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Revista de la Secretaría del Tribunal Permanente de Revisión

Print version ISSN 2307-5163On-line version ISSN 2304-7887

RSTPR vol.3 no.6 Asunción Aug. 2015

https://doi.org/10.16890/rstpr.a3.n6.103 

Artículo Original

A proteção dos direitos sociais como pavimentação do Direito Comunitário no âmbito do MERCOSUL

La protección de los derechos sociales como pavimentación del Derecho Comunitario en el ámbito del MERCOSUR

Renata Alvares Gaspar* 

Gustavo Torres Oliveira da Costa* 

*PUC Campinas, Brasil


Resumo:

A partir de um ponto de convergência dos Estados associados ao MERCOSUL, o presente estudo busca trilhar um caminho a fim de demonstrar a possibilidade de concretizar a integração, evoluindo de mercado comum para união econômica e monetária, pavimentando o direito comunitário ao amparo da proteção dos direitos humanos, especialmente consolidando a proteção dos direitos sociais, consideradas as peculiaridades regionais do Cone Sul, para se alcançar, com ponto de chegada, a concretização do jus commune. Para isso, foram analisadas as medidas necessárias para que a proteção dos direitos sociais e, concomitantemente, dos direitos humanos, possam ser a base da formação e consolidação de uma ordem jurídica verdadeiramente supranacional mercosurenha.

Palavras-chave: Cooperação jurídica Mercosurenha; Direitos humanos; Integração; MERCOSUL

Resumen:

Considerando un determinado punto de convergencia entre los Estados asociados al MERCOSUR, el presente estudio busca transitar en el sentido de evidenciar la posibilidad de concretar y profundizar la integración, mirando la evolución del mercado Común hacia la unión económica y monetaria, pavimentando el sendero del derecho comunitario a partir de la protección de los derechos humanos, en especial, consolidando los derechos sociales a la luz de las particularidades del Cono Sur, para alcanzar, en su llegada, la concreción del jus commune. Para ello, han sido analizadas las medidas necesaria a la protección de los derechos sociales y, simultáneamente, de los derechos humanos, para que estos sean la base de formación y consolidación de un orden jurídico verdaderamente supranacional mercosureño.

Palabras clave: Cooperación jurídica Mercosureña; Derechos humanos; Integración; MERCOSUR

1. INTRODUÇÃO

Diante do processo de globalização, os Estados tendem a superar barreiras e integrar-se, respeitadas as dificuldades políticas e geográficas, a fim de formar uma comunidade na qual todos se beneficiem dessa agregação. O primeiro passo dos Estados mercosurenhos neste sentido foi a ratificação de variados tratados internacionais de direitos humanos, sobretudo os tratados cuja pauta é centrada na promoção dos direitos sociais, como é o caso do Protocolo de San Salvador.

Tendo em vista que o objetivo da formação do MERCOSUL, desde seus primórdios, não foi só a composição de um mercado comum, mas sim a formação de uma união monetária e econômica, tal qual a União Europeia, busca-se, no presente estudo, uma forma de alcançar a tão almejada união. E vislumbrou-se que uma das formas de torná-la tangível seria a promoção dos direitos sociais neste âmbito, com vistas à manutenção da igualdade e convergência do desenvolvimento humano nos Estados associados até viabilizar o avanço dos diálogos horizontais - entre jurisdições internacionais.

Para proceder a este estudo foi utilizado o método dialético, vez que se trata de um processo dinâmico em relação ao atual estágio de integração nesse bloco sub-regional, bem como o método estruturalista construtivista, de Pierre Bordieu, para alcançar a concepção da integração per si com a possibilidade de mudança, de avanço. Além disso, impreterível o método hermenêutico, pois de suma importância o estudo do contexto.

Desta forma, inicia-se com a análise dos tratados internacionais de direitos humanos e sua atuação no MERCOSUL. Em seguida, por ser o artifício encontrado para o avanço da integração neste bloco são estudados os direitos sociais, os princípios que os permeiam e sua influição no MERCOSUL. Por fim, convergindo o que alcançado nos demais capítulos, é tratada a possibilidade de alcançar o almejado jus commune mercosurenho, bem como a integração que o torna tangível.

2. OS DIREITOS HUMANOS NO MERCOSUL

Os sistemas normativos regionais surgiram a fim de estabelecer um aparato regional para promoção e proteção dos direitos humanos. No entanto, como o presente estudo se refere ao MERCOSUL, serão desconsiderados os sistemas regionais europeu e africano, o que não prejudicará a inteligência da proposta. Assim, cabe analisar os instrumentos normativos do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, quais sejam, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e seu Protocolo Adicional (Protocolo de San Salvador).

Tendo em vista que o Pacto de San José da Costa Rica trata, exclusivamente, dos direitos civis e políticos e apenas faz menção aos direitos econômicos, sociais e culturais em seu artigo 26, não existindo qualquer previsão desses direitos em todo o texto da Convenção, fez-se necessário o preenchimento desta lacuna para que fossem tutelados os direitos humanos de segunda dimensão.

E esta seria a única forma de conferir autenticidade à Convenção, uma vez que, ante a universalidade dos Direitos Humanos, somente é possível realizar os direitos civis e políticos a partir da fruição dos direitos econômicos, sociais e culturais. Da mesma forma, apenas é possível realizar os direitos econômicos, sociais e culturais se fruídos forem os direitos civis políticos.

Especificamente quanto ao Pacto de San José da Costa Rica - considerado o instrumento de maior importância no sistema interamericano -, todos os países mercosurenhos são signatários. Já no tocante ao Protocolo de San Salvador, em que pese seja o instrumento que confere autenticidade ao Pacto, a República da Venezuela não o ratificou, diferente dos demais países componentes do MERCOSUL.

Sem embargo, o artigo 75 da Convenção prevê a possiblidade de reservas quando da adesão pelo Estado, que se trata de termo técnico do Direito Internacional Público, definido pelo artigo 2º, § 1º, d, da Convenção de Viena de 1969.

A Convenção Americana não especifica quais reservas são permitidas e quais são proibidas, autorizando-as de forma genérica e desvinculando-as de qualquer necessidade de autorização dos demais Estados-parte. Contudo, esse direito não é ilimitado, de acordo com os critérios dispostos no artigo 19 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969. Se a hipótese de reserva subsumir-se ao dispositivo supracitado, esta será considerada proibida, não sendo autorizada.

Outra grande limitação às reservas dos tratados de direitos humanos são as normas jus cogens. São normas imperativas das quais não é possível derrogação e que só podem ser modificadas por norma posterior de Direito Internacional geral da mesma natureza, conforme os termos do artigo 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969. Tem-se como exemplo qualquer reserva que pretenda permitir ao Estado a suspensão de um direito fundamental consagrado.

Certo que os tratados que versam sobre direitos humanos trazem normas cogentes por excelência, cujos valores são essenciais e possuem superioridade normativa quando em conflito com outras normas de Direito Internacional. Sendo assim, a tendência é que os tratados que versem sobre direitos humanos não mais aceitem reservas, de sorte que seus signatários, para que tenham tal característica, devem aceita-los integralmente.

Além da reserva, ainda é prevista a alternativa de declarações interpretativas sobre cada dispositivo. Não consideradas reservas aos tratados, as declarações interpretativas nada valem no plano jurídico, mas constituem afirmações teóricas feitas pelo Estado que concedem especial significado a certos dispositivos do tratado. Portanto, não provoca qualquer modificação. Lembrando que, independente da forma, se houver caráter reservativo, a declaração será considerada como tanto.

Uma vez elucidada a possibilidade de ocorrência das reservas e das declarações interpretativas, inicia-se a análise da ratificação da Convenção Americana e de seu Protocolo Adicional por cada um dos Estados que compõem o MERCOSUL.

A Argentina depositou a ratificação com uma reserva e três declarações interpretativas. A reserva sujeitou o artigo 21 no sentido de que as questões inerentes à política econômica do governo argentino e as causas que os tribunais argentinos considerarem de utilidade pública e interesse social, bem como o entendimento por indenização justa, não serão passíveis de revisão pelo tribunal internacional.

Sobre as declarações interpretativas, a Argentina dispôs sobre o artigo 5, parágrafo 3; o artigo 7, parágrafo 7; e o artigo 10. De acordo com a ratificação depositada, o artigo 5, parágrafo 3, deve ser interpretado pelo não cabimento de sanções extensíveis; já a interpretação do artigo 7, parágrafo 7, possibilitou ao Estado argentino subordinar a imposição de penas à condição de que certas dívidas não sejam liquidadas, quando não se tratar de pena imposta pelo inadimplemento em si da dívida, mas sim por fato anterior independente e penalmente ilícito, pelo que a pena imposta será em razão do ilícito penal e não devido ao mero inadimplemento; e a interpretação do artigo 10 limitou à interpretação do tribunal argentino acerca do significado de "erro judiciário".

A Bolívia depositou sua ratificação sem qualquer reserva ou declaração interpretativa. Contudo, no ato que reconhece a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, onde afirma ser obrigatória de pleno direito, incondicional e por prazo indeterminado a jurisdição e competência da Corte, obedecidos os termos do artigo 62 da Convenção. Apesar do caráter do reconhecimento que fora declarado, foi apresentada declaração interpretativa sobre o próprio instrumento de depósito, através do qualos preceitos de incondicionalidade e prazo indeterminado estão sujeito à estrita observância da Constituição Política do Estado boliviano, sobretudo dos princípios da reciprocidade, irretroatividade e autonomia judicial.

O Brasil depositou seu instrumento de ratificação observando declarações interpretativas sobre dois artigos e nenhuma reserva. O Estado brasileiro declarou que as redações dos artigos 43 e 48, d, não incluem o direito automático de visitas e investigações in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pois dependentes da anuência expressa do Estado.

O Paraguai procedeu ao depósito da ratificação da Convenção sem qualquer reserva ou declaração interpretativa, apenas com a ressalva de que sua interpretação deve ser conforme os princípios norteadores do Direito Internacional.

O Governo da República Oriental do Uruguai adotou uma reserva. Considerando que a cidadania uruguaia é suspensa em razão de processo-crime, em trâmite, que possa resultar em reclusão em penitenciária, conforme artigo 80, parágrafo 2, da respectiva Constituição, ocorre limitação dos direitos consagrados no artigo 23 da Convenção.

A Venezuela depositou o devido instrumento constando uma reserva. A Constituição da República da Venezuela em seu artigo 60, parágrafo 5, possibilita que autores de delito contra coisa pública, réus em processo-crime, poderão ser julgados in absentia, com as garantias e na forma que determine a lei. Todavia, o artigo 8, parágrafo 1, não prevê tal possibilidade, portanto necessária a reserva.

Uma vez analisados os instrumentos normativos de proteção dos Direitos Humanos e a forma como cada Estado mercosurenho os aderiu, cumpre analisar, especificamente, a proteção dos direitos sociais nestes Estados e seu reflexo no processo de integração sub-regional.

3. A PROTEÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS NO INTERIOR DO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO

Os direitos humanos nem sempre foram tutelados na América do Sul, bem como não o foram em qualquer outro lugar do mundo. Sua tutela foi fruto de afirmação histórica, de sorte que a concretização dos direitos humanos, em suas mais variadas facetas, ainda está em curso.

Especificamente, a afirmação dos direitos sociais de segunda dimensão foi resultado da transição do modelo de Estado Liberal para Estado Social. Enquanto aquele se traduzia na abstenção, na faceta negativa de atuação do Estado, já que os direitos até então concebidos (liberdade, vida, propriedade e igualdade perante a lei) serviam, sobretudo, para o indivíduo opor-se às possíveis arbitrariedades do Estado; este Estado, afastando-se dos ideais liberalistas, é intervencionista, produtor de igualdade material e fática, por sua própria natureza.

Ocorria, neste cenário, a transição do Estado-inimigo, pautado na igualdade formal, para o Estado-amigo, pautado na igualdade material, que assume uma postura diametralmente oposta daquele. Eis, então, o surgimento do Estado Social.

A igualdade material define-se por uma dupla dimensão, e é esse o viés que a difere da igualdade formal. Para que seja alcançada utiliza-se uma contraposição entre a igualdade de oportunidades e a igualdade de resultados. Aquela, também denominada igualdade nos pontos de partida, supõe que não haja discriminação do indivíduo através de óbice arbitrária na possibilidade de galgar posições sociais, bem como a eliminação de qualquer possibilidade de diferenciação no exercício e desenvolvimento de aptidões no processo produtivo, seja pela legislação, pela cultura ou pela organização social. Já esta, também denominada igualdade no ponto de chegada, supõe, como resultado de medidas adotadas pelos poderes públicos, a concretização de uma qualidade de vida semelhante entre os indivíduos e igual satisfação das necessidades humanas básicas.

Por óbvio, alcançar um resultado de igualdade real de forma universal não é objetivo palpável, vez que aparenta ser impossível, sobretudo no que atine a igualdade de oportunidades. Essa dupla dimensão, portanto, deve ser entendida como uma tendência que permitiria um caminho para alcançar a efetiva igualdade. O Estado deve garantir aos seus cidadãos as condições mínimas para que sejam assegurados níveis de sobrevivência compatíveis com a dignidade humana, mesmo em uma sociedade capitalista, onde é consagrada a livre iniciativa.

Para que seja possível alcançar a igualdade material e fática, nos termos dispostos, é necessário fortalecer a intervenção estatal, pois o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à previdência social e a outros do mesmo gênero só são passíveis de realização por meio de ação governamental. E este é o viés do Estado Social: produzir as condições e os pressupostos reais e fáticos indispensáveis ao exercício dos direitos fundamentais.

No entanto, devido a razões econômicas e estratégias políticas regressivas e antissociais, como a redução do gasto público destinado às prestações sociais e assistenciais, o Estado Social entra em crise. Motivada pelo início do neoliberalismo, pregando a ideia do Estado mínimo, absenteísta, pois não há espaço para a realização das políticas públicas necessárias à efetivação dos direitos sociais, vez que esses investimentos são considerados prejudiciais à finalidade de acumulação de capital, devendo ser redirecionados.

Percebe-se, assim, que os direitos sociais são históricos, como afirma Hannah Arendt sobre os direitos humanos, "não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução". E apenas passaram a constar na pauta de direitos após crescentes reivindicações da classe trabalhadora, em busca de amparo estatal para fugir das condições de miserabilidade a que o capitalismo a expôs.

Não foi diferente na América do Sul, sobretudo nos Estados que compõem o MERCOSUL, mas convém destacar as peculiaridades regionais e históricas. Os países americanos foram manchados por períodos de regimes ditatoriais, de forma que os direitos e liberdades básicos foram escancaradamente violados, por atos como execuções sumárias; desaparecimentos; torturas; prisões ilegais e arbitrárias; perseguição político-ideológica; abolição das liberdades de expressão, reunião e associação.

Entre 1998 e 2002 os países mercosurenhos foram afligidos por uma crise econômica, social e política, de forma que se fez necessária a consideração da "nova questão social", a partir da qual o principal objetivo passou a ser a dimensão social.

A nova dimensão do MERCOSUL, para suplantar os problemas resultantes da mencionada crise, tratou da coordenação de esforços sub-regionais, da primazia das políticas públicas em ralação ao crescimento econômico e a assunção da problemática social com toda a sua complexidade. Os esforços sub-regionais passaram a ser coordenados de forma que pudesse ser aprofundado o processo de integração e as linhas de convergência em políticas públicas no bloco. As políticas sociais não mais seriam tratadas como compensatórias e subsidiárias do crescimento econômico (herança deixada pelo Estado Liberal, como visto), mas sim admitir-se-ia que há condições econômicas para o desenvolvimento social. Assim, as problemáticas sociais foram assumidas em todos os campos da realidade, de sorte que se tornou possível a integridade na resposta dos problemas existentes.

Para que fosse sustentada e articulada a rede de políticas públicas sociais, foram aventados alguns pontos concomitantes e de grande importância. É necessário operar na realidade, o que torna possível a plausibilidade dos resultados e sua sustentabilidade e utilizar os direitos sociais, econômicos, culturais, políticos e civis como pilares fundacionais sobre os quais deve ser construída a sociedade para que seja integrada e inclusiva, vez que esses direitos são fundamentos das próprias políticas sociais.

Importante, ainda, considerando a dinâmica da família, adaptar as políticas públicas à variedade da família contemporânea, consolidando unidades de convivência que assegurem a proteção e o cuidado de seus componentes. E, no mesmo sentido, igualar oportunidades, eliminando dispositivos que operam a exclusão social.

Ressalte-se, ademais, alguns marcos determinantes no que atine à luta contra os problemas sociais no MERCOSUL, pelos quais, para afiançar a democracia e permitir o desenvolvimento social, foram implementadas políticas sociais acompanhadas por medidas econômicas, tais como a redução da pressão fiscal dos setores sociais vulneráveis, regularização do mercado de trabalho, criação de novas fontes de labor e aumento salarial, que foram:

1. Iniciativa de Assunção sobre a Luta contra a Pobreza Extrema (Cúpula de Presidentes, junho de 2005), pretensão de construção de uma sociedade mais equitativa e justa, assumindo, de maneira prioritária, um Plano de Ação de maior alcance, a fim de consolidar a democracia;

2. Comunicado Conjunto dos Presidentes do MERCOSUL (Cúpula de Presidentes, junho de 2005), que determinou a definição de uma Agenda Social Integral e Produtiva para desenvolver inciativas e políticas ativas para a redução do déficit social, promoção do desenvolvimento humano integral e integração produtiva, além do reconhecimento de necessidade de elaborar um Plano Estratégico de Ação Social (PEAS) para a identificação de medidas que impulsionassem a inclusão social e a dignidade;

3. Adoção por parte do Conselho do Mercado Comum (CMC) do documento preliminar do Plano Estratégico de Ação Social do MERCOSUL (Salvador, Bahia, dezembro de 2008), que abrange a erradicação da fome, o combate à pobreza e às desigualdades sociais, fortalecimento da assistência humanitária, participação social, direitos humanos e diversidade, saúde, educação e cultura, economia solidária e cooperativa;

4. Declaração dos Chefes de Estado (Foz do Iguaçu, Paraná, dezembro de 2010), que ressaltou ser o PEAS o elemento central do pilar social do MERCOSUL, bem como o reconhecimento de importante contribuição da Comissão de Coordenação de Ministros de Assuntos Sociais do MERCOSUL (CCMASM) na consecução dos objetivos de aprofundamento da dimensão social da integração;

5. Aprovação por parte do CMC da versão final do PEAS (Cúpula de Assunção, junho de 2011), primeira tentativa de estabelecer consenso sobre o marco conceitual do desenvolvimento social entre os Estados mercosurenhos.

Ante esse cenário, é possível perceber que os objetivos do MERCOSUL estão sendo modulados. A integração, originalmente, visava quase que exclusivamente os fatores e indicadores de crescimento econômico-social, como em sua primeira década de existência de alcunha: MERCOSUL mercantilizado. Essa mercantilização foi marcada pela substituição dos dispositivos de amparo e proteção social por articulações minimalistas, compensatórias e subsidiárias. E este seria um dos desafios a ser enfrentado para o alcance do desenvolvimento social: seria preciso superar o fracasso das décadas passadas reduzindo a desigualdade e assegurando o acesso e manutenção de maiores níveis de cidadania à população.

Além de todos os pontos já indicados, a fim de convergir esforços para fugir do caráter puramente mercantil e combater os problemas sociais no bloco, em 2007 foi criado o Instituto Social do MERCOSUL (ISM), cujo objetivo é hierarquizar a dimensão social da integração sub-regional.

Este instituto, com o intuito de determinar matrizes de bem estar, determinou políticas sociais emergentes: 1) intervenção do Estado nos mercados, principalmente no mercado de trabalho; 2) desenvolver políticas sociais, de forma que sejam promovidos os direitos humanos, sobretudo sociais; 3) garantir o acesso de toda a população às prestações e serviços; 4) favorecer o melhor aproveitamento das políticas públicas sociais; 5) transferência de renda condicionada em expansão para que seja combatida a pobreza; 6) aumento do investimento social e, em momentos de crise, a manutenção deste; 7) reformas sociais privilegiando os setores da saúde e educação; 8) preocupação pela articulação de políticas setoriais; 9) políticas sociais e econômicas; 10) ascensão dos - considerados - objetos de assistência pública a nível de sujeitos de direito; 11) consideração da diversidade cultural, econômica e geográfica para adequar as políticas sociais às necessidades domésticas singulares através da participação das comunidades e envolvimento dos governos locais.

Portanto, o MERCOSUL, desde 2002, teve em pauta a promoção dos direitos de segunda dimensão pela cooperação de todos os seus Estados-membros, pois vantajoso a todos, uma vez que o desenvolvimento social equivale ao progresso do próprio país e, como consectário lógico, do bloco. O que corrobora essa afirmação é a melhoria das condições econômicas experimentadas no interregno entre 2002 e 2010, através da aplicação dos planos de programas sociais que resultaram na diminuição da pobreza e da indigência, bem como, porém em menor escala, da desigualdade.

4. AS DIFERENTES DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS COMO SENTIDO DE COMPLEMENTAÇÃO À REALIZAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA

A dignidade da pessoa humana é o ponto de convergência legitimador de todos os direitos, de forma que todos os direitos experimentados pelo ser humano - seja de primeira, segunda, terceira, quarta ou quinta dimensão - sempre estarão voltados à sua proteção. Todavia, nem sempre estes direitos influenciarão o caso concreto em completa harmonia, pois, como direitos fundamentais, estão sujeitos à colisão.

Sobre a colisão de direitos fundamentais, Robert Alexy criou a Teoria dos Direitos Fundamentais, segundo a qual é inconcebível, no caso concreto, eliminar um direito fundamental para que outro prevaleça, pois ambos devem coexistir, apesar de um deles prevalecer sobre o outro neste caso individualizado. Isto é diferente do que acontece no conflito entre regras, baseado no "tudo ou nada", hipótese em que uma regra existirá e, naquele caso, eliminará a outra, fazendo com esta não produza quaisquer efeitos.

Entretanto, o que é muito interessante na teoria de Alexy em relação ao presente estudo, é a atribuição igualitária de validade aos direitos individuais, sociais e interesses públicos, já que este entendimento aparece em contraposição à famigerada teoria da didática dos direitos humanos: a Teoria das Gerações de Karel Vasak. Esta, pautada no lema revolucionário francês alicerçado em três princípios cardeais (liberdade, igualdade e fraternidade), que provocou a correspondência de cada um destes a princípios de cada geração.

Referida contraposição se dá em razão do uso da nomenclatura "geração", que determina ser cada uma delas decorrentes de valores inspirados em cada momento da história e, inevitavelmente, o caráter de sucessão de uma geração por outra, o que provocaria a ocorrência de caducidade dos direitos das gerações anteriores. Ademais, em uma visão mais perigosa, como a ordem lexicográfica dos princípios de justiça de Rawls, tal nomenclatura faria com que tais direitos estivessem em uma cadeia hierárquica inalterável, sempre tendo o direito à liberdade precedência aos demais, sobretudo ao direito à igualdade, por exemplo.

Contrapondo tudo isso, a teoria de Alexy permite a prevalência de um direito fundamental, sem que o outro seja excluído, seja de segunda dimensão em face de primeira dimensão, seja de primeira dimensão em face de terceira, etc. Nas palavras de Josué Mastrodi Neto, "todo princípio normativo representa um valor ou interesse socialmente relevante e que, justamente por sua relevância, deve ser de algum modo considerado e adjudicado".

Tudo o que explicado até então neste capítulo foi devidamente ilustrado em um exemplo dado pelo referido autor:

Por exemplo, considere-se uma disputa entre direito individual de propriedade e direito social de moradia. Pela teoria de Alexy, trata-se de direitos fundamentais de mesma dignidade constitucional e que poderiam ser mensurados e sopesados. Ao final, porém, o juiz de uma ação de desapropriação ou de usucapião precisaria decidir quem fica integralmente com o objeto da disputa judicial, não havendo possibilidade jurídica de distribuir o bem proporcionalmente entre as partes, na maior medida possível. Diferentemente das outras teorias normativas, em que o direito individual possui natureza de subjetivo e por esse motivo subordina inteiramente o direito social, na teoria de Alexy, há espaço tanto para a vitória completa do direito individual quanto para a do direito social. Aqui, porém, qualquer que seja o resultado, o conflito não é resolvido por nocaute, mas por pontos. Afinal, a solução do conflito não deve se dar na base do tudo ou nada, mas de ponderação.

Com efeito, a ponderação é útil, se não necessária, no que toca às decisões em processos judiciais e discursos governamentais, no entanto não obtém o mesmo êxito quando se fala de conflitos reais, como em critérios de custo benefício. De todo modo, quando se trata de direitos humanos sociais, as decisões, além da ponderação, devem ser submetidas a dois princípios que se complementam: a implementação progressiva e a vedação do retrocesso social.

A implementação progressiva parte da premissa de que o Estado deve criar as condições materiais necessárias para a promoção dos direitos sociais e sempre avançar nas condições de fruição e exercício dos mesmos, estabelecendo um planejamento focado, baseado em metas, de forma a suprir o fato de os recursos serem finitos. No mesmo sentido, não pode, ao longo do processo de efetivação dos direitos sociais, ocorrer pioras no seu grau de fruição, logo, o Estado não pode retroceder reduzindo o nível de proteção desses direitos, como consectário lógico do princípio explícito.

O princípio da proibição do retrocesso pode ser de ordem normativa ou de resultados; enquanto este requer a análise dos resultados de uma política pública com relação a um ponto de referência temporal, aquele demanda a comparação da norma modificada ou substituída e a consequente avaliação de uma possível supressão, limitação ou restrição de direitos pela norma posterior. No que atine à ordem normativa, é possível suscitar a ideia de não-recepção constitucional para norma substituta que provoque o retrocesso.

Esses princípios, portanto, são oriundos da necessária observância do direito ao mínimo existencial, o qual corresponde ao núcleo material do princípio da dignidade da pessoa humana em sua faceta de prestações fáticas básicas. O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (órgão da ONU), a fim de delimitar sobre quais prestações fáticas corresponde o mínimo existencial, criou as obrigações mínimas, difundidas na doutrina como minimum core obligation, que partem do pressuposto de que todos os direitos sociais possuem níveis essenciais que devem ser respeitados, sendo que tal dever está respaldado pelo princípio da boa-fé a que estão submetidos os Estados-parte após a ratificação do respectivo tratado internacional.

A promoção dos direitos sociais depende da criação de condições materiais pelos Poderes Públicos e sua consequente alocação para tal finalidade. Destarte, o artigo 2º, parágrafo 1º, do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o artigo 1º do Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de Direito Econômicos, Sociais e Culturais determinam a utilização do máximo de recursos disponíveis, haja vista a consideração dos direitos sociais como pano de fundo para a promoção do desenvolvimento nacional.

Por serem os direitos sociais demandantes de prestações positivas por excelência, necessária a disponibilidade financeira para serem implementados, ou seja, apenas existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos. Esse fator somado à infinidade de necessidades a serem supridas e a eventual impossibilidade de o Estado arcar com todas as obrigações desta natureza, foi desenvolvida a cláusula financeira da reserva do possível. Esse fenômeno contempla duas situações distintas: a reserva do possível fática - correspondente à inexistência de recursos, a exaustão orçamentária - e a reserva do possível jurídica - a ausência de autorização orçamentária para uma despesa particular.

Entretanto, é inaceitável a invocação do fenômeno da reserva do possível para obstar que sejam assegurados os direitos sociais essenciais - obrigações mínimas - dos cidadãos, pois seu conteúdo descreve o conjunto de prioridades dispostas na Constituição Federal e nos tratados internacionais ratificados. Logo, conclui-se que o limite da reserva do possível fere de morte o denominado núcleo essencial dos direitos sociais (mínimo existencial).

Ademais, não pode a cláusula financeira da reserva do possível ser invocada com a finalidade de exoneração dolosa do cumprimento de obrigações constitucionais, exceto em ocorrendo justo motivo objetivamente aferível. Da conduta negativa do Estado está vedada qualquer possibilidade que resulte em nulificação ou aniquilação de direitos constitucionais fundamentais, pois imperiosa a observância aos princípios da implementação progressiva e da proibição do retrocesso social.

Portanto, a teoria de Alexy, ao trazer a atribuição igualitária de validade dos direitos fundamentais, é complementada pelos princípios da implementação progressiva e da vedação do retrocesso social, vez que, tendo em vista a insuficiência da ponderação no que toca aos conflitos reais, estes princípios - que apenas podem ser obstados em situação pré-definidas e exceptivas - devem sempre ser observados, não importando o âmbito em que a ponderação seja adotada, de sorte que a dignidade da pessoa humana seja sempre garantida, sobretudo porque tutelada a igualdade material.

5. OS DIREITOS SOCIAIS E SEU INFLUXO NA CONSOLIDAÇÃO DA INTEGRAÇÃO DO MERCOSUL

O processo de integração sempre esteve imbricado com a economia, assim a integração econômica é considerada como a união de Estados, a partir de uma estratégia política, induzida por agentes econômicos e viabilizada através do Estado por meio de compromissos internacionais e supranacionais, a fim de, no mínimo, superar barreiras alfandegárias ou até unir-se politicamente. Esta união de Estados forma blocos regionais ou sub-regionais, os quais são fundados em bases inter-relacionadas, como a econômica, a política, a social e a jurídica.

É possível classificar de maneira gradativa os processos de integração econômica da seguinte forma: zona de livre comércio (são eliminadas as tarifas e restrições não tarifárias ao comércio entre os Estados associados); união aduaneira (criação de uma tarifa externa comum aos bens importados de Estados estranhos à união); mercado comum (livre circulação dos fatores de produção); união econômica e monetária (coordenação da política econômica e estabelecimento de uma moeda única); e união política (desaparecimento do Estado).

Apesar de se tratar de integração econômica, sua concretização apenas é possível em caso de convergência de vontade política dos governos dos Estados-membros. E, por óbvio, de aceitação majoritária dos cidadãos, sob pena da formação do bloco ser considerada ilegítima.

Como denominado, o MERCOSUL (Mercado Comum do Cone Sul) teve sua integração até a livre circulação dos fatores de produção, haja vista a convergência das pretensões políticas dos países que ratificam o Tratado de Assunção. Diferente deste, a União Europeia avançou ainda mais, isto é, coordenou sua política econômica, estabelecendo uma moeda única: o Euro.

Não basta, contudo, a convergência da pretensão de eliminação de barreiras e tendência à integração para que esta se concretize, pois todo o processo deve ocorrer concomitantemente com a apreciação dos direitos humanos, haja vista o fato de a própria integração econômica ter sido acompanhada por esforços para harmonizar políticas sociais. E o impacto é positivo no tocante aos direitos econômicos e sociais, pois as políticas públicas sociais utilizarão como parâmetro, uma vez integrados os Estados respectivos, a média alcançada por todos eles - e não o mais baixo denominador comum. Logo, a demanda pela promoção dos direitos sociais passa a ser mais rigorosa.

Demonstrando a importância da defesa dos direitos humanos na formação do bloco regional e sub regional, necessário analisar os dois modelos normativos de relação entre a integração econômica e os direitos humanos.

O MERCOSUL adota o leverage model, também conhecido como modelo de influência, que se trata da participação de sistemas externos de proteção dos direitos humanos no processo de integração econômico, seja como condição política ou jurídica. Inicialmente essa proteção era condição tão somente política, que possibilitaria a fruição dos direitos de pertencimento ao processo de integração. Contudo, após a edição do Protocolo de Ushuaia, em 1996, e do Protocolo de Assunção, em 2005, tornou-se condição jurídica, condicionando a adesão ao bloco a característica de signatário de tratados de proteção dos direitos humanos.

Naturalmente, o modelo de influência é um estágio preliminar do modelo de incorporação. Este incorporation model, filiado da União Europeia, define-se pela interpenetração jurídica entre os sistemas. Não apenas é necessário tutelar os direitos humanos, mas sim, uma vez Estado-membro, a proteção dos direitos humanos estará definitivamente imbricada em todos os Estados figurantes da União Europeia.

Evidentemente esses modelos não vislumbram os mesmos objetivos. O modelo do MERCOSUL determina-se pela condição externa de proteção dos direitos humanos com vistas à integração, pois, dessa forma, possível confiar no Estado parceiro, vez que respeitador da segurança jurídica e da garantia mínima de direitos. Ademais, essa tutela garante a legitimidade do processo de integração perante a comunidade internacional, o que possibilita diálogo e cooperação com outros Estados e organizações internacionais.

O modelo da União Europeia, como evolução do modelo de influência, visa objetivos mais abrangentes, como a garantia de que as liberdades econômicas e os atos dos órgãos de integração não violarão os direitos humanos. Isso apenas foi possível após os Estados serem obrigados a adotar esse tipo de proteção, pois se fez necessário tutelar os direitos fundamentais a nível comunitário, além da existência da cláusula obrigatória sobre a competência da Corte Europeia de Direitos Humanos e das cláusulas de direitos humanos.

Inclusive, a proteção dos direitos humanos, o respeito à democracia e ao Estado de Direito são condições imperativas para que um Estado pertença à União Europeia. Obviamente, como atualmente é odiosa qualquer atitude ofensiva aos direitos humanos, não é de se esperar que um bloco econômico-jurídico regional da estirpe europeia aceite, como Estado-membro, Estado alvo de reiteradas e iterativas denúncias de violações aos direitos humanos, como um membro do bloco. Com certeza isso fragilizaria a relação entre os demais Estados-membros, bem como entre o bloco regional e o cenário global.

O MERCOSUL, como fez a União Europeia, deverá enfrentar o tema dos direitos humanos, não só no Sistema Interamericano, mas em um modelo normativo diferenciado, o incorporation model, pois este é o caminho para a concretização da integração, através do respeito aos direitos humanos, entre os Estados associados. Seguindo os passos da União Europeia, poderá ser aprovada uma Carta de Direitos Fundamentais do Cone Sul, possibilitando a utilização do sistema de solução de controvérsias como mecanismo de acesso direto e proteção de direitos dos indivíduos.

Para concretizar a integração, a professora Flávia Piovesan propõe a superação de 10 (dez) desafios para o fortalecimento do diálogo global, regional e local na defesa dos direitos sociais visando a pavimentação do jus commune na América do Sul. Para tanto, necessário considerar as peculiaridades regionais, haja vista tratar da região com o grau de desigualdade mais elevado no mundo, no que concerne à distribuição de renda.

As Constituições sul-americanas conferem aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos uma hierarquia especial e privilegiada, a qual os distingue dos tratados tradicionais, sobretudo os Estados mercosurenhos. Destaque-se o artigo 75, 22, da Constituição argentina (atribui hierarquia constitucional aos tratados que versam sobre direitos humanos) e o artigo 5º, §§ 2º e 3º, da Constituição brasileira (incorpora os tratados como direitos fundamentais constitucionalmente protegidos).

Esse tipo de cláusula constitucional aberta permite a integração entre a ordem constitucional doméstica e a ordem internacional, sobretudo no tocante aos direitos humanos, razão pela qual se vislumbra ser possível a pavimentação do Direito Comunitário a partir da proteção dos direitos sociais nos países mercosurenhos.

O primeiro desafio proposto é a promoção da ratificação dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos da Organização das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos. Após a democratização dos Estados na região sul-americana, os direitos humanos foram incorporados às agendas estatais, o que trouxe à tona a concepção de que se trata de componente essencial ao fortalecimento dessa democracia e do Estado de Direito.

Nada obstante, ainda é necessária a aceitação do piso protetivo mínimo de defesa dos direitos sociais, o que já foi iniciado no MERCOSUL, haja vista os países desse bloco sub regional, com exceção da Venezuela, serem signatários do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, sem reservas ou declarações interpretativas. No momento em que todos o ratificarem, é possível converter esse marco em ponto de partida para a composição do Direito Comunitário.

O segundo desafio é o fortalecimento da incorporação dos tratados que versam sobre direitos humanos de maneira privilegiada nas ordens jurídicas domésticas, ou seja, sua recepção privilegiada. Isso já ocorre, como dito, na Argentina e no Brasil. Além disso, a constituição do Peru determina que os direitos constitucionalmente reconhecidos devem ser interpretados de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e demais tratados da espécie já ratificados no país.

Destarte, como não são todos os Estados componentes do MERCOSUL que preveem essa recepção privilegiada dos tratados de direitos humanos, mister encorajar todos os textos constitucionais no sentido de incluir cláusulas abertas. Essas cláusulas conferem status hierárquico constitucional aos tratados sobre defesa dos direitos humanos.

O terceiro desafio trata do regime de fomentação de uma cultura jurídica orientada pelo controle de convencionalidade das leis, que nada mais é senão a fiscalização dos atos do Estado baseando-se nos compromissos internacionais assumidos, cujos fiscais são órgãos compostos por julgadores independentes objetos de tratados internacionais.

O pressuposto básico para essa atividade de fiscalização é a promoção de hierarquia diferenciada dos instrumentos internacionais de direitos humanos em relação à legislação ordinária, de sorte que todos os órgãos de poder estatal se vinculem ao tratado ratificado e à interpretação da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Neste sentido, uma vez existente esse pressuposto básico, deve ser assegurada a obrigação e exequibilidade das sentenças internacionais condenatórias dos Estados associados, o que permite a otimização da justiciabilidade dos direitos sociais.

Este ato de fiscalização abarca diferentes categorias para sua realização na seara do MERCOSUL, quais sejam, por exemplo: admissão expressa (Argentina); admissão tácita (Bolívia); silêncio (Brasil); e negação tácita (Venezuela).

O quarto desafio também se trata de fomentação, mas, desta vez, de programas de capacitação para a aplicação dos parâmetros protetivos internacionais dos direitos sociais aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Baseando-se no núcleo essencial mínimo dos direitos sociais, deve haver harmonia entre a elaboração de normas, formulação de políticas públicas e decisões judiciais no âmbito doméstico.

O quinto desafio é no sentido de assegurar o reconhecimento dos direitos sociais como direitos humanos fundamentais na ordem constitucional com a previsão de instrumentos e remédios constitucionais que garantam a sua justiciabilidade. Para tanto, imperioso adotar a visão integral e contemporânea dos direitos humanos, a qual considera a indivisibilidade, interdependência e inter-relação dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.

Para assegurar esse reconhecimento, necessário reputar a paridade hierárquica a esses direitos, bem como conferir remédios que assegurem sua proteção, sobretudo aos direitos sociais. Saliente-se que, não obstante, esses direitos de segunda dimensão são os responsáveis, mesmo que em seu núcleo essencial mínimo, pela promoção da dignidade da pessoa humana.

O sexto desafio é a garantia de prioridade orçamentária para a implementação dos direitos sociais. Reforçando o que afirmado, a interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos confirmam a carência de direitos sociais se ocorrer inobservância dos direitos econômicos, haja vista a impossibilidade da promoção de políticas públicas sem dotação orçamentária. Portanto, para que o Estado proveja, pelo menos, o minimum core obligation, necessário haver receita, ou seja, prioridade orçamentária.

O sétimo desafio é a aplicação de indicadores para a avalição da progressividade na aplicação dos direitos sociais. Os indicadores de resultados, possibilitam o monitoramento do grau de concretização dos direitos sociais alcançado pelo Estado. Tendo em vista que a proteção dos direitos sociais tem o fito de possibilitar a fruição de melhores condições de vida aos cidadãos, utilizando-se de políticas públicas sociais, a aferição de seus resultados é fundamental, pois apenas dessa maneira que ocorre a identificação do grau de gozo desses direitos e, consequentemente, sua garantia.

O oitavo desafio é o impulsionamento da democracia no processo de promoção dos direitos sociais. O componente democrático é de suma importância para a adoção de políticas e programas em direitos sociais, pois propicia a participação dos grupos mais vulneráveis na formulação, implementação e monitoramento desses direitos, de sorte que ficam asseguradas a transparência e o caráter participativo - estruturante - das políticas sociais.

O nono desafio é o fortalecimento do princípio cooperativo internacional no que concerne aos direitos sociais. No caso da integração sub regional de que se trata o MERCOSUL, este passo ocorre a partir da elaboração de uma agenda de prioridades regionais.

O décimo e derradeiro desafio é o avanço nos diálogos vertical e horizontal de jurisdições. Enquanto o diálogo horizontal compreende as jurisdições internacionais, ocorrendo pela implementação da integração no bloco sub regional do Cone Sul, o diálogo vertical define-se pelos demais tipos de jurisdições, pois qualificado pela hierarquia doméstica.

Os desafios são gradativos e iterativos, de forma que a cada avanço o posterior engloba o anterior aperfeiçoando-o e complementando-o. Após completados os 9 (nove) passos - ou desafios -, o décimo se caracteriza como requisito para a formação do jus commune. Assim, materializa-se o enriquecimento mútuo dos Estados componentes do bloco sub regional através de empréstimos constitucionais, intercâmbio de experiências, argumentos, conceitos e princípios vocacionados à proteção dos direitos sociais, além da abertura das ordens domésticas aos parâmetros mínimos fixados de maneira comunitária.

CONCLUSÃO

É inconcebível o desenvolvimento de um país isolado, sem a ocorrência da cooperação de seus vizinhos - ou de outros países que não fronteiriços. Se pelo próprio caráter geográfico é possível encontrar identidades culturais e sociais, pois, como ocorre no Cone Sul, em razão do histórico dos Estados que o compõe, há semelhanças na questão do avanço dos direitos sociais ou, melhor dizendo, na questão da necessidade de avanço dos direitos sociais.

Com o advento das ratificações dos diversos tratados de direitos humanos, principalmente os que tratam especificamente dos países americanos, como o Pacto de San José da Costa Rica e o Protocolo de San Salvador, os Estados passaram a ter maior participação intervencionista nas relações entre os indivíduos, o que resultou em notável progresso.

Este intervencionismo possibilitou a promoção dos direitos sociais e o progresso humano nos Estados associados ao MERCOSUL. Neste diapasão, em conjunto, os Estados do Cone Sul planejaram uma agenda de promoção dos direitos sociais a fim de ceifar a condição de miserabilidade dos indivíduos em situação de extrema pobreza, extinguir a exclusão social, deflagrar a igualdade e assegurar a dignidade.

Já é possível notar o progresso nos Estados mercosurenhos em razão da própria cooperação entre os mesmos, além da observância dos preceitos contidos nos mais variados tratados que versam sobre direitos humanos dos quais são signatários.

Então, pelos 10 (dez) desafios asseverados por Flávia Piovesan, é, de fato, possível consagrar o Direito Comunitário no âmbito mercosurenho a partir da proteção dos direitos sociais, percebendo, neste sentido, ser tangível a união monetária e econômica, o que facilitaria o avanço da proteção dos direitos humanos. Em que pese a nebulosidade que eiva a concretude desses desafios, é perceptível que os Estados em voga - alguns mais do que os outros - encontram-se no patamar do sétimo ou oitavo desafio, de sorte que, no momento em que se estabelecerem no mesmo nível, haverá possibilidade concreta de progresso na integração econômica regional. Desta feita, a proteção dos direitos humanos visa a concretizar a integração, sendo que, em contrapartida, a sua ausência deslegitima o processo e cria um fator de desconfiança sobre a nova ordem e temor de vulneração de direitos e erosão de garantias.

Logo, com o advento de uma União entre os Estados membros do MERCOSUL, seria propiciado o maior avanço da igualdade e da dignidade humana, pois viabilizado pelo progresso econômico. E, enfim, tornar-se-ia realidade a proposta constante do preâmbulo do Tratado de Assunção, qual seja, "modernizar as suas economias para ampliar a oferta e a qualidade de bens e serviços disponíveis, a fim de melhor as condições de vida de seus habitantes".

NOTAS

A reserva é a denominação ou forma de ato unilateral estatal, objeto de manifesta intenção do Estado em se eximir de determinada obrigação ou modificá-la internamente. É, portanto, uma condição do Estado para aderir ao tratado, pois apenas o faria no caso de não sofrer os efeitos jurídicos do dispositivo a que se destina a reserva, o que, consequentemente, modifica as relações deste Estado com os outros Estados-parte, de sorte que as disposições objeto das reservas são consideradas como inexistentes.

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Após a entrada da Venezuela no MERCOSUL, o bloco passou a compreender mais de 70% do território, da população e do PIB da América do Sul. Além disso, o fluxo comercial entre esses países, desde que foi criado o Mercado Comum, aumentou de 5 para 50 bilhões de dólares e os investimentos produtivos intrabloco dobraram. MIRZA, Christian Adel; NASCONE, Mariano; MONDELLI, Marcelo; GARCÍA, Carmen. A dimensão social do MERCOSUL: Marco conceitual. Instituto Social do MERCOSUL: Assunção, 2012, p. 9.

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RAWLS apud Ibid., p. 583

Ídem.

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Ibíd., p. 587.

"Se consagradas legalmente as prestações de assistência social, o legislador não pode eliminá-las posteriormente sem alternativas ou compensações 'retornando sobre os seus passos'; reconhecido, através de lei, o subsídio de desemprego como dimensão do direito ao trabalho, não pode o legislador extinguir este direito, violando o núcleo essencial do direito social constitucionalmente protegido." CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 5a ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 475.

RAMOS, André de Carvalho. "Os modelos de interação entre direitos humanos e os processos de integração econômica". In: CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho. Direito Internacional: Homenagem a Adherbal Meira MattosSão Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 205.

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Recebido: 21 de Junho de 2015; Aceito: 22 de Julho de 2015

Autor de Correspondência: Professora, doutora e pesquisadora da Faculdade de Direito da PUC Campinas de Direito Internacional Privado, Direito do Comércio Internacional e Arbitragem. Membro de ASADIP. Autora de livros e artigos científicos. E-mail: renataalvaresgaspar@gmail.com

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