INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas com o objetivo de aumentar a oferta de alimentos para a crescente população do país e gerar excedentes para exportação, a agricultura no Sul do Brasil passou por profundas mudanças, especialmente pela maciça mecanização, preparo intenso do solo, utilização de produtos químicos e expansão da fronteira agrícola, que associadas à monocultura e queima de resíduos, levaram a intensa erosão, rápido decréscimo do teor de matéria orgânica e consequente estagnação da produtividade.
Com a tendência de colapso para este modelo, práticas menos agressivas passaram a ser adotadas e o sistema de plantio direto foi apontado como uma técnica agrícola mais sustentável (Amado y Eltz, 2003). Este sistema, quando conduzido adequadamente, com emprego de plantas de cobertura adaptadas à região e em rotação com cultivos comerciais permite maior diversificação, menores riscos de ataques de pragas e doenças, melhoria das condições físicas, químicas e biológicas do solo, além de melhoria socioeconômica do produtor rural (Almeida, 2004).
Mais de 80% dos produtores de grãos do estado do Rio Grande do Sul adotam o sistema de semeadura direta (Farias & Ferreira, 2000; Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Centro Nacional de Pesquisa de Solos, 2005), em que não há revolvimento do solo para preparo da área para a semeadura. Esse sistema, iniciado há cerca de 30 anos e ampliado de forma mais efetiva nos últimos 15 a 20 anos, fundamenta-se na produção de grande quantidade de massa vegetal para cobertura de solo, na prevenção da erosão hídrica, na conservação e melhoria das características físicas, químicas e biológicas do solo e no aumento de sua capacidade de armazenamento de água.
A cobertura de solo é fator essencial para diminuição do selamento (encrostamento) da camada superficial do solo provocado pelo impacto das gotas da chuva, na diminuição da velocidade de escorrimento da enxurrada e no aumento da infiltração de água. A velocidade com que as espécies vegetais cobrem o solo tem grande influência no processo erosivo, pois no período inicial de seu crescimento o solo encontra-se desprotegido e, portanto, mais suscetível à erosão (Amado, Almeida, Dall'agnol, & Matos, 1987; Dechen, Lombardi Neto & Castro, 1981).
Para sustentabilidade do sistema de semeadura direta é fundamental a sua associação a um sistema de rotação e de sucessão de culturas diversificado, que produza adequada quantidade de resíduos culturais na superfície do solo. O seu uso objetiva não apenas uma mudança de espécies, mas sim a escolha de uma seqüência apropriada e de práticas culturais que atendam às suas necessidades e características nos aspectos edafo-climáticos e de ocorrência de plantas daninhas, de pragas e de moléstias (Silva, Argenta, Sangoi, Strieder & Silva, 2006).
Considera-se que a condição ideal é aquela em que o solo tenha sempre uma espécie de planta se desenvolvendo, determinando alto fluxo de carbono e de energia no sistema solo-planta-atmosfera, para beneficiar as suas qualidades físicas, químicas e biológicas (Vezzani, 2002).
O sistema de plantio direto (SPD) preconiza a manutenção do solo coberto por resíduos vegetais de culturas anteriores, o revolvimento do solo somente no local da semeadura e a rotação de culturas. A eficácia deste sistema está relacionada com a qualidade e quantidade de resíduos vegetais produzidos, a percentagem de cobertura e a persistência destes resíduos na superfície do solo, principalmente no início do período chuvoso quando as culturas de verão ainda não cobriram todo o solo e este fica exposto às chuvas.
Os restos culturais deixados pelas culturas anuais nem sempre estão em quantidade e permanência suficientes para uma proteção do solo que garanta a máxima eficiência do sistema de plantio direto na palha.
Além disso, a manutenção destes resíduos sobre o solo e sua posterior decomposição é uma variável importante na ciclagem de nutrientes e o conhecimento da sua dinâmica é fundamental para a compreensão do processo, podendo resultar em maior eficiência na utilização dos nutrientes pelas culturas subsequentes.
Com a prática da adubação verde é possível recuperar a fertilidade do solo proporcionando aumento do teor de matéria orgânica, da capacidade de troca de cátions e da disponibilidade de macro e micronutrientes; formação e estabilização de agregados; melhoria da infiltração de água e aeração; diminuição diuturna da amplitude de variação térmica; controle dos nematóides e, no caso das leguminosas, incorporação ao solo do nutriente nitrogênio (N), efetuada através da fixação biológica (Igue, 1984).
O objetivo deste trabalho foi avaliar o desempenho agronômico de plantas de cobertura de solo utilizadas no verão e a produção de fitomassa, nas condições edafoclimáticas da região de Vacaria, RS.
MATERIAIS E MÉTODOS
O experimento foi realizado safra agrícola 2014/2015 no campo experimental localizado nas dependências da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro-Nordeste), localizada na BR 285, Km 116, localidade de Capão do Índio em Vacaria.
O clima da região, segundo o sistema de Köppen, é o Cfb, com chuvas bem distribuídas durante todo o ano, possuindo médias de temperatura do mês mais quente inferiores a 22ºC e a do mês mais frio superior a 3ºC. O relevo se apresenta suavemente ondulado, com altitudes entre 800 e 1000 metros. Na região há predomínio de Latossolo Bruno (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Centro Nacional de Pesquisa de Solos, 2006) com mineralogia dominada por caulinita, óxidos de ferro e alumínio, com alto teor de matéria orgânica.
Os tratamentos foram constituídos pelas coberturas 1) calopogônio (Calopogonium muconoides L.), cultivar comum; 2) crotalária breviflora (Crotalaria breviflora L.), cultivar comum; 3) crotalária juncea, (Crotalaria juncea L.), cultivar IAC-KR1; 4) crotalária ochroleuca (Crotalaria ochroleuca L.), cultivar comum; 5) crotalária spectabilis (Crotalaria spectabilis L.), cultivar comum; 6) feijão de porco (Canavalia ensiformis L.), cultivar comum; 7) feijão guandu (Cajanus cajan L.), cultivar Fava-Larga; 8) feijão guandu (anão) (Cajanus cajan L.), cultivar IAPAR 43 - Aratã; 9) lab lab (Lablab purpureum L.), cultivar Rongai; 10) milheto (Pennisetum glaucum L.) cultivar: BRS-1501; 11) mucuna anã (Stizolobium deeringianum), cultivar comum; 12) mucuna cinza (Stizolobium cinereum), cultivar comum; 13) mucuna preta (Stizolobium aterrimum), cultivar comum; 14) soja perene (Glycine wightti L.), cultivar comum; e a testemunha (solo em pousio).
O delineamento experimental utilizado foi o de blocos inteiramente casualizados, com quatro repetições. As parcelas experimentais foram constituídas de 6 m de comprimento e 2 m de largura tendo área de 12 m² e foram espaçadas uma das outras por uma distância de 1,5 m.
O preparo do solo foi realizado com passagem da grade aradora para eliminação das plantas daninhas e uma pequena descompactação superficial do solo, em seguida o nivelamento do terreno com uma grade niveladora.
A semeadura das plantas de cobertura foi realizada em 11/11/2014, com auxilio da semeadora de parcela, com espaçamento de 45 cm para todas as espécies, respeitando a densidade recomendada para cada espécie. A adubação de plantio foi feita diretamente na linha de 350 kg ha-1 de adubo químico na formulação N-P-K (5-20-20), conforme indicação de adubação para as culturas e tipo de solo na região. Não houve aparecimento de pragas e doenças durante o desenvolvimento das culturas até o momento das avaliações.
As avaliações fenológicas quanto à emergência e altura das plantas foram feitas semanalmente com medição da altura de cinco plantas representativas da área útil de cada parcela, onde a altura foi determinada pela distância, em metros, do nível do solo até a inserção da folha bandeira (folha localizada no ápice da planta).
A amostragem para a massa verde se deu por meio da coleta de plantas quando a espécie atingiu a plena floração (75% das flores abertas), com corte da massa com auxílio de uma régua de amostragem medindo 1 m de comprimento posicionada em duas linhas tomadas ao acaso em cada parcela, e uma tesoura de poda, com corte rente ao solo.
Após a pesagem da massa verde, as amostras de cada tratamento foram colocadas em estufa com temperatura forçada entre 60 - 70°C, até atingirem peso constante para determinação da massa seca, expressando-se os dados em kg ha-1.
Os dados foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade de erro, pelo programa estatístico WinStat.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As espécies avaliadas como cobertura do solo de verão na região de Vacaria/RS na sua grande maioria tiveram bom crescimento e desenvolvimento no ambiente em que foram submetidas. O fato relevante quanto a sua adaptação neste ambiente foi a ocorrência de geada no início do inverno causando a morte das espécies calopogônio e soja perene antes do pleno florescimento.
Sabe-se que a planta recicladora deve ser perfeitamente adaptada às condições climáticas da região onde é cultivada. A adaptação pressupõe o estabelecimento, crescimento e o desenvolvimento no ritmo normal da espécie (Barni et al., 2003). Assim sendo, as espécies de calopogônio e soja perene não se mostraram muito adaptadas para as condições edafoclimáticas da região.
Em relação ao tempo de emergência, verificou-se que as espécies C. juncea, feijão de porco, lab lab, milheto foram as mais precoces com emergência em 8 dias após a semeadura, seguidas pela C. spectabilis, feijão guandu (anão) com 9 dias; feijão guandu, mucuna anã, mucuna cinza, mucuna preta 13 dias (Tabela 1).
Segundo Portes, Costa de Carvalho, Pereira de Oliveira & Kluthcouski (2000), em decorrência de ligeiro atraso na emergência, as plantas de cobertura ficam sombreadas e apresentam crescimento inicial mais lento, característica que as tornam muito exigentes por luz. Isso pode ser observado nas espécies calopogônio, C. breviflora, soja perene que tiveram emergência mais tardia em média 19 dias, tendo seu desenvolvimento prejudicado.
Uma espécie recicladora deve apresentar condições de estabelecimento e de crescimento, na área de cultivo, com tal ajustamento às condições edafoclimáticas que a cobertura do solo seja alcançada ao menor espaço de tempo possível. A permanência do solo descoberto é propícia à erosão, pelo efeito desagregante da gota da chuva e pelo arraste provocado pela enxurrada (Barni et al., 2003).
As espécies feijão de porco, feijão guandu (anão) e milheto apresentaram ciclo curto até o florescimento sendo de 90 dias após a semeadura alcançando a altura média de 0,75; 1,20 e 2,10 m, respectivamente (Tabela 2). Valores semelhantes aos descritos por Wutke (1993) para a espécie feijão de porco, descrita como uma planta anual, ereta, herbácea, com altura de dossel ao redor de 0,8 a 1,0 m e pleno florescimento entre 90 a 100 dias.
Calegari (1995), também descreve a espécie guandu (anão) tendo ciclo curto, as plantas são anuais, de crescimento arbustivo ereto, com 1,0 a 1,2 m de altura e pleno florescimento entre 90 a 120 dias. Piraí (2013), também descreve o milheto como uma planta de rápido crescimento inicial, florescimento entre 60 e 80 dias e altura entre 1,5 e 2,5 m.
As espécies C. spectabilis e mucuna anã atingiram o florescimento aos 120 dias, com altura média de 1,0 e 0,60 m respectivamente. Características semelhantes descritas por Wutke (1993) para a C. spectabilis sendo uma planta anual, de crescimento ereto e determinado, podendo atingir altura de 1,0 a 1,5 m e pleno florescimento entre 100 a 120 dias, mas, inferiores para a mucuna anã descrita com altura máxima ao redor de 0,5 m e pleno florescimento entre 80 a 90 dias.
A Crotalária juncea atingiu o pleno florescimento aos 150 dias e com altura média de 1,90 m, altura inferior em comparação á descrita por Fahl, Camargo, Pizzinatto, Betti, Melo, De Maria & Furlani(1998), podendo atingir de 3,0 a 3,5 m de altura, com pleno florescimento entre 120 a 140 dias para semeaduras em épocas mais favoráveis.
A C. breviflora, Lab lab, mucuna cinza e mucuna preta atingiram o pleno florescimento em 180 DAS, e alturas médias de 0,40; 1,0; 0,80 e 1,0 m, respectivamente. Os resultados encontrados sobre a espécie C. breviflora foi abaixo do relatado por Carlos, Costa, A.J. & Costa, J.A. da (2006), com ciclo de florescimento entre 90-100 dias e a altura de 0,80 a 1,0 m.
Para espécie Lab lab os resultados são semelhantes aos descritos por Wutke, (1993), pleno florescimento entre 150 a 180 dias e podendo atingir altura de 0,5 a 1,0 m.
Os resultados obtidos da mucuna cinza estão abaixo dos relatados por Calegari (1992); Wutke (1993) com pleno florescimento em 120 a 150 dias, podendo atingir altura de 1,0 a 1,5 m.
Já a mucuna preta os resultados assemelham os encontrados por Wutke, (1993), com pleno florescimento de 150 a 180 dias e podendo atingir altura de 0,5 a 1,0 m.
As espécies com ciclo mais tardio foram: C. ochroleuca, feijão guandu e o solo em pousio como testemunha, com 210 DAS e altura média de 1,20; 2,20 e 0,45 m respectivamente. Entre as espécies mais tardias destacam-se o calopogônio e a soja perene que tiveram seu ciclo interrompido com a ocorrência de geada antes do pleno florescimento ocorrendo perda total dos materiais.
Semeadura = 11/11/2014.
*Coleta para determinação de massa verde e seca
DAS = Dias após a semeadura.
NA = não avaliada
Com relação ao rendimento da massa verde, por apresentarem crescimento inicial mais lento, a presença e competição por nutrientes pelas plantas invasoras o desenvolvimento de algumas espécies foram afetadas, podendo ter influenciado nos resultados obtidos, como no da espécie C. breviflora que foi (569,2 Kg ha-1), sendo abaixo da testemunha (solo em pousio) que foi de (836,5 Kg ha-1) e esta não diferindo estatisticamente das espécies mucuna preta, C. ochroleuca, feijão de porco, mucuna anã, C. spectabilis, C. juncea, feijão guandu (anão), conforme pode ser observado na Tabela 3.
A produtividade de massa verde de todas as espécies estudadas ficou muito abaixo dos limites proposto por Calegari (1995). Na sua pesquisa, os valores para as mucunas é de 10 a 40 t ha-1, para as crotalárias de 15 a 60 t ha-1 e para o feijão guandu (anão) é de 10 a 26 t ha-1. A menor produtividade pode ser explicada devido às condições edafoclimáticas da região de Vacaria, RS-Brasil, com temperaturas mais baixas, e a época de semeadura realizada no início do mês de novembro que pode ser considerada tardia em função do ciclo da cultura e a menor janela de cultivo por ser uma região mais fria em relação outras no Estado.
A produtividade de biomassa verde do milheto foi de (5327 Kg ha-1) não diferiu estatisticamente com as espécies Lab lab e o feijão guandu. O milheto foi a espécie que teve destaque entre as espécies em relação a produtividade de massa verde, porém este valor é inferior aos descritos por Calegari (1995) que para a espécie do milheto é de 15 a 40 t ha-1. As espécies calopogônio e soja perene não foram avaliadas devido a morte das plantas pela ocorrência de geada.
*Médias seguidas pelas mesmas letras não diferem significativamente pelo teste de Tukey ao nível de 5% de probabilidade de erro. NA= não avaliada por perda da amostra
A espécie feijão guandu foi a que mais produziu massa seca, sendo de (1370 Kg ha-1), seguido pelo milheto e a Lab lab despontando com as melhores produções de massa seca por hectare, não diferindo estatisticamente (Tabela 4).
A menor produção foi da espécie Crotalária breviflora com (143 Kg ha-1), abaixo da testemunha (solo em pousio) que foi de (185,3 Kg ha-1), não diferindo estatisticamente das espécies mucuna preta, Crotalária juncea, feijão de porco, mucuna anã, feijão guandu (anão), Crotalária spectabilis.
*Médias seguidas pelas mesmas letras não diferem significativamente pelo teste de Tukey ao nível de 5% de probabilidade de erro. NA= não avaliada por perda da amostra
Em comparação as produções de massa verde e seca destacam-se como as mais produtivas as espécies milheto, seguido pelo feijão guandu e a Lab lab, as menos produtivas foram as espécies C. breviflora seguido pela testemunha solo em pousio e o feijão guandu anão (Figura 1).
CONCLUSÕES
Para a região de Vacaria, RS fica limitado o uso das espécies calopogônio e a soja perene, pois apresentaram ciclo longo e com a ocorrência de geada na região ocasionou a morte das plantas.
As espécies C. juncea, feijão de porco, Lab lab e milheto foram as mais precoces e as espécies C. breviflora e soja perene as mais lentas.
As espécies feijão guandu e o milheto apresentaram maior altura média respectivamente e as espécies C. breviflora e o (solo em pousio) as alturas mais baixas. O milheto apresentou maior produção de matéria verde e a C. breviflora teve o menor rendimento.
Em comparação as produções de massa verde e seca destacam-se como as mais produtivas as espécies milheto, seguido pelo feijão guandu e a Lab lab. E como sendo as menos produtivas as espécies C. breviflora seguido pela testemunha solo em pousio e o feijão guandu (anão).