convenção concordarão que para os assuntos tratados no artigo 6º as únicas bases jurisdicionais aceitáveis são aquelas lá declaradas.
Este ponto teve discussão de caráter acadêmico-taxonômico, em que os Professores Ronald Brand (Universidade de Pittsburg, EUA) e Tanja Domej (Universidade de Zurique, Suíça) defendiam a natureza de base direta de jurisdição, enquanto o aqui autor Marcelo De Nardi se opunha a tal classificação. Para que se caracterizasse como base direta de jurisdição a previsão do artigo 6 deveria estabelecer a obrigação de um Estado parte de assumir jurisdição ou a obrigação de não assumir jurisdição quanto a certo caso, o que não acontece. O artigo 6 da Convenção de Sentenças estabelece duas obrigações aos Estados parte:
- reconhecer e executar a sentença estrangeira sobre direitos reais sobre imóveis que provenha do Estado de origem em que esteja situado o imóvel; e,
- não reconhecer sentença estrangeira sobre direitos reais sobre imóveis cujo Estado de origem não seja o em que situado o imóvel.
Como se vê, não há qualquer obrigação que interfira no poder soberano do Estado parte de adjudicar qualquer causa. Uma das obrigações estabelecidas (número 1 acima) é a de reconhecer e executar uma sentença estrangeira que atenda a base indireta de jurisdição descrita no artigo 6 (lugar da situação do imóvel), obrigação estabelecida
conforme o artigo 4.138 que tem como suporte fático abstrato elemento semelhante aos das bases indiretas de jurisdição do artigo 5.
A outra obrigação, (número 2 acima) é a que causa maior dificuldade de compreensão e enseja a confusão com “base direta de jurisdição”, pois exige do Estado parte que rejeite reconhecimento e execução de sentença estrangeira que não provenha de Estado da situação do imóvel. Na leitura dos autores estas duas obrigações não compõem uma base direta de jurisdição, pois qualquer Estado parte da convenção de sentenças poderá adjudicar um processo versando sobre direitos reais sobre imóveis que não estejam situados em seu território sem violar as obrigações que venha a assumiu ao aderir. A consequência do artigo não é impedir o exercício da jurisdição, mas sim a circulação da decisão resultante desse exercício, ao menos dentro das bases indiretas estabelecidas no artigo 5.
Com relação à base de jurisdição específica do artigo 6, lugar da situação do imóvel quanto a direitos reais sobre ele, era tema prioritário para a Delegação Brasileira, que desejava a manutenção do que estava no projeto, com ajustes para a palavra tenancy, de difícil compreensão no sistema jurídico brasileiro. Após uma disputa longa, com reuniões em grupo de trabalho separado e depois no plenário, manteve-se a “jurisdição exclusiva” do Estado da situação do imóvel para diretos reais sobre eles. Retirou-se a exceção do artigo 6.c do projeto, que a mitigava em certos casos. As relações sobre posse foram arroladas como “direito real” no relatório explicativo. Os demais temas referidos a imóveis, notadamente toda a matéria que não tenha a característica de “direitos reais”, foram tratados no artigo 5, mesclando uma parte mais ampla em uma base de jurisdição limitada ao Estado da situação do imóvel com exclusão de qualquer outra para locações residenciais e elementos de registro que não caracterizem direitos reais (artigo 5.3), e uma base normal de jurisdição no artigo 5.1.h para locações em geral. Os interesses brasileiros parecem ter resultado razoavelmente protegidos, mas um estudo mais aprofundado é necessário em função da peculiaridade brasileira da jurisdição exclusiva para conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil, na forma do inciso I do artigo 23 do Código de Processo Civil.
O artigo 7 trata das autorizações aos Estados parte para recusar reconhecimento ou execução, notadamente situações de falta, insuficiência ou irregularidade de citação39 ou de fraude40. São requisitos formais já conhecidos, além da cláusula de proteção da ordem pública41. A redação usa o termo “manifestamente” para dar uma qualificação maior à exceção, no mesmo sentido, aliás, da Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros42 concluída durante a CIDIP II de 1979 em Montevidéu, Uruguai. 43
Há uma autorização para recusa de reconhecimento ou execução de sentença estrangeira quando o tribunal no Estado de origem tiver assumido jurisdição contrariando eleição de foro44.
Observado o impedimento de revisão de mérito constante do artigo 4.245, as alíneas e e f do artigo 7.146 têm conteúdo que estabelece autorizações para recusa de reconhecimento ou execução de sentenças estrangeiras em função de incompatibilidade com coisa julgada constituída no Estado requerido ou em outro Estado parte. Neste último caso se houver possibilidade de reconhecimento e execução no Estado requerido nos termos da convenção. Já o artigo 7.2 introduz autorização para recusa se houver um processo em andamento no Estado requerido, em forma semelhante à litispendência.
É preciso esclarecer que estas autorizações de recusa não correspondem à prática brasileira de homologação de sentenças estrangeiras, somente obstada se ofender a coisa julgada brasileira (inciso IV do artigo 963 do Código de Processo Civil). Nestes dois pontos há diferenças importantes em relação à prática jurisdicional brasileira.
3.4. Outros tópicos
Nos artigos 8 a 15 são tratados vários tópicos que foram adotados, na sua maior parte, na forma já preconizada no anteprojeto.
O artigo 8, preliminary questions, gera dificuldades de interpretação, pois há tendência de o ler como se fosse uma previsão para a parte efetivamente dispositiva da sentença, quando em verdade está limitada a questões intermediárias deliberadas pelo Tribunal de origem para julgar a questão principal. O objeto desse artigo é o que o Direito Processual brasileiro designa como fundamentos no inciso II do artigo 489 do Código de Processo Civil, em oposição às questões principais cuja solução constituirá o dispositivo da sentença (inciso III do artigo 489 do Código de Processo Civil), o conteúdo que será efetivamente reconhecido e executado.
O artigo 9 afirma a possibilidade de reconhecimento parcial de sentenças, tema consagrado no projeto emergente da Comissão Especial e que não foi alvo de grandes discussões. O preceito é plenamente compatível com o sistema brasileiro de homologação de sentença estrangeiras, conforme expresso no parágrafo 2º do artigo 961 do Código de Processo Civil: a decisão estrangeira poderá ser homologada parcialmente.
O artigo 10 introduz uma proteção adicional para os casos de indenização por danos em responsabilidade civil extracontratual, limitando a obrigação de reconhecer e executar ao que corresponda efetivamente a compensação de perdas ou danos sofridos pela vítima. O objetivo é evitar a obrigação de reconhecer e executar os adicionais de indenização conhecidos como punitive damages ou exemplary damages no direito dos Estados Unidos da América, adicionais que não são conhecidos em outros sistemas jurídicos.
O artigo 11 equipara os acordos que obtiveram chancela judicial, como ocorre nos que foram homologados judicialmente, a judgment no conceito do artigo 3.1.b para fins de circulação pelo sistema da convenção. O importante neste dispositivo é que haja aprovação ou que o acordo se realize perante um tribunal no Estado de origem, e que seja nesse Estado executável como se fosse uma sentença.
O artigo 12 traz uma lista dos documentos necessários para o pedido de reconhecimento e não constitui exigência exacerbada. O objetivo fundamental é dar a conhecer ao Estado requerido o conteúdo e eficácia da sentença pretendida ver reconhecida e executada. No curso da 22ª Sessão Diplomática foi discutido um formulário recomendado, mas seu aperfeiçoamento não se concluiu até o encerramento das atividades, e será submetido à aprovação pelo Conselho de Assuntos Gerais e Política da Conferência da Haia.
O artigo 13 apenas repete a consagrada norma da lex fori, aplicável ao processo, de modo que o procedimento para reconhecimento e execução está a cargo do país requerido e suas normas procedimentais serão seguidas, com ênfase na obrigação de agilidade.
O artigo 14 não permite a cobrança de custas ou caução por conta de ser a parte requerente estrangeira ou não domiciliada no estado requerido, evitando possibilitar aos estados manterem qualquer regra de caráter discriminatório para não nacionais e não residentes.
Finalmente o artigo 15 permite que os estados requeridos aceitem reconhecer e executar sentenças para além das obrigações estabelecidas na convenção de sentenças segundo o direito interno, se este tiver regras mais inclusivas do que a convenção.
3.5. As Cláusulas Gerais e Finais
Nessa parte da convenção está prevista a possibilidade de declarações especiais, o que permitirá aos Estados que pretendam aderir ajustar a convenção de sentenças a suas necessidades.
A declaração mais relevante para o Brasil é a do artigo 18 sobre “subject matters”, que permite afastar para o declarante a aplicação da convenção de sentenças quanto a um tema específico. Para o Brasil será necessário considerar essa hipótese quanto a ações relativas a imóveis situados no Brasil (inciso I do artigo 23 do Código de Processo Civil, jurisdição exclusiva brasileira), tudo a depender dos estudos indicados no tópico 2.3.
Outro tema muito discutido durante as negociações foi a previsão de objeções (bilateralização), que é tema muito relevante para o sucesso futuro da convenção, conforme se verifica no artigo 29. Cada Estado parte poderá declarar que não estabelecerá relações de tratado com base na convenção de sentenças com outro Estado específico, sem que isso represente retirar-se completamente do sistema estabelecido. Este elemento dá segurança ao Estado parte para definir com quais outros Estados parte estabelece relações de tratado, mas ao mesmo tempo cria um sistema fragmentário. A longo prazo se espera a constituição de confiança suficiente no sistema e entre os Estados parte para que as objeções se tornem obsoletas.
CONCLUSÕES
Os objetivos do Projeto de Sentenças restaram contemplados no texto da convenção adotado ao final da 22ª Sessão Diplomática. O êxito se constata da aprovação da estrutura geral e de muitas das especificidades propostas, especialmente no que diz respeito às regras sobre as bases indiretas de jurisdição.
De uma perspectiva histórica, informada pelas dificuldades que o próprio Projeto de Sentenças enfrentou, fica evidente o esforço nas negociações, com evolução na posição dos Estados, que estabeleceram ao longo do tempo a confiança mútua necessária para admissão em território próprio da sentença proferida em Estado estrangeiro, sem muitas restrições. A percepção de que tal admissão implicaria renúncia a uma parcela de sua soberania converte-se em reafirmação desta, em nome de maior civilidade e do respeito às relações entre os Estados, e em respeito aos interesses dos indivíduos.
Os trabalhos da Convenção de Sentenças, agora encerrados, são resultado de um movimento de aproximação de expectativas e necessidades, notando-se a construção de pontes de conexão entre os diversos países participantes, dispostos a cooperar para a realização da atividade jurisdicional em uma perspectiva global. Nas palavras da Embaixadora Regina Dunlop, ninguém saiu da negociação feliz, mas todos podem conviver com o texto resultante.
Agora se inicia a nova etapa, a da entrada em vigor da convenção e de sua difusão pelo maior número possível de países. A comparação com a popularidade da Convenção de Nova York sobre Arbitragem é meta ambiciosa, mas é também a expectativa adequada para que a humanidade disponha de um instrumento de pacificação das disputas e de satisfação dos direitos. Potencializar o rule of law, o predomínio da lei, será o resultado ótimo, outorgando segurança jurídica a um mundo de relações jurídicas crescentemente globalizadas.