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Revista de la Secretaría del Tribunal Permanente de Revisión

Print version ISSN 2307-5163On-line version ISSN 2304-7887

RSTPR vol.3 no.6 Asunción Aug. 2015

 

Prólogo

Prólogo

Antônio Augusto Cançado Trindade* 

*Corte Internacional de Justiça (Haia), Suiça


1. No momento em que a Revista do Tribunal Permanente de Revisão do MERCOSUL toma a salutar iniciativa de dedicar um número especial à temática dos "Direitos Humanos: MERCOSUL e América Latina", é com satisfação que acedo ao gentil convite para escrever este breve Prólogo. Cabe apreciar a situação atual da matéria em sua dimensão temporal, com os olhos voltados tanto ao presente e ao futuro previsível, assim como ao legado do passado. Já se foram duas décadas deste a realização da memorável II Conferencia Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, em junho de 1993. A referida Conferencia se inseriu no ciclo das Conferências Mundiais das Nações Unidas, ao longo da década de noventa e do início do século XXI.

2. Tive a ocasião de participar da referida II Conferência Mundial de Direitos Humanos das Nações Unidas, na tríplice condição de Membro da Delegação do Brasil, de Delegado do Instituto Interamericano de Direitos Humanos, e de Relator do Forum Mundial das Organizações Não-Governamentais (ONGs) - que a precedeu - do tema "Desenvolvimento, Democracia e Direitos Humanos". Preparei, ademais, para a Conferência Mundial de Viena, o estudo "La Protección Internacional de los Derechos Humanos en América Latina y el Caribe", circulado na mesma como documento oficial das Nações Unidas. Ao longo do processo preparatório da Conferencia Mundial de Viena, alguns temas passaram claramente a receber um tratamento diferenciado ou ênfase especial.

3. Assim, desde a primeira sessão do Comitê Preparatório da Conferência Mundial (setembro de 1991), e.g., o Grupo Latino-Americano e do Caribe (GRULAC) avançou o critério de que, em seu entendimento, um grande tema da Conferência Mundial vindoura devia ser o da trilogia direitos humanos/democracia/desenvolvimento (como "marco orientador" dos temas incluídos na resolução 45/155 da Assembléia Geral). Com efeito, o tema do fortalecimento da democracia passou a figurar com destaque nos trabalhos preparatórios da Conferência Mundial. Os três Grupos Regionais (Africano, Latino-Americano e Caribenho, e Asiático), formados ao longo do processo preparatório da Conferência Mundial, propuseram, no decorrer da segunda sessão do Comitê Preparatório (março-abril de 1992), temas distintos para consideração da Conferencia de Viena.

4. O GRULAC houve por bem propor os seguintes temas: a erradicação da pobreza; a administração da justiça; o direito ao desenvolvimento; os ajustes econômicos e a dívida externa; a relação entre direitos humanos, democracia e desenvolvimento; o combate às novas formas de racismo e xenofobia; a proteção de grupos vulneráveis; o fortalecimento das instituições nacionais de direitos humanos; a instrução e capacitação em direitos humanos; a cooperação internacional em matéria de direitos humanos; os efeitos de características étnicas, culturais, religiosas, morais e sociais na aplicação de instrumentos internacionais de direitos humanos. A temática proposta pelo GRULAC foi efetivamente examinada ao longo da Conferencia Mundial de Viena de 1993.

5. Nos anos seguintes à inesquecível e memorável Conferencia de Viena, publiquei o relato e exame detalhados de tudo o ocorrido na referida Conferência Mundial, à qual dediquei todo o primeiro volume de meu Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Significativamente, o referido ciclo de Conferências Mundiais das Nações Unidas tem apresentado um denominador comum, conferindo coesão aos documentos finais por elas adotados: tal como o percebo, reside ele no reconhecimento da legitimidade da preocupação da comunidade internacional como um todo com as condições de vida da população em toda parte. Daí resulta ser a realização da justiça uma responsabilidade compartilhada por todos, inclusive no tocante às interrelações dos novos problemas encontrados.

6. Cada um dos novos contextos de proteção revela uma dimensão própria, ademais de aptidão para análise em distintas áreas, interrelacionadas, do conhecimento humano. Nestas duas últimas décadas, alguns avanços se lograram, à luz da Declaração e Programa de Ação de Viena (documento final da II Conferencia Mundial de Direitos Humanos, de cuja redação participei), no âmbito, e.g., da justiciabilidade dos direitos econômicos, sociais e culturais, da vindicação dos direitos da mulher, e da racionalização dos sistema de relatorias das Nações Unidas. Ainda resta, no entanto, um longo caminho a percorrer, como assinalei em um estudo recente.

7. O presente número especial da Revista do Tribunal Permanente de Revisão do MERCOSUL sobre os "Direitos Humanos: MERCOSUL e América Latina" constitui um aggiornamento da temática, dos principais problemas pendentes em nossa região, a requerer prontas respostas, em benefício dos que necessitam de proteção, no âmbito da universalidade dos direitos humanos. Os mais de vinte artigos reunidos neste número especial da Revista constituem uma contribuição valiosa à compreensão da matéria, e serão de consulta inelutável nos círculos jurídicos latinoamericanos, em particular nos países do MERCOSUL.

8. É significativo que a iniciativa desta publicação tenha partido dos responsáveis pela Revista de um tribunal internacional, o Tribunal Permanente de Revisão do MERCOSUL, que tive a satisfação de visitar recentemente. Um dos fenômenos de nossa era é o da jurisdicionalização da própria ordem jurídica internacional, evidenciado pela criação e coexistência de múltiplos tribunais internationais contemporâneos. Considero este fenômeno particularmente alentador, porquanto amplia e assegura o acesso à justiça, no plano internacional, a um número crescente de justiciáveis, que não a encontraram no plano nacional. Neste domínio de proteção, os ordenamentos jurídicos internacional e interno encontram-se em constante interação. E o necessário diálogo entre os tribunais internacionais contemporâneos contribui à harmonização de sua evolução jurisprudencial, em sua missão comum de realização da justiça. O presente número especial da Revista do Tribunal Permanente de Revisão do MERCOSUL dá valioso testemunho neste sentido.

NOTAS

A saber, Conferencias Mundiais sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio de Janeiro, 1992; sobre Direitos Humanos, Viena, 1993; sobre População e Desenvolvimento, Cairo, 1994; sobre Desenvolvimento Social, Copenhagen, 1995; sobre Direitos da Mulher, Beijing, 1995; sobre Assentamentos Humanos - Habitat-II, Istanbul, 1996; e Conferência Mundial contra o Racismo, Durban/África do Sul, 2001.

ONU, documento A/CONF.157/PC/63/Add.3, de 18.03.1993, p. 1-137.

Assim, segundo o GRULAC, cabia ressaltar a "inevitável vinculação dos aspectos jurídicos em matéria de direitos humanos com os temas do desenvolvimento e democracia"; Intervención del (...) Grupo Latinoamericano y del Caribe ante el Comité Preparatorio de la Conferencia Mundial de Derechos Humanos, documento de 12.09.1991, p. 1-3 (mimeografado, circulação interna).

ONU, documento A/CONF.157/PC/25, de 17.03.1992, p. 1-2.

A.A. Cançado Trindade. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, vol. I. Porto Alegre: Fabris ed., 1997, p. 1-486 (1a. ed.); e 2003, p. 1-640 (2a ed.).

Cf. A.A. Cançado Trindade. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos,vol. I. 2a ed. Porto Alegre: Fabris ed., 2003, caps. III-VII, p. 165-338; e cf.: CIJ. Parecer Consultivo sobre a Declaração de Independência de Kossovo (de 22.07.2010), Voto Arrazoado do Juiz A.A. Cançado Trindade, parágrafos 138-240.

Cf. A.A. Cançado Trindade. A Proteção dos Vulneráveis como Legado da II Conferência Mundial de Direitos Humanos (1993-2013).Fortaleza/Brasil, IBDH/IIDH/SLADI, 2014, p. 13-356.

Cf., e.g., Société Française pour le Droit International (SFDI). La juridictionnalisation du droit international (Colloque de Lille de 2002). Paris: Pédone, 2003, p. 3-545; A.A. Cançado Trindade, Los Tribunales Internacionales Contemporáneos y la Humanización del Derecho Internacional. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2013, p. 15-185; A.A. Cançado Trindade. Os Tribunais Internacionais e a Realização da Justiça. Rio de Janeiro: Renovar, 2015, p. 1-507.

Cf., a respeito, A.A. Cançado Trindade, El Derecho de Acceso a la Justicia en Su Amplia Dimensión, 2a ed. Santiago de Chile: Ed. Librotecnia, 2012, p. 79-574; A.A. Cançado Trindade. Évolution du Droit international au droit des gens - L´accès des particuliers à la justice internationale: le regard d'un juge. Paris: Pédone, 2008, p. 1-187; A.A. Cançado Trindade. The Access of Individuals to International Justice. Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 1-236.

Cf. A.A. Cançado Trindade. El Ejercicio de la Función Judicial Internacional - Memorias de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, 3a ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2013, cap. XXII, p. 189-200.

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