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Revista de la Secretaría del Tribunal Permanente de Revisión

Print version ISSN 2307-5163On-line version ISSN 2304-7887

Rev. secr. Trib. perm. revis. vol.7 no.14 Asunción Sept. 2019

https://doi.org/10.16890/rstpr.a7.n14.p84 

Artículo Original

O TPR e o MERCOSUL: os 15 Anos do Fiador do Direito Regional

El TPR y el MERCOSUR: los 15 años del Garante del Derecho Regional

TPR and MERCOSUR: 15 years granting the regional law

Raphael Carvalho de Vasconcelos1  2 

1Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

2Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil


RESUMO

Quais seriam os desafios principais e as perspectivas atuais centrais do Tribunal Permanente de Revisão nos quinze anos de sua instalação na República do Paraguai? Fontes normativas, doutrinárias e práticas são utilizadas na tentativa de atender à proposta. Parte-se da defesa da centralidade dos sistemas institucionalizados de solução de controvérsias como requisito de identificação de organizações internacionais para demonstrar que o MERCOSUL não apenas cumpre o requisito como, também, conta com esse elemento em estado aperfeiçoado. A diplomacia ganha centralidade no debate quando analisado o tribunal como a estrutura possível na integração desejada e quando da identificação dos fatores positivos que levaram à escolha de sua sede. Conclui-se, finalmente, com panorama do avanço das funções atípicas do tribunal que promovem hoje, com sucesso, sua atuação ampliada.

Palavras-chave: Tribunal Permanente de Revisão; MERCOSUL; Desafios e perspectivas

RESUMEN

¿Cuáles serían los principales desafíos y perspectivas actuales del Tribunal de Permanente de Revisión en los quince años de su instalación en la República del Paraguay? Para cumplir con esa propuesta, se utilizan fuentes normativas, doctrinarias y prácticas. La defensa de la centralidad de los sistemas institucionalizados de solución de controversias como un requisito para la identificación de organizaciones internacionales es la base teórica para demostrar que el MERCOSUR no solo cumple con el requisito, sino que también tiene a ese elemento en estado maduro. La diplomacia gana importancia en el debate cuando se examina al tribunal como la estructura posible en la integración deseada y cuando se analizan los factores positivos que llevaron a la elección de su sede. Finalmente, se desarrolla una visión general de la ampliación de las funciones atípicas del tribunal que, en la actualidad, permiten el éxito de su actuación.

Palabras clave: Tribunal Permanente de Revisión; MERCOSUR; Desafíos y perspectiva

ABSTRACT

What would be the main challenges and current perspectives of the Permanent Review Tribunal fifteen years after the settlement of its offices in the Republic of Paraguay? Normative, doctrinal and practical sources are used in an attempt to comply with the reflections proposed. The paper points the centrality of institutionalized dispute settlement systems as a requirement to identify international organizations to show that

MERCOSUR not only fulfills the requirement but also has an improved framework to solve disputes. Diplomacy gains centrality in the debate when the tribunal is analyzed as the possible structure for the desired integration and when identifying the positive factors that led to the choice of Asunción to receive its offices. Finally, the paper concludes its appointments with an overview of the development of the atypical functions of the tribunal that successfully promote its expanded operation nowadays.

Keywords: Permanent Review Tribunal; MERCOSUR; Challenges and perspectives

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo busca consolidar um panorama dos desafios e das perspectivas do Tribunal Permanente de Revisão - TPR - decorridos quinze anos de sua instalação na República do Paraguai. Para embasar as percepções aqui sustentadas, serão utilizadas fontes normativas, doutrinárias e, principalmente, a experiência prática de anos à frente de sua secretaria em Assunção.

Na primeira parte deste trabalho, pretende-se defender a centralidade dos sistemas institucionalizados de solução de controvérsias como requisito de identificação de organizações internacionais e, logo, demonstrar que o MERCOSUL sempre pode ser reconhecido como tal. O termo “institucionalidade” exigirá considerações mais específicas quanto a sua vinculação ou não à necessidade de existência de uma corte ou tribunal. O TPR passa a ser analisado na sequencia como conquista possível na integração desejada pelos estados membros do MERCOSUL e, então, as nuances da escolha de Assunção como sua sede são consideradas1.

O trabalho busca concluir, por fim, que, em seus quinze anos de instalação, o TPR ultrapassou a passividade de sua função típica e atualmente cumpre função essencial no desenvolvimento e na consolidação da normativa regional do MERCOSUL.

2. SISTEMAS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS COMO REQUISITO DE ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Tem-se defendido, nos últimos cinco anos, a existência de um sistema institucionalizado para a solução de controvérsias como requisito essencial ao reconhecimento de estruturas internacionais como organizações internacionais2. Esse elemento adicional - somado à personalidade jurídica, à existência de órgãos decisórios e à identificação de um direito comum - serve, principalmente, para garantir a higidez da vontade expressada pela organização internacional no exercício de suas capacidades internacionais.

O quarto requisito - esse elemento “sistema de solução de controvérsias” - interage diretamente com os outros três tradicionalmente reconhecidos pela doutrina internacionalista. No que se refere à personalidade jurídica, por exemplo, de seu exercício de forma autônoma, isto é, completamente desvinculada das escolhas dos membros da organização internacional, decorre a necessidade de estabelecimento de mecanismos capazes de solucionar conflitos quanto à formulação da vontade do sujeito não estatal.

O elemento “direito”, que estabelece parâmetros jurídicos para o exercício das capacidades da organização, seria justamente a ferramenta utilizada na solução desses eventuais conflitos.

A interação com os órgãos decisórios se daria, por sua vez, em dinâmica de controle. No exercício da personalidade com outros sujeitos de direito internacional ou, internamente, por meio de produção normativa secundária, o bom funcionamento de órgãos decisórios de uma organização internacional exige a fixação de mecanismos de controle.

A insistência com que se defende o reconhecimento dos sistemas de solução de controvérsias como requisito necessário ao reconhecimento de organizações internacionais tem, portanto e por todas as razões expostas, razão de ser.

O Mercado Comum do Sul - MERCOSUL, especificamente, mostra-se excelente exemplo da necessidade de previsão de um sistema institucionalizado de solução de controvérsias entre os membros para garantir segurança e previsibilidade a uma organização internacional.

O Tratado de Assunção, documento jurídico marco da organização, foi celebrado em 26 de março de 19913. Predominam em seu texto parâmetros genéricos para a motivação central da estrutura comum que surgia, especialmente relacionados à liberdade comercial e ao desejo de integração. O tratado não reconheceu personalidade jurídica expressa e tampouco criou órgãos decisórios dotados de funções representativas ou com qualquer capacidade legislativa.

A institucionalidade do MERCOSUL apenas foi estruturada em dezembro de 1994 por meio do Protocolo de Ouro Preto4. Apenas três anos após a criação do marco normativo originário da organização, portanto, o MERCOSUL foi dotado de personalidade jurídica e de órgãos com capacidade decisória. Entre 1991 e 1994, fazendo uso do critério tradicional para o reconhecimento de organizações internacionais, havia direito, mas a estrutura regional não contava com personalidade ou com órgãos decisórios funcionais.

Em relação à solução de conflitos, o panorama foi bastante diferente. O anexo III do Tratado de Assunção já trazia em março de 1991 o primeiro procedimento de solução de controvérsias da organização regional. Mecanismo inserido no projeto de estrutura comum desde o início, portanto, ainda que eminentemente político em trâmite extremamente simples.

A regulamentação modesta foi logo substituída por um sistema robusto e detalhado para solucionar as controvérsias entre os membros do MERCOSUL. Em dezembro de 1991, três anos antes do Protocolo de Ouro Preto, o Protocolo de Brasília consolidou um sistema arbitral não permanente, mas bastante institucionalizado, para os litígios internos da organização internacional5.

O uso dos elementos tradicionalmente apontados pela doutrina para a caracterização de uma organização internacional - personalidade, direito e órgãos decisórios, caso aplicados ao MERCOSUL, apontam a sua identificação como sujeito de direito internacional apenas após o Protocolo de Ouro Preto de 1994. A incorporação da existência de um sistema de solução de controvérsias como requisito essencial e a admissão do exercício de personalidade jurídica internacional tácita desde a criação da organização, permitem - sem grande esforço - o reconhecimento da estrutura em sua plenitude desde sua origem.

Em síntese, defende-se a incorporação da existência de um sistema institucionalizado de solução de controvérsias como elemento essencial à caracterização de uma estrutura como organização internacional e o MERCOSUL cumpria esse requisito antes mesmo de possuir personalidade jurídica expressa e órgãos com capacidade decisória plena.

3. CORTES E TRIBUNAIS: A IMPORTÂNCIA DA INSTITUCIONALIDADE

A defesa de um quarto critério para a caracterização de uma organização internacional - a existência de um sistema institucionalizado para a solução de controvérsias - exige a adoção de conteúdo mais preciso para o termo “institucionalidade”.

Um sistema institucionalizado para a solução de controvérsias internas de uma organização internacional não exige necessariamente a existência de uma corte ou de um tribunal permanente. Não exige tampouco que os juízes ou árbitros sejam vinculados de maneira estável ao sistema.

Institucionalidade se refere à segurança e à previsibilidade das regras de forma e de conteúdo. Um sistema institucionalizado teria, assim, por base a pré-existência de acordos sobre como, quando e quem julgará o litígio. Além disso, devem existir estipulações precisas sobre quem seriam os legitimados para provocar o sistema e indicativos contundentes sobre a competência material dos órgãos julgadores.

Essa institucionalidade podia ser identificada no MERCOSUL desde o Protocolo de Brasília, de dezembro de 1991. Sem inaugurar uma corte ou tribunal permanente, o protocolo fixou parâmetros extremamente claros e estabelecia um engenhoso sistema arbitral ad hoc para a solução de litígios entre os membros da organização. Um sistema adequado e que apenas veio a ser substituído em 2002 pelo Protocolo de Olivos6.

Dizer que institucionalidade não depende da existência de um órgão jurisdicional permanente não significa que uma estrutura judicial de corte ou arbitral de um tribunal não seria desejável7. Um sistema de solução de controvérsias internacional se aperfeiçoa definitivamente quando consolidada em um órgão julgador permanente ou com vocação perene.

Claro se torna, sob a perspectiva regional do MERCOSUL, que a solução de controvérsias pode ser considerada um elemento reconhecido já nas origens da organização internacional e que sua institucionalidade mostrava-se robusta no mecanismo não permanente do Protocolo de Brasília. Estrutura que foi consolidada no aperfeiçoamento institucional trazido pelo Protocolo de Olivos que, dentre outros fatores, criou o TPR.

Tem-se, assim, que a identificação de um sistema institucionalizado de solução de controvérsias para o reconhecimento de uma organização internacional, sujeito de direito internacional público, não depende da existência de uma corte ou de um tribunal em sua estrutura, ainda que um órgão formalmente organizado seja desejável ao aperfeiçoamento da resolução de litígios.

4. O TPR COMO O PROJETO POSSÍVEL: UM SÍMBOLO DO FUTURO REGIONAL DESEJADO

O modelo institucional da União Europeia orienta frequentemente acadêmicos e profissionais envolvidos com a integração regional do MERCOSUL. Os parâmetros europeus são frequentemente tomados não apenas como fonte de inspiração sujeita a adaptação às idiossincrasias regionais, mas como cartilha estrutural a ser replicada.

Um grave erro cognitivo. Além da aprendizagem necessária com os erros cometidos, a inspiração no sucesso europeu precisa levar em consideração características e especificidades locais para, adaptada, funcionar realmente no MERCOSUL.

Dito isso, é de se perceber como demanda permanente no MERCOSUL a criação de uma corte de justiça, ou seja, de um órgão de solução de controvérsias de natureza judicial. Especificamente, a instalação de uma instância jurisdicional capaz, portanto, de ultrapassar os limites da extração de normatividade exercendo concreção. Os defensores dessa necessidade exaltam, principalmente, o êxito do Tribunal de Justiça da União Europeia e seu papel fundamental na construção e no desenvolvimento do direito comunitário8.

Proposta do tipo não parece compatível com o atual perfil austero do direito internacional que claramente exige ritmo menos acelerado de institucionalização, mas tampouco mostrou-se possível quando das negociações do Protocolo de Olivos no início dos anos 2000. Em perspectiva, observase que naquela oportunidade o dilema estava claramente posto entre a manutenção de um sistema arbitral ad hoc ou a criação de um tribunal judicial permanente.

O TPR foi, em 2002, o projeto possível no futuro regional desejado pelos estados-membros do MERCOSUL. Uma corte judicial encontrava-se além do que as soberanias estavam dispostas a abrir mão e o sistema arbitral ad hoc estava aquém do que os estados buscavam construir. A solução foi engenhosa e, assim, criou-se um sistema arbitral de dupla instância que tem, em seu ápice, um tribunal permanente capaz de rever as decisões proferidas em julgamentos ad hoc: o TPR.

Críticas apontam incongruência entre o modelo arbitral, marcado por celeridade e pela impossibilidade de revisão de mérito dos laudos, com a dupla instância estabelecida em Olivos. Essas críticas aplicam, contudo, a lógica da arbitragem privada, marcadamente de direito internacional privado, aos acordos entre soberanias e ao direito internacional público em geral.

Um órgão judicial poderia implicar na ampliação dos legitimados ao acesso ao sistema de solução de controvérsias e aparentemente os estados do MERCOSUL não estavam preparados, por exemplo, para o reconhecimento pleno de indivíduos como sujeitos de direito internacional capazes de demandar no sistema regional de solução de litígios.

Mas a estrutura sedimentada em Olivos não excluiu de todo os seres humanos do acesso direito ao sistema arbitral. Ainda que a provocação da competência para a solução de controvérsias por particulares traga obstáculos que claramente lhe conferem características de proteção diplomática, a competência consultiva, ao menos na forma que foi regulamentada pela República Argentina e pela República Federativa do Brasil, abre caminho para amplo acesso de particulares ao TPR9. Uma vez mais, foi o possível naquilo que era desejado.

Também em relação à perenidade, uma corte judicial tende a ser permanente e essa estabilidade institucional era claramente um consenso desejado entre os negociadores de Olivos. A ideia de um órgão judicial parece não ter prosperado possivelmente em razão do alto custo de manutenção de juízes internacionais permanentes. Hipótese plausível, mas que não se sustenta, entretanto, quando analisado o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, de cuja corte é permanente, mas conta com juízes que atendem a sessões recebendo diárias e passagens sem percepção de remuneração mensal ou anual fixa.

Optou-se no MERCOSUL, também sob esse aspecto, por solução engenhosa capaz de dar perenidade ao sistema sem abandonar os parâmetros arbitrais disponíveis naquele momento. O Tribunal Permanente de Revisão tem hoje, portanto, natureza arbitral, atribuição revisora de laudos emitidos por tribunais ad hoc, estrutura com sede e funcionários permanentes e árbitros não remunerados vinculados por mandato ao órgão.

Dessa forma, observa-se que - entre aqueles que desejavam uma corte de justiça e os que acreditavam ser a arbitragem suficiente para solucionar os conflitos regionais do MERCOSUL - o TPR foi a institucionalidade possível: uma engenhosa formulação conciliadora entre a integração desejada e o realismo diplomático.

5. ESCOLHA DE ASSUNÇÃO E SUA RELEVÂNCIA DIPLOMÁTICA E INSTITUCIONAL

A escolha de Assunção, capital da República do Paraguai, para receber a sede do TPR, não apenas indica movimento estratégico de sucesso da diplomacia paraguaia como também mostrou-se um grande acerto simbólico e festejável da organização internacional.

Ainda que o tratado marco da iniciativa regional sido subscrito em Assunção pelos presidentes dos estados fundadores da organização em 1991, ao menos desde o estabelecimento de sua estrutura orgânica em 1994 pelo Protocolo de Ouro Preto, a institucionalidade do MERCOSUL tem sido fisicamente concentrada no Edifício MERCOSUL em Montevideu, capital da República Oriental do Uruguai.

Antes de qualquer referência ao acerto da escolha de Assunção, importante se faz ressaltar a habilidade do Ministério das Relações Exteriores paraguaio para incluir em 2002 no corpo de Olivos disposição expressa quanto à sede no Paraguai. O reconhecimento do êxito diplomático se deve principalmente ao fato de que a estrutura da Secretaria do TPR - ST - poderia ter sido facilmente incorporada à sede da organização no Uruguai e que uma série de argumentos orçamentários tiveram que ser ultrapassados nas negociações para que o acordo sobre a localização do órgão fosse possível.

Um dos trunfos da negociação foi a designação da Villa Rosalba, edifício histórico que abrigou diversos órgãos militares paraguaios ao longo da história, como sede do TPR. O tribunal ocupou o majestoso palácio por quase doze anos entre agosto de 2004 e o início de 201610.

Objetivamente quanto ao acerto da escolha de Assunção, o MERCOSUL se mostra muitas vezes etéreo, é dizer, um projeto abstrato, difícil de ser visualizado concretamente pela sociedade civil dos estados membros. Ainda que suas conquistas e desafios ocupem as páginas de jornais e o noticiário, os indivíduos impactados pelas dinâmicas da organização regional possuem dificuldade de perceber o MERCOSUL como algo concreto, definitivamente existente.

Ao insistir na instalação da sede de órgão fundamental na estrutura da organização, a República do Paraguai permitiu maior visibilidade local do projeto regional desenvolvido em conjunto com seus vizinhos Argentina, Brasil, Uruguai e, posteriormente, Venezuela. O TPR em Assunção, além de representar um êxito diplomático contundente da República do Paraguai, mostrou-se, internamente, importante movimento político para aproximar seu povo do MERCOSUL.

Paralelamente a todas as circunstâncias relacionadas à escolha de Assunção como sede do TPR, importante se faz salientar a inconveniência da organização internacional instalar seu órgão de solução de controvérsias em estrutura física compartilhada com estruturas institucionais que desempenham outras funções. Nesse sentido, ainda que a sede do TPR tivesse sido direcionada a Montevideu, seria aconselhável sua instalação fora do Edifício MERCOSUL, em prédio independente.

Um órgão jurisdicional, seja uma corte ou um tribunal, exerce funções muito específicas em uma organização internacional e deve ser mantido o mais distante possível das discussões, negociações e embates de natureza política. Ao compartilhar sua sede com estruturas institucionais de outras naturezas, esse distanciamento necessário pode ser colocado em risco. Uma sede própria seria, portanto, desejável. Sua instalação em estado diferente da localização da maioria dos órgãos da organização mostrou-se, de todo o relatado, ideal.

Passo definitivo de toda a dinâmica descrita terá lugar quando toda e qualquer função ad hoc, permanente, administrativa, paralela ou incidental relacionada à solução de controvérsias no MERCOSUL for concentrada em definitivo no TPR.

A escolha de Assunção como sede do TPR foi, portanto e de um lado, êxito substancial da diplomacia paraguaia e, por outro lado, fórmula estrutural ideal capaz de garantir distanciamento necessário do direito do MERCOSUL das questões cotidianas de natureza política e diplomática.

6. 15 ANOS DE CONSISTÊNCIA: O TPR, OLIVOS E SUAS FUNÇÕES ATÍPICAS

Em termos numéricos objetivos, a solução jurisdicional de controvérsias foi mais frequente no MERCOSUL sob o Protocolo de Brasília do que sob as atuais regras de Olivos. Análise superficial - e irresponsável - indicaria conclusão sobre a paralisia do sistema de solução de controvérsias atual e poderia apontar o fracasso da regulamentação vigente. Não são poucos os que percebem o sistema dessa maneira e questionam, por exemplo, a necessidade de um tribunal arbitral permanente para a organização internacional.

Esses críticos poderiam ser tratados como irresponsáveis, mas falta em suas premissas a compreensão de alguns pontos importantes da estrutura jurídica que regulamenta o funcionamento do sistema de solução de litígios em vigor atualmente no MERCOSUL.

Trata-se, em primeiro lugar, de um mecanismo arbitral. A arbitragem de direito internacional público, diferentemente da arbitragem privada e da de investimentos, possui características bastante marcadas. As partes das controvérsias são soberanas e isso acaba tornando o ofício do tribunal sujeito a limitações políticas. Isso se deve ao fato de os envolvidos no litígio serem ao mesmo tempo responsáveis por elaborar as regras, estabelecer os responsáveis por dirimir os conflitos e, em última ratio, pela submissão definitiva ao decidido.

O sucesso ou o fracasso de um órgão jurisdicional de direito internacional público não pode ser medido numericamente, pois sua atuação depende da vontade das soberanias envolvidas. Tem-se, portanto, que entre a criação do MERCOSUL em 1991 e o início do século, havia entre os estados membros da organização interesse em solucionar seus conflitos fazendo uso de mecanismos jurisdicionais e que, após 2002, houve opção por outras formas alternativas para a solução de controvérsias. Simples assim.

Importa consignar que as formas designadas aqui como alternativas para a solução de conflitos possuem pleno amparo em tratado. O Protocolo de Olivos estabelece, nesse sentido e de maneira bastante clara, a obrigatoriedade da utilização de negociações diretas como tentativa preliminar para solucionar um conflito que condiciona a possibilidade de provocação do sistema jurisdicional.

Dessa forma, se nos últimos quinze anos houve uma diminuição no número de demandas levadas à arbitragem no MERCOSUL, isso pode significar que os estados preferiram fazer uso dos mecanismos diplomáticos disponíveis para chegar a consensos por meio de negociações diretas.

Por um lado, observa-se que mesmo sem o uso da arbitragem - ou com seu uso restrito ou reduzido - o sistema estabelecido no Protocolo de Olivos está preservado. Por outro lado, a existência de um procedimento arbitral bastante regulamentado e com certa complexidade - estruturado em dupla instância - pode servir de estímulo à busca de soluções mais imediatas por meios diplomáticos.

De qualquer maneira, tem-se que o mais sensível litígio levado à arbitragem no MERCOSUL - que envolvia questões de natureza política com repercussões bastante dramáticas - teve lugar em 2012 e foi resolvido com base no sistema de Olivos e em seu regulamento11.

Também a competência consultiva representa inovação importante da regulamentação atual que, apesar de inserida no protocolo em 2002, apenas foi definitivamente disciplinada internamente em 2012, quando a última suprema corte interna, Supremo Tribunal Federal brasileiro, incorporou a tramitação em seu regimento interno permitindo o acesso de particulares às consultas ao TPR.

O sistema foi estabelecido, portanto, em 2002, mas sua regulamentação e consolidação se dão em processo bastante complexo e demorado.

A lenta e gradativa consolidação estrutural do TPR e sua articulação com os interesses dos estados à luz do Protocolo de Olivos, deu ensejo à abertura de sua estrutura institucional a diversas outras atividades que - paralelas à solução de conflitos - mostram-se atualmente fundamentais ao fortalecimento do direito do MERCOSUL.

Até a assunção definitiva do perfil de tutor do direito do MERCOSUL e não apenas de órgão de solução de litígios, não havia instituição que catalizasse o referencial teórico de integração regional nos estados membros da organização.

A ampliação do orçamento da biblioteca do TPR e seu fortalecimento institucional - atualmente depositária de um dos maiores acervos bibliográficos sobre o direito do MERCOSUL disponível para consulta do público em geral, a criação da Revista da Secretaria do Tribunal Permanente de Revisão - formadora de uma base de dados acadêmica eletrônicamente acessível por pesquisadores de todo o mundo e a organização de seminários, eventos e visitas técnicas transformaram o perfil passivo do tribunal e permitiram sua atuação ativa na consolidação da coerência do direito regional do MERCOSUL.

Mais do que um órgão de solução de controvérsias, o TPR é hoje, no exercício paralelo de suas funções atípicas, guardião do direito e promotor indispensável do desenvolvimento e da consolidação da normativa regional do MERCOSUL.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Tribunal Permanente de Revisão do MERCOSUL é o órgão máximo do sistema de solução de controvérsias da organização regional de integração. Sua função central - e indispensável ao reconhecimento do projeto regional como sujeito de direito internacional - é de garantir a coerência da ordem normativa a qual se submetem os estados membros do MERCOSUL.

O presente estudo buscou consolidar um panorama dos desafios e das perspectivas do TPR quando cumpridos quinze anos de sua instalação no Paraguai. Para tanto, utilizaram-se fontes normativas, doutrinárias e, também, relacionadas à prática e ao conhecimento do dia-a-dia do tribunal em Assunção.

Reiterou-se, na primeira parte deste trabalho, defesa da centralidade dos sistemas institucionalizados de solução de controvérsias como requisito de identificação de organizações internacionais e demonstrou-se que o MERCOSUL cumpre essa prerrogativa desde suas origens em 1991. Em um segundo momento, foram desenvolvidos argumentos a respeito da estrutura mínima da institucionalidade apontada concluindo-se que a existência de um tribunal ou corte não se mostra necessária, mas desejável.

Em seguida, o TPR foi analisado à luz do Protocolo de Olivos e do acordo possível quando de sua formulação sob a tensão entre a integração desejada e o realismo diplomático. A perspectiva diplomática foi aplicada à parte seguinte que reconheceu, de um lado, o êxito da diplomacia paraguaia e, de outro, as vantagens concretas de Assunção ter sido escolhida como sede do tribunal.

Por fim, e a partir de todo o descrito anteriormente, defende-se que o TPR, hoje, cumpre funções que ultrapassam sua função típica solução de controvérsias. O Tribunal Permanente de Revisão incorporou tarefas ao longo dos últimos quinze anos que lhe conferem status de promotor indispensável do desenvolvimento e da consolidação da normativa regional do MERCOSUL.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

1A adesão irrestrita à grafia do termo “estado” com inicial minúscula tem sido reiterada em trabalhos anteriores conforme apontado por CASELLA, Paulo Borba. BRIC: Uma perspectiva de cooperação internacional. São Paulo: Atlas, 2011. p. 02. Nesse sentido, VASCONCELOS, Raphael Carvalho de. Teoria do estado e a unidade do direito internacional - domesticando o rinoceronte. Belo Horizonte: Arraes, 2016. p. 24.

2VASCONCELOS, Raphael Carvalho. “Organizaciones internacionales y tratados asociativos: por una nueva clasificación de los sujetos de derecho internacional”. Revista da Secretaria do Tribunal Permanente de Revisão, vol3, p.178 - 206, 2015.

3Firmado em 26 de março de 1991 na cidade de Assunção, capital do Paraguai, aprovado pelo congresso nacional por meio do decreto legislativo nº. 197 de 25 de setembro de 1991, texto publicado anexo ao decreto executivo nº. 350 de 21 de novembro de 1991 e internacionalmente em vigor, conforme disposições de seu artigo 19, em 29 de novembro de 1991.

4Firmado em Ouro Preto em 17 de dezembro de 1994, aprovado pelo congresso nacional por meio do decreto legislativo nº. 188 de 15 de dezembro de 1995, texto publicado anexo ao decreto executivo nº. 1901 de 09 de maio de 1996 e em vigor para o Brasil em 16 de fevereiro de 1996, data do depósito da carta de ratificação correspondente.87

5Firmado em Brasília em 17 de dezembro de 1991, aprovado pelo congresso nacional por meio do decreto legislativo nº. 88 de 01 de dezembro de 1992, texto publicado anexo ao decreto executivo nº. 922 de 10 de setembro de 1993 e internacionalmente em vigor, conforme disposições de seu artigo 33, em 24 de abril de 1993.

6Firmado na Argentina em 18 de fevereiro de 2002, aprovado pelo congresso nacional por meio do decreto legislativo nº. 712 de 14 de outubro de 2003, texto publicado anexo ao decreto executivo nº. 4982 de 09 de fevereiro de 2004 e internacionalmente em vigor em 01 de janeiro de 2004.

7Adota-se, aqui, o parâmetro de referência a órgãos jurisdicionais internacionais de natureza judicial como “cortes” e a órgãos jurisdicionais de natureza arbitral como “tribunais”. Critério não respeitado recorrentemente pela doutrina, por legisladores e nos textos dos tratados, mas escolhido por apego à precisão.

8O Tribunal de Justiça da União Europeia, então Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, exerceu concreção e consolidou-se como corte judicial ao sedimentar, nos casos Van Gend & Loos e Costa/Enel, os princípios do efeito direito e da primazia do direito comunitário europeu.

9TAVARES, S. M.; VASCONCELOS, Raphael Carvalho. “La Competencia Consultiva del Tribunal Permanente de Revisión del MERCOSUR: Legitimación y Objeto”. Revista da Secretaria do Tribunal Permanente de Revisão, 2014, vol 2, p. 117-133.

10A designação da Vila Rosalba como sede do TPR se deu por meio de decretos presidenciais. O acordo de sede - CMC/DEC 01/05 e, portanto, posterior à instalação do TPR no palácio em 13 de agosto de 2004 - não faz referência ao edifício.

11Laudo TPR 01/2012. Disponível em: http://www.tprmercosur.org/

Recebido: 15 de Julho de 2019; Aceito: 05 de Agosto de 2019

Autor correspondiente: Raphael Carvalho de Vasconcelos. E-mail: rvasconcelos@raphaelvasconcelos.com

Raphael Carvalho de Vasconcelos é Professor Titular de Direito Internacional da UERJ e Adjunto de Direito Público da UFRRJ. Doutor pela USP e pela UERJ. Advogado e Consultor.

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