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Revista Internacional de Investigación en Ciencias Sociales

versión On-line ISSN 2226-4000

Rev. Int. Investig. Cienc. Soc. vol.17 no.1 Asunción jun. 2021

https://doi.org/10.18004/riics.2021.junio.143 

Artículo Original

Gestão do Desenvolvimento e Administração Política

Development Management and Political Administration

1Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia (FACE). Brasil.


Resumo

Este ensaio tem por objetivo debater a contribuição da noção de administração política para o entendimento da gestão do desenvolvimento. Os métodos empregados foram a revisão de literatura e a discussão argumentativa-dedutiva. A administração política é uma proposta teórica surgida na Escola da Administração da Universidade Federal da Bahia, Brasil, a partir da premissa de que as categorias de gestão e administração poderiam ser empregadas para analisar aspectos macroestruturantes das sociedades capitalistas. Neste trabalho, parte-se do entendimento de que o desenvolvimento é a face aparente, o fenômeno que representa a dinâmica do capital. Dessa maneira, o desenvolvimento a partir da ação do Estado teria como objetivo principal e mais importante assistir aos processos de valorização e acumulação de capital. A lógica do desenvolvimento conformaria um conjunto de pressupostos de gestão e institucionalidades, resultantes da disputa de poder e interesses a partir das classes e frações de classe. Por conseguinte, se encontra organicamente enraizada na sociabilidade capitalista, representando suas fissuras e contradições.

Palavras-chave: Desenvolvimento; Estado; Administração Política; Capitalismo

Abstract

This essay aims to discuss the contribution of the theory of political administration to the development management. The method engaged were the literature review and argumentative-deductive debate. The political administration movement is a theoretical proposal that emerged at the Business School of the Federal University of Bahia, Brazil. It is based upon the premise that the categories of management and administration could be used to analyze macro-structural aspects of capitalist societies. This work starts from the common ground that development is the apparent face, the phenomenon that represents the dynamics of capital. Considering the State is commissioned of the development agenda, which the main and most important objective is to assist the processes of capital appreciation and accumulation. The logic of development would conform to a set of management and institutional standards, resulting from the dispute of power and interests from the classes and class fractions. Consequently, it is organically rooted in capitalist sociability, representing its fractures and contradictions.

Keywords: Development; State; Political Administration; Capitalism.

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento continua sendo uma problemática de interesse, a despeito das muitas críticas levantadas contra o conceito e teorias (Amaro, 2017). Depois de se ter sugerido que na passagem do milênio havia se iniciado uma convergência entre o Norte desenvolvido e o Sul subdesenvolvido (Mahbubani, 2013), estudos demonstraram que, em verdade, nas últimas décadas a desigualdade e a pobreza se intensificaram (Horner & Hulme, 2019).

A continuidade do subdesenvolvimento endêmico que aflige a América Latina, mesmo depois de 20 anos de governos assim chamados “pós-neoliberais” (Aguiar & Santos, 2019), atesta por si só a necessidade do debate. Até mesmo para que seja possível a construção de uma teoria de desenvolvimento que emerja da apreciação das particularidades históricas dos países, não como um modelo pronto a priori (Santos, 2016).

Nesse sentido, o conceito de “administração política” (Paço Cunha, 2019: 156) se apresenta como uma alternativa para, (i) repensar o papel do campo da administração na compreensão de aspectos macroestruturantes do modo de produção capitalista e, (ii) dar um novo significado à gestão do desenvolvimento a partir do Estado.

Assim, o objetivo geral deste ensaio é o de analisar a noção de administração política como uma alternativa teórica para a reflexão sobre a gestão do desenvolvimento capitalista. Para realizar esse objetivo geral, foram perseguidos os seguintes objetivos específicos: (i) debater como a natureza do desenvolvimento capitalista se manifesta como processos de gestão a partir do Estado, (ii) caracterizar como a noção de administração política contribui para a interpretação das diferentes narrativas de desenvolvimento.

A seguir, esse ensaio se divide em quatro seções. Na primeira se discute a natureza do desenvolvimento. Em seguida debate-se como o Estado se articula a gestão do desenvolvimento capitalista. A terceira seção introduz a noção de administração política como alternativa de interpretação do processo de gestão do desenvolvimento. Na quarta seção são apresentadas as narrativas fundamentais do desenvolvimento. Por fim, são tecidas breves considerações finais.

Desenvolvimento e Dinâmica Capitalista

O conceito de desenvolvimento representa, idealmente, o processo transformação modernizadora das nações ditas subdesenvolvidas no sentido de alcançarem uma maior produção de riqueza, da consolidação de instituições democráticas e da capacidade de oferta e da manutenção de serviços essenciais para a população, tais quais saúde, educação e segurança pública, entre outros (Evans, 2007).

Porém, por detrás dessa concepção idealista, a construção da noção contemporânea de desenvolvimento representou, no século XX, uma função ideológica de hierarquização entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos (Escobar, 1995) na economia-mundo capitalista. Seria, portanto, o desenvolvimento um mito, uma construção política com o intuito de disciplinar as ações e expectativas de atores políticos e sociedades, enquanto pavimentava institucional e estruturalmente o caminho para a acumulação de capital (Furtado, 2020).

De uma maneira geral, o modo de produção capitalista se firma sobre processos contraditórios, com destaque para dois mais evidentes:

Uma dinâmica de absorção tecnológica orientada para o aumento da produtividade por meio da intensificação do emprego de trabalho morto na composição orgânica do capital, o que resulta na redução relativa da participação do trabalho vivo na produção levando a, de um lado, redução das taxas de mais-valor e, de outro, ao risco de diminuição da capacidade da população em consumir as mercadorias e serviços produzidos (Harvey, 2017);

A necessidade de regulação econômica e social por parte do Estado - para mitigar os efeitos decorrentes da ausência de coordenação decisória dos agentes capitalistas privados nos diversos setores, enquanto ameniza os efeitos negativos da atividade empresarial sobre a sociedade -, ao mesmo em que atores políticos capitalistas atuam de forma coordenada para limitar a capacidade do Estado em exercer essa regulação (Jessop, 2016).

Essas (e outras) contradições, por sua vez, tem o potencial de engendrar crises de diversas naturezas - inflacionárias, de lucratividade, de demanda, de oferta, de legitimidade etc. - das quais o modo de produção capitalista procura se esquivar por meio da expansão continuada de suas atividades no espaço (objetivo/subjetivo) e no tempo (Harvey, 2017).

À medida em que incorpora novas tecnologias e aumenta a produtividade, o capital procura reduzir o ciclo de circulação e de vida dos produtos e serviços, fazendo com que o valor se realize de maneira cada vez mais rápida e, assim, encurte continuadamente o tempo de espera pelo retorno ao investimento.

Pari passu, o modo de produção se expande, integrando cada vez mais espaços rurais, urbanos, regionais, nacionais, entre outros, à economia-mundo capitalista, ou transformando as formas pregressas de integração. No espaço subjetivo, transforma cada vez mais aspectos da sociabilidade em mercadoria, imprimindo a lógica capitalista de produção e organização nas mais diversas relações sociais.

Portanto, o que se compreende por desenvolvimento ou modernização numa sociedade capitalista, é a face aparente desse processo de expansão. Conforme o capital estende suas atividades e influência, se diferencia e se transforma, bem como molda consigo o mundo ao seu redor, adaptando instituições, representações coletivas, configurações espaciais e comportamentos para sirvam à acumulação de capital (Santos, 2016).

O Estado e a Gestão do Desenvolvimento

A expansão do modo de produção faz com que o capital, as formas de organização produtiva, as frações de classe e as instituições capitalistas se diferenciem e se complexifiquem em uma miríade de diferentes escopos, instâncias, graus de integração internacional e interesses. Isso, mais a ocorrência de diferentes taxas de valorização e acumulação de capital decorrentes dessas diferentes manifestações do capital, estimulam uma cada vez mais acirrada competição, econômica (de mercado), mas também política, ideológica e mesmo internacional (ou inter-imperialista) (Fontes, 2010).

Paralelamente, coexiste uma contra-tendência de acumulação e centralização de capital, nas formas do que se compreende por um “modelo de capitalismo monopolista” (Baran & Sweezy, 1966: 15, trad. livre), que materializa a tentativa de contornar os efeitos negativos que a competição pode exercer nas taxas de acumulação por meio do controle de estruturas e escopos cada vez maiores (Hearn & Tepper, 2019).

Estas diferentes formas de manifestação do capital, concorrentes e contraditórias, necessitam de aparatos institucionais próprios para vicejar, de modo que para cada distinta configuração produtiva, corresponde (ou pode corresponder) um modelo de Estado e de regulação social (Arrighi, 1996). Quando um modelo de arranjo produtivo encontra (ou induz o surgimento de) um aparato institucional que proporciona sua plena eficiência, forma-se uma “via de desenvolvimento” (Arrighi, 1996: 242) capaz de oferecer lucros extraordinários e, assim, atrair a atenção do capital circulante no plano internacional.

No último quartel do século XX, a expansão financeira do ciclo sistêmico de acumulação liderado pelos Estados Unidos da América marcou o ocaso do modo de regulação fordista (Arrighi, 1996). Desde então, aparecimento de vias de desenvolvimento alternativas, a partir do sudeste da Ásia, China, entre outras, recrudesceu a disputas interestatais pelo capital circulante, engendrando assim o surgimento de uma nova forma de organização política, o Estado Competitivo (Hirsch, 2005).

Com o objetivo de oferecer ao capital melhores oportunidades de acumulação, os diversos países se envolveram em reformas liberalizantes que culminaram na transferência das responsabilidades assumidas pelo Estado durante o modo de regulação fordista para níveis subnacionais ou supranacionais, se dedicando, portanto, à eficiência fiscal da administração pública, à regulação macroeconômica e à competição no plano internacional (Hirsch, 2005).

Esse processo, notadamente mediado pelos mercados de capitais (Chesnais, 2016), conduz à duas percepções essenciais acerca da sociedade capitalista contemporânea: (i) cabe ao Estado gerenciar o desenvolvimento - i.e. pavimentar o caminho da expansão capitalista -, mas necessariamente atuar diretamente nas atividades de produção de valor em si; (ii) o sentido desse processo de gestão, sua lógica, sua estratégia, não é resultado de mero cálculo racional a partir de um agente exógeno, separado do mercado, mas sim expressão dos interesses capitalistas assistidos pelo Estado, o qual exerce uma função orgânica.

Cabe, portanto, uma reflexão acerca do sentido geral das formas assumidas pela expansão capitalista. Isto com fins de compreender, de um lado, como os aspectos microgerenciais que se manifestam em organizações e mercados específicos se articulam à dinâmica capitalista, de outro para discutir os processos macrogerenciais que integram o que se pode chamar de estratégias de desenvolvimento. Acredita-se aqui que esse debate fica muito bem ilustrado por meio da concepção de “administração política” (Paço Cunha, 2019: 156).

A Administração Política Capitalista

No modo de produção capitalista, muito embora as decisões de agentes econômicos não sejam coordenadas - salvo as exceções das experiências de capitalismo planejado a partir do Estado no século XX, que ainda assim garantiam um elevado grau de autonomia para os agentes privados -, subsistem de forma imanente princípios de organização e gestão reproduzidos de maneira extensiva, desde a empresa, em organizações não-governamentais, até o Estado (Cristaldo, Ribeiro & Pessina, 2017).

Tais princípios, como a eficiência financeira, accountability, competição etc., funcionam como estruturas de referência que devem ser seguidas como parâmetros mínimos para uma gestão dita profissional (Klikauer, 2013). Porém, longe de serem a manifestação da razão, ou se tratarem meramente de ideologia sem função material concreta, essa gestão imanente representa e reproduz os interesses de classes e frações de classe que se impõem por meio de um misto de convencimento e controle (Cristaldo, 2015).

Compreende-se aqui por administração política, portanto, a totalidade composta por tais princípios imanentes de gestão, que se formam como resultado das dinâmicas de conflito e coesão social entre classes e frações de classe capitalistas e trabalhadoras (Cristaldo, Ribeiro & Pessina, 2017). Por isso mesmo coexistem práticas e pressupostos contraditórios, como que em disputa - por exemplo, autogestão e a accountability -, pois que representam os interesses de diferentes grupos sociais, cujas aspirações materiais, políticas e sociais são concorrentes, ou mesmo irreconciliavelmente contraditórias.

A expansão capitalista, como já foi dito, incorre em um duplo processo de alargamento da influência e de diferenciação das formas concretas do capital, cuja aparência é o processo de desenvolvimento. Por isso, concorrem entre si, nas esferas da política e da academia, diferentes narrativas de desenvolvimento, que se apresentam como modelos capazes de proporcionar o avanço econômico e social das populações (Peet & Hartwick, 2015), com um papel também ideológico e disciplinador de comportamento (Cristaldo, Senna & Matos, 2018).

Nesse sentido, pode-se dizer que no cerne de uma via de desenvolvimento em particular, se encontra um conjunto de heurísticas, instituições, comportamentos e representações compartilhadas, que correspondem ao que se entente por administração política. Não se trataria meramente de uma estratégia ou de uma teoria de desenvolvimento - que pressupõem implementação deliberada a partir de um agente econômico especifico, como o Estado -, mas sim o conjunto de lógicas e premissas que estabelecem o que é considerado administrativamente racional numa dada estrutura social e econômica complexa.

Isso não significa dizer, tampouco, que se trate de um processo natural ou de um tipo de ordem espontânea. Segundo Paço Cunha (2019), o Estado se apresenta como a instituição a partir da qual a administração política do capital é estruturada e coordenada. E de acordo com Cristaldo, Ribeiro e Pessina (2017), diferentes propostas de administração política - oriundas dos interesses das classes sociais e suas frações - concorrem socialmente na tentativa de se estabelecer de forma hegemônica ou dominante.

Uma das principais contribuições do conceito de administração política está revelar os aspectos gerenciais, para além dos econômicos e políticos, da dinâmica capitalista. A partir dessa abordagem, se identifica a ocorrência de características estruturantes da administração para a acumulação de capital (Queiroz, 2015). Além disso, sugere que, em sociedades onde a racionalidade instrumental é dominante, a disputa entre grupos sociais se dá por meio da apresentação de diferentes propostas de administração política (Cristaldo, 2015).

As diferentes narrativas de desenvolvimento, portanto, encerariam princípios de gestão que articulam a administração pública e a gestão empresarial, formando uma totalidade.

As Narrativas do Desenvolvimento e as alternativas da Administração Política Capitalista

As diferentes teorias de desenvolvimento se formam em torno de premissas e pressupostos que remontam a cinco narrativas fundamentais radicadas no cerne da estrutura simbólica das sociedades capitalistas (Cristaldo, Senna & Matos, 2018). São estas as narrativas Protecionista, a narrativa Keynesiana, mais três diferentes narrativas a partir da economia neoclássica, a Neoliberal, a do Empreendedorismo e a Institucionalista.

Na narrativa Keynesiana, parte-se da premissa de que a política anticíclica proposta por John Maynard Keynes - ajuste da demanda efetiva por meio de gasto público, entre outras medidas - poderia empregada como forma de desenvolvimento. O Estado contribuiria com investimentos em infraestrutura, bem como induziria o aumento da demanda para, assim, incitar expectativas que atrairiam o investimento privado (Terra, Ferrari Filho & Fonseca, 2020). Haveria, portanto, um tipo de socialização das decisões de investimento a partir do Estado, que assume um papel ativo no desenvolvimento (Cristaldo, Senna, Matos, 2018).

Já a perspectiva Protecionista, inspirada nos trabalhos de Friedrich List, sugere que o desenvolvimento econômico e social de um país estaria vinculado ao crescimento industrial interno. Numa economia subdesenvolvida, que precisa passar um processo de catching up em relação a outras mais desenvolvidas, a competição exercida pela indústria estrangeira poderia inibir o surgimento e consolidação de uma indústria nacional. Portanto, o Estado precisaria proteger a indústria nascente (Chang, 2010), seja por meio de barreiras alfandegárias, política industrial ou outras medidas para incremento da competitividade.

A teoria econômica neoclássica passou por modificações e transformações desde o século XIX, servindo como base para diferentes narrativas. As mais três mais influentes são a Neoliberal, do Empreendedorismo e Institucionalista (Cristaldo, Senna & Matos, 2018).

A narrativa Neoliberal parte da premissa de que os principais entraves para o desenvolvimento são a atuação do Estado e os impostos. O mercado é apresentado como uma ordem espontânea, adaptativa, que, por meio do mecanismo de preços e da concorrência, seria capaz de atingir plena eficiência, desde que não sofresse nenhuma interferência externa. Ao Estado, portanto, restaria o papel de, de um lado, conter quaisquer interferências políticas sobre o mercado e, de outro, disciplinar a população para a competição (Dardot & Laval, 2015).

Já a narrativa do Empreendedorismo deriva do trabalho do economista austríaco Josef A. Schumpeter. Segundo essa narrativa, o desenvolvimento econômico se dá por meio da integração produtiva de novas tecnologias, cujo ciclo de surgimento, disseminação e exaustão explicaria as fases de crescimento e estagnação econômica. Para Schumpeter o empreendedor seria p responsável pelo desenvolvimento, graças a sua capacidade de se utilizar de inovações para moldar negócios competitivos. Ao Estado caberia, portanto, manter um ambiente favorável para esse processo, na forma de um sistema nacional de inovação (Nelson, 1993).

Por fim, a narrativa Institucionalista sugere que a diferença entre nações desenvolvidas e não desenvolvidas se daria pela ocorrência, nas primeiras, de instituições capazes de induzir uma maior eficiência nas transações econômicas. Nesse âmbito, uma verdade defende que a base do desenvolvimento seria a manutenção de direitos de propriedade e liberdade econômica (North, 2003). Outra vertente afirma que a existência de estruturas eficientes de governança e garantia de contratos são condições essenciais para o desenvolvimento (Williamson, 1985).

Essas diferentes formas de retratar a função do Estado no desenvolvimento correspondem, portanto, a diferentes maneiras de gestão, a partir de distintas configurações de administração política. Cada qual, em última instância, se materializa por meio de institucionalidades próprias, seja um conjunto de medidas protecionistas, seja uma política industrial, ou mesmo um sistema de inovação.

Da mesma forma, cada uma dessas alternativas exige da gestão empresarial adaptações e convergência decisória, de modo que possa lograr o objetivo do desenvolvimento. A empresa, as representações patronais, precisam cooperar conjuntamente com a ação do Estado para que tais estratégias alcancem êxito. Mas esta não é uma mera questão de convencimento e adesão ideológica. A articulação entre a gestão do desenvolvimento e a gestão empresarial encontra sucesso se partir da existência de uma convergência concreta de interesses.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse trabalho, partiu-se da premissa fundamental de que o desenvolvimento econômico é a face aparente, o fenômeno, dos processos de expansão capitalista. Como tal, não convém esperar que essa expansão se traduza automaticamente em maiores liberdades individuais, fortalecimento institucional ou maior bem-estar das populações, dado que o modo de produção capitalista tem por objetivo direto apenas a valorização e a acumulação de capital.

A gestão do desenvolvimento a partir do Estado, portanto, primariamente preconizará a manutenção de aparatos institucionais, ideológicos e econômicos que assistam ao capital em sua dinâmica. Outros efeitos, ou se apresentarão como externalidades positivas que cedo ou tarde poderão ser vertidas em novos negócios, ou são perseguidos se funcionais aos objetivos materiais, políticos ou ideológicos da acumulação de capital (Paço Cunha, 2019).

Pode-se afirmar que a gestão do desenvolvimento a partir do Estado se fundamenta na administração política capitalista. Assume e reproduz práticas e princípios de gestão articulados à gestão privada, materializando interesses das classes e frações capitalistas. A disputa política que cerceia o Estado se dá por meio do embate entre diferentes visões de gestão do desenvolvimento, de distintas administrações políticas, referentes aos também dessemelhantes interesses de classes e frações de classe (Cristaldo, Ribeiro & Pessina, 2017).

As diferentes narrativas para o desenvolvimento se conformam em termos de como gerenciar o Estado em sua relação com a empresa e o capital. As narrativas fundamentais aqui discutidas brevemente - Keynesiana, Protecionista, Neoliberal, do Empreendedorismo e Institucionalista (Cristaldo, Senna & Matos, 2018) -, remontam a diferentes arranjos produtivos, interesses e, por conseguinte, propostas de administração política.

Por fim, o processo de desenvolvimento - ou melhor, a gestão da expansão capitalista - compreende princípios de gestão, um conjunto de heurísticas e institucionalidades que compõem a uma macro-administração. Princípios estes que articulam as decisões de Estado e empresa de forma orgânica, de modo que se pode inferir que: (i) quando não é possível estabelecer um plano nacional de desenvolvimento sem polêmicas, isso significa que os interesses em jogo talvez sejam irreconciliáveis; (ii) uma proposta de desenvolvimento exitosa emerge da integração das aspirações materiais e políticas das diferentes classes e frações.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 15 de Janeiro de 2021; Aceito: 24 de Março de 2021

Autor Correspondiente: Rômulo Cristaldo. Doutor em Administração (NPGA/UFBA), Professor Adjunto da Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia (FACE) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Dourados/MS, Brasil. E-mail: romulocristaldo@gmail.com

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