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Revista Internacional de Investigación en Ciencias Sociales

versión On-line ISSN 2226-4000

Rev. Int. Investig. Cienc. Soc. v.8 n.2 Asunción dic. 2012

 

 

ARTÍCULO ORIGINAL

 

Percurso da educação de adultos. Perspectiva histórica da EJA, ética na construção da prática e análise de um percurso etnográfico numa prática de sala

Way of adult education. Historical perspective of EJA, ethics in the construction of the practice and analysis of an ethnographic way in a practice room

 

Marinez Alves da Silva (1)

 

1. Pedagoga, Supervisora e Professora de Jovens e Adultos. Doutaranda em Ciências da Educação pela Universidad Autónoma de Asunción. Paraguay.

Correspondencia: Marinez Alves da Silva. E-mail: alvesmarinez@yahoo.com.br

Recibido: 30/04/12. Aceptado: 15/10/12

 


Resumo: O artigo analisa o percurso da educação de adultos a partir da visão histórica, da compreensão ética na construção da prática e reflexão do percurso etnográfico de uma prática de sala. No processo educacional e em particular a educação de jovens e adultos há um sentido ético atrelado ao sentido político e ao sentido técnico, que ao se estabelecer uma relação com o desenvolvimento da prática percebe-se uma inquietação com o dever desempenhado pelo educador, no processo de construção de uma prática na sala, pela formação dos valores adquiridos em sua formação profissional embasados de atitudes éticas. Dessa forma há um vínculo entre o sentido ético e a competência na ação do educador, que se revela na prática de sala. Uma vez que, o educador ao agir com consciência, vontade e atitude reflexiva caminhará em busca dos seus objetivos éticos. Essa dimensão social e política, das práticas pedagógicas têm um forte componente ético, através do compromisso do educador com os seus alunos, pois a possibilidade de uma educação, a partir de uma visão ética, respeitando à diversidade sócio-cultural, do mundo pós-moderno, potencializa o desenvolvimento dos indivíduos, ajudando-o de maneira significativa ao longo de toda vida, no percurso de construção e na convivência humana pelo processo de socialização.

Palavras-chave: Educação de adultos, ética pedagógica, prática etnográfica, competência profissional, construção os alunos.

 

Abstract: The article analyzes the way of adult education from the historical view, understanding ethics in the construction of practice and reflection in the ethnographic way of a practice room. In the educational process and in particular the education of youth and adults there is an ethical sense linked to the political sense and to the technical sense, that is to establish a relationship with the development of the practice perceives an uneasiness with the duty undertaken by the educator, in the process of construction of a practice in the classroom, by the formation of values acquired in his or her professional training grounded in ethical attitudes. Thus there is a link between the ethical sense and competence in the action of the educator, which is revealed in the practice room.  When the educator acts with conscience, will and reflective attitude walk in search of his or her ethical goals. This social and political dimension, teaching practices have a strong ethical component, with the commitment of educators with their students, because the possibility of an education, from an ethical view, respecting the diversity socio cultural of the postmodern world, which enhances the development of individuals, helping significantly throughout life, in the way of construction and in the human society through the process of socialization.

Keywords: Adult education, ethics teaching, ethnographic practice, professional competence, construction of students.


 

INTRODUÇÃO

No processo histórico da educação no Brasil tem se discutido os caminhos de mudanças ocorridas no ensino. Um dos desafios desse processo é a modalidade de jovens e adultos, pelo grande número de pessoas sem o domínio da leitura e da escrita. Face aos resultados encontra-se uma constante preocupação com a prática pedagógica na ação docente, para que esta acompanhe as mudanças de paradigma que a sociedade impõe diariamente diminuindo os níveis de exclusão dessa modalidade, visto que, nesse foco de observação as práticas docentes apresentam-se ineficientes em acompanhar as transformações sociais.

Essas transformações direcionam o contexto escolar ao processo de reflexão sobre a prática pedagógica desenvolvidas pelos professores, através da apropriação e da construção dos seus saberes em sua formação. Alguns autores como Freire (1996, p. 22) destaca “[...] a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática [...]”,Perrenoud (2000, p. 160) “[...] as reformas de estruturas e de programas são legítimas, mas não dão frutos, a não ser que sejam substituídas por novas práticas [...]” e Souza (2006, p.35) “[...] a busca de conhecimentos, de valores, atitudes e habilidades numa palavra, competência, só têm sentido se contribuem para a promoção da mudança social [...]”. Ambos destacam as mudanças na ação pedagógica, colocando em foco de pesquisa, como esse processo vem se desenvolvendo no contexto de uma escola, que acompanha o percurso da sociedade, com os avanços tecnológicos, mudanças de paradigmas e conscientização da participação social.

A prática pedagógica sob esta ótica busca formar por meio da educação, sujeitos capazes de dialogar com este complexo desafio, e conseqüentemente promover consciência de si e do outro, pela co-responsabilidade e pelo respeito às diferenças. Nessa visão cidadã perpassa várias concepções, que direcionam a prática do professor, para a construção das competências dos sujeitos, com as habilidades pertinentes ao contexto social, como destaca Perrenoud (1999, p. 22) “[...] construir uma competência significa aprender a identificar e a encontrar os conhecimentos pertinentes [...]”. Na atuação dessa prática mediadora, a docente deixa transparecer a sua concepção de educação e de que é ser professor mediador no caminho de uma prática para a cidadania. Prática pedagógica adotada pelos profissionais da educação em Educação de Jovens e Adultos, como destaca o mesmo autor “[...] as práticas sociais não estão vazias de conhecimentos, sejam eruditos ou comuns. Os professores exercem um papel definido do qual só se pode ter uma idéia exata por meio de uma experiência pessoal” (idem, p. 56). Para tanto, a articulação entre os saberes vai depender da prática pedagógica adotada pelo profissional e de sua fundamentação, pois essa prática só passa a ter significado a partir das análises e reflexões constantes que o professor da Educação de Jovens e Adultos faz de suas ações diárias. Nesse caminho, a pesquisa tem o interesse de analisar as práticas pedagógicas de uma professora alfabetizadora em seu campo de atuação, em uma escola da rede municipal do Recife, a partir da compreensão, de que a escola é um espaço de relacionamento e aprendizagem, onde se constrói as identidades que tecem a diversidade, e desafiam todos, na construção de sua competência profissional, onde o educador sente a necessidade de viver uma prática com ação-reflexão-ação em seu trabalho, revigorando as forças de suas ações, para um ensino em transformação.

Construindo o olhar sobre o percurso histórico da EJA

A história da educação de Jovens e Adultos no Brasil teve o seu início nos anos 30, a partir da consagração do ensino básico elementar, quando o país vivia a época do processo de industrialização e concentrava grande parte dos cidadãos nos centros urbanos. Nesse período, o Governo Federal traçou as diretrizes para educação no país, pois o setor econômico necessitava de mão de obra qualificada. Nesse percurso, ao final da ditadura e principalmente a partir de articulação nacional nos anos 40 foi ampliado o ensino básico aos adultos. Essa ampliação leva o povo à democracia e a educação que se destaca nesse contexto social, passa a ter o objetivo de conduzir a população de emigrante ao setor econômico do contexto social. Com o ensino básico ampliado, a educação de adulto ressurge e torna-se campanha nacional lançada em 1947.

Essa campanha sob o comando de Lourenço Filho tinha por objetivo a alfabetização em três meses, e após esse período, a efetivação dessa alfabetização acontecia, através do curso primário com dois períodos de sete meses. Também estava incluído no objetivo da campanha, um período de formação profissional e outro de desenvolvimento comunitário. Essas ações demonstraram bons resultados e dessa forma se ampliou os serviços já existentes, a outros lugares do país. Observando os resultados satisfatórios foram criadas, escolas com supletivo, estimulando a participação de profissionais e voluntários. A efervescência desse processo diminui nos anos 50, e nessa época, as ações comunitárias das zonas rurais não apresentavam os mesmos resultados do início da campanha. Com isso restou apenas o ensino supletivo assumido pelos Municípios e Estados. Percebe-se que a ampliação dessa modalidade de ensino, se configurou em reflexão sobre o processo da educação de adultos, a partir dos projetos criados pelas campanhas, pois nesse período, o analfabetismo e a educação de adultos, não eram vistos como causa, do processo econômico e sociocultural do país, onde o adulto era visto como inabilitado, apesar de toda a experiência construída socialmente em seu processo histórico de convivência.

A reflexão, a partir do pensamento pedagógico levou a inspiração dos programas de alfabetização e educação popular no país, no início dos anos 60, envolvendo intelectuais, estudantes e católicos, numa ação política com os grupos populares. Participaram das novas diretrizes os educadores do MEB – Movimento de Educação de Base, ligado à CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dos CPCs _ Centros de cultura Popular, organizados pela UNE – União Nacional dos Estudantes e dos movimentos de Cultura Popular, que reuniram artistas e intelectuais com o apoio de administrações municipais. Dessa forma, em cada período de nossa história educacional percebem-se movimentos que buscam ações para a Educação dos Jovens e Adultos. No período imperial houve uma iniciativa, tendo como proposta escolas para adultos no turno da noite. Já a partir da República encontram-se os movimentos de pequena duração e sem continuidade, pela falta de apoio da sociedade civil e do compromisso do poder público em sistematizar essa modalidade de ensino, como acontecia em outro nível escolar.

Esses movimentos iniciais tinham como proposta para a educação de Adultos a aquisição do código alfabético, que instrumentalizava o povo, com elementos da leitura e escrita para acompanhar os ensinamentos religiosos, obedecer às ordens da corte e seguir os parâmetros de transformação econômica advinda do processo industrial. A Industrialização transforma o contexto social e o governo lança a proposta para o ensino de adultos com o objetivo de incluir os adolescentes e os adultos analfabetos. Esse avanço transforma a concepção do ensino de jovens e adultos, que passa a contar com a proposta de Alfabetização desenvolvida pelo educador Paulo Freire (1967) em Angicos, Rio Grande do Norte que contribuiu para a reinvenção da educação no mundo inteiro. Desde o início, as atividades educativas desenvolvidas por ele foram permeadas pelas idéias de cultura, de outras relações entre diversas culturas e entre os distintos grupos humanos, mediados pelas diferentes linguagens, com destaque a verbal. A visão de Freire (1967) envereda para a construção da humanidade do ser humano em suas diferentes feições para atingir uma autenticidade. Essa proposta metodológica ficava atenta, aos aspectos do contexto social, e todas as dimensões econômicas, políticas, interpessoais, institucionais, cognitivas e pessoais entre os sujeitos envolvidos. Assim, o percurso pedagógico pautou-se na compreensão entre relação dos problemas educacionais e sociais, com a percepção crítica da realidade dos alunos, identificando os pontos fracos dos discentes, para redirecionar práticas de superação.

Hoje, a concepção de educação está pautada na visão de cidadania que acompanha o cenário das mudanças sociais numa perspectiva coletiva de construção de valores ético-sociais, reconhecendo a produção cultural, a apropriação de linguagens e símbolos dos sujeitos, que de acordo com Kleiman (2001), esse desenvolvimento se dá pela interação dos envolvidos, aonde a aprendizagem vai se incorporando as diferenças culturais do povo. Segundo Forquim (1999), esse espaço de construção cidadã é também lugar de sociabilidade, pois a tradição cultural é o suporte para a sustentação da condição do homem, para acompanhar os avanços sociais. Nessa sistemática o processo de construção mais democrático percorre o caminho de uma sintonia entre o conhecimento e as mudanças sociais. Nesse universo sócio-histórico, a educação de jovens e adultos no Brasil, norteia um novo percurso com princípios pautados no direito à igualdade, no reconhecimento das diferenças, na inclusão, na integralidade e na autonomia vinculado a formação do cidadão. Essa mudança caminha ao encontro da percepção individual da aprendizagem do aluno; das práticas coletivas com mudança na organização pedagógica do ensino; na valorização e qualificação dos professores, dando sentido ao trabalho individualizado e as construções coletivas. Esse novo olhar, na sistematização do conhecimento parece viabilizar caminhos de avanços em relação à superação do modelo que exclui as classes sociais, pois compreende a educação como a integração do ser biológico ao ser social, destacando-os como elementos interdependentes na formação do homem. A esse respeito comenta Freire (1986: p. 48) que:

A transformação não é só uma questão de métodos e técnicas. Se a educação libertadora fosse somente uma questão de métodos, então, problema seria mudar algumas metodologias tradicionais por outras mais modernas.  Mas não é esse o problema. A questão é o estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e com a sociedade.

Nessa perspectiva, os princípios apontam para uma nova maneira de pensar a educação, viabilizando uma ação coletiva em cadeia com o contexto sociocultural, articulando o projeto político-pedagógico da escola com as famílias e a sociedade civil. Essa idéia é contemplada na visão de Perrenoud (2000, p. 89). “[...] o verdadeiro trabalho de equipe começa quando os membros se afastam do ‘muro de lamentações’ para agir, utilizando toda a zona de autonomia disponível (...) para realizar seu projeto [...]”. É evidente, que esse trabalho coletivo amplia a socialização das relações pela aprendizagem na construção dos saberes.

Os saberes na direção dos avanços e das mudanças, que permeiam a educação de Jovens e Adultos apontam para a compreensão de uma educação integrada, com o professor na função de mediador do crescimento e do desenvolvimento do aprendiz, fazendo intervenção pedagógica, de acordo com as necessidades do aluno. Nesse caminhar, essa modalidade de ensino requer um constante aprofundamento teórico, revisitando as metodologias e práticas didáticas com o objetivo de superar as dificuldades observadas na aprendizagem, enquanto ação transformadora, pois o conhecimento é produto da ação humana, e o sujeito cria os próprios instrumentos cognitivos que o leva a agir, compreender, organizar compartilhar e transformar a sua realidade. O intercâmbio entre as aprendizagens corrobora com a abordagem construtivista, onde o desenvolvimento do sujeito se dá pela conexão das aprendizagens, no processo de construção dos seres humanos, como destaca a visão de Piaget (1977), o indivíduo é co-participante do trabalho do professor, pois expressa a auto-imagem que dá suporte ao desenvolvimento de competências e habilidades. E Wallon (1966) faz alusão que, o desenvolvimento do indivíduo em sua totalidade acontece a partir da internalização dos resultados nos momentos das relações motora, afetiva cognitiva, com o educador, com o seu colega e com a sociedade. Nessa relação, a construção do ser depende da convivência com o outro ser social, onde o sujeito se constrói como ser histórico.

Ética na construção da prática

Ao averiguar a reflexão filosófica da educação, se destaca as normas éticas, pois a filosofia na perspectiva educacional, como experiência humana, apresenta valores que fundamentam uma ação ética pedagógica. À medida que o homem interage e interroga o mundo, buscando entendê-lo para transformá-lo, ele se apóia na ética reflexiva, pelos valores apresentados na ação humana, independente do seu espaço de ação, dando um sentido a esta realidade. Esse mesmo homem ao qualificar um comportamento, como bom ou mau, apóia-se na ética da moralidade, através dos papéis sociais que desempenham em sociedade, pois “(...) a ética é a nossa capacidade de recusar uma idéia (...)”, Cortella (2011, p.141). Ela é o dever encontrado no bojo das ações sociais, que cada sociedade possui pelo seu jeito de ser, a partir de sua organização social. Como faz alusão Vaz (1988, p.22) “[...] O individuo trabalha e consome, aprendem e criam, reivindica e consente, participa e recebe: a universalidade do ethos políticos, ethos social propriamente dito [...]”. Nesse sentido, a cultura é produzida a partir das ações humanas, em suas relações uns com os outros, sustentados nos valores criados pelos homens. É embasado nos valores morais que aprovamos ou reprovamos as atitudes dos sujeitos. Assim, a ética se apresenta como análise crítica da moral sob o comportamento do homem. Nesse percurso, Vasquez (1975, p.13) explica que “[...] a ética não é a moral e, portanto, não pode ser reduzida a um conjunto de normas e prescrições; sua missão é explicar a moral efetiva [...]”. Portanto a educação deveria oferecer aos cidadãos, os conhecimentos e as destrezas que os tornassem capazes de usufruir uma vida, com qualidade, onde os professores participassem, construindo uma prática com o respaldo da ética, assumindo o seu compromisso de ser humano mediador do processo de transformação.

No caminhar dessa prática, as transformações dos processos se dão através da capacidade de identificar e respeitar os saberes populares, na construção do conhecimento, como também, a sua competência para construir um novo saber, realizando a reinvenção, que leva o cidadão a questionar seu pensamento, ações e emoções para se superar, ir adiante e crescer humanamente. Para que esse processo aconteça é preciso que o professor tenha competência e habilidade para avaliar situações, saberes e os mecanismos capazes de ajudar o aluno a construir o seu conhecimento. Essas ações estão formadas pelas percepções éticas, pois segundo Cortella (2011, p. 144) “(...) a ética são os princípios de orientação do modo como agimos e nos conduzimos na vida (...)”, que modifica o sujeito epistêmico, o cidadão profissional, o companheiro político e histórico, tornando-o uma pessoa, que visa à coletividade com objetivo transformador. Para esse objetivo transformador, os professores na sua reinvenção precisam saber diferenciar autoridade de autoritarismo, em seus discursos e práticas, nas construções de seu significado, pois a reinvenção segundo Freire (1996), exige interpretar a própria interpretação, repensar os contextos, desenvolverem múltiplas definições e tolerar as ambigüidades, onde o ser humano aprenda a partir de tentativas de resolver situações.

De fato, para o alcance dessa transformação idealizada há a necessidade de uma educação com formação contínua, para dar suporte aos profissionais em formação ao longo de sua vida. Uma educação pautada na complementação de um ensino não formal, para reorganizar assim, o sistema educativo. Esse caminho, que busca movimentos populares e educacionais vai desencadear na crise de paradigmas científicos, sociais e educativos, caracterizando-se pelo aprofundamento das questões e implantação de reformas educacionais a nível mundial. Nessa perspectiva, se destaca como exigência da educação popular, o fortalecimento da dimensão pedagógica, das ações coletivas com uma visão ética, a partir da análise crítica, sobre determinadas normas sociais existentes na ação humana em sociedade, direcionado a contribuir com as construções dos segmentos populares da sociedade, em suas ações locais e globais. Pois a importância dos processos pedagógicos requer que os educadores conduzam o seu trabalho, e avaliem os resultados de suas ações. Essa dimensão faz parte da competência profissional nos seus espaços de atuação, como faz alusão Rios (1999, p.10), “[...] o papel que desempenha e deve desempenhar na sociedade permite ao educador uma atuação mais competente”.Esses desafios são de ordens epistemológicas e políticas, pedagógicos e didáticos. Como a escola também tem a função e o compromisso nessa transformação, deve rever as suas práticas pedagógicas, seus currículos, seus valores éticos e suas estruturas discursivas na perspectiva de mudanças, incluindo a maioria da população excluída desse contexto social e cultural.

Para garantir os princípios éticos, a escola precisa estar atenta a todas as dimensões do ser humano e da sociedade, como também, identificar as exigências do contexto histórico-cultural. Esse princípio implica num conhecimento crítico das peculiaridades do contexto no processo educativo, como destaca Morin (2000, p.55), “[...] compreender o humano é compreender sua unidade na diversidade, sua diversidade na unidade. É preciso conceber a unidade do múltiplo, a multiplicidade do uno [...]”. Essa compreensão passa a ser uma perspectiva para todos, e quaisquer processo educativo, onde o conteúdo básico da aprendizagem é a compreensão, interpretação, explicação e projeção de uma transformação mais humana, isto é, o processo de humanização. Nesse processo de escolarização, essa construção tem que ser acompanhada da aquisição do código alfabético, onde tem origem a trajetória da educação formal, pela aquisição não só da linguagem escrita, como também o aprimoramento da linguagem verbal do ser humano, pois a linguagem verbal é um dos meios de expressão, na compreensão que se constrói a existência humana.

 

METODOLOGIA

O desenvolvimento metodológico da investigação, utilizou-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, onde os dados foram coletados a partir do registro de base etnográfica da prática de uma professora, que leciona em uma escola da rede Municipal do Recife e atende clientela de baixa renda como empregadas domésticas, ambulantes da praia, idosos, zeladores, vigia e faxineira. Os procedimentos para execução dos objetivos propostos na pesquisa foram realizados em três momentos: 1. As discussões e planejamento do projeto de pesquisa, definição do material teórico a ser utilizado, 2. Escolha do registro etnográfico com as seqüências didáticas das aulas ministradas; 3. Organização e análise do material coletado. O registro etnográfico aconteceu diariamente, por um período de seis meses registrando-se as práticas de sala de aula, no diário etnográfico, que permitiu “[...] a quem o escreve o acompanhamento das próprias ações e as implicações no meio onde atua [...]”(Souza, 2006, p. 67).Nesse período, a professora pesquisada fazia o registro dos momentos diários, após o término de cada aula, relatando através da escrita, as práticas pedagógicas desenvolvidas, refletindo e analisando os momentos de construção, compondo todo material, base da pesquisa, sendo selecionados alguns fragmentos.

Os fragmentos extraídos dos registros do diário etnográfico exigiram uma leitura e releitura para a escolha dos relatos de maior relevância que compôs o material da análise.  Tão logo aconteceu a escolha desses relatos houve a necessidade de um novo olhar, destacando os pontos importantes para a reflexão e análise. Os pontos relevantes, a partir de cada fragmento em análise foram categorizados. Cada categoria passou por momentos de reflexão crítica que ajudou a pesquisadora concluir a sua concepção acerca da prática pedagógica de educação de jovens e adultos.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Análise de um percurso etnográfico de uma prática de sala

O registro etnográfico das etapas de construção do conhecimento na prática do ensino de jovens e adultos pode se constituir de ampla riqueza para ajudar aos professores na reflexão de sua prática pedagógica. Esses registros podem demonstrar a dimensão histórica e metodológica da prática do professor, que segundo Souza (2006, p. 52), “[...] construir a consciência de sua prática docente e de si mesmo, e até da prática pedagógica como meio de formação contínua e da transformação dessa prática [...]” é uma ação que modifica o saber epistemológico do professor. Nessa perspectiva, o campo etnográfico, oportuniza ao professor, ser um pesquisador de sua própria prática e torna o docente um profissional reflexivo de suas ações e da cultura social no contexto de sala de aula, onde o docente pode relacionar a sua prática com a cultura da sociedade, a partir dos valores éticos, na compreensão crítica de sua ação e intervenção pedagógica, contribuindo para a construção de sua concepção e formação profissional, como colaborador da transformação social. Nesse sentido, pensando criticamente na prática em sua concretude, apresenta-se a seguir fragmentos extraídos do Diário Etnográfico, referente a um período de seis meses de registro, cujo objetivo foi refletir sobre as ações desenvolvidas no contexto escolar, observando a atuação prática de uma docente numa perspectiva transformadora para a cidadania, como bem destaca Freire (1996, p. 39), “[...] ensinar exige reflexão crítica sobre a prática [...]”, exige também, a reflexão crítica do trabalho de intervenção do próprio investigador, que ao analisar fragmentos extraídos dos registros de um Diário Etnográfico permitiu reflexão de relevância crítica da prática docente.

Essa compreensão sobre a prática pedagógica, a partir da reflexão de fragmentos das sequências didáticas, com base etnográfica possibilitou focar as idéias contidas na prática pedagógica de uma professora da Educação de Jovens e Adultos, onde são apresentados fragmentos do diário etnográfico com as seqüências didáticas vivenciadas pela professora; (1) Feira de Conhecimento; (2) Trabalhando Ordem Alfabética; (3) O teatro; (4) Observando a natureza; (5) O que vejo: na cidade, no campo; (6) O ar existe. (7) A riqueza do jornal. Desse contexto, apresenta-se a primeira sequência didática que forneceu subsídio para a reflexão da prática pedagógica na educação de jovens e adultos, pois de acordo com Dolz (2004), a sequência didática possibilita aos educandos a construção e consolidação da aprendizagem pela sequência do processo desenvolvido. A sequência didática foi estruturada em um corpus documental, acompanhado da ementa, que após análise apresenta as categorias. Essas categorias relacionam os aspectos mais relevantes da prática docente, explicitando o entendimento do percurso metodológico de professor.

Sequência didática 1 - Feira de conhecimento

Ementa. O objetivo da Feira de Conhecimento foi resgatar as memórias sociais e culturais dos alunos sobre o tema carnaval através da reflexão das informações trazidas pelos alunos e socialização das informações pesquisadas.

 

Ao analisar o fragmento número 1 (um) referente à Feira de Conhecimento chega-se as seguintes categorias:

1. O resgate do conhecimento em EJA

2. O trabalho com tema gerador

3. A pesquisa como prática de EJA

 

1- O resgate do conhecimento em EJA

Nessa categoria, observa-se que o professor para trabalhar um conhecimento em sala de aula, sempre iniciar a partir de uma problematização da prática social e, em seguida, faz o resgate das aprendizagens trazidas pelos alunos, para a situação didática vivenciada, que a partir das informações obtidas introduz o conteúdo a ser trabalhado. Esta postura do professor leva a crer que o docente caminha num percurso de uma prática pedagógica de valorização ao conhecimento popular do contexto social em que o aluno está inserido. A esse respeito Freire (1996, p. 30) destaca “[...] por que não estabelecer uma intimidade, entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? [...]” Na verdade, os docentes não podem deixar fora do contexto escolar, às experiências socialmente e culturalmente construídas pelos alunos. Adotando práticas pedagógicas de integração dos conhecimentos, a escola valoriza o conhecimento dos seus alunos, produzindo outros saberes pela inclusão significativa desses novos saberes.

2- O trabalho com tema gerador

Outro ponto abordado no primeiro fragmento foi o tema gerador que ficou organizado na segunda categoria. Nesta categoria o professor em sua prática de sala parece sempre iniciar as aulas, com um tema gerador. Com essa prática o docente viabiliza ao aluno sua participação na aula integrando sua experiência ao tema abordado como afirma Freire (1996, p. 30):

[...] por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas de cidade descuidadas pelo Poder Público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das comunidades [...].

Como se pode observar, na afirmação de Freire (1996), essa gama de conhecimento pode a partir de um tema gerador oportunizar todos os alunos a refletirem o espaço social incluindo-se nesse contexto. Nessa perspectiva o professor constrói a relação de confiança com o seu aluno, para que ele se perceba como ser, que participa do contexto social, e como tal precisa lutar pelas mudanças na sociedade. Em suma trabalhar com temas que tenha significado na vida do aluno, enriquece o processo de construção e mobiliza os educandos a ultrapassarem as etapas no desenvolvimento da aprendizagem.

 

3- A pesquisa como prática de EJA

A última categoria relacionada ao primeiro (01) fragmento faz referência à pesquisa que o professor demonstra ter como prática no contexto da sala de aula. Segundo Rampazzo (2004), “[...] pesquisa é uma atividade de investigação capaz de oferecer [...] um conhecimento novo [...]”. Na ação do docente há uma seqüência didático-pedagógica, em todo percurso de uma construção da aprendizagem dos alunos. A docente parte do conhecimento prévio do aluno sobre um tema gerador, associando esses saberes à epistemologia científica, ampliando e estimulando o seu aluno a curiosidade, e este buscarão saciar a sua curiosidade através da pesquisa. Após a busca do conhecimento, as interconexões construídas serão socializadas pelos alunos fazendo o fechamento dos conhecimentos adquiridos.

Dessa forma chega-se a compreensão de que as competências instituídas pela docente para a construção do aluno, parte do resgate do conhecimento do aluno, dito popular, para o conhecimento Científico, através de um tema gerador que vai fundamentar a pesquisa, onde o ciclo de conclusão é a socialização do conhecimento pelos alunos, consolidando as aprendizagens significativas. Esse fragmento parece demonstrar que a docente direciona a sua prática para uma abordagem sócio-construtivista, visto que, direciona o trabalho pedagógico para a construção e desenvolvimento da aprendizagem dos alunos, numa prática de transformação. Neste contexto, Freire (1996, p. 77) referenda a prática docente, quando destaca “[...] o meu papel no mundo não é só o de quem, constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. [...] constato não para me adaptar, mas para mudar [...]”. Nessa direção é papel do professor interagir, observar e conhecer o educando. Segundo Furck (2003, p. 15), “[...] acreditando no educando, na sua capacidade de aprender, descobrir criar soluções, desafiar, enfrentar, escolher [...]” pode-se mudar o rumo, no momento de construção e levar o aluno a conhecer para transformar.

 

CONCLUSÃO

Procuramos nessa pesquisa ampliar a compreensão a cerca da prática pedagógica de uma professora alfabetizadora da educação de jovens e adultos, refletindo sobre as seqüências didáticas apresentadas nos fragmentos do diário de campo de base etnográfica, que teve como percurso identificar os pontos relevantes das seqüências didáticas que possibilitou constatar e focar as idéias contidas nos objetivos propostos e hipóteses elencadas para pesquisa.

Ao analisar os fragmentos do diário etnográfico com as seqüências didáticas transcritas nos relatos, pode-se concluir que há uma preocupação na prática docente que parece está associada às necessidades dessa modalidade de ensino. Dessa forma, percebe-se que o trabalho da docente adota uma seqüência pedagógica, que valoriza o ambiente social e cultural dos alunos, colaborando com a transformação social. Nessa perspectiva de trabalho, a docente possibilita aos alunos o desenvolvimento, pautado na cidadania, superando as dificuldades que impedem a sua aprendizagem, pois as vivências apresentadas pelas seqüências didáticas demonstram que os aspectos da prática docente estão relacionados ao trabalho que resgata as vivências dos alunos e seus conhecimentos sociais, construídos em sua participação, pela história de vida em sociedade.

No seu agir pedagógico, a docente valoriza o diálogo em sala, a participação nas socializações, a descoberta pela percepção de cada olhar, os dialetos diferenciados, a produção coletiva, como também, as atividades diversificadas, ampliando o leque de saberes dos alunos, pela reflexão crítica, que facilita o desenvolvimento das competências afetivas, cognitivas e sócio-culturais. Nessa trajetória é perceptível na ação docente o respeito ao percurso de construção de cada aluno e as intervenções individualizadas, canalizando essas intervenções para a superação dos obstáculos no processo de construção, onde os conhecimentos sociais passam a fazer conexão com o conhecimento científico. Nesse espaço de interação e sociabilidade valoriza-se a cultura dos alunos em seu processo de construção.

Outro ponto observado, que os dados deixaram transparecer foi à aceitação pelos alunos das práticas propostas, pela relação de confiança existente, entre os envolvidos no processo de construção. Nesse percurso conclui-se que o vínculo sócio-afetivo entre professor e aluno motiva os discentes à constante participação, como também, as metodologias diversificadas refletem positivamente no processo de construção da aprendizagem e os alunos demonstram obter melhor rendimento. Esse percurso da educação de adultos está fundamentado na mudança de concepções dos professores, que em seu ambiente prático vislumbra a transformação social, a partir dos novos valores que se apóiam nas normas éticas, para transformar a sua prática pedagógica pela ação-reflexão-ação, pois é a ética reflexiva que direciona o profissional, a um compromisso ético pedagógico, na sua função de mediador, intervindo e oferecendo aos alunos a competência necessária para a construção do saber. Nessa prática pedagógica acontece a reinvenção pela interpretação da própria prática, onde os professores e os alunos aprendem a resolver os obstáculos que vão surgindo, numa perspectiva de educação que propõe uma dimensão pedagógica pela visão ética. Esse papel desenvolvido pelo professor sai de uma prática reprodutora, para uma prática transformadora, que inclui nos currículos, o conhecimento popular com os seus valores éticos, como especificidade discursiva nas vivências de sala, fazendo com que a compreensão humana de conhecimento, valores, atitudes e habilidade, passem a ter sentido na sociedade.

Com isso conclui-se que as vivências pela prática são ações que propiciam uma tomada de consciência, diante do processo ensino-aprendizagem, onde o professor em sua sequência didática demonstra uma preocupação com as necessidades dos alunos da EJA, pois o recorte da sequência didática, apresentado e analisado, possibilita o desenvolvimento para a cidadania, onde todos são colaboradores no processo de construção.

 

REFERENCIAS

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