INTRODUÇÃO
A cultura da soja [Glycine max (L.) Merrill.] possui elevada importância em nível mundial, sendo considerada como uma das principais fontes de alimento, tanto para consumo humano, como animal. Nos últimos anos tem-se observado um aumento na área de produção de soja na região Sul do Brasil, contribuindo, fortemente, na economia da região e do Brasil. Para a produção agrícola, a água possui um papel de vital importância, determinando o potencial produtivo de uma cultura. No entanto, a variabilidade e a irregularidade das precipitações na Região Sul do Brasil interferem no desenvolvimento das plantas, ocasionando uma redução na produtividade das culturas e comprometendo a sustentabilidade da atividade agrícola (Bertagnolli et al., 2015). O balanço hídrico caracteriza-se pela interação entre o sistema solo-água-planta-atmosfera, considerando como base as entradas e saídas da água neste sistema. A dinâmica do sistema varia em função da disponibilidade de água no solo, das características do solo, da demanda evaporativa da atmosfera e da capacidade da cultura em extrair a água do solo (Allen et al., 1998). Neste contexto, a determinação do conteúdo da água que o solo apresenta é de vital importância para a agricultura, estando relacionada, especificamente, aos manejos culturais realizados no campo e ao aporte da irrigação suplementar.
O manejo da irrigação visa responder à questão de quando irrigar e quanto irrigar. De maneira geral, o momento de acionar um sistema de irrigação deve levar em consideração um conjunto de fatores relacionados à planta, ao solo, às características meteorológicas, além de questões relacionadas ao equipamento, como os custos de instalação e manutenção dos sistemas de irrigação. Além disso, a decisão de irrigar deve considerar possíveis impactos ambientais ocasionados pela aplicação da irrigação. Nas últimas décadas, em função do aumento da competição pela água, aliado ao comprometimento com ecossistemas sustentáveis, surgiu a necessidade de aumentar a eficiência do uso da água, mediante a aplicação de novas tecnologias e manejos culturais sem afetar negativamente a produtividade das culturas (Salazar et al., 2014). O conceito de irrigação deficitária surge então como uma estratégia para cumprir com estas necessidades, onde em locais com condições semiáridas ou sub-úmidas, são aplicadas lâminas menores de água que àquelas requeridas pela cultura, para atender a evapotranspiração da cultura (ETc), controlando assim, o nível de estresse a que a cultura pode ser submetida e que apresente menor impacto no rendimento final da cultura (Molden, Binb, Loevec, Barkera & Tuong, 2007; Lima, Frizzone, Mateos e Fernandez, 2012).
Assim, objetivo principal deste estudo consistiu em avaliar a dinâmica do balanço hídrico do solo para a cultura da soja [Glycine max (L.) Merr.] submetida a diferentes níveis de déficit hídrico e seu impacto sobre a produtividade da cultura mantida com resíduos culturais na superfície do solo.
MATERIAIS E MÉTODOS
Este trabalho foi conduzido na área experimental do Departamento de Engenharia Rural, localizada no campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria - RS, situada em Latitude de 29° 41’ 24” S e Longitude de 53° 48’ 42” W, e altitude média de 100 m. O clima da região é do tipo “Cfa” subtropical úmido, sem estação seca definida e com verões secos, segundo classificação de Köeppen (Kottek, Grieser, Beck, Rudolf & Rubel, 2006). O solo é classificado como Argissolo Vermelho Distrófico arênico (EMBRAPA, 2006), as características físicas e hidráulicas do solo da área experimental foram determinadas no laboratório de solos do Sistema Irriga® da UFSM (Tabela 1).
Prof. (cm) | Da | Dr | Textura (%) | θ (cm3 cm-3) | ||||
(g cm-3) | (g cm-3) | Areia | Silte | Argila | θCC | θPMP | ||
0 - 10 | 1,35 | 2,54 | 35 | 37 | 21 | 0,27 | 0,119 | |
10 - 25 | 1,25 | 2,59 | 36 | 44 | 22 | 0,28 | 0,112 | |
25 - 55 | 1,13 | 2,61 | 33 | 45 | 22 | 0,31 | 0,117 | |
55 - 85 | 1,29 | 2,65 | 23 | 35 | 44 | 0,40 | 0,191 |
Prof. = profundidade da camada (cm); Ds = Densidade aparente do solo (g cm-3); Dp = Densidade real do solo (g cm-3); θCC = conteúdo volumétrico de água corresponde a capacidade de campo, determinada a campo (cm3 cm-3) e θPMP = conteúdo de água correspondente ao ponto de murcha permanente (-1500 kPa), obtida em laboratório.
O experimento foi conduzido durante os anos 2014/15 (Ano 1) e 2015/16 (Ano 2), no interior de uma cobertura móvel (“Rainout Shelter”), a qual permaneceu fechada em dias chuvosos, obtendo-se assim o controle total da entrada de água na área experimental. O período de execução do experimento no ano 1 foi entre o 30 de novembro de 2014 e 01 de abril de 2015 e no ano 2 entre o 12 de janeiro a 5 de maio de 2016, totalizando 122 e 114 dias, respetivamente. Quatro tratamentos com diferentes níveis de déficit hídrico foram utilizados. Lâminas fixas de irrigação foram aplicadas sempre que o total de água disponível no solo (TAW), considerando a camada de 0-85 cm (Ano 1) e 0-70 (Ano 2), atingia valores de 80% (T1 = Sem déficit), 70% (T2 = Déficit leve), 60% (T3 = Déficit moderado) e 50% (T4 = Déficit severo). O experimento foi disposto em delineamento inteiramente casualizado (DIC), com três repetições, onde cada unidade experimental apresentou uma área de 9 m2 (3x3 m). No ano 1, a cobertura do solo foi de aproximadamente 4 t ha-1 e, no ano 2, biomassa seca de palha de trigo (Triticum aestivum) foi de aproximadamente 5 t ha-1.
No ano 1, a variedade de soja Pioneer 95R51, de habito de crescimento indeterminado e grupo de maturação 5.5, foi semeada com espaçamento nas entrelinhas de 0,50 m e densidade de 14 sementes por metro linear, totalizando 280.000 sementes ha-1; no ano 2, utilizou-se variedade TMG 7062 Intacta-Inox, de hábito de crescimento semi-determinado e grupo de maturação 6.2, na população de 200.000 plantas ha-1. Visando homogeneizar a umidade do solo na área experimental e favorecer o estabelecimento inicial uniforme, nos primeiros 30 dias após a semeadura (DAS), em ambos os anos, todos os tratamentos foram irrigadas com as mesmas lâminas. O sistema de irrigação utilizado no ano 1 foi o de gotejamento e no ano 2 foi o de microaspersão. Aos 30 DAS iniciou-se a aplicação dos tratamentos, onde lâminas fixas de 15 mm foram aplicadas, em cada evento de irrigação. As lâminas de água aplicadas via irrigação estão apresentadas na Tabela 2. A fertilização do solo na área experimental foi realizada com base na análise química do solo, seguindo as recomendações da Comissão de Química e Fertilidade do Solo RS/SC (2004). O manejo fitossanitário da cultura da soja para o controle de plagas e doenças foi realizada de forma preventiva durante todo o período de desenvolvimento da cultura.
T1: tratamento sem déficit hídrico, T2: tratamento com déficit hídrico leve, T3: tratamento com déficit hídrico moderado, T4: tratamento com déficit hídrico severo.
Dados meteorológicos como precipitação (P), radiação solar (Rs), temperatura do ar (T), velocidade do vento (u2) e umidade relativa (RH), relativos aos períodos experimentais foram obtidos de uma estação meteorológica automática pertencente ao Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), localizada a 200 m da área experimental. A evapotranspiração de referência (ETo) foi calculada utilizando o método padrão da FAO, Penman-Monteith ((Allen et al., 1998)).
O conteúdo de água no solo foi monitorado mediante uso de um conjunto de sensores FDR (Reflectometria de Domínio de Frequência), modelo CS 615, os quais foram conectados a um multiplexador AM16/32 + Datalogger CR1000 (Campbell Scientific, Logan, UT, USA). Em cada unidade experimental encontram-se instalados 4 sensores, nas camadas de 0 a 0,10 m; 0,10 a 0,25 m; 0,25 a 0,55 m e 0,55 a 0,85 m. Assumiu-se como valor de umidade diária o conteúdo de água medido pelos sensores às 24 horas, em cada profundidade. Irrigações de 12 a 15 mm eram realizadas toda vez que a água disponível no solo (ASW) atingia valores de 80, 70, 60 e 50% do total de água disponível no solo (TAW) A ASW diária foi calculada pelo somatório da multiplicação do conteúdo volumétrico de água (θ) pela espessura da camada, subtraída da lâmina de água armazenada no ponto de murcha permanente. Para este trabalho, assumindo-se um sistema radicular (Zr) igual a 0.85 e 0.70 m, o TAW foi de 161 e 131 mm, respectivamente, para o Ano 1 e 2.
Aos 15 dias após a emergência (DAE) foram selecionadas duas plantas uniformes em área foliar e altura, dispostas nas linhas centrais de cada parcela, para a avaliação da área foliar e altura de plantas. Essas determinações foram realizadas em intervalos de 10 dias, durante todo o ciclo de desenvolvimento da cultura. Além disso, determinou-se o início dos diferentes estádios de desenvolvimento da cultura. A determinação de cada estádio de desenvolvimento foi realizada conforme Allen et al. (1998). Assim, as datas de início e final dos estádios de desenvolvimento da cultura estão apresentadas na Tabela 3.
Ano | Estádios de desenvolvimento da cultura | ||||
Inicial | Crescimento | Intermédio | Final | Colheita | |
2014-2015 | 30/11/14 a 20/12/14 | 20/12/14 a 20/01/15 | 20/01 a 05/03T1 | 05/03 a 01/04T1 | 01/04/2015 |
20/01 a 07/03T2 | 07/03 a 01/04T2 | ||||
20/01 a 03/03T3 | 03/03 a 01/04T3 | ||||
20/01 a 02/03T4 | 02/03 a 01/04T4 | ||||
2016 | 12/01 a 01/02 | 01/02 a 03/03 | 03/03 a 09/04T1 | 09/04 a 05/05T1 | 05/05/2016 |
03/03 a 11/04T2 | 11/04 a 05/05T2 | ||||
03/03 a 07/04T3 | 07/04 a 05/05T3 | ||||
03/03 a 07/04T4 | 07/04 a 05/05T4 |
T1, T2, T3 e T4 se referem as diferentes datas e ciclo total em que os tratamentos atingiram os estádios de desenvolvimento e T1: tratamento sem déficit hídrico, T2: tratamento com déficit hídrico leve, T3: tratamento com déficit hídrico moderado e T4: tratamento com déficit hídrico severo.
A colheita foi realizada quando as plantas tinham atingido plena maturação fisiológica (aos 122 e 114 dias após a semeadura, para o Ano 1 e 2, respectivamente), onde foram selecionadas, de forma aleatória, 10 plantas por unidade experimental para a determinação dos componentes de rendimento. Os dados referentes ao rendimento de grãos foram obtidos após a colheita de uma área útil de 4 m2 em cada unidade experimental, descartando-se 0,5 m de cada extremidade (Efeito de bordadura). O material foi trilhado de forma manual e pesado em balança de precisão no laboratório do Sistema Irriga® - DER/CCR/UFSM. Com os valores de massa obtidos, foi realizada a correção para 13% de umidade e calculada para kg ha-1, obtendo-se assim o rendimento por área.
Os resultados das variáveis morfológicas, componentes de rendimento e produtividade foram submetidos à análise de variância (Teste F, ˂0,05) e, quando significativo, as médias foram comparadas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade de erro, utilizando o software estatístico SAS.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados da temperatura máxima, mínima e média, radiação solar global, evapotranspiração de referência e precipitação estão apresentados na Figura 1. As precipitações observadas no local foram variáveis, tanto em intensidade e distribuição, o que se reflete na dinâmica da água no solo. A precipitação total durante todo o ciclo de desenvolvimento da cultura da soja no ano 1 foi de 747 mm, com uma distribuição de 324; 190; 90 e 142 mm, para os meses de dezembro, janeiro, fevereiro e março, respectivamente. No ano 2, precipitação total observada foi de 605 mm, sendo 115; 107; 228 e 155 mm nos meses de janeiro, fevereiro, março e abril, respectivamente. No ano 1, cerca do 36% da quantidade de precipitação observada no ciclo de desenvolvimento da cultura da soja ocorreu a partir do mês de fevereiro, momento em que a cultura da soja iniciou o processo de formação e enchimento de grãos e maturação fisiológica, o que deferiu ao observado no ano 2, onde cerca do 64% (quase o dobro do ano 1) da quantidade de precipitação ocorrida no ciclo de desenvolvimento da cultura da soja foi observada a partir do mês de março, fase em que a cultura da soja iniciou o processo de enchimento final de grãos e maturação fisiológica.
Quando comparadas às médias climatológicas mensais registradas para Santa Maria, RS (Tabela 4), no período entre 1969-2005 (Heldwein, Buriol e Streck, 2009), junto com as condições observadas durante o desenvolvimento da cultura, pode-se destacar a variabilidade da precipitação para ambos os anos experimentais. No ano 1, nos meses de dezembro, janeiro e março foram observadas precipitações superiores às medias normais, obtendo valores de 142%, 28% e 4% superiores às normais climatológicas para Santa Maria, respectivamente. Só no mês de fevereiro foi observada uma precipitação abaixo das médias normais. No ano 2, nos meses de janeiro e fevereiro, foram observadas precipitações abaixo das médias normais, enquanto que, nos meses de março e abril, estas foram superiores às medias normais (65% acima do normal no mês de março e 6% superior em abril). No ano 2, devido à ocorrência de chuvas intensas e acima do normal durante o período de execução do experimento, observou-se ascensão capilar ao longo de todo o ciclo da cultura interferindo na imposição dos déficits hídrico a partir do estádio R5, onde, a partir de esse momento não foi realizada nenhuma irrigação.
Variáveis | Jan | Fev | Mar | Abr | Mai | Jun | Jul | Ago | Set | Out | Nov | Dec |
Tmáx (ºC) | 30,7 | 29,9 | 28,6 | 25,0 | 21,9 | 19,4 | 19,4 | 20,8 | 22,0 | 24,9 | 27,4 | 29,8 |
Tmín (ºC) | 19,7 | 19,6 | 18,2 | 14,9 | 11,8 | 9,9 | 9,8 | 10,6 | 11,8 | 14,3 | 16,1 | 18,4 |
UR (%) | 72,1 | 77,0 | 79,0 | 81,7 | 82,9 | 83,3 | 81,2 | 78,8 | 77,6 | 74,7 | 70,2 | 68,4 |
Precipitação (mm) | 148 | 135 | 137 | 143 | 151 | 155 | 143 | 127 | 160 | 159 | 120 | 134 |
Tmax = temperatura máxima do ar; Tmin = temperatura mínima do ar; UR = umidade relativa média do ar.
Não foram observadas diferenças significativas entre as variáveis meteorológicas como temperatura média, temperatura máxima, umidade relativa, em ambos os anos experimentais. No ano 1, observou-se uma temperatura média do ar de 22,9ºC; temperatura máxima de 36,2ºC; no mês de janeiro e temperatura mínima de 10,9ºC, no mês de março. Enquanto que a umidade relativa média do ar foi de 80,1%, e radiação solar (Rs) média de 20,1 MJ m-2 dia-1. Não entanto, no ano 2, observou-se uma temperatura média do ar de 23ºC; temperatura máxima de 36,6ºC; no mês de janeiro e temperatura mínima de 4,1ºC, no mês de abril. A velocidade média diária do vento foi de 2,0 m s-2, enquanto que a umidade relativa média do ar foi de 83,7%, e radiação solar (Rs) média de 17,34 MJ m-2 dia-1. Considerando a data de semeadura no ano 2, a maior radiação solar, velocidade do vento e temperaturas elevadas (Figura 1) observadas nos meses de janeiro e fevereiro podem ter impactado no crescimento e no desenvolvimento da soja, uma vez que a duração da estação de crescimento foi substancialmente menor. Em dias de precipitação observou-se menor disponibilidade de radiação solar e menor déficit de pressão de vapor que, consequentemente, contribuiu para uma menor demanda evaporativa e um consumo hídrico menor.
Durante o período inicial (Figura 2b) de desenvolvimento da cultura, a variação da água disponível no solo (ΔASW) foi semelhante para todos os tratamentos, entretanto, a partir da implementação dos tratamentos, maior ΔASW foi observada nos tratamentos 3 e 4, causada principalmente pela menor reposição de água. O aumento da ASW no solo evidencia uma entrada de água via irrigação ou precipitação. No ano 1, a ASW se manteve em torno de 85% da TAW em todos os tratamentos nos primeiros 30 DAS. Com a restrição de água disponível, a ASW decresceu até ultrapassar a linha da água prontamente disponível do solo (RAW), nos períodos a partir de 100, 69, 61 e 55 DAS, para os tratamentos 80, 70, 60 e 50% da TAW, respectivamente. O déficit hídrico ocorre quando a ASW foi menor que o limite crítico estabelecido, neste caso, a linha da RAW. O déficit hídrico ocorre quando a ASW atinge valores menores que o limite crítico estabelecido, neste caso, a linha da RAW. O valor de p, ou máxima extração permitida para a não ocorrência de stress, necessário para o cálculo do RAW (RAW=TAW.p), seguiu o valor recomendado por Allen et al. (1998). Por outro lado, no ano 2, apesar da imposição de déficits severos (T3 e T4), a ΔASW foi pequena nesses tratamentos, em comparação aos tratamentos sem déficit ou déficit leve (T1 e T2). Isso ocorreu porque, mesmo mantendo o conteúdo de água no solo em 60 e 50% do TAW, o déficit hídrico não se configurou, parte em função da menor demanda evaporativa da atmosfera e, parte devido à contribuição da ascensão capilar, observada nas camadas mais profundas no perfil do solo, a partir dos 75 DAS.
Embora a ASW tenha sido calculada para todo o perfil do solo, maior variação nessa variável foi observada nas camadas superficiais do solo (0-0,25 m), fato que ocorreu em função da maior taxa de extração, devido a maior concentração de raízes nessa região e devido a adoção de lâminas de irrigação relativamente pequenas, fazendo com que a água da irrigação não atingisse as camadas mais profundas no perfil. A contribuição da evaporação da água na superfície do solo, também contribuiu para a maior ΔASW nessas camadas. Por outro lado, ΔASW durante o ciclo de desenvolvimento foi menor no tratamento com maior reposição de água, o que era esperado, resultando em maior consumo de água pelas plantas.
Um rápido decréscimo na ASW foi observado, em todos os tratamentos, no ano 1, a partir dos 40 DAS, o que coincidiu com o período de maior crescimento da planta, em área foliar e altura, fazendo com que houvesse maior extração de água.
Os componentes do balanço hídrico do solo, calculados para ambos os anos, são apresentados na Tabela 5. Não se observou escoamento de água (RO) em nenhum dos anos avaliados, em função das lâminas de irrigações serem pequenas.
Onde: T1= 80% do total de água disponível (TAW); T2 = 70% do TAW, T3 = 6-% do TAW, T4 = 50% do TAW. ΔASW = variação da água disponível no solo; ETc = evapotranspiração da cultura.
No ano agrícola 2014/15, a precipitação ingressada no experimento foi de 23,2 mm, no período anterior à implantação dos tratamentos. Em 2016, a entrada de água via precipitação foi nula, de forma que, toda a água requerida pela cultura foi aplicada via irrigação. No ano de 2016 (ano mais úmido), a ΔASW foi negativa, isso é, a ASW ao final do experimento foi superior à inicial, indicando maior contribuição da água de irrigação (e provavelmente da ascensão capilar. Cenários como esse são comuns em regiões onde ocorrem frequentes chuvas durante o ciclo de desenvolvimento das plantas. No ano 1, maior ΔASW foi observada, em todos os tratamentos, indicando que as lâminas de irrigação aplicadas proporcionaram um progressivo déficit de água no solo, principalmente, nas camadas inferiores do perfil. Neste caso, houve grande contribuição da água armazenada no solo na ETc.
Com relação à dinâmica da ETc, observou-se uma redução na ETc com o aumento do nível de déficit hídrico aplicado. No ano 1, uma diferença de 28% entre o T1 e o T4 foi observada, os quais apresentaram o maior e o menor valor de ETc, respectivamente. No ano 2 foi observada uma diferença de 9% entre o T1 e T4, respectivamente. Situação semelhante foi observada por Hirayama, Wada & Nemoto (2006) e Guimarães, Cleber, Piedra & Silva (2016), os quais mencionam que a ETc foi reduzida conforme aumentou o déficit hídrico, devido a redução da Es, assim como a redução da Tc devido ao fechamento dos estômatos. Avila (2016), em seu trabalho no município de Santa Maria, RS, observou valores de ETc que variaram entre 244 mm e 351 mm quando submetidos diferentes níveis de déficit hídrico. Payero, Melvin & Irmak (2005) encontraram variações significativas na ETc da soja com valores que oscilaram entre 261 e 506 mm para condições de déficit hídrico no oeste do Nebraska. Os valores de ETc foram maiores nos tratamentos com maior reposição hídrica. Conforme mencionado por Thomas e Costa (2010), com o desenvolvimento da cultura da soja, a demanda por água aumenta progressivamente, atingindo o nível máximo do florescimento até o início da formação das vagens e se mantém elevada até a maturação fisiológica. Segundo Fendrich (2003), a necessidade hídrica para o desenvolvimento ótimo da cultura da soja varia entre 450 a 800 mm durante todo o ciclo.
Após a implementação do déficit hídrico, no ano 1 foram registrados 17, 12, 7 e 3 eventos de irrigação, enquanto que, no ano 2, apenas o tratamento com maior déficit teve o mesmo número de irrigações (3). Nos demais tratamentos, foram aplicadas 11, 6 e 5 irrigações (T1, T2 e T3, respectivamente), conforme apresentado na Tabela 2. Em relação ao total de água aplicada via irrigação, no ano 2 se verificou, um incremento do 4 a 10% para os T1 e T4, entretanto, para T2 e T3, observou-se uma redução do 44% e 26%, respectivamente, nas lâminas totais irrigadas.
Os valores de índice de área foliar (IAF) e altura da cultura da soja durante todo o desenvolvimento da cultura são apresentados na Tabela 6. A altura de planta é uma característica relevante quando considerado uma colheita mecanizada e a uniformidade dessa proporciona uma colheita adequada, sem perdas na lavoura. Em todos os tratamentos, a altura máxima da soja foi observada entre os 80 e 90 DAS, entretanto, as plantas submetidas a déficit severo, apresentaram alturas menores. A indução do déficit ocasionou uma redução de 40 cm na altura de plantas, representando uma diferença de 29,6 % entre os tratamentos sem déficit hídrico e com déficit hídrico severo. Entretanto, no segundo ano, a diferença observada entre os tratamentos foi menor ao observado no ano anterior (11,5 %). Os resultados de altura de plantas de soja submetidos a diferentes níveis de déficit hídrico observados durante o período experimental são similares a trabalhos apresentados por Gava, et al (2016) e Simeão (2015).
O IAF apresentou pouca variação entre os tratamentos, não apresentando diferenças significativas (p≤0,05) entre eles. Na fase final do ciclo da cultura, a partir do estádio R6, observou-se o início do amarelecimento e queda das folhas, etapa que perdurou até maduração fisiológica (R7), a qual se caracteriza pela baixa exigência de água. De acordo com Ferrari, Paz e Silva (2015), o estresse causado pelo déficit de água leva à ocorrência de plantas de soja pouco desenvolvidas, presentando alturas e área foliar reduzidas.
Ano | Tratamento | Estádios de desenvolvimento da cultura | |||
Inicial | Crescimento | Intermédio | Final | Colheita | |
2014/2015 | Altura da cultura (m) | ||||
1 | 0 | 0,10 | 1,39 | 1,39 | 1,35 |
2 | 0 | 0,10 | 1,31 | 1,31 | 1,25 |
3 | 0 | 0,10 | 1,20 | 1,20 | 1,15 |
4 | 0 | 0,10 | 1,02 | 1,02 | 0,95 |
Fator de cobertura | |||||
1 | 0 | 0,10 | 0,98 | 0,98 | 0,80 |
2 | 0 | 0,10 | 0,97 | 0,97 | 0,75 |
3 | 0 | 0,10 | 0,95 | 0,95 | 0,68 |
4 | 0 | 0,10 | 0,93 | 0,93 | 0,60 |
2015/2016 | Altura da cultura (m) | ||||
1 | 0 | 0,15 | 0,64 | 0,85 | 0,78 |
2 | 0 | 0,15 | 0,6 | 0,7 | 0,73 |
3 | 0 | 0,15 | 0,58 | 0,68 | 0,68 |
4 | 0 | 0,15 | 0,58 | 0,69 | 0,69 |
Índice de área foliar | |||||
1 | 0 | 1,2 | 6,22 | 3,85 | 0 |
2 | 0 | 1,18 | 6,23 | 2,99 | 0 |
3 | 0 | 1,1 | 4,66 | 1,5 | 0 |
4 | 0 | 1 | 5,4 | 2,66 | 0 |
Onde: T1= 80% do total de água disponível (TAW); T2 = 70% do TAW, T3 = 6-% do TAW, T4 = 50% do TAW. ΔASW = variação da água disponível no solo; ETc = evapotranspiração da cultura.
Os componentes de rendimento avaliados na cultura da soja encontram-se resumidos na Tabela 7. Conforme mencionado por Perini, Fonseca Junior, Destro e Prete (2012), para cultivares de crescimento indeterminado, variáveis como número de legumes totais e o número de legumes nos ramos não apresentaram maior importância para a seleção de cultivares mais produtivos. No entanto, para Bárbaro et al. (2006), a variável número de legumes por planta é um dos mais importantes componentes que definem produtividade de grãos. No ano 1 se observou diferença significativa (p≤0,05) entre os tratamentos para as variáveis número de grãos por planta, número de legumes por planta e peso de grãos por planta, com menores valores para o tratamento submetido a mais déficit (T4), entretanto, não se observou diferenças para estas variáveis para nos tratamentos com déficit leve e moderado (T2 e T3). No ano 2, onde não foi observada diferença significativa entre os tratamentos, causada pela dificuldade de impor o déficit hídrico mais severo, devido às condições meteorológicas adversas durante o ciclo e ocorrência do fenômeno “El-Niño”. Segundo Perini, Fonseca Junior, Destro e Prete (2012), o número de grãos por planta está diretamente relacionado com a máxima produtividade em soja. Segundo a EMBRAPA (2015), a quantidade de grãos por legume varia em função da melhor disponibilidade hídrica na fase de enchimento dos grãos.
Onde: T1 = 80% do TAW;, T2 = 70% do TAW, T3= 60% do TAW e, T4 = 50% do TAW *Médias seguidas de letras distintas na vertical diferem estatisticamente entre si pelo Teste de Tukey (p≤0,05).
Para a variável peso de mil grãos, não foram observadas diferenças significativas entre tratamentos. Segundo Claus, Lemos Hoepers, Heling, Bottcher e Carrpe Missio (2016),, a massa de 1.000 grãos é uma característica relacionado diretamente ao rendimento da cultura. No ano 2, apenas a variável altura de inserção do primeiro legume foi estatisticamente superior no tratamento mais irrigado, em relação aos demais tratamentos.
O rendimento de grãos da cultura (Tabela 8) foi menor nos tratamentos com menor reposição de água (T4), em ambos os anos. Os diferentes níveis de déficit hídrico imposto influenciaram mais o rendimento de grãos no Ano 1 que no Ano 2, provavelmente devido às condições meteorológicas mais úmidas no segundo ano, em função da ocorrência do “El-Niño”. Entretanto, mesmo com déficits hídricos significativos no Ano 1, a ETc foi semelhante para os mesmos tratamentos, em ambos os anos, indicando uma melhor adaptação das plantas ao déficit no Ano 1, refletido em elevado rendimento de grãos. Conforme mencionado por Bertagnolli et al. (2015), na safra 2013/2014 observaram um rendimento médio de grãos de 4.247 kg ha-1 para a variedade TMG 7062 IPRO na região de Passo Fundo - RS, menor que a observada nesse trabalho. Specht et al. (2001) relataram fortes relações lineares entre o rendimento da soja e a quantidade de irrigação sazonal por aspersão aplicada no Nebraska.
Tratamento | Produtividade observada (kg ha-1) Ano 2014/2015 | Produtividade observada (kg ha-1) Ano 2016 |
T1 | 5.151,5 a | 4.985,4 a |
T2 | 4.334,7 b | 4.861,9 a |
T3 | 3.661,5 b | 4.621,1 a |
T4 | 2.985,8 c | 4.410,4 a |
Média | 4.033,4 | 4.719,7 |
CV% | 0,2 | 0,0 |
Onde: T1 = 80% do TAW, T2 = 70% do TAW, T3= 60% do TAW e, T4 = 50% do TAW. Médias seguidas da mesma letra minúscula na vertical não diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (P≤0,05).
Os resultados indicam que a imposição de déficit hídrico no primeiro ano teve efeitos significativos (P≤0,05) na produção, ocasionando uma queda no rendimento conforme aumentou o nível de déficit hídrico. Não obstante; no ano 2 o armazenamento de água do solo durante o período de desenvolvimento da cultura e a grande quantidade de precipitação observada fora da área experimental forneceram água suficiente para atingir os rendimentos obtidos ainda para os tratamentos com indução de déficit hídrico. Portanto, o aumento induzido pela irrigação não poderia ter contribuído muito mais em termos de aumento significativo no rendimento da soja além dos obtidos nos tratamentos com indução de déficit hídrico no cenário climático especificado anteriormente.
CONCLUSÕES
Diferentes níveis de irrigação deficitária e as condições meteorológicas podem influenciar sobre os componentes do balanço hídrico, as características fenológicas e morfológicas da cultura.
Conforme aumenta o nível de irrigação deficitária também aumentaram os valores dos componentes de ascensão capilar e variação de água disponível no solo (ΔASW).
Segundo aumento dos níveis de déficit hídrico na safra agrícola 2014/2015 e 2016 pode-se observar uma queda no rendimento. A imposição de déficit hídrico no primeiro ano teve efeitos significativo, mas não no segundo.