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Revista de la Secretaría del Tribunal Permanente de Revisión

Print version ISSN 2307-5163On-line version ISSN 2304-7887

RSTPR vol.3 no.5 Asunción Mar. 2015

https://doi.org/10.16890/rstpr.a3.n5.95 

Artículo Original

Transparência em arbitragens internacionais investidor-estado

Transparencia en arbitrajes internacionales inversionista-estado

Paula Schlee* 

*Banco Central, Departamento de Organização do Sistema Financeiro, Brasil.


Resumo:

Este artigo trata da questão da transparência em arbitragens investidor-Estado. Primeiramente, explica-se o que se entende por transparência nesta seara: (i) acesso a informação e documentos concernentes a disputas; (ii) a abertura ao público das audiências realizadas durante o procedimento; e (iii) a participação de amici curiae. Na sequência, são delineadas as regras de transparência contidas nas regras de arbitragem do ICSID, bem como as novas regras de transparência aplicáveis a arbitragens investidor-Estado no âmbito das regras de arbitragem da UNCITRAL. Finalmente, são feitos comentários acerca dos últimos desenvolvimentos acerca do tema no âmbito do Mercosul e no Brasil.

Palavras-chave: Arbitragem; Investidor-Estado; Transparência; ICSID; UNCITRAL; MERCOSUL; Brasil

Resumen:

Este artículo trata de la cuestión de la transparencia en arbitrajes inversionista-Estado. Primeramente, se explica qué se entiende por transparencia en este ámbito: (i) acceso a información y documentos relativos a disputas; (ii) apertura al público de los procedimientos orales; y (iii) participación de amici curiae. A continuación, se delinean las reglas de transparencia contenidas en las reglas de arbitraje del ICSID, así como también las nuevas reglas de transparencia aplicables a arbitrajes inversionista-Estado en el ámbito de las reglas de arbitraje de la UNCITRAL. Finalmente, se hacen comentarios acerca de los últimos desarrollos acerca del tema en el ámbito del Mercosur y en Brasil.

Palabras clave: Arbitraje; Inversionista-Estado; Transparencia; ICSID; UNCITRAL; MERCOSUR; Brasil

1. INTRODUÇÃO

Em se tratando do direito internacional aplicável às relações entre investidores estrangeiros e Estados receptores de investimentos, os métodos disponíveis para a solução de controvérsias sempre foram objeto de especial atenção.

Partindo século XIX, quando ainda se discutiam os padrões de tratamento a serem dispensados aos investidores estrangeiros no âmbito do exercício, por parte dos Estados exportadores de capital, do instituto da proteção diplomática, para chegar aos dias atuais, em que a arbitragem entre investidores estrangeiros e Estados receptores de investimentos se incorporou ao panorama do Direito Internacional dos Investimentos, percebe-se que o tema, por mais que tenha evoluído, ou talvez exatamente por esta razão, continua sendo objeto de interesse e discussão política e acadêmica.

Na América Latina, em razão da algo traumática experiência argentina com arbitragens internacionais em matéria de investimentos, mas também em países como os Estados Unidos da América, que se viram como respondentes em arbitragens iniciadas por investidores ao abrigo das disposições do Capítulo XI do North American Free Trade Agreement ("NAFTA"), a proliferação desta modalidade de solução de disputas trouxe consigo questionamentos acerca do que pode ser entendido como um poder excessivo concedido a árbitros privados para decidirem questões relacionadas, em última análise, com os próprios poderes regulatórios soberanos dos Estados.

Em tal panorama, a confidencialidade característica dos procedimentos arbitrais passou a ser alvo de especial reflexão. Com efeito, à exceção do International Center for the Settlement of Investment Disputes ("ICSID"), criado especificamente para adjudicar disputas entre investidores e Estados receptores de investimentos, as demais instituições e regras que costumam ser mencionadas em tratados de investimento, como a International Chamber of Commerce ("ICC") ou a United Nations Commission on International Trade Law ("UNCITRAL"), são voltadas à condução de arbitragens comerciais internacionais entre duas partes privada. Assim, não surpreende que suas regras de arbitragem não requeiram algum grau de transparência, ou que não demonstrem preocupação em levar em conta o interesse público.

Os tratados em matéria de investimento, por sua vez, ao regularem os aspectos relativos à solução de controvérsias, tampouco incluíam regras exigindo algum grau de transparência nos procedimentos arbitrais. Foi o Capítulo XI do NAFTA que, de forma mais ou menos pioneira, trouxe o assunto à baila. Depois disso, também o tratado bilateral de investimento modelo dos Estados Unidos da América, já em sua versão de 2004, passou a incluir cláusulas sobre transparência nos procedimentos arbitrais, assim como o tratado bilateral de investimento modelo do Canadá, também em sua versão de 2004, por exemplo.

Assim, o propósito deste artigo é fornecer ao leitor informações iniciais acerca do tema transparência em arbitragens investidor-Estado em matéria de investimentos estrangeiros, iniciando por esclarecer do que se fala quando se fala em transparência nesta seara. Na sequência, serão feitos breves comentários sobre as regras de arbitragem investidor-Estado do ICSID, bem como sobre as regras de transparência aprovadas em 2013 pela UNCITRAL. A escolha de ICSID e UNCITRAL se justifica pelo fato de que, no caso do ICSID, é a única instituição arbitral dedicada especificamente à arbitragem em matéria de investimentos e, no caso da UNCITRAL, pelo fato de ter, com a aprovação das regras de transparência em 2013, dado um passo importante na adequação de seu arcabouço normativo a uma especificidade das arbitragens investidor-Estado. Finalmente, serão feitos comentários acerca dos últimos desenvolvimentos no Mercosul e no Brasil no que se refere a tratados em matéria de investimentos estrangeiros.

2. TRANSPARÊNCIA E ARBITRAGEM INVESTIDOR-ESTADO: DO QUE SE TRATA

O estabelecimento de obrigações de transparência não chega a ser novidade em tratados em matéria de investimento estrangeiro, mormente pela via indireta, ou seja, por meio da interpretação de cláusulas de tratamento justo e equitativo. Tradicionalmente, contudo, a ideia de transparência em tais tratados se materializava em obrigações criadas para os Estados receptores de investimento, sob a forma de obrigações de informar adequadamente o investidor estrangeiro acerca do arcabouço regulatório incidente sobre o investimento e acerca de suas eventuais modificações. Com isto, o que se procurava garantir era a possibilidade de o investidor estrangeiro tomar decisões informadas, além de assegurar previsibilidade e estabilidade à relação de investimento.

A ideia de transparência associada a arbitragens investidor-Estado, também por ser algo contraintuitiva, é mais recente e está relacionada, de certa forma, ao sucesso e à popularidade alcançados pela arbitragem em matéria de investimentos. Com efeito, a possibilidade de arbitragem investidor-Estado está prevista na grande maioria dos tratados sobre a matéria e tal abrangência resultou em sua efetiva utilização como forma de solução de disputas o que, por sua vez, resultou em decisões arbitrais que acabaram sendo objeto de discussão política e acadêmica em razão de seus impactos sobre temas de interesse público. O interesse público, no caso, pode ser derivado tanto do simples fato de ser o Estado parte do procedimento arbitral, quanto dos impactos que o laudo arbitral possa ter sobre os poderes regulatórios do Estado, sobre questões afetas aos direitos humanos ou sobre as finanças do Estado, na hipótese de o laudo condenar o Estado ao pagamento de indenizações.

Assim, à medida que ficou comprovado na prática que as decisões tomadas por árbitros privados, em procedimentos muitas vezes confidenciais (como é característico de arbitragens), tinham impacto significativo sobre as vidas de populações inteiras, as pressões para que a confidencialidade fosse sendo abrandada tomaram corpo. Embora perfeitamente legais, tais procedimentos passaram a ser questionados em termos de sua legitimidade e, desta forma, pode-se dizer que as concessões feitas em matéria de transparência visam, também, evitar que a arbitragem como método de solução de controvérsias em matéria de investimentos acabe por perder espaço para os métodos tradicionais, quais sejam, o recurso aos tribunais domésticos e o instituto da proteção diplomática, materializado em arbitragens entre Estados ou no recurso a tribunais internacionais interestatais.

Mas, então, o que significa transparência em matéria de arbitragens investidor-Estado? Comumente, em tal contexto, transparência significa: (i) acesso a informação e documentos concernentes a disputas; (ii) a abertura ao público das audiências realizadas durante o procedimento; e (iii) a participação de amici curiae. A seguir serão feitos breves comentários acerca de cada um destes possíveis significados.

2.1 Acesso a informação e documentos

Em um nível mais básico, abrange informação para o público acerca da própria existência da controvérsia, das partes envolvidas e do assunto em discussão. Em que pese isto pareça pouco, convém lembrar, aqui, que a arbitragem investidor-Estado, nos moldes em que se popularizou nos tratados de investimento, foi inspirada na arbitragem comercial internacional, seara em que a confidencialidade acerca de tudo do que envolve a disputa é elemento-chave.

Em um nível mais profundo, abrange acesso público a certos documentos do procedimento arbitral, como a notícia de arbitragem, memoriais, transcrições de audiências e o próprio laudo arbitral.

Nas hipóteses em que se franqueia ao público acesso a uma quantidade maior de documentos, surgem preocupações acerca da proteção de informações confidenciais tanto do investidor, quando do Estado envolvido na controvérsia. Em tais casos, preocupações legítimas acerca da proteção de dados confidenciais podem ser endereçadas pelo próprio tratado, que pode prever expressamente a possibilidade de que certo tipo de informação seja protegida.

Neste particular, é interessante verificar como a arbitragem investidor-Estado e seus graus variados de transparência, entendida como possibilidade de acesso a informação e documentos, se relaciona com os direitos internos dos Estados envolvidos em arbitragens, uma vez que o acesso a informação pode aparecer, nos ordenamentos internos, como integrante do rol dos direitos e garantias fundamentais, além de estar intimamente relacionado com princípios de direito administrativo.

No ordenamento brasileiro, por exemplo, o acesso à informação está listado como direito fundamental e a publicidade está elencada como um dos princípios constitucionais da administração pública. Além disso, no âmbito infraconstitucional, a Lei n. 12.527, de 2011, que regula o direito de acesso à informação constitucionalmente previsto, estabelece, em seu art. 5º, ser "dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão". Ademais, para os efeitos da mencionada Lei, o art.7º, II, estabelece que o acesso à informação abrange informação acerca da "administração do patrimônio público, utilização dos recursos públicos, licitação e contratos administrativos", assuntos estes muito relacionados com arbitragens investidor-Estado.

É bem verdade, por outro lado, que tanto a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXXIII, quanto a Lei n. 12.527, de 2011, em seu art. 23, excluem da possibilidade de acesso público as informações consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado, assim como reconhecem a existência de outras hipóteses legais de sigilo, inclusive aquelas relacionadas com segredo industrial.

No entanto, a Lei n. 12.527, de 2011, estabelece, em seu art. 21, que não se poderá negar acesso a informação que seja necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais. Dada a crescente ampliação do rol dos direitos fundamentais, que já abrange, em sua terceira geração, ou dimensão, direitos coletivos ou difusos, como aqueles relacionados ao meio ambiente e ao patrimônio artístico e cultural, não é desprezível a possibilidade de estarem direitos fundamentais implicados em discussões acerca do cumprimento ou não de obrigações assumidas no âmbito de tratados sobre investimentos, de forma a colocar em xeque, novamente, a legitimidade de procedimentos arbitrais que não observem níveis mínimos de transparência e publicidade.

A legislação brasileira foi usada, aqui, como exemplo, somente, mas acredita-se que sirva para ilustrar as tensões que podem ser verificadas entre o caráter confidencial de uma arbitragem investidor-Estado e os impulsos na direção da transparência emanados dos ordenamentos jurídicos dos Estados, sobretudo daqueles democráticos e observantes dos direitos fundamentais.

2.2. Audiências abertas ao público

A abertura ao público das audiências eventualmente realizadas durante uma arbitragem investidor-Estado pode ser considerada um aprofundamento do direito de acesso à informação comentado no item anterior. Com efeito, em muitos casos em que se permite ao público acessar documentos relativos ao procedimento arbitral, as transcrições de audiências estão entre os documentos acessíveis.

Em tal cenário, a possibilidade de assistir a audiência in loco ou por meio de transmissão televisiva ou via web-streaming pode ser interessante do ponto de vista da representação da sociedade civil, sobretudo, pois possibilita um contato mais direto com os árbitros, que poderão testemunhar ao vivo a mobilização do público naqueles casos que lidem com assuntos mais sensíveis para o conjunto da sociedade, além de possibilitar reação ou resposta mais rápida aos argumentos oferecidos pelas partes na disputa, quando se entender que o interesse da sociedade civil esteja ameaçado ou não tenha sido adequadamente defendido.

As dificuldades que podem advir de tal abertura são, principalmente, da ordem da infraestrutura necessária para receber um número maior de pessoas em uma audiência, ainda que somente para assisti-la, ou para transmitir uma audiência por televisão ou internet, ademais do aumento das preocupações com a segurança de todos os presentes.

Trata-se, portanto, de uma situação em que prós e contras devem ser cuidadosamente avaliados à vista do interesse público, aqui entendido não somente como interesse "do público", mas também como o interesse das partes envolvidas na arbitragem, especialmente o Estado, além do interesse do Estado onde a audiência pretensamente pública deverá ser realizada, mormente quando houver risco de embates que degenerem em violência e danos ao patrimônio público e privado.

2.3. Amici Curiae

Amici curiae são os "amigos do corte", ou seja, terceiros, não envolvidos diretamente no procedimento arbitral, mas que detêm algum interesse em seu desenvolvimento e resultados. Normalmente, são entidades representantes da sociedade civil e organizações não governamentais. A participação de amici curiae se dá, em regra, pela apresentação de memoriais ao tribunal, com a possibilidade de que os argumentos esgrimidos em tais memoriais sejam levados em consideração.

Controversa a princípio, a possibilidade de admissão de amici curiae já está mais ou menos assentada em controvérsias relativas a investimentos estrangeiros. Os pontos de discussão, atualmente, referem-se a: (i) pressupostos de admissão, ou seja, quais entidades da sociedade civil ou organizações não governamentais serão aceitas, em cada caso, como amici curiae; (ii) pressupostos de efetividade, ou seja, considerações acerca da possibilidade de que os memoriais dos amici curiae admitidos contribuam positivamente para o desenvolvimento do procedimento arbitral; e (iii) acesso a documentos, ou seja, naqueles casos em que documentos do procedimento arbitral não são abertos ao público, em que medida tal acesso deve ser franqueado aos amici curiae admitidos.

3. TRANSPARÊNCIA E ARBITRAGEM INSTITUCIONAL: AS REGRAS DO ICSID E AS NOVAS REGRAS DA UNCITRAL

Nos tratados em matéria de investimento em que a arbitragem investidor-Estado figura como um dos possíveis métodos de solução de controvérsias, a opção de arbitragem ad-hoc normalmente aparece ao lado da opção de arbitragem institucional. Neste último caso, dentre as instituições que mais comumente são mencionadas em tratados de investimento, foram destacados para este estudo o ICSID, integrante da estrutura do Banco Mundial, pelo fato de ser uma instituição dedicada à arbitragem em matéria de investimentos, e não à arbitragem comercial internacional em geral e a UNCITRAL, pelo fato de ter aprovado, recentemente, novas regras de transparência em arbitragens investidor-Estado.

3.1. ICSID

Uma das características distintivas das arbitragens ICSID em matéria de transparência é o fato de que, por força do quanto determinado pelo artigo 36(3) da Convenção de Washington, combinado com os Regulamentos 22 e 23 dos Administrative and Financial Regulations, a existência de arbitragens investidor-Estado que tenham sido levadas ao ICSID é dada a conhecimento do público.

Com efeito, o artigo 36(3) da Convenção de Washington estabelece que todos os requerimentos de arbitragem, contendo identificação das partes e informações acerca do assunto objeto da controvérsia, deverão ser registrados pelo Secretariado do ICSID. A única exceção a esta regra são aqueles casos em que o Secretário-Geral, a quem incumbe fazer o registro, entenda que a controvérsia está manifestamente fora do âmbito da jurisdição do ICSID. Tal disposição é complementada pelo Regulamento 23(1) dos Administrative and Financial Regulations, que estabelece que também informações acerca da constituição e da composição de cada um dos tribunais arbitrais têm que ser registradas, assim como quaisquer requerimentos de suplementação, retificação, interpretação, revisão ou anulação do laudo, bem como informações acerca de eventual suspensão de sua execução.

O Regulamento 22(1) dos Administrative and Financial Regulations, por sua vez, estabelece obrigação, também para o Secretário-Geral do ICSID, de publicar informação acerca das operações do centro, incluindo o registro de todos os pedidos de arbitragem e, a seu tempo, a data e a forma pela qual o procedimento foi finalizado. Tal disposição é complementada pelo Regulamento 23(2) dos Administrative and Financial Regulations, ao estabelecer que os registros de pedidos de arbitragem, com o conteúdo apontado acima, deverão ser abertos para inspeção por qualquer pessoa.

No que se refere à publicação de documentos, contudo, nem a Convenção de Washington, nem os Administrative and Financial Regulations ou as Regras de Arbitragem do ICSID estabelecem obrigações de transparência ou publicidade. De outro lado, também não existem regras estabelecendo confidencialidade compulsória. Com efeito, o Regulamento 22(2) dos Administrative and Financial Regulations estabelece, neste particular, que o Secretário-Geral deverá providenciar a publicação de laudos arbitrais e minutas e outros registros de procedimentos se ambas as partes assim concordarem. Ou seja, as partes em cada procedimento arbitral detêm o poder de modular o grau de transparência que a ele desejam imprimir.

Questão relacionada a esta diz respeito ao direito de cada parte dar, ela própria, ao conhecimento do público, documentos produzidos no âmbito de uma arbitragem levada a cabo perante o ICSID. Como não existem, conforme acima mencionado, regras claras sobre este assunto, esta questão, nos casos em que foi suscitada, foi decidida pelos próprios tribunais arbitrais. Desde 1983, no caso Amco x Indonésia (ICSID Case n. ARB/81/1), até 2013, no caso Telefónica S.A. x México (ICSID Case n. ARB(AF)/12/4), tribunais arbitrais constituídos sob as regas do ICSID têm decidido não existir uma regra geral de confidencialidade que impeça que as partes na arbitragem falem abertamente sobre o assunto e publiquem documentos a ele relativos. De outro lado, os mesmos tribunais arbitrais demonstram preocupação com o que se poderia chamar de "excesso de transparência" a causar, possivelmente, prejuízos para o desenvolvimento do procedimento arbitral. Assim, na prática, e na ausência de regras claras sobre o assunto ou de acordo entre as partes, o que os tribunais arbitrais têm tentado criar são regras específicas de confidencialidade, ajustadas às circunstâncias específicas de cada caso concreto, levando em consideração o que entendem ser uma tendência na direção de maior transparência, ao lado das preocupações acima mencionadas com a preservação do bom desenvolvimento do procedimento arbitral e do não agravamento do conflito com a publicação de detalhes contidos em documentos apresentados pelas partes.

Com relação ao acesso de terceiros, não partes do procedimento arbitral, a audiências (fase oral do procedimento de arbitragem), a Regra 32 das Arbitration Rules do ICSID estabelece que o tribunal pode permiti-lo, desde que nenhuma das partes a isto de oponha. Da forma como está redigida a regra depreende-se que o tribunal não precisa obter o consentimento prévio das partes para determinar a abertura a terceiros das audiências; somente estão previstas consultas a este respeito com o Secretário-Geral. No entanto, as partes detêm poder de vetar a decisão do tribunal sobre este assunto, se não estiverem de acordo com ela. Ou seja, a decisão final sobre o caráter privado da fase oral do procedimento arbitral permanece nas mãos das partes.

No que concerne à participação de amici curiae, a Regra 37(2) das Arbitration Rules estabelece que "depois de consultar ambas as partes, o Tribunal pode autorizar uma pessoa ou entidade que não seja parte da disputa (...) a protocolar uma petição por escrito junto ao Tribunal relativa a um assunto dentro do escopo da disputa". Conforme indicado pelo verbo "pode", a aceitação de petições de amici curiae é uma faculdade do tribunal e, dentre outros aspectos, a decisão sobre a aceitação ou não deverá considerar se: (i) tal petição poderá auxiliar o tribunal no esclarecimento de questões fáticas ou legais pelo fato de aportar uma perspectiva, conhecimento ou insight distinto daqueles das partes; (ii) tal petição tratará de um assunto dentro do escopo da disputa; e (iii) o amicus curiae tem interesse relevante no procedimento. Ademais, o tribunal deverá assegurar que a petição do amicus curiae não cause tumulto ao procedimento nem prejudique indevidamente qualquer das partes, sendo que a ambas as partes deve ser dada a oportunidade de apresentar suas observações e argumento acerca da petição do amicus curiae.

Questão relacionada a esta diz respeito ao poder do tribunal de permitir, na ausência de regras ou de acordo entre as partes a este respeito, acesso de amici curiae a documentos relativos ao procedimento arbitral. No âmbito do ICSID não existem regras claras sobre este assunto e, desta forma, novamente, questões deste tipo, quando suscitadas, tiveram que ser decididas pelos respectivos tribunais. As decisões a este respeito parecem indicar que uma das principais questões levadas em consideração pelos tribunais quando chamados a discutir este assunto é a relação entre o acesso a documentos e a efetividade da participação dos amici curiae. Desta forma, tem-se notícia de casos em que o tribunal negou acesso a documentos por entender que os amici curiae tinham a possibilidade de obter informações sobre o caso a partir de outras fontes (ICSID Cases n. ARB/03/19 e ARB/05/22), bem como de casos em que algum acesso a documentos foi concedido aos amici curiae (ICSID Cases n. ARB/07/19 e ARB(AF)/07/1).

Finalmente, no que se refere ao acesso ao laudo arbitral, a Convenção de Washington, em seu artigo 48(5), estabelece que o ICSID não pode publicar os laudos arbitrais sem obter o consentimento das partes para tanto. Esta regra é repetida e confirmada pela Regra 48(4), das Arbitration Rules, que, no entanto, também a complementa, estabelecendo que o ICSID incluirá excertos dos argumentos legais do laudo em suas publicações. Caso as partes concordem com a publicação do laudo em sua versão integral, a publicação será feita nos termos do Regulamento 22(2) dos Administrative and Financial Rules, acima mencionado. Ressalte-se que estas regras se aplicam à possibilidade de publicação do laudo pelo ICSID, somente; as partes podem, cada uma delas, decidir publicar o laudo, independentemente do consentimento da outra.

Para finalizar esta seção acerca de regras de transparência em arbitragens investidor-Estado no âmbito do ICSID é necessário fazer alguns comentários sobre a situação das arbitragens levadas a cabo de acordo com as regras de arbitragem da Additional Facility, que são aplicadas: (i) ratione personae, quando uma das partes na arbitragem não é Estado contratante, ou nacional de Estado contratante, da Convenção de Washington, ou (ii) ratione materiae, quando a disputa objeto de arbitragem não surge diretamente de um investimento, desde que pelo menos uma das partes na arbitragem seja Estado contratante, ou nacional de Estado contratante, da Convenção de Washington (Additional Facility Rules, Artigo 2(b)).

No que se refere ao registro de casos, o Artigo 4 das Additional Facility Arbitration Rules estabelece obrigação para o Secretário-Geral do ICSID de registrar todos os requerimentos de arbitragem que atendam as condições do Artigo 3. Ademais, por força do Artigo 5 das Additional Facility Rules, os Regulamentos estabelecidos pelas Administrative and Financial Rules são aplicáveis também nestes casos, o que significa que, em termos de registro de casos, as regras de transparência para as arbitragens desenvolvidas sob as Additional Facility Arbitration Rules são as mesmas aplicáveis às arbitragens conduzidas sob as regras de arbitragem da Convenção de Washington.

Também no que concerne à publicação de documentos e ao direito de as partes darem, elas próprias, documentos ao conhecimento do público, a situação é a mesma para as arbitragens conduzidas sob as regras de arbitragem da Convenção de Washington e as da Additional Facility: não há regras estabelecidas sobre o assunto e os tribunais vêm decidindo questões deste tipo caso a caso, conforme relatado acima.

Em relação ao acesso de terceiros a audiências, o Artigo 39(2) das Additional Facility Arbitration Rules estabelece regra idêntica àquela estabelecida pela Regra 32(2) das Arbitration Rules, acima comentada.

O mesmo ocorre em relação à participação de amici curiae: as Additional Facility Arbitration Rules contêm regra idêntica àquela das Arbitration Rules (respectivamente, Artigo 41(3) e Regra 37(2), acima comentada). E no que se refere ao aceso de amici curiae a documentos, a situação de ausência de regras claras e, por consequência, da necessidade de estabelecimento de regras caso a caso pelos tribunais, também se repete.

Finalmente, no que se refere à publicação do laudo, o Artigo 53(3) das Additional Facility Arbitration Rules contém regra semelhante àquela da Regra 48(4) das Arbitration Rules.

3.2. UNCITRAL

Em agosto de 2013 a UNCITRAL aprovou um conjunto de regras destinadas a garantir maior transparência nas arbitragens investidor-Estado. As Regras UNICTRAL sobre Transparência em Arbitragem Investidor-Estado baseadas em Tratado ("Regras de Transparência") entraram em vigor em 1º de abril de 2014 e são, em princípio, mandatórias, considerando-se automaticamente incluídas nas regras de arbitragem da UNCITRAL para tratados em matéria de investimento assinados depois de 1º de abril de 2014.

A importância da adoção deste novo conjunto de regras pela UNCITRAL decorre de dois fatos principais: (i) a arbitragem de acordo com as normas da UNCITRAL é uma das possibilidades mais amplamente oferecidas os investidores pelos tratados em matéria de investimento hoje em vigor e (ii) até a adoção das novas regras, arbitragens investidor-Estado que fossem levadas a cabo de acordo com as regras da UNCITRAL frequentemente não eram tornadas públicas, sequer no nível mais básico, isto é, o de deixar o público saber da existência da controvérsia.

Da leitura conjunta do novo parágrafo 4, adicionado ao Artigo 1º das Regras de Arbitragem da UNCITRAL, e do Artigo 1º das Regras sobre Transparência, resulta que o âmbito de aplicação das novas Regras de Transparência está assim delimitado: (i) arbitragem investidor-Estado, (ii) baseada em tratado de proteção de investimentos ou investidores, e (iii) assinado depois de 1º de abril de 2014.

No entanto, este âmbito de aplicação tanto pode ser alargado, quanto diminuído. Com efeito, o Artigo 1.1 das Regras de Transparência abre a possibilidade que as partes do tratado afastem a incidência das Regras de Transparência ou as modifiquem ("opt-out"). De outro lado, o Artigo 1.2 possibilita que as partes de tratados que, pelo fato de terem sido assinados antes de 1º de abril de 2014, não ensejariam a aplicação das Regras sobre Transparência, expressamente incluam tais Regras no arcabouço normativo institucional aplicável às suas arbitragens UNCITRAL ("opt-in"). Ademais, o Artigo 1.9 prevê expressamente a possibilidade de que as Regras de Transparência sejam utilizadas em arbitragens investidor-Estados conduzidas de acordo com outras regras institucionais, que não as da UNCITRAL, ou em arbitragens ad-hoc.

O caráter mandatório das Regras de Transparência deriva, em grande medida, do quanto disposto no Artigo 1.3.a: estando a aplicação das Regras de Transparência prevista pelo tratado aplicável, ou por acordo entre as partes relacionado ao tratado, sua aplicação somente poderá ser afastada se assim for permitido pelo tratado. Isto não significa, contudo, que adaptações eventualmente necessárias não possam ser feitas: as Regras de Transparência reservam ao próprio tribunal arbitral o poder de adaptar seus requerimentos às especificidades de cada caso, mediante consulta com as partes e na medida em que adaptações sejam necessárias para que a arbitragem seja conduzida de maneira prática e condizente com as Regras de Transparência (Artigo 1.3.b). Ou seja, as modificações eventualmente determinadas pelo tribunal arbitral devem servir ao propósito de aumentar ou assegurar a transparência no caso concreto, e não de diminuí-la.

O Artigo 8 das Regras de Transparência criou a figura do repositório, responsável por publicar as informações relativas aos procedimentos arbitrais. De acordo com informações obtidas no website da UNCITRAL, as funções de repositório são desempenhadas pelo Secretário-Geral das Nações Unidas por meio do Secretariado da UNCITRAL. Ademais, existe um website específico (http://www.uncitral.org/transparency-registry/registry/index.jspx), dedicado a tornar públicas tais informações, no qual se pode consultar informação acerca de arbitragens utilizando-se filtros como Estado implicado, tratado ou setor econômico.

Onlines gerais, e seguindo o esquema utilizado acima para os comentários acerca das regras de transparência nas arbitragens investidor-Estado conduzidas no âmbito do ICSID, as novas Regras de Transparência da UNCITRAL estabelecem o seguinte:

(i) registro de casos: embora não se trate aqui exatamente de um registro de casos nos moldes daquele do ICSID, o Artigo 2 estabelece que uma cópia do pedido de arbitragem deverá ser encaminhada ao repositório por qualquer das partes em disputa e que, uma vez de posse do pedido de arbitragem, o repositório publicará informação relativa ao nome das partes em disputa, do setor econômico envolvido e do tratado sob o qual a reclamação está sendo feita (por meio do website acima indicado);

(ii) publicação de documentos: o Artigo 3.1 estabelece que o pedido de arbitragem; a resposta ao pedido de arbitragem; as razões do reclamante; as razões da defesa; quaisquer outras declarações ou petições por escrito feitas por qualquer das partes; a tabela listando todos os anexos aos documentos acima referidos ou anexos a relatórios de especialistas e declarações de testemunhas (se tal tabela tiver sido preparada); quaisquer petições ou memoriais por escrito apresentados por Partes no tratado não envolvidas na disputa ou por terceiros; transcrições de audiências, quando disponíveis; e ordens, decisões e laudos do tribunal arbitral deverão ser postos à disposição do público. Ademais, relatórios de especialistas e declarações de testemunhas, sem os anexos que os acompanham, deverão ser publicados mediante pedido de qualquer pessoa ao tribunal arbitral (Artigo 3.2). Os anexos acima referidos, bem como outros documentos encaminhados ao tribunal arbitral ou por ele produzidos, poderão também ser postos à disposição do público, por decisão do tribunal arbitral, mediante consulta com as partes (Artigo 3.3). Em qualquer caso, a publicação dos documentos será feita por meio do repositório (Artigo 3.4);

(iii) amici curiae: o Artigo 4.1 estabelece que o tribunal pode permitir, depois de consultas com as partes em disputa, que amici curiae apresentem memoriais ou petições por escrito. Para se qualificar como amicus curiae, contudo, o terceiro interessado precisa fornecer uma série de informações ao tribunal arbitral: seu status legal, seus objetivos gerais, a natureza de suas atividades; se possui alguma conexão com qualquer das partes em disputa; se recebeu algum auxílio de governo ou de pessoas ou organizações para preparar sua petição ou seu memorial, ou se recebeu auxílio financeiro nos últimos dois anos; a natureza de seu interesse na arbitragem; indicar quais fatos ou aspectos legais em disputa pretende endereçar em sua petição ou memorial (Artigo 4.2). De posse de tais informações, o tribunal decidirá se receberá a petição ou o memorial do pretenso amicus curiae, levando em consideração o interesse que o pretenso amicus curiae tem na disputa e a possibilidade de sua contribuição ser de fato de alguma serventia para o tribunal, além de outros aspectos que o tribunal julgar relevantes (Artigo 4.3). Outro fator a ser levado em consideração pelo tribunal é a possibilidade de que a participação do amicus curiae tumultue o procedimento arbitral, ou que prejudique injustamente alguma das partes em disputa, caso em que a petição ou o memorial do amicus curiae não deve ser aceito (Artigo 4.4). E, como não poderia deixar de ser, uma vez aceita a participação de um amicus curiae, as partes têm o direito de sobre ela se manifestar e apresentar suas observações (Artigo 4.5);

(iv) outros Estados partes do tratado: o tribunal pode permitir (ou, mediante consulta com as partes em disputa, convidar) que outros Estados partes do tratado sobre o qual se fundamente a controvérsia, mas que não sejam parte da controvérsia em si, manifestem-se acerca de questões relativas à interpretação do tratado (Artigo 5.1). Ademais, também pode permitir, mediante consulta com as partes em disputa, que outros Estados parte do tratado se manifestem acerca de outros assuntos compreendidos no âmbito da disputa, para tanto levando em consideração os fatores listados no Artigo 4.3, acima referidos e, adicionalmente, "a necessidade de evitar manifestações que suportariam o pedido do investidor de forma equivalente à proteção diplomática" (Artigo 5.2). De resto, também no que se refere a manifestações de outros Estados partes do tratado, o tribunal precisa evitar que isto cause tumulto ao procedimento arbitral ou que prejudique injustamente qualquer das partes (Artigo 5.4), além de permitir às partes em disputa que façam suas observações acerca da manifestação do terceiro Estado (Artigo 5.5);

(v) audiências: o Artigo 6.1 estabelece uma regra básica de transparência: as audiências serão públicas. No entanto, naqueles casos em que seja necessário proteger informação confidencial ou a integridade do procedimento arbitral, partes específicas da audiência deverão ser realizadas em privado (Artigo 6.2). Ademais, quando não for possível, por questões logísticas, a realização de audiências públicas, elas também serão realizadas em privado (Artigo 6.3); e

(vi) exceções: dada a amplitude das regras acima descritas relativas à publicação de documentos e à realização de audiências, o Artigo 7 contém regras criado exceções à transparência, dedicadas a proteger informação confidencial ou protegida e também a integridade do procedimento arbitral. Nos termos do Artigo 7.2, considera-se informação confidencial ou protegida: (a) informação negocial confidencial; (b) informação que o tratado aplicável estabeleça ser protegida; (c) informação acerca do Estado respondente que seja considerada protegida pelas leis desse mesmo Estado e, no caso de outras informações, aquelas que sejam consideradas protegidas por quaisquer leis que o tribunal arbitral entenda aplicáveis; e (d) informação cuja divulgação impediria a aplicação da lei. Havendo informação a ser protegida, o tribunal, mediante consulta com as partes, deve tomar as medidas necessárias para qual tal informação não seja divulgada (Artigo 7.3). Caso haja desentendimento entre o tribunal e as partes em disputa, ou os terceiros que se tenham manifestado, acerca da necessidade ou não de proteger alguma informação, a parte que apresentou um documento cuja divulgação não deseje poderá retirar tal documento dos registros do procedimento arbitral (Artigo 7.4). Finalmente, no que se refere à proteção de informações, o Artigo 7.5 esclarece que nada nas Regras de Transparência exige que o Estado respondente torne públicas informações que considere essenciais a seus interesses de segurança. No que concerne à proteção do procedimento arbitral, o Artigo 7.7 estabelece que o tribunal poderá restringir ou postergar a divulgação de informações que coloquem em perigo o procedimento porque, por exemplo, impedem a coleta de provas, levem à intimidação de testemunhas, advogados ou membros do tribunal arbitral ou causem distúrbios análogos.

4. MERCOSUL E BRASIL: ÚLTIMOS DESENVOLVIMENTOS

Durante a década de 1990, os Estados-Partes do Mercosul lançaram-se, de modo mais ou menos uniforme, à assinatura de tratados bilaterais de investimento, na esperança de que isto enviasse um sinal positivo aos investidores estrangeiros e os incentivasse a aportar capitais nas economias do bloco, em recuperação depois da "década perdida" de 1980, marcada pela crise da dívida externa dos países latino-americanos. A investida em tratados em matéria de investimento era parte de uma estratégia mais ampla, de abertura econômica em geral, que abrangia também liberalizações comerciais, levadas a cabo tanto em âmbito regional, do que resultou a própria criação do Mercosul, quando global, com a criação da Organização Mundial do Comércio ("OMC").

Paralelamente à assinatura de tratados bilaterais de investimento por parte de cada um dos Estados Partes do Mercosul, também se negociou e aprovou, no âmbito do Mercosul, tratados para regular a matéria de forma comum, ou seja, para tentar equalizar as regras aplicáveis a investimentos estrangeiros dentro do bloco. Assim, em 1993 foi aprovado o Protocolo de Colônia, aplicável aos investimentos realizados intra-zona, ou seja, de um nacional de Estado-Parte do Mercosul no território de outro Estado-Parte (Decisão 11/1993, do Conselho Mercado Comum) e, em 1994, foi aprovado o Protocolo sobre Proteção e Promoção de Investimentos Provenientes de Estados não Partes do Mercosul (Decisão 11/1994, do Conselho Mercado Comum).

Em ambos os casos, no que se refere às regras sobre solução de controvérsias entre investidores e Estados receptores de investimento, a arbitragem investidor-Estado, ad hoc ou institucional, estava listada dentre as possibilidades abertas ao investidor. No caso do Protocolo de Colônia, estava prevista expressamente a arbitragem ICSID ou ad hoc, de acordo com as regras da UNCITRAL. No caso do protocolo para investimentos extra-zona, as referências foram feitas de forma mais genérica, a uma arbitragem ad hoc, ou a uma "instituição internacional de arbitragem".

Como é sabido, nenhum dos dois protocolos chegou a entrar em vigor e o tema da criação de regras comuns de investimento no âmbito do Mercosul perdeu ímpeto. Em 2010, contudo, a Decisão 30/2010 do Conselho Mercado Comum determinou diretrizes para a celebração de um acordo de investimentos no Mercosul e revogou, expressamente, os dois protocolos assinados na década de 1990.

No que se refere à solução de controvérsias, as diretrizes aprovadas não só não mencionam arbitragem, como não mencionam a possibilidade de solução de controvérsias entre investidor e Estado. No novo acordo de investimentos do Mercosul as controvérsias deverão ser resolvidas entre Estados, com base no Protocolo de Olivos.

Ainda não se tem notícia de um novo acordo que tenha sido aprovado pelo Conselho Mercado Comum com base nas diretrizes aprovadas em 2010. A aprovação das diretrizes, contudo, aponta na direção de um afastamento do Mercosul do regime internacionalmente assentado para a solução de controvérsias em matéria de investimentos. Ademais, a não previsão de arbitragem investidor-Estado e a menção ao regime do Protocolo de Olivos devolve as controvérsias relativas a investimento ao âmbito da proteção diplomática, com os inconvenientes trazidos pela necessária politização das controvérsias. De fato, uma controvérsia em matéria de investimento será politizada em casa, para que o Estado de nacionalidade do investidor decida se vai ou não exercer a proteção diplomática em casa caso concreto, e será politizada no âmbito do bloco, quando um Estado-Parte questionar os atos de outro, que resultaram em prejuízo a um investidor.

Para os investidores, a aprovação das diretrizes sinaliza a manutenção e a cristalização da situação atual, em que já não contam com a possibilidade prevista em tratado de recorrer a uma arbitragem investidor-Estado e dependem do interesse maior ou menor de seus Estados de encamparem suas reclamações. Além, é claro, de poderem contar com o acesso aos tribunais locais, o que não se espera que seja modificado em um eventual novo acordo.

No caso específico do Brasil, os acordos bilaterais de investimento que foram assinados pelo País na década de 1990 tiveram o mesmo destino que os protocolos do Mercosul: nunca foram ratificados. E, também de forma semelhante ao Mercosul, a nova investida brasileira no terreno do direito internacional dos investimentos não contempla, no que se refere aos métodos de solução de controvérsias, a possibilidade de arbitragem investidor-Estado.

Com efeito, o novo Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos, cuja minuta está sendo discutida no âmbito do governo federal e ainda não foi dada a conhecer ao público, centra-se na prevenção de controvérsias, favorecendo negociações amigáveis e, sendo impossível um acordo, na solução de controvérsias entre Estados.

CONCLUSÃO

A grande disseminação da arbitragem investidor-Estado como método de solução de controvérsias em matéria de investimentos levou ao aumento do questionamento acerca de sua adequação às especificidades da matéria. Com efeito, desenvolvida sobre a base da arbitragem comercial internacional, a arbitragem investidor-Estado produz efeitos que se fazem sentir muito além da relação entre as partes no procedimento arbitral.

Neste sentido, a confidencialidade, típica da arbitragem, passou a ser objeto de preocupação quando aplicada sem adaptações às controvérsias envolvendo investidores e Estados e um aumento da transparência em tais situações passou a ser exigido.

Em arbitragens investidor-Estado, a ideia de transparência abrange desde a comunicação ao público da própria existência de uma controvérsia, até a publicação de todos os documentos produzidos durante o procedimento, incluindo o laudo arbitral, e passando pela abertura ao público das audiências realizadas e pela possibilidade de que o público, por meio de organizações da sociedade civil ou organizações não governamentais, manifeste-se por escrito no procedimento.

O ICSID, criado como um centro de arbitragem dedicado às arbitragens investidor-Estado, contou desde sempre com alguns mecanismos de transparência dentre suas regras, como é o caso do registro compulsório de casos, e vem promovendo reformas pontuais tendentes a aprofundar a transparência nas arbitragens conduzidas de acordo com suas regras.

A UNCITRAL, por sua vez, historicamente desenvolveu regras para arbitragens internacionais comerciais, entre particulares, mas recentemente adotou regras de transparência a serem aplicadas compulsoriamente em arbitragens investidor-Estado.

No âmbito do Mercosul e do Brasil, os últimos desenvolvimentos em matéria de direito internacional dos investimentos apontam para um afastamento do regime internacionalmente consolidado, no que se refere à solução de controvérsias, uma vez que as diretrizes que estão sendo utilizadas tanto no Mercosul, quanto no Brasil, para a redação de novos acordo internacionais em matéria de investimentos não contemplam a possibilidade de arbitragem investidor-Estado, mas somente a solução de controvérsias entre Estados.

NOTAS

JOHNSON, Lise; BERNASCONI-OSTERWALDER, Nathalie. New UNCITRAL Arbitration Rules on Transparency: application, contente and next steps [online]. s.n: COIEL, IISD, Vale Columbis Center, 2013 [acesso em 15.2.2015]. Disponível em: <http://ccsi.columbia.edu/files/2014/04/UNCITRAL_Rules_on_Transparency_commentary_FINAL.pdf>

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Ibídem.

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Ibídem.

Ibídem.

Ibídem.

Constituição Federal de 1988, art. 5o, XXXIII: todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

Constituição Federal de 1988, art. 37, caput: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência; e §3º, II: A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: (...) o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo (...).

BRASIL. Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011. art. 22. [acesso em 15.2.2015]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>

MOLLESTAD, Cristofer N. Op. cit.

Ibídem.

Ibídem.

Ibídem.

Ibídem.

JOHNSON, Lise; BERNASCONI-OSTERWALDER, Nathalie. Op. cit.

Ibídem.

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Recebido: 18 de Fevereiro de 2015; Aceito: 20 de Março de 2015

Autor de Correspondência: Mestre em Direito/Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina. Analista do Departamento de Organização do Sistema Financeiro do Banco Central do Brasil em São Paulo. E-mail: paula.schlee@uol.com.br

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