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Revista de la Secretaría del Tribunal Permanente de Revisión

Print version ISSN 2307-5163On-line version ISSN 2304-7887

RSTPR vol.4 no.7 Asunción May 2016

https://doi.org/10.16890/rstpr.a4.n7.p360 

Artículo Original

O benefício de gratuidade de justiça a estrangeiros no Brasil e o novo código de processo civil brasileiro

El beneficio de justicia gratuita a extranjeros en Brasil y el nuevo código procesal civil brasileño

Marcos Vinicius Torres Pereira* 

*Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.


Resumen:

Este artículo habla de la concesión del beneficio de justicia gratuita a extranjeros en Brasil. Se analiza la posibilidad de su concesión tanto a extranjeros residentes en Brasil, como a extranjeros que no residan en Brasil, así como también su gozo por personas naturales o morales. Este estudio analiza la jurisprudencia y la legislación interna brasileña sobre el tema, específicamente la Ley 1.060/50 y el Nuevo Código Procesal Civil. Asimismo son inventariados los tratados internacionales adoptados por Brasil, que prevén el beneficio de la justicia gratuita a extranjeros: los principales tratados multilaterales universales, los tratados en el ámbito del Mercosur y los tratados bilaterales con otros Estados. La conclusión confirma la amplia concesión del beneficio de justicia gratuita a extranjeros en Brasil, corroborada por el Nuevo Código Procesal Civil, que se dedicó específicamente al tema.

Palabras clave: Beneficio de justicia gratuita; Extranjeros; Tratados internacionales; Nuevo Código Procesal Civil; Brasil

Resumo:

Este artigo fala da concessão do benefício da gratuidade de justiça a estrangeiros no Brasil. É analisada a possibilidade de sua concessão tanto a estrangeiros residentes no Brasil, como a estrangeiros que não residam no Brasil, bem como seu gozo por pessoas naturais ou jurídicas. Este estudo analisa a jurisprudência e a legislação interna brasileira sobre o tema, especificamente a Lei 1.060/50 e o Novo Código de Processo Civil. Também são inventariados os tratados internacionais adotados pelo Brasil, que preveem o benefício da gratuidade de justiça a estrangeiros: os principais tratados multilaterais universais, os tratados no âmbito do MERCOSUL e os tratados bilaterais com outros Estados. A conclusão confirma a ampla concessão do benefício da gratuidade de justiça a estrangeiros no Brasil, corroborada pelo Novo Código de Processo Civil, que se dedicou especificamente ao tema.

Palavras-chave: Benefício de gratuidade de justiça; Estrangeiros; Tratados internacionais; Novo Código de Processo Civil; Brasil

1. INTRODUÇÃO

Mesmo no mundo globalizado de hoje, onde distâncias são reduzidas e a informação se coloca ao alcance de muitos, as desigualdades econômicas e sociais ainda são grandes entre os indivíduos. As consequências da distribuição desigual de renda, do desemprego, do empobrecimento de muitos indivíduos e países também se fazem sentir no plano jurídico. Muitos cidadãos são exlcuídos do mundo jurídico por fatores enconômicos, não somente pela falta de registro civil ou documentos, mas pela impossibilidade de pleitear alguns direitos em juízo, em razão da dificuldade em arcar com custas processuais, pagar um advogado, ou suportar verbas sucumbenciais. Na hipótese de as partes serem estrangeiras, a estas dificuldades somam-se obstáculos como a barreira de comunicação com o idioma - que dificulta o acesso à informação sobre como buscar assistência jurídica -, a dificuldade de produção de provas de uma jurisdição a outra, a necessidade de tradução e legalização de documentos estrangeiros, etc.

Assim, o presente trabalho tem por objetivo analisar a concessão da gratuidade de justiça aos estrangeiros no Brasil. Para tanto, visa abordar a possibilidade de sua concessão tanto a estrangeiros residentes no Brasil, como a estrangeiros não residentes no Brasil, uma vez que a legislação brasileira que dispôs, originalmente, sobre o benefício, o restringiu apenas aos estrangeiros residentes no Brasil. Também se busca analisar a possibilidade de concessão do benefício a pessoas jurídicas estrangeiras.

Outro objetivo é considerar como a concessão da gratuidade de justiça a estrangeiros contribui para o acesso à justiça no Brasil, uma vez que possibilita àqueles que teriam dificuldades para se dirigir ao Judiciário, uma oportunidade de fazê-lo em paridade de armas com partes economicamente mais beneficiadas.

2. PREMISSAS TEÓRICAS PARA A GRATUIDADE DE JUSTIÇA A ESTRANGEIROS NO BRASIL

2.1. Equiparação em nível constitucional de direitos entre brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil

O Artigo 5º, caput, da nossa Carta Magna estabelece a isonomia jurídica entre brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, garantindo a todos eles a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, com uma extensa lista de direitos e garantias fundamentais, nos vários incisos deste artigo.

Cabe ressaltar que tal equiparação entre brasileiros e estrangeiros aqui residentes já era da tradição de nosso direito constitucional, conforme se depreende das constituições anteriores, a saber: Artigo 72 da Constituição de 1891, Artigo 113 da Constituição de 1934, Artigo 122 da Constituição de 1937, Artigo 141 da Constituição de 1946, Artigo 150 da Constituição de 1967, que foi transformado no Artigo 153, com a Emenda Constitucional nº 1 de 17/10/1969.

Em todas estas constituições mencionadas, percebemos uma série de garantias processuais que, como exposto, eram aplicáveis tanto aos brasileiros como aos estrangeiros aqui residentes. O que variava, entre as diversas leis fundamentais brasileiras de diferentes épocas era o rol dos direitos e garantias fundamentais previsto em cada constituição.

Dentre os direitos e garantias da Carta de 1988, podemos destacar o Inciso LXXIV, do Artigo 5º que determina que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". Assim, podemos dizer que a concessão de gratuidade de justiça aos que dela necessitarem é norma constitucionalmente assegurada, sob a égide da Lex Maxima.

Ainda, com relação ao citado artigo 5º, cabe observar as normas específicas, referentes à aplicação dos direitos e garantias fundamentais protegidos neste dispositivo. O Parágrafo 1º estabelece a aplicação imediata de tais normas. O Parágrafo 2º não limita os direitos e garantias aplicáveis àqueles previstos neste dispositivo. Por outro lado, também prevê a recepção de direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Carta Magna, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Ou seja, é confirmada a concessão do benefício aos estrangeiros conforme previsto em tratados internacionais, conforme trataremos adiante. O Parágrafo 3, inserido por força da Emenda Constitucional nº 45 de 31/12/2004, equipara os tratados e convenções internacionais sobre Direitos Humanos às emendas constitucionais, quando aprovados, nas duas casas do Congresso Nacional, com o mesmo procedimento utilizado para a aprovação de emendas constitucionais. Isto é, abre-se a possibilidade de aplicação de normas de acesso à justiça constantes de tratados internacionais que versem direitos humanos e que venham a ser aprovados no Congresso Nacional, por ocasião de sua ratificação, com procedimento semelhante àquele usado para a aprovação de emendas constitucionais.

2.2. Lei aplicável à gratuidade de justiça no direito internacional privado brasileiro

No campo do Direito Internacional Privado, provavelmente a questão mais importantes a ser observada é a determinação da lei aplicável, constituindo o epicentro desta ciência, com o chamado conflito de leis. Id est, entre supostas leis aplicáveis a uma questão, em razão de possíveis conexões de diferentes sistemas legais com o caso, identificar qual deles deve prevalecer.

Como a assistência judiciária gratuita se refere a matéria processual, a ela se aplica a lexfori. Ou seja, caberá a lei onde corre a ação e onde se pleiteia tal benefício determinar a concessão ou não do benefício. Ou seja, os requisitos para a concessão, a forma e o momento de formulação do pedido, a oposição a sua concessão, o trâmite para decidir sobre o pedido e o recurso às decisões sobre este, enfim, todas estas questões serão reguladas pela lei interna de onde corre a ação na qual se pleiteia o benefício da gratuidade.

Cabe observar que a aplicação da lei do foro às questões processuais remonta aos estatutários medievais, precursores e fundadores do Direito Internacional Privado; mais precisamente, se origina da Escola Estatutária Italiana. Provém da distinção feita pelos pós-glosadores entre regras processuais e regras de fundo. Aquelas tratadas como ordinatorialitis, e estas, decisoria litis.

Cabe observar que é da tradição do Direito Internacional Privado Brasileiro a aplicação da lexforiàs questões processuais, mesmo anterior aoArtigo 15 da antiga Introdução ao Código Civil de 1917, que se posicionava expressamente neste sentido.

3. A GRATUIDADE DE JUSTIÇA NO PLANO INTERNO BRASILEIRO

3.1. A Lei 1.060 de 1950 e a gratuidade de justiça no Brasil;

No Brasil, a Lei 1.060 de 05/02/1950, que dispõe sobre a assistência jurídica aos indivíduos economicamente hipossuficientes, prevê a concessão do benefício a brasileiros e a estrangeiros residentes no país, no esteio do posicionamento constitucional desigualdade de tratamento a brasileiros e estrangeiros residentes no país. Assim, observamos que a letra da Lei não contemplou os estrangeiros que não tenham residência no Brasil.

O critério para a concessão seria a hipossuficiência econômica. Nos termos do Artigo 2º da Lei o benefício deve ser concedido a todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.

Faz-se mister salientar que, para se identificar como necessitado com vistas à obtenção da assistência, é necessário tão somente uma simples afirmação nesse sentido, conforme o Artigo 4º e seus Parágrafos. O alcance do benefício em relação às fases do processo é determinado pelo Artigo 9º da lei, que afirma compreender "todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias". Ou seja, ampla cobertura em todas as fases processuais.

Ponto interessante do estudo da matéria é a possibilidade de concessão do benefício a pessoas jurídicas, já que tradicionalmente, pelo menos, em sua origem, a gratuidade de justiça era prevista em prol de pessoas físicas hipossuficientes, na figura do indivíduo, beneficiário dos direitos humanos. A Lei não especifica, mas a doutrina e a jurisprudência têm considerado a aplicação de suas regras também a pessoas jurídicas.

Como as pessoas jurídicas também possuem nacionalidade, surge a indagação se a concessão do benefício da gratuidade de justiça seria somente para pessoas jurídicas brasileiras ou também para pessoas jurídicas estrangeiras. Entendemos que as pessoas jurídicas estrangeiras domiciliadas no Brasil, tais como aquelas que possuem agência, filial ou sucursal no Brasil fariam jus ao benefício, em situação de hipossuficiência. Sobre a nacionalidade das pessoas jurídicas, cabe lembrar que no Direito Internacional Privado Brasileiro, adota-se o critério da constituição ou incorporação, no caput do Artigo 11 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), pelo qual se atribui a nacionalidade à pessoa jurídica e se lhe aplica a lei do país em que ela se constituir.

3.2. A gratuidade de justiça no novo código de processo civil

Como nova norma processual nacional, instituída pela Lei 13.105, de 16/03/2015, o Novo Código de Processo Civil tratou detalhadamente não somente da gratuidade de justiça, mas também da chamada cooperação internacional. Inclusive foram estabelecidos pontos de contato, que demonstram a preocupação do legislador processual com a repercussão da gratuidade de justiça no Direito Internacional Privado, mais precisamente, na seara do chamado Direito Processual Internacional.

O caput do Artigo 98 determina que "a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei". Cabe reconhecer a precisão do legislador processual, que espancou qualquer dúvida quanto à restrição do benefício apenas a pessoas físicas/naturais. Quanto à extensão do benefício a estrangeiros, entendemos que estes poderão usufruí-lo sem restrições, uma vez que o próprio dispositivo não impôs condições para tal, como por exemplo, o requisito de residência no Brasil ou a necessidade de amparo em tratado internacional.

Quanto à caracterização da hipossuficiência, esta se dá pela impossibilidade de arcar com custas, despesas processuais e honorários advocatícios. O Parágrafo 1° do Artigo 98 indica a extensão do benefício, prevendo o que estaria amparado pela gratuidade, como por exemplo, as taxas, as custas judiciais, os selos postais,nas despesas com publicação na imprensa oficial, honorários advocatícios e de perito, remuneração de intérprete e tradutor, realização de prova pericial como exame de código genético - DNA -, etc.

Se por um lado, a concessão da gratuidade de justiça é favorecida porque o Artigo 98 pormenoriza os gastos dos quais o beneficiário poderá estar desonerado, e, o Artigo 99 Parágrafo 3° estabelece a presunção de veracidade da alegação de necessidade da pessoa natural; por outro lado, há margem para a flexibilização da concessão do benefício, ao possibilitar que ele seja apenas parcial, já que o Parágrafo 5° do Artigo 98 prevê a concessão para algum ou a todos os atos processuais, ou ainda a redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do feito. E o Parágrafo 6° do mesmo Artigo 98 confere ao magistrado a possibilidade de conferir à parte o direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento, o que pode vir a substituir ou mitigar a gratuidade in totum.

Um ponto que pode se mostrar adverso à gratuidade de justiça a estrangeiros, e, especificamente, delimitador do acesso à justiça é a chamada cautioiudicatum solvi. Nos moldes do Artigo 835 do Código de Processo Civil de 1973, o Novo Código de Processo Civil também exige, no Artigo 83 que o "autor, brasileiro ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou deixar de residir no país ao longo da tramitação de processo prestará caução suficiente ao pagamento das custas e dos honorários de advogado da parte contrária nas ações que propuser, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento". Tal regra decorre das dificuldades práticas no campo do chamado conflito de jurisdições, onde têm importância os princípios da soberania e da efetividade, que, muitas vezes, dificultam a execução de dívidas contra determinada parte, caso seu patrimônio e/ou rendas estejam situados principal ou totalmente em outro Estado estrangeiro. O objetivo é evitar a inadimplência, na hipótese de verbas sucumbenciais. O Parágrafo 1° desobriga a parte da prestação da caução quando houver dispensa prevista em tratado internacional de que o Brasil faça parte, na execução fundada em título extrajudicial e no cumprimento de sentença, bem como na reconvenção, uma vez que o réu reconvinte lança mão da reconvenção para defender direito, por ter sido provocado pela parte autora.

Ainda sobre a caução, é primordial observar que a exigência não é baseada essencialmente na nacionalidade estrangeira da parte, mas sim na possibilidade de se executar ou garantir o pagamento das verbas sucumbenciais em território nacional. Basta lembrar que a caução poderá ser exigida de brasileiro domiciliado no exterior.

A doutrina brasileira se debruçou sobre a reflexão quanto à constitucionalidade da exigência de caução de parte hipossuficiente, em razão da possibilidade de seu valor ser tão elevado que acabe impedindo o autor de acessar o judiciário. Rechsteiner entende que a norma, em si, não é atingida por vício de inconstitucionalidade, devendo então o juiz interpretá-la de acordo com a Constituição ao aplicá-la no caso concreto, fixando à caução um valor correspondente à capacidade econômica do autor residente no exterior. Esse entendimento, com o qual comungamos, é corroborado pela jurisprudência brasileira, que tradicionalmente afasta a obrigação de prestar caução de autores que tenham obtido a gratuidade de justiça, como é possível observar no acórdão proferido no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2009.04.00.017273-2, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO. AUTOR RESIDENTE FORA DO BRASIL. ARTIGO 835 DO CPC. AJG.

1. De acordo com o artigo 835 do CPC, é de se considerar que sendo o agravado nacional ou estrangeiro, com residência fora do Brasil, deverá prestar caução suficiente às custas e honorários de advogado.

2. No caso, o agravante está abrigado pelo benefício da gratuidade da justiça, afastando o previsto no artigo 835 do CPC.

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, em sede de ação ordinária, determinou a prestação da caução de que trata o art. 835 do CPC relativa às custas e honorária, aplicando o princípio da efetividade, para garantir eventual execução em caso de insucesso na demanda de origem.

Tem razão a ora agravante. De fato, foi deferido ao contribuinte o benefício da assistência judiciária gratuita, não havendo qualquer notícia nos autos acerca de eventual revogação.

Desta feita, mesmo que, ao fim e ao cabo, a parte recorrente reste vencida na ação ordinária em que busca a liberação de automóvel apreendido, a condenação ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios estará suspensa, enquanto subsistente o benefício, não havendo falar então em adiantamento de tais verbas em forma de caução.

Frente ao exposto, defiro a antecipação da tutela recursal para dispensar a parte de prestar a caução de que trata o art. 835 do CPC, enquanto litigar sob o manto da justiça gratuita.

Diversos tratados internacionais apresentam normas que visam eliminar a prestação de caução de processo, com o claro intuito de facilitar o acesso de estrangeiros ou de pessoas residentes no exterior à justiça local, em nome da cooperação jurídica internacional. Esses tratados permitem, usualmente, que a parte dispensada do pagamento de caução sofra execução privilegiada nos Estados contratantes, com vistas ao pagamento das despesas com o processo.

3.3. A concessão da gratuidade de justiça aos estrangeiros não residentes no Brasil

Uma discussão interessante se faz necessária, quanto à concessão do benefício da gratuidade de justiça a estrangeiros não residentes no Brasil, uma vez que o texto da Lei 1.060/50 se refere especificamente a "estrangeiros residentes no Brasil", e, o Novo Código de Processo Civil, por sua vez, não exige a residência no Brasil para a concessão do benefício a estrangeiros. Pensamos que a posição do novo diploma legal é a mais acertada e em consonância com os valores que orientam nosso sistema jurídico. E que se alicerça na jurisprudência sobre o tema, conforme exposto abaixo.

A questão foi enfrentada no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2005.04.01.032610-6, no Tribunal Regional Federal da 4º Região:

O art. 5º da Constituição federal, quando assegura os direitos e garantias fundamentais a brasileiros e estrangeiros residentes no País, não está a exigir o domicílio do estrangeiro. O significado do dispositivo constitucional, que consagra a igualdade de tratamento entre brasileiros e estrangeiros, exige que o estrangeiro esteja sob a ordem jurídico-constitucional brasileira, não importa em que condição. Até mesmo o estrangeiro em situação irregular no País, encontra-se protegido e a ele são assegurados os direitos e garantias fundamentais.

Com efeito, a Constituição federal, em seu art. 4º, inciso II, afirma que a República Federativa do Brasil, em suas relações internacionais, rege-se pelo princípio da predominância dos direitos humanos. E não é outra a declaração constante do Preâmbulo de nossa Carta de 1988, quando afirma a construção de um Estado Democrático de Direito, destinado a "assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança. O bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos " Ou quando o art. 3ª consagra que constituem objetivos da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária. Ou quando o art. 1º erige como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana.

A redação do Artigo 2º da Lei 1.060/50 é analisada no acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação Cível nº. 9080172-97.2005.8.26.0000, referente à impugnação do pedido de assistência jurídica gratuita:

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. - Impugnação. - Benefício postulado por estrangeiro não domiciliado no país. - Cabimento. - Acesso à justiça que cabe ser proporcionado a todos, irrestritamente, sem distinção de qualquer natureza (CF, art. 5o, LXXIV). - Artigo 2° da Lei nº 1.060/50 não recepcionado pela Carta Magna de 1988. - Impugnação à assistência judiciária gratuita improcedente. - Recurso provido para esse fim.

O Desembargador relator do caso contestou a aplicação do dispositivo para a impugnação de concessão do benefício da justiça gratuita a estrangeiro não domiciliado no Brasil, por entender que tal norma foi revogada pelo advento da Constituição Federal de 1988:

Após ter sido acolhida em parte a impugnação ao benefício da assistência judiciária apresentada nos autos de embargos à execução hipotecária, opôs o banco credor embargos de declaração, sustentando ter havido omissão da r. sentença quanto à sua alegação na impugnação ofertada, de que a Lei n° 1.060/50 não admite a concessão do benefício a estrangeiros não residentes no país.

O MM. Juiz, então, acolheu os embargos, complementando a r. sentença, e julgando integralmente procedente a impugnação à gratuidade da justiça .

Ocorre que, o acesso à justiça por aqueles cuja situação econômica não permite estar em Juízo sem prejuízo de sua manutenção ou de sua família, está também previsto na Constituição Federal, artigo 5°, LXXIV, de forma mais ampla do que a prevista na norma infraconstitucional.

Disso se conclui que a intenção do legislador foi de proporcionar a todos os necessitados nos termos da lei, irrestritamente, sem distinção de qualquer natureza, inclusive estrangeiros não residentes em nosso território, o inafastável acesso à justiça.

De tal forma, tem-se que o artigo 2o da Lei n° 1.060/50 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, caso em que, também aos estrangeiros não residentes no país, é de ser deferido o benefício da assistência judiciária gratuita.

Vale citar também o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na Apelação Cível nº 2007.70.02.004436-4/PR, que abordou a questão da interpretação do caput do Artigo 5º da Carta Magna:

CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.

ESTRANGEIRO NÃO RESIDENTE NO PAÍS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.

1. Se o acesso à Justiça se deu no território nacional - Foz do Iguaçu - e foram aplicadas à ação originária de indenização (2007.70.02.004463-4) as regras do Direito Brasileiro, não há como excepcionar a aplicação do benefício da assistência judiciária.

2. O art. 5º da Constituição Federal de 1988, que consagra a igualdade de tratamento entre brasileiros e estrangeiros, exige que o estrangeiro esteja sob a ordem jurídico-constitucional brasileira, não importa em que condição, motivo pelo qual torna-se discriminatória a não concessão do benefício ao autor.

O voto do Desembargador relator no acórdão foi favorável à concessão da gratuidade de justiça a estrangeiro não residente no Brasil e destacou o seguinte:

Ainda que o art. 2º da Lei nº 1.060/50 reze que somente os estrangeiros residentes no país têm direito a postular o benefício, há que se atentar para o disposto no art. 5º, inciso LXXIV da Constituição Federal de 1988, o qual prevê que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". Ora, se o acesso à Justiça se deu no território nacional - em Foz do Iguaçu - e foram aplicadas à ação originária de indenização (2007.70.02.004463-4) as regras do Direito Brasileiro, não há como excepcionar a aplicação do benefício da assistência judiciária.

Ainda sobre o supracitado dispositivo, destacamos também os ensinamentos de Roberto Luis Luchi Demo, extraídos da RT 797/743:

O art. 2o, caput, menciona os nacionais e os estrangeiros residentes no país, como beneficiários. Não menciona o estrangeiro não-residente e de passagem no Brasil, tampouco o apátrida. Entretanto, a estes também se estende o benefício, por força do art. 5o, caput, CF/88, independentemente de convênios de reciprocidade de assistência judiciária gratuita: lex dixit minusquamvoluit.

Apesar de referir somente o estrangeiro residente no país, foi estendido ao não-residente:

"Estrangeiro. Igualdade de direitos dos cidadãos brasileiros. Devido processo legal. A Constituição garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, mesmo quando a permanência destes for temporária, igualdade perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, inclusive quanto ao devido processo legal, assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (TRF 4ª Reg., HC 2000.04.01.0040508-2-RS, rei. Juiz Amir José Finocchiaro, 1a T, DJ 05.07.2000, p. 233); e "Mandado de segurança e estrangeiro residente no exterior. A Turma, ao julgar recurso extraordinário, manteve acórdão proferido pelo TRF 3a Reg. Que assegurara a estrangeiro não residente no país o direito de impetrar mandado de segurança" (STF, RE 215.267-SP, rei. Min. Ellen Gracie, 1a T, Informativo STF 225).

Deste modo, entendemos que há posição jurisprudencial que aceita amplamente o entendimento de que se garante a aplicação do princípio da igualdade entre brasileiros e estrangeiros, sejam esses residentes ou não em solo brasileiro. O que nos leva a concluir que o Artigo 2º da Lei 1.060/50 não teria sido recepcionado pela Constituição Federal, na medida em que o Inciso LXXIV do Artigo 5º confere a todos aqueles que assim o necessitarem, incluindo estrangeiros não residentes no Brasil, o direito à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita.

4. DIREITO CONVENCIONAL REFERENTE À GRATUIDADE DE JUSTIÇA APLICADO NO BRASIL

Um grande fenômeno atual é a cooperação jurídica entre os Estados, com vistas a sanar conflitos com elementos de estraneidade. Nessa seara, os Estados têm celebrado diversos tratados multilaterais e bilaterais, com Estados com os quais tenham relações mais estreitas e um maior comércio jurídico. A idéia que permeia a cooperação jurídica internacional é simplificar e dar celeridade aos procedimentos e atos, em benefício das partes, as quais se pretende oferecer melhores mecanismos de acesso à justiça. Neste diapasão, merece destaque o benefício da gratuidade de justiça, conforme destacado pelo Artigo 26, Inciso II do Novo Código de Processo Civil, que prevê que a cooperação se dará por tratados dos quais o Brasil seja parte, respeitando-se "a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, assegurando-se assistência judiciária aos necessitados". Cabe registrar que a cooperação jurídica internacional não está limitada às hipóteses de tratados internacionais, conforme dispõe o Parágrafo 1º deste Artigo.

4.1. Tratados multilaterais

Com relação a tratados multilaterais que prevejam a gratuidade de justiça, podemos destacar os seguintes: a Convenção Interamericana sobre Direito Internacional Privado de 1928, que instituiu o Código Bustamante, congregando vários países das Américas, entre eles o Brasil, que a aprovou peloDecreto nº 5.647, de 08/01/29, e a promulgou pelo Decreto nº 18.871, de 13/08/29; a Convenção das Nações unidas sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro de 1956, que o Brasil aprovou pelo Decreto nº 10, de 13/11/58, e, promulgou peloDecreto nº 56.826, de 02/09/65; a Convenção da Haia sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Menores de 1980, aprovada pelo Decreto nº 79, de 15/09/99,e, promulgada pelo Decreto nº 3.413, de 13/04/00; a Convenção da Haia sobre o Acesso Internacional à Justiça de 1980, aprovada pelo Decreto nº 658, de 01/09/10, e, promulgada pelo Decreto nº 8.343, de 13/11/14.

O Código Bustamante, ao abarcar diversos temas num formato de código, cuida do tema do acesso à justiça para estrangeiros, dentro do Livro de Direito Processual, no Título quarto do Livro IV, nomeado "Do direito de comparecer em juízo e suas modalidades". O art. 382 do Código estabelece que "os nacionais de cada Estado contratante gozarão, em cada um dos outros, do benefício da assistência judiciária, nas mesmas condições dos naturais". Os Artigos 384 e 385, por sua vez, prevêem a igualdade de condições entre estrangeiros e nacionais para solicitar o exercício de ação em matéria penal, enquanto que o Artigo 383 e os Artigos 385 a 387 estabelecem que a prestação de fiança para o comparecimento em juízo, a prestação de caução de processo, a imposição do onusprobandi e medidas processuais de índole análoga não podem ser discriminatoriamente aplicadas somente pela condição de estrangeiro de um indivíduo.

A Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro de 1956 inovou no Artigo II, ao criar as Autoridades Centrais (chamadas de "autoridades remetentes" e "instituições intermediárias" no texto da convenção), que são instituições internas, de caráter jurídico ou administrativo, indicadas pelos Estados-membros. O Artigo IX da Convenção estabelece regras que proporcionam isenções e facilidades aos demandantes, garantindo, àqueles que não teriam condições de arcar com as custas processuais, o acesso à justiça em causas referentes à prestação de alimentos, matéria que por sua natureza, normalmente, já envolve partes que necessitam de auxílio financeiro. Vale destacar que a norma não faz referência à nacionalidade dos demandantes. A Convenção, em seu Artigo I, estabelece que o demandante é pessoa "que se encontra no território de uma das partes contratantes". Portanto, o demandante gozará do benefício da igualdade de tratamento processual em relação aos residentes do Estado no qual a ação foi intentada, qualquer que seja sua nacionalidade.O Inciso 2 do Artigo IX, por sua vez, veda a exigência da caução de processo ou de qualquer outra forma de garantia ao pagamento das despesas do processo, em face do demandante, seja ele estrangeiro ou não residente no foro. Cabe mencionar ainda o Artigo X, que estabelece que os Estados-membros devem conceder "máxima prioridade" à transferência de fundos destinados ao pagamento de alimentos, ou à cobertura das despesas processuais relacionadas, devendo ser superada qualquer restrição que as legislações internas imponham à transferência de fundos para o estrangeiro.

A Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Menores de 1980 cuida especificamente do sequestro de menores entre os Estados-Contratantes, evitando-se a discussão acerca da guarda dos menores sequestrados. Quanto às despesas nos procedimentos relativos à aplicação da Convenção, vale mencionar o exposto em seus Artigos 22, 25 e 26. O Artigo 22 veda a imposição de caução ou depósito para garantir o pagamento de custas e despesas relativas aos processos judiciais ou administrativos decorrentes da Convenção. O Artigo 25 estabelece a igualdade de tratamento entre nacionais e residentes dos Estados-Contratantes, no tocante à assistência judiciária e jurídica. O Artigo 26, por sua vez, veda a exigência do pagamento de custas pela apresentação do pedido de restituição do menor ou de custas e despesas relacionadas ao processo. Sem embargo, as despesas ocasionadas pelo retorno da criança, por sua vez, poderão ser cobradas. Ainda é possibilitado ao Estado impor ao requerido o pagamento das despesas efetuadas pelo requerente, bem como os custos e despesas incorridos na localização da criança.

A Convençãoda Haia sobre o Acesso Internacional à Justiça de 1980 é o mais importante instrumento jurídico internacional sobre o tema. Seu Artigo 1º dispõe que os nacionais e residentes habituais de um Estado contratante, em processos de natureza civil ou comercial, devem ter acesso à assistência jurídica nos demais países signatários, nas mesmas condições de seus nacionais e residentes habituais. Os Artigos 3º a 13° estabelecem mecanismos de transmissão de pedidos de assistência jurídica, feitos pelo tradicional recurso às autoridades centrais, já consagrado pelas Convenções da Haia. No intuito de dar celeridade e simplificar os trâmites de cooperação, fica dispensada a legalização, ou qualquer outra formalidade análoga, da documentação enviada por meio desses mecanismos, e, não se impede que o pedido seja transmitido por vias diplomáticas ou consulares.

Em relação às despesas com o procedimento, o Artigo 11 estipula que nenhuma cobrança deve ser feita pela transmissão, recepção ou determinação de pedidos de assistência jurídica. A convenção, em seu Artigo 14, veda a exigência de qualquer tipo de garantia, caução ou depósito, em razão da nacionalidade, ou, da residência ou domicílio em território estrangeiro, de pessoas (inclusive pessoas jurídicas) que tenham residência habitual em um dos países signatários e sejam parte de processo em corte ou tribunal de outro Estado contratante. Os Artigos 15, 16 e 17, por sua vez, estabelecem um mecanismo, via autoridades centrais, de cobrança de custas e despesas do processo daquelas pessoas eximidas da prestação de caução, sem custos para o beneficiário da ordem de pagamento. O Artigo 19 estabelece que nacionais ou residentes habituais de um dos países signatários só podem ser presos ou detidos em razão de questões de natureza civil ou comercial, seja como meio de execução forçada ou como forma de precaução, se, nas mesmas circunstâncias, tais medidas podem ser aplicadas contra os nacionais do Estado contratante que as determinou. Do mesmo modo, qualquer fato que possa ser invocado por um nacional ou residente habitual deste Estado para obter soltura também pode ser invocado com o mesmo efeito por nacional ou residente habitual de qualquer outro país signatário, ainda que o fato tenha ocorrido no estrangeiro.

4.2. Tratados no âmbito do MERCOSUL

O primeiro e mais importante acordo entre os países do MERCOSUL em matéria processual civil foi o Protocolo sobre Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, assinado em 27 de junho de 1992 em Las Leñas, Argentina, e, aprovado no Brasil pelo Decreto nº 55, de 19/04/95, e, promulgado pelo Decreto nº 2.067, de 12/11/96.

Em 5 de julho de 2002, ao mesmo tempo em que o acordo original foi emendado, foi celebrado, em Buenos Aires, o Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do MERCOSUL, a República da Bolívia e a República do Chile, que reproduz as regras do Protocolo de Las Leñas, com pequenas alterações, além de incluir estes dois últimos países não pertencentes ao bloco, como "Estados associados". O Acordo foi aprovado, no Brasil, pelo Decreto nº 1.021, de 24/11/05, e, promulgado pelo Decreto nº 6.891 de 02/07/09. Em 2008, o Equador também aderiu a este acordo. Apesar da posterior aprovação da inclusão da Venezuela e da Bolívia no bloco, a Bolívia ainda não completou seu processo de adesão ao bloco. O Protocolo, originalmente, não abordava de maneira expressa a questão da gratuidade de justiça. Uma das raras alterações sofridas pelo Protocolo de Las Leñas, quando da assinatura do Acordo de Buenos Aires, se deu na redação do Artigo 3º, incluindo entre os sujeitos do direito ao livre acesso à jurisdição dos Estados Partes seus nacionais, onde quer que se encontrem domiciliados, e, os residentes habituais.

Outro instrumento do bloco é o Protocolo de Medidas Cautelares, celebrado pelos Estados Partes do MERCOSUL, em 16 de outubro de 1994. O Protocolo foi aprovado pelo Decreto nº 192, de 15/12/95, e, promulgado pelo Decreto nº 2.626, de 15/06/98. Ele visa prover medidas de urgência e evitar irreparabilidade do dano, dentro do bloco. Apesar de o Artigo 24 do Protocolo estabelecer que as custas e demais despesas cabem à parte solicitante da medida cautelar, o Artigo 25 excetua da regra as medidas cautelares requeridas em matéria de alimentos provisionais, localização e restituição de menores e aquelas que solicitem as pessoas que, no Estado requerente, tenham obtido o benefício da justiça gratuita.

Em matéria de gratuidade de justiça, os documentos mais importantes são dois acordos sobre gratuidade de justiça, na cidade de Florianópolis, em 15 de dezembro de 2000, que dispõe extensivamente sobre gratuidade de justiça e assistência jurídica de forma mais completa. O primeiro acordo dispões sobre o benefício entre os membros do bloco (aprovado pelo Brasil pelo Decreto nº 146, de 06/02/04, e, promulgado pelo Decreto nº 6.086, de 19/04/07), e, o segundo acordo entre estes e Bolívia e Chile (aprovado, no Brasil, pelo Decreto nº 292, de 12/07/06, e, promulgado, pelo Decreto nº 6.679, de 08/12/08).

O foco do Acordo de Florianópolis foi uniformizar as normas aplicáveis entre os Estados-Partes do MERCOSUL, Chile e Bolívia, sobre o benefício da justiça gratuita e a assistência jurídica gratuita com vistas a promover e intensificar a cooperação jurisdicional e fortalecer o processo de integração, visando a inclusão dos mais necessitados.O Artigo 1º estabelece o tratamento igualitário entre os nacionais, cidadãos e residentes habituais de qualquer dos Estados-Partes, Chile e Bolívia. Deve ser ressaltada a abrangência do dispositivo, ao utilizar tanto o critério da nacionalidade quanto o da residência habitual.O acordo estabelece, nos artigos subsequentes, regras para a concessão do benefício da justiça gratuita. O Artigo 2º define como competente para decidir quanto à concessão ou não da gratuidade a autoridade do Estado Parte que tenha jurisdição para conhecer o processo no qual esteja sendo solicitada. Pela consagrada aplicação da lexfori a questões processuais, será aplicado o direito do Estado no qual se solicita o benefício para o pedido, segundo o Artigo 3º, ou seja, o direito que rege a oportunidade processual para apresentar o requerimento do benefício, os fatos em que deve se fundamentar, o caráter da resolução, a assessoria e a defesa a que terá direito o beneficiário e as demais questões processuais, bem como as regras para a revogação do benefício. Também é tratada, nos artigos 4º a 9º do Acordo, a natureza extraterritorial da gratuidade de justiça. Nos processos em que sejam solicitadas medidas cautelares, recepção de provas no exterior ou quaisquer outras medidas de cooperação tramitadas por meio de cartas rogatórias, é garantido o reconhecimento, por parte do Estado requerido, do benefício da justiça gratuita concedido pelo Estado Parte requerente. O benefício também deverá ser mantido nos casos de reconhecimento e execução de sentença por outro Estado Parte, de acordo com os Artigos 4º e 5º. O Artigo 12 do Acordo possibilita o pedido de informações sobre a situação econômica dos requerentes da gratuidade de justiça entre os Estados vinculados pelo Acordo.

4.3. Tratados bilaterais

Além das convenções multilaterais, é interessante analisar tratados bilaterais firmados entre o Brasil e outros Estados, visando uma cooperação jurídica mais pontual e específica. Dentre esses diplomas, alguns devem ser expostos, devido à sua relevância para a questão da gratuidade de justiça e da assistência jurídica gratuita.

O primeiro deles é a Convenção entre o Brasil e a Bélgica sobre Assistência Judiciária Gratuita, firmada em 10 de janeiro de 1955, aprovada pelo Decreto nº 01, de 07/02/57, e, promulgada pelo Decreto nº 14.908, de 29/07/57. O diploma garante a igualdade de condições no acesso ao benefício aos nacionais de cada país, estabelecendo os procedimentos e as autoridades a serem contatadas para tanto.

Nos mesmos termos, o governo brasileiro também firmou a Convenção entre o Brasil e os Países Baixos, relativa à Assistência Judiciária Gratuita, em 16 de março de 1959, aprovada pelo Decreto nº 23, de 23/10/63, e, promulgada pelo Decreto nº 53.923, de 20/05/64; bem como a Convenção entre o Brasil e a Argentina sobre Assistência Judiciária Gratuita, em 15 de novembro de 1961, aprovada pelo Decreto nº 53, de 31/08/64, e, promulgada pelo Decreto nº 62.978, de 11/07/68.

O Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa celebrado entre o Uruguai e o Brasil em 28 de dezembro de 1992, aprovado pelo Decreto nº 77, de 09/05/95, e, promulgado pelo Decreto nº 1.850, de 10/04/96, trouxe, em seu Capítulo VI, normas garantindo a igualdade de tratamento processual entre pessoas físicas com cidadania ou residência habitual em um dos países, bem como pessoas jurídicas legalmente constituídas, para o acesso à jurisdição dos Estados, vedando ainda a possibilidade da exigência de caução ou depósito para o ingresso em juízo.

O Acordo de Cooperação em Matéria Civil entre o Brasil e a França, celebrado em 28 de maio de 1996, aprovado pelo Decreto nº 163, de 03/08/00, e, promulgado pelo Decreto nº 3.598, de 12/09/00, traz em seus Artigos 4º e 5º a previsão de igualdade no tratamento jurídico e vedação à caução para seus nacionais. Garante ainda, nos artigos subsequentes, o direito ao benefício da assistência jurídica gratuita nas mesmas condições do nacional do Estado onde o benefício esteja sendo solicitado.

A tendência natural, todavia, é que esses tratados venham a ser substituídos por convenções multilaterais, ampliando a aplicação do acesso internacional à justiça e dos mecanismos de cooperação jurídica relativos ao tema. Não há a necessidade de aplicação, por exemplo, especificamente para gratuidade de justiça, da Convenção entre o Brasil e a Argentina de 1961, nem do Acordo de Cooperação entre o Brasil e o Uruguai de 1991, tendo em vista a superveniência das normas vigentes no MERCOSUL. O mesmo ocorre com relação aos supramencionados tratados celebrados com Bélgica, Holanda e França, em razão da entrada em vigor para o Brasil, da Convenção da Haia sobre o Acesso Internacional da Justiça de 1980. Cabe observar ainda a persistência destes tratados bilaterais para outros temas que não sejam o tema específico da gratuidade de justiça, e, que não tenham sido suplantados por tratado posterior em vigor, entre os mesmos Estados-Partes.

CONCLUSÃO

Por todo o exposto, concluímos que, no âmbito do Direito Brasileiro, o benefício é concedido aos estrangeiros, de maneira ampla.

Tal concessão bastante democrática a brasileiros e estrangeiros nos parece muito apropriada e positiva, num mundo onde os direitos humanos devem prevalecer e beneficiar a todos sem distinção. Principalmente, se considerarmos que o Brasil é, há algum tempo, um polo imigratório regional, e, de certa forma internacional, em razão do grande número de estrangeiros, das mais diversas procedências, que têm buscado migrar para o país, nos últimos anos.

Não podemos deixar de considerar também que, numa fase de prolongada crise econômica mundial, é cada vez maior o número de pessoas -físicas e jurídicas - que necessitarão de assistência jurídica gratuita, para buscarem seus direitos em juízo. E que não verão, necessariamente, suas demandas jurídicas diminuírem, na mesma proporção de sua renda. Ou seja, mesmo hipossuficientes, poderão precisar do benefício, para os mais diversos fins, e, mesmo, com urgência.

Por fim, cabe registrar que, ao se posicionar pela concessão do benefício da gratuidade de justiça a brasileiros, estrangeiros - e, seguramente, também a apátridas, sem distinção -, o Brasil se alinha com avançados e respeitados sistemas jurídicos que assim o fazem, de longa data, além de também se ajustar às regras estabelecidas em vários tratados internacionais de ampla utilização no cenário internacional. E bastante louvável é a posição adotada pelo legislador processual civil, que disciplinou, minuciosamente, a concessão do benefício da gratuidade de justiça no Brasil a pessoas estrangeiras, sejam elas naturais ou jurídicas, independentemente de domicílio no Brasil.

NOTAS

Vide VALLADÃO, Haroldo. Direito internacionalprivado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1978, vol. III, p.166. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado: teoria e prática. 9a ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 326.

Vide DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 8a ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p.133.

Vide, a respeito da gratuidade de justiça no Direito Brasileiro, DEMO, Roberto Luís Luchi. "Assistência Judiciária Gratuita". Revista dos Tribunais. 2002, nº 797, São Paulo, p. 727-764.

Vide LENZ, Luis Alberto Thompson Flores. "Da Concessão da Assistência Judiciária Gratuita às Pessoas Jurídicas e aos Entes Beneficientes". Revista dos Tribunais. 1991, nº 674, p. 63-69.

RECHSTEINER, Beat Walter. Op. cit., p. 368.

Bolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana e Venezuela.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DEMO, Roberto Luís Luchi. "Assistência Judiciária Gratuita". Revista dos Tribunais. 2002, nº 797, p. 727-764. [ Links ]

DOLINGER, Jacob. Direito internacionalprivado: parte geral. 8ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. [ Links ]

LENZ, Luis Alberto Thompson Flores. "Da Concessão da Assistência Judiciária Gratuita às Pessoas Jurídicas e aos Entes Beneficientes". Revista dos Tribunais. 1991, nº 674, p. 63-69. [ Links ]

RECHSTEINER, Beat WalterDireito internacional privado: teoria e prática. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. [ Links ]

VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1978, vol III. [ Links ]

Recebido: 12 de Fevereiro de 2016; Aceito: 15 de Abril de 2016

Autor de Correspondência: Professor Adjunto de Direito Civil e Internacional Privado da Faculdade Nacional de Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre e Doutor em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Advogado. E-mail: mviniciusrj@hotmail.com

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