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Revista Internacional de Investigación en Ciencias Sociales

On-line version ISSN 2226-4000

Rev. Int. Investig. Cienc. Soc. vol.10 no.1 Asunción July 2014

 

 

ANÁLISIS

 

Educação ambiental e teoria crítica da educação: algumas considerações pertinentes

Environmental education and critical theory of education: some relevant considerations

 

José Maria Leite Botelho1, Boanerges do Amaral Couto2 y Sergio Duarte Masi3

 

1. Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação da Universidad de la Integración de las Américas; Professor no Departamento de Geografia da Universidade Federal de Rondônia. Brasil. E-mail: josemariabotelho@yahoo.com.br.

2. Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação da Universidad de la Integración de las Américas; Professor Adjunto da Universidade Federal Fluminense. Brasil.

3. Doutor em Ciências da Educação pela Universidad Autônoma de Assunção. Paraguay.

Recibido: 17/01/2014; Aceptado: 30/05/2014.

 


Resumo: Apresenta algumas reflexões a respeito da teoria e prática, sobre a atuação de atores sociais que, em diferentes contextos engajaram-se na construção de uma identidade interdisciplinar, e incentivar a inserção da educação ambiental (EA) na educação escolar. Em relação à educação básica, e na perspectiva da inserção da EA na sala de aula, entende-se que todas as áreas do conhecimento assim como todos os seus componentes curriculares apresentam-se ricas em temas ambientais e em espaços ociosos entre os componentes curriculares. Considera-se a possibilidade de utilização desses espaços para a inserção de temas ambientais capazes de proporcionar condições de aprofundamento, contextualização, diversificação de oportunidades de estudos e novas aprendizagens em EA. Sugere-se como ponto de partida, o trabalho interdisciplinar, que envolvam a sala de aula, a escola e a comunidade. No ensino superior a EA ainda não é postulada como componente obrigatório nos currículos dos cursos.

Palavras-chave : Educação, educação ambiental, prática social, interdisciplinaridade.

 

Abstract: Presents some reflections regarding the theory and practical, on the performance of social actors who, in different contexts had engaged themselves in the construction of an identity interdisciplinar and to stimulate insertion of the ambient education (EA) in school education. In relation to the basic education, and perspective of the insertion of the EA in classroom, one understands that all the areas of knowledge as well as all its curricular components present rich in ambient subjects and idle spaces between the curricular components. It is considered possibility of use of these spaces for insertion of ambient subjects capable to provide conditions of deepening, contextualização and diversification of study chances and new learnings in EA. It is suggested as starting point, work to interdisciplinar that involve classroom, school and community. In superior education the EA not yet is claimed as component obligator in the resumes of the courses.

Keywords: Education, ambient, practical education social, interdisciplinaridade.


 

INTRODUÇÃO

A literatura corrente sobre EA vem constantemente enfatizando que o aprofundamento da crise ambiental está relacionado, entre outros, ao crescimento exponencial da população mundial. A apesar da velocidade de seu crescimento e, por isso, suscitar preocupação não pode ser apontada como a única responsável por uma crise cognoscitivamente desconhecida para a maior parte dessa população. Acrescenta-se que o modo capitalista de produção para manter sempre crescente sua produção e seus lucros, estimula a adoção de hábitos de consumo de bens e serviços e de igual modo produzem processos cada vez mais abrangentes de apropriação dos recursos naturais.

Ao longo do processo de acomodação(4) do componente ambiental na educação, forjou-se um processo político de disputa entre o Estado, o mercado e as organizações não governamentais (ONGs) pelo controle e gerenciamento do meio ambiente. Tanto o Estado, quanto o mercado e as ONGs, se declaram verdadeiros defensores ambientais; contudo, nem sempre suas atividades enfatizam esse propósito.

O Estado se propõe pela criação de reservas, e parques de diferentes matizes e em diferentes pontos do país, conservar parcelas intactas da natureza e, ao mesmo tempo, alavancar o processo de sustentabilidade. Com esse propósito financia zoneamentos ecológicos, cria selo verde, organismos de repressão, e de modo menos incisivo, desenvolve políticas públicas em diversos setores sociais como o da educação. Em suma, visa de alguma forma, assegurar seus interesses políticos.

Por sua vez, o mercado,(5) de base capitalista, que também se apropria de extensas áreas geográficas, elege representantes políticos, burla, reclama por formas menos rígida de intervenção estatal nos setores produtivos, e avança flagrantemente sobre os recursos naturais potencializando uma crise ambiental sem precedentes.

As organizações não governamentais, por seu turno, se estabelecem como uma terceira via que atua na zona de contato entre o Estado e o Mercado. Tais organizações nem sempre representam de fato, os interesses ambientais da sociedade, porém, agem sobre o inventário ambiental e influenciam políticas de grupos particulares.

Em suma, o Estado, o Mercado e as organizações não governamentais se inserem no campo ambiental, ora pela representatividade de partidos políticos, ora como mediadores de ações, também políticas, resultando sempre na extração de benefícios e na depredação do ambiente.

O presente artigo, resultante de reflexões teóricas e de experiências didáticas, tem entre outros, o objetivo de suscitar discussões a respeito da teoria e prática em educação ambiental e incentivar sua inserção na educação escolar sob a ótica da Pedagogia Histórico-Crítica. Enfatiza o papel e a atuação de atores sociais que em diferentes contextos, empenharam-se na construção da identidade interdisciplinar da educação ambiental.

Como amparo teórico utiliza-se principalmente os trabalhos de (Carvalho, 2008), sobre a formação do sujeito ecológico, (Sauvè, 2005), sobre as correntes da educação ambiental, (Pucci, 1994), sobre a teoria crítica e educação, e (Saviani, 2003), que trata da Pedagogia Histórico-Crítica.

Contextualizando a Educação Ambiental

O reconhecimento da existência de uma crise ambiental em escala mundial forjou a realização de importantes eventos, como a Reunião do Clube de Roma e a Conferência de Estocolmo, no ano de 1972. Esses eventos chamaram a atenção para a necessidade de iniciar um novo processo de crescimento econômico com base na sustentabilidade do Planeta. Todavia, é a partir da Conferencia de Tbilisi (1977), que a educação ambiental (EA) passa a integrar formalmente o espaço das discussões acadêmicas e sociais. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, impõe a sociedade, o dever de cuidar do meio ambiente e, à educação a responsabilidade pela formação da consciência crítica e ambiental da sociedade. O alcance dessa proposição deveria dar-se pela inserção da educação ambiental no contexto escolar.

A fim de possibilitar o ingresso da EA na escola, e ao mesmo tempo, atender a prerrogativa constitucional de 1988, foram realizados sob a anuência do Ministério da Educação do Brasil, vários congressos, encontros e reuniões técnicas.

Na primeira Reunião Técnica, realizada em Brasília, no ano de 1988, tratou-se logo de organizar um documento para ser implantado na Amazônia(6). Os nortistas, com exceção do estado do Mato Grosso, que pelo seu histórico já tinha assento como conferencista, consentiram-se apenas em participar como ouvintes. No regresso, a bagagem recheada de informações, tinha somente um propósito: implantar a educação ambiental nas escolas, em nome da salvação do Planeta.

No caso brasileiro as discussões iniciais, para implantação da EA na escola, e na sala de aula, esbarravam em dificuldades administrativas, e acadêmicas. Em ambos os casos, a falta de conhecimentos do campo ambiental, que então se iniciara, era a grande barreira. Na escola, a cristalidade(7) dos conteúdos de ensino não permitia identificar possibilidades didáticas para conceder a EA um espaço na sala de aula.

No contexto do estado de Rondônia(8), a equipe de currículos e programas, da Secretaria de Estado da Educação do Estado de Rondônia, esforçava-se em resolver a questão por meio de treinamento do pessoal técnico-administrativo das escolas. Contudo, e como de costume, a equipe esquecia-se de consultar a escola, e os professores.

Quando resolveu concentrar esforços no professor, novamente a falta de conhecimento impediu que o pessoal docente compreendesse a necessidade de “conceder um lugar importante em seus cursos para a temática ambiental,” como solicitava/solicita a Conferencia de Tbilisi na sua recomendação de n.º 17.

O desdobramento do processo, da esfera governamental até a sala de aula, sem a participação da escola, e do professor resultou numa espécie de atrofia educativa (9)ambiental, pois buscava antes, apenas uma receita capaz de satisfazer a necessidade daquele momento.

A fórmula, a palavra mágica, para os propósitos de uma educação ambiental tinha/tem uma conotação cuneiforme e chama-se interdisciplinaridade. Que palavrão mais incompreendido, pela classe acadêmica da época. Quem mais entendia de interdisciplinaridade era Japiassu e seguidores. No meio escolar, as explicações sobre interdisciplinaridade pareciam aeronaves sobrevoando extensas planícies, sem aterrissar em lugar algum.

Apesar da continuidade na realização de eventos como o Tbilisi, a Conferência Rio 92, a Rio + 20, entre outras de igual importância e da dimensão alcançada, a educação ambiental continua a ser tratada na escola como um apêndice, semelhante à Ecologia que figurava nos capítulos finais dos livros de Biologia, ou do desenho geométrico, nos livros de Matemática.

Mas, se por um lado, a educação ambiental ainda não alcançou posição de destaque no cenário escolar, a considerável produção de conhecimentos no campo ambiental vem incisivamente colaborando para repensar a educação de professores, educadores ambientais, e de outros agentes que atuam em diversos segmentos da sociedade. Por outro, a diversidade de propostas educativas ambientais, observadas na atualidade, indica que na atual conjuntura, a interdisciplinaridade tende a ser mais facilmente compreendida fornecendo pistas mais substanciais para a construção de novos saberes, e para sua inserção no currículo escolar.

Mas, é preciso compreender que apesar do avanço na produção do conhecimento no campo ambiental e que a EA venha ocupando diferentes espaços de discussões nas esferas sociais e acadêmicas, ainda não desfruta de um lugar de destaque no espaço da escola, e enfrenta dificuldades de integrar-se ao currículo escolar. Reconhece-se que tratar da integração de uma nova temática de estudo no currículo escolar gera sempre tensões epistemológicas e disciplinares, que geralmente não são propriamente dificuldades, porém, sendo assim consideradas, corroboram para a permanência de uma estrutura curricular cristalizada. Não se trata de transferir a culpa para a escola ou para os professores, mas pensar a estrutura organizacional da educação, da escola e dos cursos formadores como possibilidade de amenizar o problema.

Se considerada essa linha de pensamento, observa-se claramente que em relação ao ensino superior, a educação ambiental ainda não é postulada como obrigatória nos currículos de grande parte dos cursos. Porém, se consideradas suas características e objetivos, deveria avançar para o patamar da obrigatoriedade em todos os cursos de educação superior, a fim de, possibilitar maior compromisso político-social, de modo a atender a espacialização temática e a especialização de conhecimentos e saberes ambientais em todas as áreas.

Nessa perspectiva, é necessário que as instituições superiores de educação, ao buscar atender as exigências atuais para os processos formativos, contemplem nos projetos dos cursos de graduação, o estudo obrigatório do meio ambiente, como componente essencial para a promoção da sadia qualidade de vida e de equilíbrio ambiental. Nas palavras de Riojas (2003 p. 224), o desafio não é só a urgência de um novo tipo de conhecimento sobre a realidade, em particular sobre o que chamamos problemas sociambientais, mais isto leva a um desafio de índole organizacional e de esboço institucional. Essa é uma necessidade que exige urgência na reorganização dos cursos, revisão dos currículos, programas, disciplinas, conteúdos e metodologias, de modo a conceder à educação ambiental, um espaço equitativo para seu desenvolvimento. Destaco a importância dos cursos de licenciatura pela sua relação mais próxima com a escola e com os professores.

Em relação à educação básica a escola ainda é apontada como o principal e permanente campo de ação para as práticas educativas ambientais. Esse pensamento, teoricamente assenta-se na intencionalidade das escolas em assumir uma posição política centrada na teoria crítica da educação e também apresentar um conjunto de disciplinas que podem contribuir para que a EA possa de fato, realizar-se. Como nos lembra Penteado (1997 p. 16), as disciplinas escolares são os recursos didáticos através dos quais os conhecimentos científicos de que a sociedade já dispõe são colocados ao alcance dos alunos. Entretanto, a cristalidade dos conteúdos tradicionais de ensino precisa ser quebrada. E, essa quebra deve dar-se pela reflexão teórica sobre a possibilidade de identificar e utilizar espaços ociosos entre as disciplinas escolares.

Educação Ambiental: sujeitos e práticas diversas

A questão ambiental tem influenciado a adoção de políticas internacionais, regionais e nacionais de preservação e, de ajustes estruturais no modo capitalista de produção. A emergência do campo ambiental transformou-se num marco histórico definitivo no modo de sentir, viver e produzir na perspectiva de utilização racional dos recursos naturais. A considerável produção de conhecimentos no campo ambiental permitiu sua espacialização e especialização em todas as áreas do saber.

Por espacialização da educação ambiental entende-se as distintas temáticas ambientais envolvendo aspectos individuais, coletivos, sociais, políticos, econômicos, científicos e educacionais abordadas em cada área do conhecimento. Já a especialização corresponde ao aprofundamento de um determinado tema e cujo objetivo tem sido o de possibilitar proposições educacionais, técnicas, tecnológicas e filosóficas e, portanto criando novos saberes ambientais. De acordo com Leff (2002 p.160), o saber ambiental é um saber sobre esse campo externalizado pela racionalidade econômica, científica e tecnológica da modernidade; mas por sua vez, conota os saberes marginalizados e subjugados pela centralidade do logos científico.

No âmbito das práticas educativas ambientais, distintos sujeitos adotam diferentes recursos [...] e propõe diferentes discursos e diversas maneiras de conceber e praticar educação ambiental (Sauvè, 2005). Essa autora analisou diversas propostas de educação ambiental e agrupou-as em duas correntes denominadas de: a) correntes de longa tradição ambiental – que foram dominantes nas décadas de 1970 e 1980. Nessa corrente estão as tendências: naturalista, conservacionista, resolutiva, sistêmica, científica, humanista, moral/ética; e, b) correntes mais recentes – holística, biorregionalista, práxica, feminista, crítica social, etnográfica, ecoeducação e sustentabilidade.

Dentre as correntes acima apresentadas trataremos somente da conservacionista e da resolutiva por serem as mais trabalhadas nas escolas de educação básica do estado de Rondônia.

A corrente conservacionista tem por objetivo a conservação, a identificação e a utilização racional dos recursos naturais; agrega á abordagem recursista, que entende a natureza e seu processo de utilização como um recurso natural, destinado em última instância a exploração econômica. Nesta corrente tanto são desenvolvidas estratégias individual e coletiva de comportamento, quanto projetos de gestão ambiental, os quais devem seguir regras oficiais de gerenciamento ambiental em todas as modalidades de unidades de conservação.

Essa corrente por sua perspectiva de conservação e de utilização racional de seus recursos envolve, além de rigoroso inventário econômico/ambiental, processos de auditoria e direito ambiental.

A corrente resolutiva está associada a todas as outras correntes de EA, todavia, pela sua natureza na busca de identificar e resolver problemas associa-se com maior proximidade à corrente conservacionista. Essa abordagem apesar de ser a mais utilizada no contexto das escolas, apresenta-se diversa quanto às propostas de intervenção em sua forma e objetivos, o que demonstra também diversidade de concepção de cada sujeito ou grupo de sujeitos proponente. 

É a partir dessa diversidade que se explicita o tipo especial de sujeito denominado por Carvalho (2008), de sujeitos ecológicos. Para Carvalho (2008 p. 67) a noção desujeito ecológico corresponde a:

um sujeito ideal que sustenta a utopia dos que crêem nos valores ecológicos (...); não se trata, portanto, de imaginá-lo como uma pessoa ou grupo de pessoas completamente ecológicas em todas as esferas de sua vida ou ainda como um código normativo a ser seguido e praticado em sua totalidade por todos os que nele se inspiram.

Nesse sentido, o sujeito ecológicoé também um educador ambiental, pois agrega uma série de traços, valores e crenças e poderia ser descrito em facetas variadas (Carvalho, 2008).Assim, esses educadores ambientais ao assumirem suas práticas assumem igualmente uma identidade ambiental, frente a esse complexo, porém flexível campo do saber. Nessa complexidade na qual se orienta o ideário ambiental está presente a figura do educador ambiental, o qual a partir de suas práticas vai utilizar suas competências e habilidades políticas, como analisado por Carvalho (2000. p. 59), é dentro deste terreno movediço e altamente complexo que o(a) educador(a) ambiental vai inscrever o sentido de sua ação, posicionando-se como educador(a) e como cidadão(a). Daí o caráter não estritamente pedagógico, mas político de sua intervenção.

A Educação Ambiental na abordagem da pedagogia histórico-crítica

A concepção crítica da sociedade, na qual a educação atual se insere, tem por finalidade a superação do modelo tradicional, opressivo, por um modelo que permita o desenvolvimento das capacidades humanas em direção a uma condição de emancipação individual e coletiva no seio da sociedade. De acordo com Pucci (1994 p. 14-15) a teoria crítica é uma concepção materialista da história mais adequada ao nosso tempo ancorada no pensamento marxiano, e atenta aos desafios da história, resgata as teorias progressistas e os elementos que possam ajudar a enxergar melhor e transformar a realidade.

Nessa direção, a concepção crítica de educação tem por finalidade proporcionar condições necessárias para que o ser humano possa fazer uso de seu próprio entendimento sem a direção de outro, pensar por si próprio, agir conforme seus princípios, e viver segundo seus critérios (Reigota, 1997 p. 6). Todavia, sendo esta a condição ideal de emancipação humana, é preciso pontuar que cada ser humano sendo um sujeito social pertencente a uma determinada sociedade, dela participa e nela desempenha diferentes papéis, o que lhe confere a possibilidade de vivenciar os valores da autonomia, da cidadania, da solidariedade e da justiça social no conjunto dessa sociedade e não de outra forma, o que causaria seu distanciamento dessa sociedade.

Essa condição emancipatória vivenciada pelos sujeitos no conjunto da sociedade seria possibilitada pela educação, não por uma forma qualquer de educação, mas por uma educação cujos pressupostos teóricos estivessem centrados na teoria crítica da sociedade, o que permitiria a educação ambiental realizar seu projeto de formação da consciência crítica em relação ao meio ambiente. É nesse sentido que a educação foi convocada a conceder no plano político-pedagógico um espaço pedagógico-político que possibilitasse aos educadores e educandos, através de ações educativas, exercerem suas cidadanias rumo a esse objetivo.

A perspectiva Crítica da Educação no Brasil, de acordo com Loureiro (2004 p. 24), na qual se insere a Educação Ambiental, foi sistematizada a partir de duas vertentes consolidadas ao longo da década de 1970 e que atualmente se desdobraram em novas concepções e tendências: a Pedagogia Histórico-Crítica, de Dermeval Saviani e a Pedagogia Libertária, de Paulo Freire.

Considerando a educação ambiental como uma construção histórica recente e cuja linha de ação toma a abordagem crítica como um de seus pressupostos teóricos, e tendo em vista os objetivos deste trabalho, nos reportaremos apenas a Pedagogia Histórico-Crítica.

A Pedagogia Histórico-Crítica de acordo com Saviani (2003), tem suas bases teóricas centradas, entre outros em Marx, Gramsci, e Sanches Vazques. Dentre seus objetivos, essa pedagogia se propõe à re-significação dos conteúdos escolares por meio da prática social. De concepção dialética adota o paradigma metodológico de: partir da prática, teorizar sobre ela e, voltar à prática para transformá-la.

Esses princípios foram institucionalizados na educação brasileira pela Lei n.° 9.394/96/96, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que propõe a prática social como instrumento para vincular a educação ao mundo do trabalho. Nesse sentido, é possível compreender que o conjunto de saberes e conhecimentos, nas suas formas específicas ou contextualizadas, incluindo os saberes ambientais, devem possibilitar direcionamentos múltiplos e positivos no qual se inclua o mundo do trabalho.

Para fins didáticos, é possível pensar a concepção de educação e trabalho em dois sentidos. A educação como ferramenta laboral, inerente à geração da subsistência econômica – mercado de trabalho, direcionada à profissionalização; e, o trabalho como um fazer pedagógico – que pela prática social, direciona-se para a formação social do educando. Considera-se como:

prática social toda ação pedagógica capaz de proporcionar aos professores e aos alunos, ferramentas teóricas e metodológicas que lhes permitam a construção de seus próprios conhecimentos [...] como uma possibilidade metodológica de que o professor dispõe para atuar juntamente com seus alunos no conhecimento da realidade na qual estão inseridos (Botelho, 2013 p. 123).

Na perspectiva do fazer didático, considera-se que a escola enquanto lócus do processo educativo deve possibilitar uma prática social que permita compreender a realidade social e inseri a educação ambiental como mediadora nesse processo. Nessa direção, educação ambiental sob a ótica da Pedagogia Histórico-Crítica, se propõe a contribuir nessa tarefa de dar novo significado aos conteúdos escolares, exercitar a vivência da cidadania e estabelecer relações positivas entre os conceitos de estudo e trabalho permitindo a escola assumir o seu verdadeiro sentido, o de formar cidadãos. Em outras palavras, pensar à Pedagogia Histórico-Crítica como amparo teórico-metodológico para a EA, é entendê-la como articuladora de práticas sociais, que partindo da realidade objetiva, promove a construção de conhecimentos.

Sob a ótica da Pedagogia Histórico-crítica o conhecimento se constrói a partir da prática social, isto é, pela identificação de determinado problema existente na realidade vivida pelos sujeitos e de onde se extraem os elementos essenciais para serem transformados. Portanto, todo conhecimento se origina da realidade, pela prática da pesquisa, devendo voltar à realidade com o propósito de transformá-la.

Entendendo-se a EA como um processo resultante da própria realidade social e tomando-a como ponto de partida e de chegada, articula-se um processo de compreensão da historicidade humana sobre o meio ambiente, o que permite ao educador e ao educando, por intermédio de suas práticas sociais, desenvolverem seus próprios conhecimentos. Como adverte Gasparin (2003 p. 3) o ponto de partida [...] não será a escola, nem a sala de aula, mas a realidade social mais ampla. Todavia, organizar formalmente a educação ambiental no interior das disciplinas curriculares, de um lado, se constitui num desafio didático-pedagógico para a escola e para os professores. Por outro, através da reflexão teórica possibilita a identificação de espaços ociosos no interior de cada disciplina, os quais podem ser utilizados na perspectiva interdisciplinar da educação ambiental.

A perspectiva interdisciplinar considera que o conhecimento produzido por uma ciência em particular, apesar de sua especificidade, não é suficiente para resolver todos os problemas ambientais, ao contrário, a capacidade resolutiva deverá ser produto do conhecimento gerado pela associação teórica e metodológica das várias ciências. Assim, é pertinente observar que o campo ambiental abarca processos naturais e sociais diversos, exigindo dessa forma, a atuação de especializações diversas para sua interpretação e intervenção, as quais, pela amalgamação de seus métodos, são capazes de pleitear uma solução científica e tecnicamente mais confiável.

Sob esse prisma, na perspectiva da inserção da EA na sala de aula, entende-se que todas as áreas do conhecimento, assim como todos os seus componentes curriculares, apresentam-se ricas em espaços ociosos que podem ser utilizados para aprofundar, contextualizar ou para diversificar as oportunidades de aprendizagens dos alunos. Entende-se por espaços ociosos, aqueles espaços entre os conteúdos de ensino, nos quais se pode inserir um tema ou conteúdo de ensino no sentido de aprofundar ou relacioná-los com os estudos realizados.

No sentido de exemplificar a questão da identificação e utilização de espaços, não ocupados no interior das disciplinas ou conteúdos de estudo, toma-se, a título de exemplo, a temática água na natureza, comumente trabalhada abordando-se apenas a forma como é encontrada na natureza ou a sua distribuição espacial no globo terrestre. Considerando que a abordagem do tema água na natureza se limite a apenas informar sobre seus estados físicos ou sobre sua distribuição espacial no globo terrestre, encontra-se aí o espaço de que o professor necessita para a inserção de temas de estudo em EA. Temas como a política de distribuição e consumo da água nos diversos contextos domésticos, industrial, agrário, sistemas de saúde, poluição, contaminação, escassez e conflitos sociais, gerados a partir da realidade social de utilização da água, elemento indispensável para a manutenção da vida no Planeta, colaboram para melhor aprofundar o conhecimento advindo pelo estudo do tema água na natureza.

Nessa linha, compartilho aqui duas experiências didáticas em educação ambiental realizadas, avaliadas e validadas na disciplina de Fundamentos e Prática de Geografia, com professorandos do curso de Pedagogia.

A primeira deu-se a partir da seleção de textos que subjetivamente enfatizavam a questão ambiental. Mesmo com os objetivos de ensino já previamente delimitados, nos propusemos a demonstrar a possibilidade de identificação de espaços ociosos e de inserção de conteúdos ambientais. Foram então selecionados alguns textos de livros didáticos que abordam temas ambientais sob a forma de literatura e com um bom enfoque moral. O trabalho se iniciou pela leitura dos textos. A técnica utilizada foi o trabalho em grupo. Cada grupo deveria a partir da leitura, identificar o enfoque ambiental, implícito ou explícito no texto, analisar e explorar as possibilidades de elaboração de um projeto didático para ser executado com alunos de algumas escolas públicas de Porto Velho, capital do estado de Rondônia. Em resumo, o trabalho permitiu que os acadêmicos (as) do curso e professores das escolas percebessem a utilização dessa técnica para explorar além da leitura, da oralidade e da escrita, e dos apelos formais para a questão ética/moral, o quanto a educação ambiental pode contribuir para o ensino e a aprendizagem no próprio contexto dos conteúdos de ensino.

Na segunda experiência, utilizando a técnica da pesquisa bibliográfica foi possível aos alunos, do curso de pedagogia, estudar e compreender as características geográficas e ambientais dos biomas brasileiros. O trabalho foi organizado conjuntamente com os alunos sob a forma de projetos para pesquisar e estudar um dos grandes biomas brasileiros. O trabalho deveria enfocar aspectos geográficos, biogeográficos, econômicos, políticos e sociais e ambientais, entendidos como: a localização geográfica do bioma, a diversidade faunística, florística, principais produtos naturais (visão economicista sustentável), ocupação humana, modificação de suas características naturais, degradação ambiental, a perda da biodiversidade e projetos de recuperação propostos pelas políticas públicas para sua recuperação e sustentabilidade. Os resultados desse trabalho ultrapassaram a visão tradicional de estudo geográfico e biológico dos biomas e serviram de base para a preparação e apresentação de uma mesa-redonda organizada para encerramento da disciplina Educação Ambiental.

Retornando à questão da inserção da educação ambiental na educação escolar pela via disciplinar faz-se necessário pontuar que embora, todas possibilitem claramente esse intercambio pedagógico, serão tratadas aqui apenas as de: Língua Portuguesa, Artes, Química, Biologia e Geografia. Na seqüência serão apresentadas duas experiências de inserção de temas ambientais realizadas num curso de formação de professores.

É importante lembrar que a seleção de temas deverá atender tanto as necessidades didáticas, da disciplina curricular tratada, quanto os objetivos da educação ambiental para cada situação. Trabalhar a educação ambiental dessa forma permite ampliar o universo dos conteúdos em seus diversos contextos científico, social, político, econômico, cultural.

Língua Portuguesa - os conteúdos de leitura, escrita, interpretação, produção textual, reflexão, ortografia, gramática, entre outros, que seguem sempre o padrão tradicional podem ser enriquecidos com textos que tenham relação com o meio ambiente e com a educação ambiental.

Artes - esse componente curricular apresenta-se rico em sugestões para a temática educação ambiental. A poesia com motivos ambientais, por exemplo, pode ser trabalhada por meio da pesquisa bibliográfica, ou pelo incentivo a produção criativa, organização de recitais, exposição de pinturas, a criação de oficinas pedagógicas para a transformação de sucatas em arte; o teatro, retratando a realidade do mundo atual, enfocando os maus e bons hábitos do dia-a-dia; a utilização da música, para ouvir, fazer paródias, criar músicas inéditas, cantar. São exemplos que enalteceriam a identidade desse componente curricular, a atuação docente e sua capacidade para descobrir talentos e formar cidadãos.

Química – através desse componente é possível entender a utilização diária da química, presente nos diferentes produtos de uso doméstico, agrário e medicinal. 

Biologia – essa disciplina além de seus conteúdos ligados ao estudo dos organismos vivos e de temas ligados à saúde pode-se acrescentar trabalhos de ecologia que tratem da conservação da flora e da fauna em suas diversas possibilidades.

Geografia – em seus objetivos mais gerais como a observação, a descrição, a análise e a explicação dos diversos fenômenos naturais e sociais, que estão na base de todo e qualquer conhecimento, podem ser trabalhados sob o viés ambiental, priorizando-se as características naturais e humanas, na promoção da sustentabilidade.

A Geografia por ser uma área do conhecimento que deve estudar e ensinar a estudar as construções sociais, que se desenvolvem na sociedade e nela produzem forças contraditórias oferece um campo de grande amplitude para a prática social da educação ambiental.

O espaço geográfico enquanto categoria de análise tem na sua produção e na sua reprodução elementos que envolvem, entre outras, a questão ambiental da realidade dos espaços sociais urbanos ou rurais em todas as suas dimensões.  A geografia, ao explorar o espaço urbano e alguns espaços mais restritos nela contidos, como a escola, praças parques, por exemplo, descobre mais facilmente os contrastes socioambientais nele engendrados. Também o espaço rural ou do campo apresenta-se rico em possibilidades para ensinar, aprender e praticar a educação ambiental. Nele estão presentes elementos essenciais do espaço, formas de sua utilização, além da questão dos agrotóxicos, a conservação do solo, as matas ciliares, os mananciais, entre outros, que com suas especificidades contribuem para o estudo do meio ambiente e para a prática da educação ambiental.

Em resumo, a identificação e utilização de espaços nos conteúdos das disciplinas é uma estratégia para descobrir formas de trabalhar a educação ambiental de maneira formal e contribuir para ampliar o conhecimento em suas diversas possibilidades.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É a partir da Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, que a questão ambiental se configura como processo de discussão em diferentes escalas geográficas. Todavia, é com a Conferência de Tbilisi (1977), que a Educação Ambiental passa a integrar formalmente o espaço das discussões acadêmicas e sociais. No Brasil, as discussões para inserção da EA no contexto da educação se iniciam a partir da promulgação da Carta Magna de 1988.

No decorrer do processo de sua formação a educação ambiental apresentou vertiginoso crescimento tanto por espacialização quanto por especialização, constituindo-se dessa forma, em importante campo do saber. Apesar de sua importância para a atualidade, ainda não desfruta de um lugar de destaque no contexto escolar.

A inserção de saberes, ainda em ascensão, implica na reorganização das estruturas políticas, administrativas, acadêmicas e sociais. Assim, ao pensar uma nova temática de estudo, é preciso considerar, sobretudo, sua historicidade, sua relevância na produção de conhecimentos, na discussão e análise de questões político-social.

Ao propor a educação ambiental na perspectiva da educação formal, entendendo-a como processo político, intencional, importante e necessária para a produção e validação de conhecimentos e saberes ambientais, é deveras importante fazê-lo sob uma perspectiva teórica e metodológica capaz de atender as necessidades de análise da complexidade dos problemas socioambientais.

Nessa direção acredita-se que à Pedagogia Histórico-Crítica pode proporcionar tais condições teórico-metodológicas para uma construção analítica e interpretativa dos processos de elaboração de sentidos comuns e conhecimentos públicos sobre a sustentabilidade ecológica, social, cultural e econômica do planeta (Vargas, 2003 p. 121).

Em relação à inserção da educação ambiental na educação escolar sugere-se identificar e utilizar espaços ociosos no interior dos conteúdos de ensino. Essa estratégia é pedagogicamente compatível com qualquer projeto que se queira realizar. Disciplinas como a Língua Portuguesa, as Artes, a Química, a Biologia e a Geografia apresentam excelentes possibilidades didáticas para o trabalho na perspectiva ambiental.

Por fim é preciso lembrar que para dar conta da complexidade teórica na qual se insere o campo ambiental e a própria EA é importante pensar a formação de educadores ambientais comprometidos com o paradigma interdisciplinar, no qual a prática constante da interdisciplinaridade seja garantia de proposições educativas, de modo a incentivar cada vez mais a formação da consciência crítica ambiental e social dos indivíduos.

 

NOTAS

4. Como a EA não se constituiu em disciplina autônoma, sofre ainda, um processo de acomodação no currículo escolar da educação básica.

5. Materializado nas organizações financeiras, na indústria e nas grandes propriedades.

6. Documento intitulado Educação Ambiental para a Amazônia Legal.

7. O termo está sendo usado para indicar o apego curricular pelos conteúdos tradicionais de ensino.

8. Estado localizado na Região Norte do Brasil.

9. Quando não há um encaminhamento capaz de modificar a situação.

 

REFERÊNCIAS

Brasil. (1996). Lei 9.392/96 - de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC.        [ Links ]

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Botelho, J. M. L. (2013). Prática social: uma estratégia para ensinar e aprender a Geografia escolar. Geografia Ensino & Pesquisa, 17(2), maio./ago.        [ Links ]

Carvalho, I. C. de M. (2000). A questão ambiental e a emergência de um campo de ação político-pedagógico. En Loureiro, C. F. B.; Layragues, P. P. y Castro, R. de S. (orgs.), Sociedade e meio ambiente: a educação ambiental em debate. São Paulo: Cortez.        [ Links ]

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