INTRODUÇÃO
Compreender a dinâmica dos diferentes sistemas ambientais como resultado dos impactos causados pela variabilidade climática e pela ação humana, tem sido o esforço de diversos pesquisadores (Santos, Galvíncio e Moura, 2010). Nas últimas décadas, a substituição da vegetação natural do Cerrado por áreas destinadas a atividades agrícolas tem aumentado em ritmo acelerado (Sano, Brito, Rosa e Ferreira, 2008). Em 2021 apenas metade do bioma (53,1%) ainda é coberto por vegetação nativa, com 27,9 milhões de hectares da cobertura vegetal perdidas entre 1985 e 2021 (MapBiomas,2022).
Com o desenvolvimento de novas tecnologias, o uso do sensoriamento remoto se converteu em uma das principais ferramentas para analisar e estudar a superfície terrestre, sendo importante para a detecção e monitoramento das alterações ambientais (Júnior e Dantas, 2018). Assim, a análise da densidade da cobertura vegetal, bem como sua espacialidade, é um importante mecanismo para estudos que visam analisar a degradação da paisagem, a gestão dos recursos naturais, o entendimento dos processos hidrológicos e o dinamismo na agricultura (Santos, Galvíncio e de Moura, 2008).
Nesse contexto, existem vários métodos de classificação da cobertura vegetal, dentre as técnicas de tratamento e processamento de imagens digitais que permitem a exploração de dados de sensores remotos, destacam-se os índices de vegetação, que possibilitam identificar a presença de vegetação e caracterizar sua distribuição espacial e sua evolução ao longo do tempo (Lobato, Menezes, de Lima e Sapienza, 2011).
A vegetação funciona como uma camada protetora da água e do solo, de modo que sua distribuição e grau de desenvolvimento afetam o estado de conservação do meio ambiente (Souza, Gonzalez e Teixeira Filho, 2019). Assim, torna-se necessário um sistema de monitoramento sistemático e operacional para o Cerrado mato-grossense, pois, apesar da intensificação do processo de substituição de áreas naturais por diferentes usos do solo, são poucas as tentativas de monitorar a degradação do bioma.
Dessa forma, o presente trabalho teve como objetivo avaliar o potencial do índice de vegetação por diferença normalizada (NDVI) aplicado a imagens do satélite LANDSAT 8 para discriminar as classes de vegetação no periodo úmido e seco em uma região do Cerrado mato-grossense.
MATERIAL E MÉTODOS
Caracterização da Área de Estudo
A área de estudo compreende a região do Vale do São Lourenço, localizada no Cerrado mato-grossense, englobando os municípios de Dom Aquino, Jaciara, Juscimeira e São Pedro da Cipa, a mesma está localizada na mesorregião geográfica do Sudeste Mato-grossense, entre as coordenadas geográficas 15°55'21.74"S, 54°54'24.27"O (Figura 1).
A área do Vale do São Lourenço abrange uma área total de 7.685,40 km² de extensão, distribuídas da seguinte forma: Dom Aquino com 2.224,269 km², Jaciara 2.396,589 km², Juscimeira 2.720,481 km² e São Pedro da Cipa 344,050 km² e possui uma população de, aproximadamente, 8.178; 27.776;11.221 e 4.727 habitantes respectivamente.
Segundo a classificação de Köppen, o clima da região é do tipo Aw caracterizado como clima de savana tropical onde a temperatura média anual é em torno de 24,6°C, com máximas no verão podendo atingir 31,8°C e mínimas no inverno com valores 17,1°C (Alvares, Stape, Sentelhas, Gonçalves e Sparovek, 2014). A precipitação média anual é elevada, geralmente entre 1650 - 2100 mm, com duas estações bem definidas, inverno com temperaturas amenas e seco, e verão quente e chuvoso (Tarifa, 2011).
A região situa-se em unidades do Planalto dos Guimarães formada por feição de relevo cuestiforme das Serra dos Coroados e São Jerônimo e pela Depressão de Rondonópolis, constituída pelo vale do rio São Lourenço, em que se expõem as rochas sedimentares da Bacia do Paraná (Godoy, da Conceição e García, 2016).
Sua vegetação é um mosaico de campos limpos, sujos e cerradão, constituídos de árvores de casca grossa, tortuosas, com plantas xeromórficas que lembram as regiões semidesérticas. As plantas estão adaptadas para retirar água profunda através de raízes que atingem até 15 metros. Os solos da área são de sedimentos que se originam do Terciário, bastante profundos, azonados, de cor vermelha, porosos, permeáveis e bem drenados, portanto muito lixiviados. São geralmente pobres em nutrientes, devido à sua origem associada a depósitos sedimentares antigos, que vêm sofrendo pedogênese há milhares de anos, conforme explicam Conti e Furlan (2003).
Obtenção dos Dados
A base de dados utilizada para a realização do estudo se restringiu a dois formatos de arquivos: vetorial e raster. A informação vetorial refere-se ao limite da área de estudo e foi adquirida no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, do ano de 2019, enquanto os arquivos do tipo raster referem-se às imagens do satélite Landsat 8, obtidas gratuitamente nos sites do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS). Para o estudo utilizou-se duas cenas (órbita/ponto 225/71 e órbita/ponto 266/71) para compor um único mosaico, referentes as datas de 04 e 13 de agosto, que corresponde ao período seco e 23 e 30 de abril de 2020, que corresponde ao período chuvoso. A Figura 2 apresenta o comportamento médio da chuva e da temperatura ao longo do ano na região do estudo.
Para realizar os cálculos de índice de vegetação foram realizadas as correções radiométricas e atmosféricas das imagens de modo a permitir o uso e comparação das informações espectrais em diferentes períodos. Depois de submetidas à correção atmosférica as bandas foram reprojetadas para o sistema de coordenadas UTM, datum SIRGAS 2000 hemisfério sul. O processamento das imagens foi realizado através do programa QGIS 3.10
A reflectância monocromática foi calculada com as bandas correspondentes do sensor OLI utilizadas no estudo. A conversão dos números digitais (DN) de cada pixel e banda (Qcal) para reflectância planetária (ρ𝜆) foram processadas a partir do coeficiente de reescalonamento informado no arquivo metadados da imagem, utilizando a equação 1 (USGS, 2019).
Onde: ρ𝜆 é a reflectância planetária sem a correção do ângulo solar; Mpi é o fator multiplicativo de cada banda, encontrado no arquivo metadados (REFLECTANCE_MULT_BAND_i); Ap é o coeficiente de adição encontrado no arquivo metadados (REFLECTANCE_ADD_BAND_i); i refere-se ao número da banda; Qcal são os números digitais correspondentes a cada banda da imagem.
Porém, se faz necessário corrigir a reflectância de acordo com o ângulo zenital utilizando a equação 2 (USGS, 2019).
Onde: ρ𝜆i é a reflectância planetária com a correção do ângulo zenital; Sen ( ) é o ângulo de elevação solar; d é a distância Terra-Sol em Unidade Astronômica, presente no arquivo metadados.
Após a correção da reflectância, foi calculado o Índice de Vegetação de Diferença Normalizada (NDVI), obtido através da razão entre a diferença das refletividades do infravermelho próximo (ρIV) e do vermelho (ρV), onde o primeiro corresponde a banda 5 e o segundo a banda 4 do Landsat 8. O NDVI foi calculado através da equação 3, proposta por Rouse, Haas, Schell e Deering (1974).
Onde: ρv é a banda do vermelho e ρiv é a banda do infravermelho próximo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os valores de NDVI não apresentaram grandes variações entre os períodos chuvoso e seco. Analisando os mapas das imagens processadas referentes aos cálculos de NDVI (Figuras 3 e 4), há uma variação na amplitude dos valores (-0, 63 a 0,88) durante o período chuvoso e (-0,70 a 0,86) no período seco, onde os valores negativos e próximos de zero são compostos principalmente por água, rochas e solo descoberto (-1 a 0,3), valores baixos correspondem a áreas de vegetação estressada (0,3 a 0,6), enquanto valores altos (0,6 a 1) indicam áreas de vegetação com maior vigor vegetativo.
Observou-se em ambos os períodos a presença de valores negativos de NDVI, o que confirma a ocorrência de corpos d'água, classe representada pela barragem do rio São Lourenço. Na imagem do período de seca, a amplitude dos valores de NDVI é menor, havendo maior predominância de vermelho e laranja, que representam o valor de NDVI muito próximo de zero, caracterizando uma vegetação seca, com pouca atividade vegetativa e áreas com solos expostos.
No período chuvoso, foi observada uma maior amplitude para os valores de NDVI, devido a uma renovação da vegetação da região, em decorrência da boa disponibilidade de água no perfil do solo, o que proporcionou melhores condições para o desenvolvimento da vegetação. Porém, em algumas áreas não houve resposta da atividade fotossintética, embora haja disponibilidade de água para o desenvolvimento da vegetação, fato que pode ser explicado pela presença de solos expostos ou áreas degradadas na região.
Além disso, a análise dessas imagens permitiu identificar um comportamento típico da vegetação do Cerrado, onde nos dois períodos analisados são observados valores de NDVI próximos a 1, representando áreas de vegetação com alta atividade vegetativa, fato que pode ser justificado devido às espécies arbóreo-arbustivas possuírem um sistema radicular bem desenvolvido, podendo atingir camadas mais profundas do solo, onde há disponibilidade de água.
Lourenço, Ramos e Costa (2017), avaliando a distribuição espaço-temporal do NDVI no município de Aiuaba-CE, verificou que os valores de NDVI apresentam variações sazonais mesmo sob condições de preservação, e que as variações apresentam forte dependência com a época do ano, principalmente, em função da área foliar da vegetação que apresenta redução significativa devido à perda das folhas iniciada ao final do período chuvoso e acentuada no período chuvoso.
Ferreira, dos Santos Ferreira, da Silva, dos Santos e Galvínci (2012), trabalhando com análise espaço-temporal da dinâmica da vegetação de caatinga no município de Petrolina - PE, observou que a vegetação da caatinga comporta-se de acordo com a ocorrência da precipitação, tendo nos períodos chuvosos valores mais elevados para os índices de vegetação e, consequentemente, temperatura da superfície mais amena, e nos períodos secos baixos valores dos índices e altas temperaturas.
Segundo Gameiro et al. (2016), as vegetações com mais folhas, acontece devido a boa disponibilidade de água distribuída no solo, proporcionando assim melhores condições para desenvolvimento da vegetação local e das áreas de agricultura.
De acordo com Simioni e Wollmann (2016), analisando o comportamento do NDVI na Estação Ecológica do Taim durante as quatro estações do ano de 2009, por meio de utilização de imagens da Série Landsat 5, concluíram que a utilização do NDVI, se mostrou uma ferramenta eficiente para o estudo temporal do vigor vegetativo de unidades de conservação.
Os valores digitais do NDVI referentes a atividade vegetativa foram reclassificados e organizados em seis classes: água (menor que 0,00), solo exposto (0 - 0,30), baixa (0,30 - 0,47), moderada (0,47 - 0,56), Alto (0,56 - 0,73) e muito alto (maior que 0,73). Nas figuras 5 e 6 e na Tabela 1 estão representados os resultados obtidos no cálculo de área para a região estudada.
Na imagem correspondente ao período chuvoso (Figura 5), a vegetação encontra-se em plena atividade fotossintética e com biomassa foliar significativa, que é representada pelos maiores valores do NDVI. Nas imagens da estação seca (Figura 6), há predomínio de valores menores de NDVI que estão associados à diminuição da atividade fotossintética e consequente perda de biomassa foliar.
A Tabela 1 permite observar que as regiões de corpos d’água não apresentaram grandes alterações durante o período avaliado.
A classe de solo exposto possui uma diferença muito notável. Na época chuvosa, a área dessa classe é de 555,632 km² (7,23%) enquanto na época de estiagem esse valor é maior devido ao aumento das áreas de solo exposto e vegetações sem folhas representando uma área de 1.481,327 km2 (19,27%).
Para as classes baixa e moderada foram constatadas variações de aumento e recuo dos valores de NDVI. A primeira classe no período úmido ocupava 20,57% da área de estudo, e no período seco passou a ocupar 43,22%, um acréscimo de 1.740,760 km² com vegetação apresentando uma baixa atividade vegetativa. Já a classe moderada que no período chuvoso ocupava 40,54 % da área total, declinou até 15,43 % no período de estiagem.
As classes Alto e Muito alto com valores de NDVI variando entre 0,56 a 0,73 e valores de NDVI maiores que 0,73, respectivamente, totalizaram uma área de 2.419,915 km² o que representa 31,49 % da região no período úmido, variando para 1.683,010 km² (21,90 %) no período seco, o que representa uma diferença de 9,59% correspondente a uma área de 736,905 km².
NDVI | Classificação | Período Úmido | Período Seco | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Área em km² | Área em % | Área em km² | Área em % | |||
< 0,00 | Água | 13,090 | 0,17 | 13,604 | 0,18 | |
0 - 0,30 | Solo Exposto | 555,632 | 7,23 | 1481,327 | 19,27 | |
0,30 - 0,47 | Baixa | 1580,925 | 20,57 | 3321,685 | 43,22 | |
0,47 - 0,56 | Moderada | 3115,568 | 40,54 | 1185,641 | 15,43 | |
0,56 - 0,73 | Alto | 2271,425 | 29,56 | 1537,451 | 20,01 | |
> 0,73 | Muito alto | 148,490 | 1,93 | 145,559 | 1,89 | |
Total | 7685,13 | 100 | 7685,267 | 100 |
Para uma melhor visualização e comparação dos resultados, após o cálculo de área as classes de atividade vegetativa foram colocadas em um gráfico. Para confecção do gráfico foi considerado a Área em percentagem de cada classe no seu respectivo período (Figura 7).
Na Figura 7, pode-se observar que o período chuvoso apresentou maior ocorrência de altos valores de NDVI em relação ao período seco. Dessa forma, observa-se que a precipitação tem forte influência nas características da vegetação, expressa pelos valores de NDVI encontrados.
CONCLUSÃO
O índice de vegetação NDVI utilizado nesta pesquisa permitiu analisar a dinâmica da vegetação no Vale do São Lourenço - MT. A vegetação da área de estudo comportou-se de acordo com a disponibilidade de água no perfil do solo, com maiores valores do índice de vegetação na estação chuvosa e baixa atividade fotossintética na estação seca.
A análise das imagens utilizando o NDVI permitiu identificar um comportamento típico da vegetação do Cerrado, onde nos dois períodos analisados são observados valores de NDVI próximos a 1, representando áreas de vegetação com alta atividade vegetativa, no entanto, algumas áreas merecem atenção, pois não mostraram qualquer reação à disponibilidade de água. Desta forma, o índice de vegetação analisado representa um indicador da qualidade ambiental.