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Revista de la Secretaría del Tribunal Permanente de Revisión

Print version ISSN 2307-5163On-line version ISSN 2304-7887

RSTPR vol.4 no.7 Asunción May 2016

https://doi.org/10.16890/rstpr.a4.n7.p206 

Artículo Original

Dos bens no direito internacional privado brasileiro: análise das regras de qualificação dispostas pelo direito brasileiro

La regulación de los bienes en derecho internacional privado de Brasil: análisis de las reglas de elegibilidad dispuestas en virtud de la ley brasileña

Carla Volpini* 

Jamile Bergamaschine Mata Diz** 

*Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

**Universidad de Alcalá de Henares, España.


Resumo:

O presente artigo tem por objetivo analisar o método da qualificação, sua utilização no direito brasileiro a partir de uma ótica internacional-privada para que, posteriormente, se possa estudar o tratamento dos bens pelo sistema jurídico brasileiro, especificamente a regulação adotada pelo direito internacional privado, sem descuidar também dos desafios hodiernos, tanto no âmbito interno como externo, a serem enfrentados pelo direito internacional privado contemporâneo. A metodologia de trabalho deverá centrar-se nos principais aspectos estabelecidos para uma pesquisa relativa ao Direito internacional Privado, devido especialmente ao caráter singular da normativa constatada na produção e aplicação de normas de abrangência extraterritorial. Neste sentido, devem-se utilizar métodos que permitam analisar a evolução das normas de direito internacional privado aplicadas pelos Estados, bem como a necessidade ou não de novas reconfigurações advindas dos paradigmas impostos pela globalização. Desta forma, o método indutivo permitirá enfocar como a regulação dos bens adotada pelo direito internacional privado brasileiro possibilitará a solução de conflito de leis no espaço no que tange aos direitos relativos àqueles, determinando a lei a ser aplicada. Ainda no que tange a vertente teórico-metodológica, planeja-se seguir uma linha crítico-metodológica para alcançar os objetivos aqui dispostos.

Palavras-chave: Regras de qualificação; Direito internacional privado; Legislação brasileira

Resumen:

Este artículo tiene como objetivo analizar el método de calificación, su uso en la legislación brasileña desde una óptica internacional privada de modo a determinar el tratamiento de los bienes por el sistema jurídico brasileño, específicamente en el reglamento adoptado por el derecho internacional privado sin olvidar también de los desafíos actuales, tanto a nivel interno y externo, que debe de ser enfrentado por el derecho internacional privado contemporáneo. La metodología debe centrarse en los aspectos clave establecidas para una investigación relativa al derecho privado internacional, sobre todo debido al carácter único de las reglas que se encuentran en la producción y aplicación de las reglas de alcance extraterritorial. En este sentido, hay que utilizar métodos para el análisis de la evolución del derecho internacional privado aplicadas por los Estados y la necesidad o no de nuevas reconfiguraciones derivadas de los paradigmas de la globalización. Por tanto, el método inductivo se centrará en cómo la regulación de los bienes adoptado por el derecho internacional privado de Brasil permitirá la resolución de conflictos en el espacio. Aún sobre los aspectos teóricos y metodológicos, se fijó un enfoque metodológico fundamental para alcanzar los objetivos establecidos en este documento.

Palabras clave: Reglas de calificación; Derecho internacional privado; legislación brasileña

1. INTRODUÇÃO

A determinação da lei aplicável é tema recorrente quando se trata de analisar as questões que cercam o direito internacional privado, uma vez que, tradicionalmente, um dos seus principais objetivos foi descobrir a lei aplicável quando depara-se com o chamado conflito de leis no espaço originados de relações plurilocalizadas. Tais relações ao possuir um liame com dois ou mais sistemas jurídicos, a partir de uma situação fática ou jurídica, demanda a aplicação de um método próprio para que se possa apontar, devidamente, qual - dos diferentes sistemas envolvidos - deverá ser aplicado. Tal método, baseia-se na qualificação dos fatos - objeto de análise pelo intérprete - para que se possa então descobrir a lei aplicável.

Neste sentido, para disciplinar as questões afeitas ao regime dos bens vinculados a uma relação plurilocalizada, faz-se necessário anteriormente, ainda que de modo sucinto, examinar o método da qualificação utilizado pelo Direito Internacional Privado, buscando assim estabelecer os pressupostos para o estudo do tratamento dos bens pelo Direito Internacional Privado brasileiro.

Vale ressaltar que o Direito Internacional Privado (DIPr), apesar de ser internacional em relação ao objeto, regula-se pelas normas internas adotadas por cada Estado, no âmbito de sua potestade. Assim, de antemão, pode-se afirmar que as normas brasileiras serão aplicadas para reger os bens, ainda que estes se vinculem a uma relação constituída sob a égide de um sistema jurídico extemporâneo. Assim, se tratará aqui especificamente das normas internas aplicadas aos bens, mas sempre numa perspectiva plurilocalizada.

Ademais, as novas realidades social, política e econômica criadas pela globalização, pelos processos de integração, pelos avanços tecnológicos, pela livre circulação de capitais e pessoas, pela evolução dos meios de transporte e comunicação, demandam e exigem a constante e infindável tentativa de determinar métodos, sistemas e soluções para que as controvérsias - também de natureza global - possam ser devidamente satisfeitas. Neste sentido, o estudo sobre as regras de conexão presentes no direito brasileiro fundamenta-se na necessidade de estabelecer qual seria a solução apresentada por nosso sistema quando se depara com situações que envolvem direitos reais.

A metodologia de trabalho deverá centrar-se nos principais aspectos estabelecidos para uma pesquisa relativa ao Direito internacional Privado, devido especialmente ao caráter singular da normativa constatada na produção e aplicação de normas de abrangência extraterritorial. Neste sentido, devem-se utilizar métodos que permitam analisar a evolução das normas de direito internacional privado aplicadas pelos Estados, bem como a necessidade ou não de novas reconfigurações advindas dos paradigmas impostos pela globalização. Desta forma, o método indutivo permitirá enfocar como a regulação dos bens adotada pelo direito internacional privado brasileiro possibilitará a solução de conflito de leis no espaço no que tange aos direitos relativos àqueles, determinando, portanto, a lei a ser aplicada.

Ainda no que tange a vertente teórico-metodológica, planeja-se seguir uma linha crítico-metodológica, que, nas palavras de Gustin e Dias.

Supõe uma teoria crítica da realidade e sustenta duas teses de grande valor para o repensar da Ciência do Direito e de seus fundamentos e objeto: a primeira defende que o pensamento jurídico é tópico e não dedutivo, é problemático e não sistemático. Essa tese trabalha com a noção de razão prática e de razão prudencial para o favorecimento da decisão jurídica. A segunda tese insere-se na versão postulada pela teoria do discurso e pela teoria argumentativa. Essa linha compreende o Direito como uma rede complexa de linguagens e de significados.

Finalmente, se, num primeiro momento, a qualificação permite solucionar o conflito de leis, através da aplicação tradicional das regras de conexão, em geral consideradas como normas essenciais para a conformação de um sistema jurídico internacional pelo Estado, tal método transforma-se a partir da adoção, desenvolvimento e consolidação dos métodos de uniformização do direito internacional privado, resultando em novos paradigmas que, apesar de não alterarem obrigatoriamente a estrutura fundamental do direito internacional privado, supõe, pelo menos, uma nova roupagem e interpretação de seus principais aspectos. Inicialmente analisar-se-à o estudo da qualificação, para posteriormente discutir as regras de conexão adotadas pelo DIPr brasileiro.

2. A QUALIFICAÇÃO E A DETERMINAÇÃO DA LEI APLICÁVEL

De antemão, se deve ressaltar que a qualificação não é método específico do direito internacional privado, mas adquire maior importância quando se trata de delimitar as relações plurilocalizadas a partir de um determinado recorte designativo de competência, ou seja, a partir de um dado sistema jurídico.

O debate relativo à qualificação não é novo, e tampouco se encontra esgotado, pois as tentativas de adoção de um marco comum aplicado às qualificações, no direito internacional privado, ainda não foram definitivamente alcançadas. Tal debate abrange desde a definição terminológica do instituto até sua natureza jurídica, englobando ainda sua definição, seus elementos e objeto. Em relação à terminologia, assentou-se no direito brasileiro o termo qualificação e parece não haver maiores discussões sobre o tema. Já no que tange à natureza jurídica depara-se com distintas posições, pois ora a qualificação é considerada como teoria, ora como técnica e ainda como processo. Adepto da corrente que a considera um processo pode-se citar Dolinger que assim define a qualificação como

um processo técnico-jurídico sempre presente no direito, pelo qual se classifica ordenadamente os fatos da vida relativamente às instituições criadas pela Lei ou pelo Costume, a fim de bem esquadrar as primeiras nas segundas, encontrando-se assim a solução mais adequada e apropriada para os diversos conflitos que ocorrem nas relações humanas. Os próprios institutos jurídicos também exigem uma qualificação clara e definida.

No mesmo sentido, assim entende Rechsteiner

Tendo o objeto de conexão de uma norma indicativa ou indireta de direito internacional privado conteúdo aberto e vago, a subsunção de uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional perante essa norma, eventualmente, pode causar dificuldades. Podem ocorrer dúvidas quanto a determinar se uma relação jurídica deve ser subsumida a esta ou aquela norma indireta do direito internacional privado (...). É justamente esse processo de subsunção a uma única norma indicativa que caracteriza a qualificação.

Franz Kan e Etienne Bartin, considerados como precursores do estudo da qualificação no direito internacional privado, a alçaram, ainda que de modo indireto, à categoria de teoria (doutrina), tal e como analisa Weber.

Ainda que se possa considerá-la como uma teoria, entende-se que a qualificação também possa ser classificada como parte inerente ao método do direito internacional privado para a determinação da lei aplicável, uma vez que será através da qualificação que se logrará estabelecer os elementos presentes na regra de conexão, ao submeter à questão advinda do caso concreto - objeto da controvérsia - a este ou aquele sistema, segundo obviamente o critério escolhido pelo próprio sistema interno que, conforme será analisado posteriormente, se baseia na lex fori ou na lex causae.

Os problemas derivados da qualificação levaram, e ainda levam alguns estudiosos a afirmar que não há uma solução legal ou até mesmo lógica para solucioná-los (Breton, 2007), ainda que não se possa negar que o desenvolvimento das distintas teorias que tentam explicar o método tenha possibilitado aprofundar e delimitar o mesmo, ainda que sem apresentar uma solução definitiva para alcançar um consenso sobre a matéria.

Ainda que num primeiro momento, a qualificação possa se resumir à necessidade de conceituar e classificar um determinado problema surgido à raiz de uma relação plurilocalizada, segundo pontua Dolinger, pode-se observar que a qualificação vai além da mera conceituação e classificação, pois atinge a necessidade de "enquadrar" uma questão no marco geral de um determinado sistema jurídico (Strenger, 2004). Obviamente, que para esse enquadramento, deve-se analisar o conteúdo, alcance e sentido contido na previsão legal de cada sistema envolvido e decidir qual será adotado para efeitos de aplicação da regra de conexão.

A qualificação, portanto, pode ser considerada como a primeira etapa para determinar a lei aplicável, e a partir da qual se conseguirá extrair o objeto de conexão para que depois, ao aplicar-se o elemento de conexão apontado pela lei interna ou externa (a depender de qual critério o intérprete utiliza), se possa alcançar uma solução para o conflito de leis. Está intrinsecamente vinculado à natureza jurídica dada por cada sistema aos respectivos institutos que o compõem. Assim, a título de exemplo, pode-se citar o caso das chamadas propriedades horizontais - edifícios de apartamentos - que possuem uma natureza contratual nos Estados Unidos, enquanto aqui é considerado pelo direito brasileiro como de natureza real. Ou ainda na sucessão, onde a legítima corresponde a 1/4 do patrimônio do casal, ou à metade da meação do testador (artigo 1847 CC) enquanto na Espanha só pode alcançar um terço do patrimônio do casal.

Conforme se observa, a qualificação representa uma parte intrínseca do método para a solução de conflito de leis no espaço, e por isso, deve ser analisada, sempre levando-se em consideração os dois critérios ou teorias majoritariamente adotadas: a lex fori e a lex causae.

2.1. A qualificação pela lex fori

Ao estabelecer como se deve proceder à qualificação no direito internacional privado, cada sistema adota critérios específicos, no sentido de determinar se a norma interna será responsável pelo enquadramento da questão, ou então, se será adotada, de plano, a lei estrangeira para cumprir tal fim. A lex fori estipula que o intérprete que irá resolver a situação privada internacional deve defini-la segundo sua própria lei. Esta teoria define e localiza a natureza da relação conforme os comandos emanados de seu próprio direito interno, sem recorrer, ab initio, a qualquer outro tipo de sistema.

Assim, ao se deparar com uma situação advinda de uma relação plurilocalizada onde, em princípio, podem incidir duas ou mais leis de distintos sistemas jurídicos, deve o intérprete analisá-la segundo sua própria lei, ou seja, se a questão está sendo analisada pelo Judiciário brasileiro, o juiz nacional deverá, regra geral (que comporta exceções, conforme se verá) qualificá-la segundo o direito brasileiro.

Os defensores da qualificação pela lex fori se atém basicamente a três argumentos:

a) racionalidade ou preliminariedade: como a qualificação precede a determinação da lei aplicável, sendo etapa prévia à aplicação da regra de conexão inclusive, como se poderia recorrer a lei estrangeira eventualmente aplicável se o intérprete, todavia não sabe, definitivamente, qual lei incidirá para solucionar a questão? Em outras palavras

Como admitir a qualificação da questão pela lex causae- a lei estrangeira aplicável - se ainda não sabemos se ela será realmente a lei escolhida, tudo dependendo da qualificação que se der ao caso, eis que, se qualificada for a questão de determinada forma, aplicável realmente será a lei estrangeira, mas se qualificada de outra forma, aplicável será a lei do foro. Como, então, aplicar a lei estrangeira para qualificar, se ainda não se sabe se ela será realmente a lei aplicável?.

b) estabilidade: diretamente relacionado com o argumento anterior, a aplicação da lei estrangeira sem que se realize a qualificação pela lex fori - etapa preliminar - poderia causar insegurança em relação a qual efetivamente seria a lei aplicável, especialmente se ao aplicar a lei estrangeira, esta tampouco se considerasse "competente" para solucionar a questão. Valladão ao propor a qualificação por etapas, onde esta seria feita pela lex fori, de modo provisório, para que somente depois - conforme a lei aplicada - fosse adotada qualificação definitiva, sofreu severas críticas de Dolinger, já que tal fórmula acarretaria uma situação de indefinição para o intérprete, o que provocaria também insegurança.

c) coincidência com a competência jurisdicional: ao realizar a qualificação pela lex fori, o intérprete o faz segundo sua própria lei, facilitando o processo de determinação da lei aplicável e, colateralmente, possibilitando uma definição mais precisa da natureza jurídica e do respectivo enquadramento da situação.

Apesar dos esforços da doutrina em defender a lex fori como critério que melhor solucionaria os problemas derivados da qualificação, não há dúvida que não foi suficiente para gerar o resultado desejado, haja visto que "all qualifications are made lege fori would be completely misleading and not very helpfully. Thus a conflict codification should not try to insert a general rule of qualification". Contudo, atualmente há ampla aceitação da lex fori por parte dos Estados, já que é utilizada na maioria das legislações, tendo-se consagrado como critério geral para a aplicação da qualificação.

Finalmente, apesar do Brasil não possuir um dispositivo legal específico sobre o tema, ao incorporar o Código de Bustamante (Decreto n. 18.871, de 13 de agosto de 1929, que promulga a Convenção de direito internacional privado, de Havana), adotou também a lex fori, uma vez que o artigo 6º deste instrumento explicitamente assinala que a qualificação se dará pela lex fori. O Projeto de Lei 269/04 traz disposição expressa sobre o tema ao fixar que "a qualificação destinada à determinação da lei aplicável será feita de acordo com a lei brasileira" (art. 17).

2.2. A qualificação pela lex causae e a interpretação do art. 8º da LINDB

Ainda que a lex fori seja amplamente utilizada, segundo comentou-se anteriormente, a lex causae - lei estrangeira eventualmente aplicada a partir da relação jurídica - também encontra guarida em algumas disposições legais, especialmente no caso dos bens e das obrigações.

As críticas feitas à lex causae referem-se, em maior ou menor medida, à impossibilidade de recorrer-se diretamente ao direito estrangeiro aplicável sem que o intérprete tenha atentado para a qualificação do foro, pois somente se pode aplicar a lei (estrangeira ou não) após fixar a natureza jurídica da questão. Philip ao comentar as implicações da utilizaçao da lex causae afirma "application according to lex causae could however lead to unfortunate results" e embasa seu posicionamento citando um exemplo de uma hipotética situação envolvendo o tema da prescrição e sua respectiva qualificação no direito dinamarquês e no direito inglês.

Apesar das críticas, a lex causae é utilizada para qualificar determinadas situações, centrando-se basicamente nos direitos reais e nas obrigações, como é o caso do sistema privatista internacional brasileiro, seguindo-se, portanto, a fórmula adotada pelo Código de Bustamante que, prevê, em seus artigos 112 e 113, a qualificação pela lei do local da situação no caso dos bens e pela lei territorial no caso das obrigações. A exceção que possibilita a aplicação da lex causae remonta à competência do Estado brasileiro para regular (e também responsabilizar-se, em certa medida) os bens que se encontram em seu território, numa clara demonstração da força potestativa do ente estatal sobre os bens, coisas, pessoas que estão a ele vinculados (ou, numa acepção ainda mais tradicional, submetidos).

3. A REGULAÇÃO DOS BENS PELO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO BRASILEIRO

O artigo 8º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) traz disposição específica ao estabelecer como elemento de conexão para qualificar e reger os bens, o local da situação dos mesmos, reforçando a aplicação do mandamento geral traduzido pelo brocardo lex rei sitae, ou seja, os bens são regulados pela lei do local onde eles se encontram.

A interface deste elemento de conexão com o princípio da territorialidade ganha força a partir da concepção de que somente os Estados tem competência para legislar sobre os bens que se encontram em seu território, não podendo, portanto, admitir a aplicação da extraterritorialidade quando se trate de bens, especialmente aqueles classificados como imóveis. Conforme manifesta Belandro

La perdurabilidad de la vigencia de la lex situs o lex rei sitae se ha justificado de diferentes maneras: por razones de soberanía en primer lugar, en cuanto la suma de los bienes inmuebles conforman el territorio nacional, sustento indispensable del Estado-nación. Otros destacan el hecho de que cumple con el criterio de proximidad, base para la formulación de una regla de conflicto. Además de favorecer la certeza y la efectividad, por cuanto ninguna medida de ejecución sobre los bienes inmuebles puede cumplirse sin la aquiescencia del Estado donde están ubicados. O dicho de otra manera: el Estado donde se encuentra el bien raíz puede bloquear cualquier medida de ejecución dictada en el extranjero; cuestiones tales como las expropiaciones o las servidumbres deben contar en consecuencia, con el consentimiento irremplazable de la legislación y de la jurisdicción del Estado donde está ubicado el bien.

A tridimensionalidade território - bens - jurisdição revela o caráter de ordem pública que permeia as legislações nacionais que, em sua maioria, adotam a lex rei sitae para a regência dos bens. O sistema brasileiro segue, portanto, a corrente majoritária ao prever disposição concretizadora do princípio da lex rei sitae, consubstanciada justamente no artigo 8º da LINDB.

Não obstante, deve-se analisar também se a incidência da lei local da situação se aplica a todo e qualquer tipo de bem, ou se vincula somente aos bens imóveis. Mas, antes de adentrarmos, na análise da lei aplicável às distintas categorias de bens, devemos examinar qual seria a classificação de bens a adotar-se, ou seja, deverá ser o bem ser considerado móvel ou imóvel segundo qual lei indicativa? A lex fori ou a lex causae?

O artigo 8º é bastante claro ao determinar que a qualificação dos bens também se vincula à lei do local onde eles estão situados, definindo assim o alcance territorial da lei aplicável para determinar a natureza jurídica das distintas espécies de bem.

Assim, caso o bem se situe no Brasil deve-se aplicar a lei nacional de forma a estabelecer se este será considerado como imóvel, móvel ou semovente, na esteira do disposto nos artigos 79 a 90 do Código Civil.

Contudo, para os adeptos da teoria unitarista - defendida a partir da tese de Savigny ao tratar do conflito de leis em matéria de direito reais - não há que se fazer distinção entre bens móveis e imóveis, não importando, a efeitos de determinar a lei aplicável, qual seria a classificação dada por cada um dos sistemas jurídicos nacionais; adota-se então uma solução única para todos os tipos de bens, sem enquadrá-los em categorias específicas.

Os fundamentos da tese unitarista de Savigny influenciaram muitas doutrinas de direito internacional privado, mas nem sempre aparecem claros como forma de justificativa para a política legislativa adotada internamente nos Estados para a lei aplicável em matéria de direitos reais e determinação da competência internacional do juiz para apreciar litígios envolvendo bens móveis e imóveis.

No mesmo sentido explica Del'Olmo "lembra Rodas que Pimenta Bueno afastou, no Brasil, a doutrina estatutária, seguindo também o princípio unitário de Savigny".

A aplicação da teoria unitarista leva a crer que não haveria distinção entre bens móveis e imóveis quando nos depararmos com uma questão privatista internacional. Não obstante, como conjugar essa aplicação com as disposições constantes do Código Civil que, contrario senso, estipulam uma classificação para os bens, dando-lhes inclusive determinadas características para que se possa considerá-los como móveis ou imóveis, verbi gratia? Se o artigo 8º determina que a qualificação se dê pela lei do local da situação do bem, e esta define distintas categorias para a definição do bem, não resta dúvida que assim deverá considerar o intérprete no momento de proceder à determinação da lei aplicável aos conflitos derivados de uma relação de natureza real.

Além disso, as dificuldades inerentes à aplicação da lei do local da situação do bem, no caso de bens móveis, dada sua própria natureza, resultam na definição de um elemento de conexão distinto, qual seja, a lei do domicílio do proprietário, conforme será analisado posteriormente.

3.1. Os bens imóveis: qualificação e regência segundo o artigo 8º da LINDB

Conforme já mencionado, o artigo 8º determina expressamente que a qualificação dos bens será feita pela lei do local da situação do bem, sem perquirir sobre a natureza, característica ou até mesmo definição do bem. Contudo, a legislação brasileira traz uma classificação própria, onde se especificam os elementos que compõem a fixação da natureza de cada bem, seja ele considerado como móvel ou imóvel; fungível ou infungível, etc.

Se um bem imóvel encontra-se situado em território brasileiro deverá, portanto, ostentar a qualificação necessária disposta nos artigos 79 a 81 do Código Civil, não podendo o juiz brasileiro furtar-se a aplicar as disposições nacionais que regulam a temática, independente da lei de regência do proprietário ou possuidor (caso este seja estrangeiro ou mesmo esteja domiciliado fora do Brasil).

O alcance do art. 8º se destina a regular as relações sobre o bem per se, ou seja, regula as questões relativas à propriedade, posse, domínio, uso, fruição, requisitos para a aquisição, usufruto, garantias, preferência, condições de oponibilidade frente a terceiros, etc. podendo atingir até mesmo o caráter dinâmico do direito de propriedade admitido atualmente pelo direito brasileiro.

Portanto, a norma do artigo 8º se aplica aos direitos reais que recam sobre os bens, qualquer que seja sua natureza, delimitando-se assim que a qualificação se aplique ao objeto de uma relação jurídica que envolva especificamente direitos reais, onde a discussão central se vincule a uma das hipóteses previstas na legislação brasileira no que tange ao direito sobre o bem, individualmente considerado, e não sobre questões relativas à capacidade das partes, validade do contrato de compra e venda, atendimento ou não das formalidades exigidas.

Assim entende Basso ao determinar que o alcance do artigo 8º se refere ao bem individualmente considerado - uti singuli

O alcance da norma indireta contida no art. 8º da LICC indica a regra geral de que os casos envolvendo direitos reais e, portanto, relações jurídicas proprietárias, possessórias ou de garantias sobre coisa alheia integrantes do chamado estatuto real são disciplinados pela lei do local da situação dos bens, individualmente considerados, sejam eles de titularidade das pessoas nacionais ou estrangeiras, domiciliadas ou não no Estado brasileiro. Daí por que, para efeitos aplicativos da norma, o tratamento dispensado pelo juiz nacional deve observar a individualidade dos bens nas relações jurídicas de que sejam objeto. Nos casos em que os bens sejam considerados elementos de uma universalidade, de fato ou de direito, a regra geral do art. 8º, caput, é afastada para a especialidade, isto é, em favor da disciplina jurídica aplicável ao instituto analisado, por exemplo, herança, legado, o trespasse de estabelecimento, o contrato de compra e venda, etc..

A análise do alcance do artigo 8º é importante quando se trata de estabelecer a qualificação e consequente regência de bens considerados no bojo de uma relação jurídica de natureza contratual, sucessória ou até mesmo matrimonial. Especificamente no que tange ao artigo 10º essa análise se faz necessária, pois este dispositivo estabelece que à sucessão aplica-se a lei do último domicílio do de cujus, qualquer que seja a natureza ou situação dos bens, o que poderia resultar numa interpretação contraditória com a disposição do artigo 8º, implicando no afastamento da lei do local da situação do bem em favor da lei do último domicílio do falecido. A interpretação do artigo 10º deve ser aplicada ao direito sucessório lato senso, para efeitos de determinar os aspectos inerentes às relações jurídicas derivadas da sucessão (ordem de vocação hereditária, legítima, limites para testar, colação dos bens, deserdação, pagamento de dívida pelo espólio, etc.) "não se confundindo com o direito aplicável para qualificar os bens e disciplinar as relações a ele concernentes, porque tais são individualmente considerados e se submetem à lei do local em que se situam".

Uma questão interessante é a possibilidade de "flexibilização" da norma do artigo 8º em virtude de situações específicas, resultando também numa "nova" interpretação para o artigo 89, inciso II, do Código de Processo Civil que fixa a competência do juiz brasileiro para as ações relativas a imóveis situados no Brasil, reflexo também do princípio da territorialidade, conforme analisamos anteriormente. Como exemplo, pode-se citar a homologação de sentença estrangeira de divórcio ocorrido no exterior que disponha sobre bem situado no Brasil pelo Judiciário nacional. No processo de homologação de sentença SE-7401 assim decidiu o Ministro Marco Aurélio

(...) É de frisar que a regra concernente à competência exclusiva do Judiciário brasileiro para conhecer de ações relativas a imóveis localizados no Brasil - artigos 12 da Lei de Introdução ao Código Civil e 89 do Código de Processo Civil - deve ser aplicada com a cabível cautela, já que a existência de conflito de interesses sobre o bem leva a uma conduta completamente diferente quando, no divórcio, as próprias partes chegam a um acordo, ultrapassando qualquer impasse. Assim, à luz da jurisprudência desta Corte,tratando-se de composição, não há falar-se em atuação única e exclusiva da autoridade judicante brasileira. Confira-se com os seguintes precedentes: Sentenças Estrangeiras n. 3.633, 3.888, 4.844 e 3.408 e Sentença Estrangeira Contestada nº 4.512. Na Sentença Estrangeira nº 3.408, restou consignado: - HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. SEPARAÇÃO DE CÔNJUGES. PARTILHA DE BENS.E HOMOLOGÁVEL A SENTENÇA ESTRANGEIRA QUE HOMOLOGA ACORDO DE SEPARAÇÃO E DE PARTILHA DOS BENS DO CASAL,AINDA QUE SITUADOS NO BRASIL, PORTA QUE NÃO OFENDIDO O ART. 89 DO CPC, NA CONFORMIDADE DOS PRECEDENTES DO STF (RTJ. 90/11; 109/38; 112/1006).HOMOLOGAÇÃO DEFERIDA. A par do requerimento em conjunto de homologação de sentença de divórcio, tem-se o atendimento dos requisitos próprios. Homologo-a, com a restrição de que o ato sentencial somente produzirá efeitos plenos a partir de 15 de outubro de 2002 (artigo 226, § 6º, da Constituição Federal), observando-se, até essa data, o instituto da separação judicial.

Entende-se que não haveria aqui uma autêntica flexibilização do artigo 8º, senão que uma maleabilidade, aí sim, da competência do juiz nacional para conhecer exclusivamente das ações sobre imóveis situados no Brasil. Não representa, portanto, uma possibilidade de que a qualificação ou regência do bem possa se dar por autoridade ou lei estrangeira, mas sim que sobre o bem recaia uma decisão estrangeira passível de ser homologada ou não no Brasil.

Uma vez examinada as questões relativas à qualificação e regência de bem imóvel pelo direito internacional privado brasileiro, será discutido o tratamento dos bens móveis, sem olvidar da discussão trazida pela teoria unitarista já comentada.

3.2. Os bens móveis: mobilium sequuntur personam

O artigo 8º, parágrafo primeiro, dispõe sobre a determinação da lei aplicável quando se tratar de bens móveis, considerando-se a própria natureza do bem a partir de suas características físicas atreladas à mobilidade e circulação.

A questão se refere, primordialmente, à classificação dos bens a partir da concepção unitarista, conforme já comentado, e a necessidade de estabelecer um critério para os bens que podem deslocar-se de forma contínua no espaço, podendo encontrar-se aqui e acolá num curto período de tempo. Tal situação resulta numa clara indefinição de qual seria a lei aplicável, haja vista que caso se opte pela lei do local da situação, ou ainda pela lei do domicílio do proprietário, pode-se gerar um cenário de insegurança jurídica que poderia contaminar as relações que envolvam este tipo de bens.

Citando uma vez mais a Belandro

Tratándose de muebles la cuestión es la de saber respecto de la movilidad del objeto hasta dónde conviene fiarse de la localización material. La localización actual del bien no excluye que se hayan conferido derechos bajo el imperio de otra ley, de acuerdo a su anterior localización. Esencialmente suscita un conflicto de intereses privados ya evocado, entre la seguridad de los títulos (el que ha obtenido un derecho sobre el bien mueble en lugar de su situación anterior reclama que su derecho sea reconocido); y la seguridad de las transacciones (los terceros estarían autorizados a basarse sobre la situación actual del bien mueble). Pretender elegir de manera general y definitiva entre la ley de la anterior situación y la de la situación actual se traducirá infaltablemente en soluciones cuestionadas. Este tipo de conflicto sólo puede resolverse de manera convincente, según las circunstancias de cada caso: no sólo habrá que tener en consideración la buena fe de los terceros sino por ejemplo, las precauciones tomadas por el acreedor para impedir que su seguridad no se vea comprometida por el desplazamiento del bien hacia el extranjero; o aun la existencia o ausencia en el Estado de la situación actual, de una seguridad análoga a la constituida en el extranjero.

Diante de tal perspectiva, deve-se analisar qual seria a lei que promovesse melhor definição e regulação dos conflitos interespaciais relativos a bens móveis. A ausência de fixação definitiva do local do bem aponta para a necessidade de estabelecer um critério específico, pois "cumpre procurar mentalmente o ponto em que essas coisas estão destinadas a ficar por mais tempo, ou por tempo indeterminado: ponto que pode resultar com segurança da vontade manifestada pelo proprietário; noutro caso, coincidirá com o domicílio do proprietário".

A doutrina não possui posicionamento unânime em relação a qual critério deveria prevalecer nestes casos. Para Basso seria aplicado o local do domicílio do proprietário como critério supletivo quando não se consiga determinar - de modo exato - o local da situação da coisa. Tal interpretação reforça a adoção da concepção unitarista de Savigny, defendida pela doutrina brasileira e estrangeira, ao tempo em que se possibilita contornar os problemas derivados da natureza móvel do bem. Assim, seria aplicada a lei do local da situação e, em caso de impossibilidade ou dificuldade de estabelecer o situs, aplicar-se-ia a lei do domicílio do proprietário, de modo que haveria que buscar nesta última uma solução para os conflitos relativos aos bens móveis, mas sem desconsiderar os efeitos já estabelecidos pela lei do local da situação.

Mas como compatibilizar a aplicação da lei do local da situação com a lei do domicílio do proprietário em relação aos efeitos, relações e consequências que derivam da utilização deste bem? Ou seja, se consideramos que a lei do local da situação deve reger também os bens móveis, caso estes circulem permanentemente e provoquem efeitos jurídicos em distintos territórios, como poderíamos solucionar a questão?

Para Monreal a solução seria aplicar a lei do local da situação, levando-se em consideração os efeitos já estabelecidos pela lei anterior que regia o bem, por encontrar-se ele em local originariamente distinto.

Será siempre el principio lex rei sitae el que regirá, pues, para los bienes muebles que se transportan de un lugar a otro: la ley del lugar en que se constituyó derecho sobre el bien mueble regirá en lo relativo a si el derecho existe o no, y la ley diferente del otro lugar a que la cosa es llevada posteriormente regirá en lo relativo a la manera de ejercitar el derecho, esto es, sobre lo que podría denominarse el contenido o las prerrogativas del derecho. Esto significa que cuando un derecho ha sido adquirido conforme la ley del lugar de la cosa, el traslado material de ésta no puede alterar la situación jurídica, ya creada, en cuanto a los derechos reales constituidos sobre ella, pero sí puede afectar el ejercicio de las facultades que ellos otorgan a su titular.

Seria esta uma forma de compatibilizar a concepção unitarista adotada pelo direito brasileiro, segundo a doutrina, com a supletividade trazida pelo parágrafo primeiro, ou seja, a aplicação da lei do local da situação poderia ser afastada somente no caso de indefinição do local da situação do bem, prevalecendo a lex rei sitae como elemento de conexão para abarcar também os bens móveis.

Outra questão a ser analisada refere-se a determinados bens como, por exemplo, aqueles classificados como propriedade industrial, pois na esteira do disposto no art. 5º da Lei n.9.279/96, estes também são considerados como bem móvel, e englobam os direitos oriundos do poder de criação e invenção do indivíduo, devendo-se assegurar as patentes de invenção, a exclusiva da utilização das marcas de indústria e comércio e nome comercial. Considera Basso que no caso dos direitos de propriedade intelectual poderia adotar a lei do local onde a proteção está sendo invocada, "já que é nesse mesmo local em que eles manifestam determinada utilidade econômica e social".

3.3. Os direitos de garantia sobre os bens e o Direito internacional privado: breves reflexões

O artigo 8º, parágrafo segundo, traz regra de conexão específica que deverá ser aplicada nos casos relativos aos direitos de garantia sobre os bens, abrangendo especificamente o penhor. Vale lembrar que na garantia real o cumprimento da obrigação contraída envolve parte ou todo o patrimônio do devedor, consubstanciando-se em uma relação jurídica que afetará a disposição da coisa por parte do proprietário ou possuidor.

O dispositivo da LINDB estabelece que no caso de penhor deva ser aplicada a lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada, ou seja, será a lei do possuidor direto que regulará as relações derivadas desse direito de garantia real. Tal se dá porque no penhor há tradição temporária em favor do credor que permanece temporariamente com a coisa apenhada até a satisfação do débito ou, ainda, quando se concretizam as medidas estipuladas em lei. Essa necessidade de tradição do bem móvel pelo devedor, como regra geral estabelecida pelo direito brasileiro, afasta a aplicação da lex rei sitae em favor da lei do domicílio do possuidor, conforme ressalta Basso.

Assim, caso a lei do domicílio do possuidor disponha sobre tratamento específico para o penhor, estabelecendo distinções entre coisa corpórea e incorpórea, como o faz a legislação brasileira, assim deverá ser observado pelo intérprete quando se deparar com questões atinentes a garantia sobre bem móvel na modalidade penhor. De igual modo, prevalecerão as disposições relativas à constituição do penhor, os direitos e obrigações do credor pignoratício, as espécies de penhor, bem como sua extinção, o que significa que a lei do domicílio do possuidor - seja este o devedor antes da tradição do bem ou o credor após a tradição deste - será aplicada para reger todos os aspectos relativos a este direito de garantia real.

CONCLUSÃO

A determinação da lei aplicável aos conflitos originados de relações plurilocalizadas demanda uma análise da legislação interna de cada estado, uma vez que o direito internacional privado tem como principal fonte as disposições emanadas do sistema jurídico interno.

O tratamento dos bens pelo direito internacional privado, no direito brasileiro, encontra-se especificamente regulado pelo artigo 8º da Lei de Introdução às normas do direito brasileiro no que tange aos aspectos materiais de regência desses bens. As questões processuais devem ser analisadas a partir da definição da competência do juiz nacional, encontrando-se disposição expressa no Código de Processo Civil (artigos 88 e 89).

Conforme analisamos, a prevalência da regra de conexão consubstanciada na lex rei sitae deverá ser utilizada quando o intérprete se deparar com questões vinculadas aos direitos reais, devendo a qualificação determinar-se pela lex causae, o que pressupõe a consagração da territorialidade para dirimir os conflitos causados pela diversidade de legislações que possam incidir sobre um mesmo bem, a partir de relações que se vinculam, em um primeiro momento, a distintas ordens jurídicas. Ainda, a tridimensionalidade território - bens - jurisdição revela o caráter de ordem pública que permeia as legislações nacionais que, em sua maioria, adotam a lex rei sitae para a regência dos bens. O sistema brasileiro segue, portanto, a corrente majoritária ao prever disposição concretizadora do princípio da lex rei sitae, consubstanciada justamente no artigo 8º.

A análise abarca também a definição da lei aplicável quando se tratar de bem móvel, ao considerar-se que, em virtude de sua natureza, poderá aplicar-se a lei do domicílio do proprietário, numa tentativa de solucionar os problemas derivados da intensa mobilidade que tais bens podem acarretar.

Finalmente, ao estabelecer regras de conexão específicas para as relações jurídicas de espectro espacial ampliado, como é o caso da LINDB, deve-se ter presente também as normas constitucionais que tratam da matéria, especialmente se considerarmos o aspecto dinâmico que a propriedade deve ostentar, especialmente no caso dos bens imóveis, onde o exame da função social deverá também ser observado pelo intérprete no momento de determinar a lei aplicável. Portanto, se o bem encontra-se no Brasil os direitos a ele concernentes se vinculam diretamente ao cumprimento de sua função social, independentemente da lei do proprietário ou possuidor.

O desafio está justamente em compatibilizar a regulação interna com os novos paradigmas surgidos pelo processo de codificação progressiva do Direito internacional privado, a partir dos intentos de uniformização trazida pelos distintos mecanismos internacionais e que podem, em maior ou menor medida, influenciar e alterar a compreensão das regras de conexão previstas atualmente pelo direito brasileiro.

NOTAS

GUSTIN, M. B. S e DIAS, M. T. F. (Re)pensando a pesquisa jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

"The problem of qualification is, to a large extent, a self-produced problem of private international law." SIEHR, K. "General Problems of Private International Law in Modern Codifications - De Lege Lata and De Lege Europea Ferenda". In: Šarčević, P.; Volken, P. and Bonomi, A. (ed.). Yearbook of Private International Law. München: SELP, 2006, vol VII.

Veja-se, por exemplo, a discussão sobre a qualificação pela doutrina italiana, "nell'ambito della elaborazione della legge sul diritto internazionale privato, la qualificazione era stata oggetto di intense discussioni (...) Come noto, si era allora rinunciato a disciplinare la qualificazione. A giustificazione della reticenza a disciplinare questioni generali del diritto internazionale privato era stato addotto che la maggior parte dei problemi non erano dalla dottrina risolti all'unanimità. GREINER, M. J. "Qualificazione in generale e qualificazione in particolare, en Collisio Legum". Studi di Diritto Internazionale Privato per Gerardo Broggini. 1997, p. 187-188.

"There is no agreement among the writers concerning title type of questions properly belonging to a discussion of the qualification problem. Some use the term in a very broad sense and others in a narrower sense". Lorenzen, Ernest G., "Qualification, Classification, or Characterization Problem in the Conflict of Laws" [online]. Faculty Scholarship Series. 1941, Paper 4584, 1941, p. 743 [acesso em 12 nov 2014]. Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/4584>

Vide por todos STEIN, S. B. "Choice of law and doctrine of renvoi". McGILL Law Journal. 1971, vol 17, n°3.

DOLINGER, J. Direito internacional privado - parte geral. 9ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

RECHSTEINER, B. W. Direito internacional privado: teoria e prática. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 146.

Weber, Helmut. Die Theorie der Qualifikation : Franz Kahn, Etienne Bartin und die Entwicklung ihrer Lehre bis zur universalen Anerkennung der Qualifikation als allgemeines Problem des internationalen Privatrechts (1890-1945). Tübingen : Mohr, 1986 apud RECHSTEINER, B. W. Op. cit.

BRETON, E. F. "En materia de calificaciones, reenvío y otros asuntos de derecho internacional privado". Cuadernos Unimetanos. 2007, n° 11, p. 227-239.

"Las calificaciones se dan en el derecho internacional privado como consecuencia de la aplicación simultánea de más de un ordenamiento jurídico que pueden utilizar los mismos términos con diferente significado o encuadrar una institución en diferentes partes del ordenamiento jurídico". WEINBERG, I. M. Derecho Internacional Privado. Buenos Aires: Editorial LexisNexis, 2002, p. 99.

STRENGER, Irineu. Curso de direito internacional privado. 5a ed. São Paulo: Ed. Ltr., 2004.

"This interpretation of choice of law rules must, in principle, take place in accordance with the lex fori of which choice of law rules as a part.". PHILIP, A. General course on private international law. Collected courses of The Hague Academy of international law. The Hague,1978, p. 39.

Dolinger; Op. cit., p. 374.

Ibíd.

SIEHR, K. "General Problems of Private International Law in Modern Codifications - De Lege Lata and De Lege Europea Ferenda". In: Šarčević, P.; Volken, P. and Bonomi, A. (ed.). Yearbook of Private International Law. München: SELP, 2006, vol VII, p.41.

Vide art. 12.1 do Código Civil espanhol; art. 3078 do Código de Quebec; art. 10 do Código civil egípcio, etc.

"Esta teoría, que ha sido defendido entre otros por los franceses Despagnet, Valérie y Surville, y por el alemán Wolf, subordina las disposiciones de calificación a las de Derecho internacional y sostiene que la ley señalada por estas últimas, aunque sea una ley extranjera, es la que debe proporcionar los elementos con arreglo a los cuales debe hacerse la calificación". BIGGS, F. D. Derecho internacional privado: parte general. Santiago de Chile: Editorial Jurídica de Chile, 1967, p. 396.

Duvidamos, porém, que algum autor responsável tenha defendido alguma vez a sério a ideia de que há que deferir à lei designada pela norma de conflitos a definição do Conceito - quadro utilizado por essa mesma norma. Na verdade, a inviabilidade de tal ideia é coisa que a todos se impõe prima facie. O recurso à lex causae com esse objetivo redundaria, com efeito, em converter a norma de conflitos numa norma em branco. O legislador tendo escolhido a conexão relevante, desinteressar-se-ia de definir ele próprio o domínio em que a conexão é relevante; teria fixado a conseqüência jurídica e, todavia, renunciado a recortar ele próprio a hipótese em que a mesma conseqüência opera. Isto é o mesmo que dizer que o legislador teria desistido de estabelecer uma verdadeira norma jurídica". Ferrer Correia, apud Dolinger, Op. cit.

"La identificación de la norma de conflicto aplicable presupone necesariamente la previa calificación de la relación jurídica en una determinada categoría. Recién una vez hecho esto sabremos cual es el derecho extranjero aplicable a la relación. Entonces, ¿cómo preguntar a un derecho extranjero por la naturaleza de una relación jurídica si para llegar a él es preciso partir de una norma de colisión, lo que supone que dicha relación ya está calificada?". AGUIRRE, C. F. de. Curso de Derecho Internacional Privado - Tomo I Parte General. Montevideo: Editorial Fundación de Cultura Universitaria, 2004.

PHILIP, A. Op. cit., p. 42.

"Uma vez que Estado e territorialidade são inseparáveis, os bens nele situados submetem-se à lex rei sitae, por se acharem localizados ficta ou fisicamente e não estarem ligados a uma nacionalidade, sem conservar laços de procedência com uma origem determinada. A competência do juiz nacional relacionada à lex rei sitae é técnica, já que a sede das relações jurídicas de direitos reais encontra-se no local da situação da coisa, servindo inclusive como limite de ordem pública estabelecida pelo legislador". BASSO, Maristela. Curso de Direito Internacional Privado. São Paulo: Ed. Atlas, 2011, p. 189

BELANDRO, R. S. "La regla de conflicto y la definición de los puntos de conexión". Revista de la Facultad de Derecho. 2012, nº 32, p. 293.

A classificação do Código Civil é ainda mais ampla e divide os bens em: a) Bens imóveis e móveis; b) Bens fungíveis e infungíveis; c) bens consumíveis e inconsumíveis; d) bens singulares e coletivos; e) divisíveis e indivisíveis.

BASSO, Op. cit.

Ibíd., p. 190.

DEL'OLMO, F. de S. Direito Internacional Privado. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 151.

Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.

Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:

I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;

II - o direito à sucessão aberta.

Art. 81. Não perdem o caráter de imóveis:

I - as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local;

II - os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem

BASSO, Op. cit., p. 190.

Poderíamos, contudo, defender a possibilidade de que um juiz estrangeiro dispusesse sobre bem situado no Brasil, uma vez que a sucessão ocorreu no exterior por ter o de cujus ali fixado seu último domicílio? Apesar de ser uma discussão relativa à aplicação do art. 10º ressaltamos que o tema suscita discussão e merece ser objeto de atenção por parte da doutrina. Ao analisar a relação entre regimes sucessórios e aplicação da lex rei sitae pela União Europeia, demonstrando a necessidade de debater os contornos da lei aplicável ao imóvel objeto da sucessão, assim expressa Barreda "se impondrá la necesidad de abrazar una concepción dinámica en la búsqueda de la voluntad de aplicación (explícita o presunta) de la lex rei sitae, teniendo en cuenta el interés preponderante del Estado en hacer efectivas las disposiciones especiales sobre los bienes situados en su territorio, con independencia del elemento internacional de la sucesión". BARREDA, N. C. "Reflexiones sobre los regímenes especiales en Derecho internacional privado sucesorio según el Reglamento europeo 650/2012 de 4 de julio de 2012". Cuadernos de Derecho Transnacional. 2014, vol 6, nº 1, p. 132 e BASSO, Op. cit., p. 217.

Vide ARAÚJO, N. de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

Processo: SE 7401 Relator(a): Min. PRESIDENTE Julgamento: 11/06/2002. Publicação: DJ 20/06/2002 PP-00058 SE VOL-00024 PP-00100

Belandro, Op. cit., p. 198.

CASTRO, A. de. Direito Internacional Privado. 5ª ed. atua. de Osíris Rocha. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 428.

BASSO, M. Op. cit.

MONREAL, E. N. Defensa de las nacionalizaciones ante tribunales extranjeros - Caso de los productos exportados. Estudios de Derecho Económico, serie I, n. 02, Instituto de Investigaciones Jurídicas. México: Dirección General de Publicaciones Universidad Nacional Autónoma de México, 1976, p. 109.

BASSO, Op. cit., p. 193.

No Brasil, o art. 1431, parágrafo único, do Código Civil prevê que "no penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar."

BASSO, Op. cit.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido: 25 de Fevereiro de 2016; Aceito: 26 de Abril de 2016

Autor de Correspondência: Doutora em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito Internacional e Comunitário Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2006), especialização em Direito Processual pelo IEC/PUCMINAS(2003), e graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2006). Professora Adjunta do Departamento de Direito Público da Universidade Federal de Minas Gerais e professora da Universidade de Itaúna. E-mail: carlavolpini@hotmail.com

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