1. INTRODUÇÃO
O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) é uma organização internacional formada por países da América do Sul e se apresenta atualmente como maior forma de integração econômica entre os seus membros efetivos - Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela (suspensa atualmente) - assim como entre os membros associados. A ideia de uma entidade que pudesse estabelecer uma zona de livre comércio e política comercial comum entre as nações, foi concretizada a partir do Tratado de Assunção de 1991. Desde então, a organização tem se expandido por meio de encontros, protocolos legais, e resoluções para formar a presente união aduaneira.
Devido a sua finalidade eminentemente econômica, o MERCOSUL visa respeitar as soberanias de cada país, ao mesmo tempo que regula as negociações comerciais entre estes e também com outros países do mundo. Dentro desse contexto, surge a questão de como lidar com as controvérsias que invariavelmente surgem entre os Estados. Ao mesmo tempo que a organização deve garantir as prerrogativas de seus membros, a segurança jurídica também necessita ser observada para todos.
Nesse sentido, o próprio Tratado de Assunção estabelece um ordenamento jurídico próprio, de natureza simplista. Ao longo dos anos, esse mesmo ordenamento foi aperfeiçoado pelo Protocolo de Olivos (PO) que criou o Tribunal Permanente de Revisão (TPR), uma corte arbitral de dupla instância, apta a rever as decisões proferidas em julgamentos ad hoc para os conflitos envolvendo membros do MERCOSUL, assim como também para resolvê-los de forma originária em situações excepcionais.
O presente artigo visa analisar o funcionamento do Tribunal Permanente de Revisão, mais especificamente, como é o trâmite do procedimento de urgência nesta corte, conforme o estabelecido pelo Art. 24 do Protocolo de Olivos.
Na primeira parte, será analisada a criação do Protocolo de Olivos e o perquirido significado do Art. 24, que determina a criação de “procedimentos especiais para atender casos excepcionais de urgência que possam ocasionar danos irreparáveis às partes”.
Na segunda parte, será avaliada a importância da Decisão N° 23/04 do Conselho de Mercado Comum (CMC) do MERCOSUL que estabelece os parâmetros para que um Estado possa requerer procedimento de urgência ao Tribunal Permanente de Revisão, a fim de que este solucione a controvérsia.
Já na terceira parte, será analisado como funciona na prática o procedimento de urgência no TPR, tendo como parâmetro o Laudo N° 01/2012, emitido pela Corte sobre disputa suscitada pelo Paraguai.
Por fim, será explicitado os aspectos problemáticos do funcionamento deste procedimento de urgência face à sua aplicabilidade prática no TPR. Considerando a necessidade de que o processo seja hígido, não somente para asseverar o acesso à justiça eficiente para os Estados membros do MERCOSUL, assim como preservar a segurança jurídica, uma vez que esta se mostra um princípio fundamental para o bom funcionamento da organização internacional e potencialização de suas capacidades.
2. ANÁLISE PROTOCOLO DE OLIVOS (PO) E SEU ART. 24
O Protocolo de Olivos consiste em documento assinado pelos membros do MERCOSUL em 18 de fevereiro de 2002, com finalidade de aperfeiçoar o sistema de solução de controvérsias da organização. O dispositivo serviu para atualizar a estrutura jurídica da instituição, entrando em vigor no ano de 20041.
No Brasil, o documento foi promulgado por meio do Decreto Presidencial N°4.982 de 2004, após aprovação do Congresso Nacional. No MERCOSUL, o regulamento do PO foi aprovado através da Decisão do CMC N° 37/03, possuindo caráter de cumprimento obrigatório em relação aos Estados Partes2.
O protocolo surge como uma resposta à Decisão do CMC N° 25/00, que tinha por intuito atualizar as disposições do Protocolo de Brasília. Este estabelecia procedimento legal bifurcado em duas fases, diplomática e arbitral, de forma que inicialmente se encorajava as negociações diretas entre as partes da controvérsia para resolvê-la3. E, se elas não chegassem espontaneamente a um acordo, a fase arbitral se concentraria na formação de um Tribunal Ad Hoc, ou seja, um tribunal destinado a resolver aquela causa específica4.
Contudo, havia lacuna na hipótese em que os Estados envolvidos na controvérsia não cumprissem a decisão contida no Laudo Arbitral ou se quisessem recorrer de tal decisão. A ausência de instância superior dotada de competência para lidar com essas questões foi solucionada pela elaboração do PO. Após a revogação do Protocolo de Brasília, o PO assume o dever de solucionar controvérsias oriundas da aplicação e interpretação de documentos legais que regem o MERCOSUL.
Entre os seus objetos encontram-se, por exemplo, o Tratado de Assunção, o Protocolo de Ouro Preto, as Decisões do CMC, as Resoluções do Grupo Mercado Comum, bem como as Diretrizes da Comissão de Comércio do MERCOSUL.
Para cumprir seu objetivo, o PO estabelece um amplo leque de modalidades para solução de controvérsias, contendo instâncias facultativas que precedem a arbitragem, conforme estabelecido em seu artigo segundo até o oitavo. Ou seja, é possível que alternativamente os Estados envolvidos numa controvérsia recorram à Organização Mundial do Comércio5 ou então, dentro do próprio MERCOSUL, ao Grupo de Mercado Comum6 que tem a competência de definir recomendações adequadas à solução da demanda7.
Contudo, o que qualifica o PO como inovador é a criação do Tribunal Permanente de Recursos (TPR), como uma resposta para esse problema. Formado por cinco árbitros com mandato de dois anos, todos com dever de estar continuamente disponíveis para o desempenho de suas funções, o TPR apresenta natureza híbrida, combinando características de cortes judiciais e arbitrais.
O PO preserva, assim, parte da estrutura estabelecida no Protocolo de Brasília, de forma que as negociações entre Estados continua sendo uma fase obrigatória para resolver controvérsias e a fase arbitral também resta vigente, e avança na estrutura jurídica do próprio MERCOSUL ao criar um Tribunal de natureza permanente que possibilita aos Estados Parte o acesso ao duplo grau de jurisdição.
Nessa lógica, os Estados Parte integrantes do litígio possuem duas opções: a) invocar o duplo grau de jurisdição, o primeiro grau ilustrador por decisão emitida pelo tribunal ad hoc e o segundo grau de jurisdição, através de recurso dirigido ao TPR; b) invocar a competência do TPR como único grau de jurisdição, sem a possibilidade de recurso, conforme o Art. 23 do PO8.
Importa ressaltar que concernente às revisões de Laudos Arbitrais, o Art.17 do PO determina que o Tribunal poderá lidar unicamente com as questões de direito exploradas em primeira instância e as interpretações jurídicas da causa emitidas pelos árbitros, ou seja, questões preponderantemente formais que não adentram o mérito da causa em específico.
Após aludir à instância única de jurisdição no Art. 23, o PO segue no Art. 24 com uma previsão excepcional que estabelece procedimento especial para situações de urgência. Contudo, devido a sua grafia imprecisa, não se tem uma compreensão clara de como funcionaria tal procedimento. Há doutrina interpretando que devido à localização do artigo no PO, o intuito foi de conceder poder ao Tribunal Permanente de Revisão para que, em um procedimento autônomo, antes do início de qualquer ação jurisdicional ou durante seu processamento, determine as medidas de emergência que considerar adequadas para remediar controvérsias, antes que haja dano irreparável à reclamante9.
Porém, qual seria o escopo material desse procedimento? A ausência de determinações explícitas no Art. 24 abriu espaço para especulação doutrinária sobre sua real aplicabilidade. O advento da Decisão N° 23/04 do Conselho de Mercado Comum do MERCOSUL mudou isso.
3. A IMPORTÂNCIA DA DECISÃO Nº 23/04 DO CONSELHO DE MERCADO COMUM DO MERCOSUL PARA A APLICABILIDADE CONCRETA DO ART. 24 DO PO
Uma vez que os parâmetros de aplicação do Art. 24 não foram fixados pelo PO, o Conselho de Mercado Comum estabeleceu critérios práticos que estipulam em que circunstâncias e de que forma os países poderão recorrer ao TPR para instaurar o procedimento especial de urgência.
O CMC, órgão superior do MERCOSUL incumbido da condução política do processo de integração, também emite decisões de cumprimento obrigatório para os Estados membros, devendo ser implementadas por meio dos mecanismos próprios de recepção conforme os ordenamentos jurídicos estatais vigentes10. Portanto, se algum Estado Parte não converter decisão em norma de direito interno, estará violando diretamente os princípios que regem o Tratado de Assunção (criador do MERCOSUL)11.
Dessa forma, surge a Decisão N° 23/04 emitida pelo CMC com intuito de regular procedimento especial previsto pelo Art. 24 que traz a seguinte previsão:
Art. 2 - Qualquer Estado Parte poderá recorrer ante o Tribunal Permanente de Revisão (TPR) sob o procedimento estabelecido na presente Decisão sempre que se cumpram os seguintes requisitos:
a.- que se trate de bens perecíveis, sazonais, ou que por sua natureza e características próprias perderam suas propriedades, utilidade e/ou valor comercial em um breve período de tempo, se foram retidos injustificadamente no território do país reclamado; ou de bens que estivessem destinados a atender demandas originadas em situações de crise no Estado Parte importador;
b.- que a situação se origine em ações ou medidas adotadas por um Estado Parte, em violação ou descumprimento de normativa MERCOSUL vigente;
c.-que a manutenção dessas ações ou medidas possam produzir danos graves e irreparáveis;
d.- que as ações ou medidas questionadas não sejam sendo objeto de uma controvérsia em curso entre as partes envolvidas12.
É evidente que estes requisitos restringem as possibilidades de atuação dos Estados Parte, contudo ainda há dúvidas se na hipótese de ocorrência de qualquer um deles já seria possível instaurar o procedimento especial ou seria necessário estarem todos presentes cumulativamente.
O Art. 6 do mesmo documento, contudo, ressalta que a medida urgente pertinente ao caso será determinada, após a comprovação da incidência de todos os requisitos. Dessa forma, os Estados somente podem recorrer emergencialmente ao TPR para resolver questões de natureza comercial. Assim, as controvérsias políticas urgentes geradas por interpretações conflitantes de fontes legais do MERCOSUL são, a priori, excluídas da competência da Corte.
Nesta perspectiva, mesmo em situações políticas em que haja conflito com risco de danos irreparáveis sobre a aplicação de documentos como é o caso do Protocolo de Ouro Preto, que regula a estrutura institucional do MERCOSUL e o seu funcionamento13, ou do Protocolo de Ushuaia II, que estabelece cláusula democrática para todos os membros da organização. Em ambos, o TPR não poderia intervir para garantir o eficaz acesso à justiça e remediar situações de risco.
À luz dessa problemática, argumenta-se que seria mais efetivo o escopo dos procedimentos especiais serem amplificados. Nesse sentido:
2°. estos procedimientos especiales deberán ser establecidos, en principio, con un alcance general. De no ser así, el C.M.C., por razones derivadas de su composición y trámites necesarios para su convocatoria, difícilmente podría atender debidamente todos los casos excepcionales de urgencia que pudieran presentarse”14.
Ao se considerar que o TPR foi criado justamente para prover maior suporte às soluções de controvérsias jurídicas perante o MERCOSUL, parece ineficaz restringir a sua atuação em situações emergenciais, excluindo por completo disputas políticas - que são passíveis de ocorrer com o aprofundamento das relações entre os Estados Parte15.
Além disso, o doutrinador Puñal sugere que ao não garantir um amplo escopo de atuação para o TPR nessa questão, cria-se um desnivelamento de responsabilidade entre os órgãos. Pois, apesar do CMC ser responsável por lidar com questões políticas atinentes ao bloco econômico, ele ainda exerce muitas outras funções, como por exemplo, o dever de apreciar os aspectos técnicos atinentes à resolução de determinada controvérsia, conforme estabelece o Art. 2 do Protocolo de Olivos, vislumbra-se então um risco de maior morosidade para resolução das lides em geral16.
Isto significa que quando a Decisão N° 23/04 limita o escopo do procedimento excepcional e de urgência perante o TPR, por consequência compromete a própria eficácia do órgão, bem como da estrutura jurídica do MERCOSUL.
Contudo, não se pode olvidar o argumento de que apesar de não se poder utilizar do procedimento especial, os Estados que precisarem terão a possibilidade de recorrer ao trâmite geral estabelecido pelo PO, que é competente para lidar com todas as controvérsias não abarcadas pelo escopo da Decisão N° 23/04, conforme se vê, in verbis:
para declararse admisible la presentación del estado parte, debe constatarse la sucesión conjunta de los requisitos mencionados. De otra forma, bien podría instarse el processo sin que existiese conflicto con normas Mercosur, o respecto de bienes o productos que no pueden entenderse incluidos en el listado taxativo expuesto en el inciso a) del artigo mencionado - que justificaría el inicio del procedimiento general establecido por el PO17.
Nesse ponto, apesar do aparato jurídico estabelecido pelo PO estabelecer outras instâncias à disposição dos Estados membros, pode ocorrer situação excepcional onde há risco de dano grave e o Estado envolvido na controvérsia se encontre impossibilitado de acionar o referido aparato, por razões diversas - vide estar suspenso do MERCOSUL. Nessa hipótese, a privação do acesso ao procedimento especial em razão da natureza política da demanda pode ilustrar a ineficiência do próprio instrumento.
Constata-se então a necessidade de manter a disponibilidade do TPR para lidar com qualquer matéria, não só comercial, diante da ocorrência de casos em que tal instância é a única alternativa de exercício da ampla defesa, como foi o caso do Paraguai em 2012, à época suspenso do bloco econômico.
Esta controvérsia permanece até hoje como a única perante o TPR que colocou em prática os requisitos estipulados pela Decisão N° 23/04.
4. LAUDO N° 01/2012 DO TRIBUNAL PERMANENTE DE REVISÃO E OS ASPECTOS POLÊMICOS DO PROCEDIMENTO DE URGÊNCIA
O Laudo N° 01/2012 surge como um instrumento paradigmático para a jurisprudência arbitral do TPR. Como a Decisão N° 23/04 nunca tinha sido aplicada em um caso antes, a partir desse Laudo é possível observar quais são seus efeitos práticos na resolução de controvérsias, em específico como ela pode ser utilizada para limitar o escopo material da atuação do tribunal.
Em 09 de Julho de 2012, o governo do Paraguai entrou com pedido de procedimento de urgência com base no Art. 24 do PO, solicitando subsidiariamente, a aplicação dos Arts. 1 e 23 do PO no intuito de:
se declararem inaplicáveis: 1) a decisão que suspende o Paraguai de participar nos órgãos do MERCOSUL e 2) a declaração que incorpora a República Bolivariana da Venezuela (adiante Venezuela) como membro pleno do MERCOSUL. Ambas as decisões foram adotadas pelos Presidentes da Argentina, do Brasil e do Uruguai na Reunião de Cúpula de Presidentes realizada em Mendoza, Argentina, no dia 29 de junho de 201218.
Ocorre que o Paraguai foi suspenso do bloco econômico em razão do impeachment relâmpago do então presidente Fernando Lugo, que teve sua realização considerada antidemocrática pelos Estados membros do MERCOSUL19. A suspensão temporária do país no bloco foi determinada em 24 de junho de 201220, tendo como respaldo o Art. 5 do Protocolo de Ushuaia (PU) que busca rechaçar o rompimento com regime democrático com medidas enérgicas
Foi através do PU, em vigor desde janeiro de 2002, que a cláusula democrática foi formalmente integrada ao Tratado de Assunção21. Nesse sentido, por meio do primeiro artigo do mencionado documento, a manutenção da democracia pelos Estados Parte se torna condição sine qua non do processo de integração do MERCOSUL, devendo a sua violação ser punida.
De acordo com o Art. 5º do PU, a suspensão implica na impossibilidade de participação do Estado nos órgãos do processo de integração - ou seja, o Grupo de Mercado Comum, CMC e afins - ou, como medida mais extrema, a interrupção dos direitos e deveres decorrentes desses processos22.
Tendo isto em vista, o Paraguai alegou em sua petição ao TPR que o procedimento especial restava como sua única opção, pois devido sua suspensão, não possuía acesso às demais instâncias do sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL, além de estar submetido ao impedimento da participação dos seus representantes nos órgãos que deveriam intervir para adequar o procedimento23.
Em observação ao rito do procedimento especial, após receber a representação o TPR se instaura com todos os seus membros para analisá-la, devendo decidir por maioria no prazo de seis (6) dias corridos24. Caso deliberasse por conceder a medida de urgência em razão de sua procedência e por cumprir os requisitos exigidos, deveria resguardar proporcionalidade com o dano demonstrado25. A deliberação foi emitida no formato de Laudo arbitral - o Laudo N° 01/2012
Diante da relevância deste documento, é necessário perquirir a natureza jurídica dos laudos arbitrais dentro da estrutura do TPR. De acordo com o Art. 26 do PO, eles são inapeláveis, além de obrigatórios para os Estados Parte envolvidos na controvérsia, a partir de sua notificação, possuindo quanto a eles força vinculante.
O PO especifica que os laudos arbitrais fazem coisa julgada tanto formal quanto material26, consolidando assim a segurança jurídica e credibilidade do sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL27. A hipótese de descumprimento do Laudo caracteriza ilícito internacional, de forma que o Estado que se perceber prejudicado poderá recorrer aos mecanismos de responsabilização internacional. Sendo apenas necessário comprovar a ocorrência de imputabilidade e o dano28.
Possuindo estas características, o Laudo N° 01/2012 também traz um apanhado objetivo das alegações do demandante (Paraguai), assim como dos demandados (Argentina, Brasil e Uruguai). A defesa alegou primariamente a incompetência ratione materiae do TPR, uma vez que as decisões nas quais se baseiam a controvérsia são de natureza política, que seria incompatível com a natureza comercial do sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL. Ademais, alegou, ainda, a inadequação da via eleita pelo Paraguai para discutir a questão, pois os procedimentos especiais com base no Art. 24 seriam restritos para disputas comerciais, devendo se observar cumulativamente os requisitos da Decisão N° 23/04 - o que não ocorreu no presente caso. Por fim, questiona a aplicabilidade do Art. 23 do PO nesta circunstância29.
Em resposta a essas alegações, em específico as duas primeiras, a decisão contida no Laudo determina de início que a jurisdição do TPR conforme estipulado no PO é ampla, sem qualquer limitação material, mas apenas pessoal. Dessa forma, não exclui a análise de qualquer espécie de controvérsia no marco normativo do MERCOSUL, ou seja, o questionamento político trazido pelo Paraguai é passível de apreciação.
Em seguida, em análise da questão atinente ao cabimento ou não se é cabível ou não o procedimento especial para esta controvérsia, o TPR reconhece que o caso concerne uma ação adotada pelos Estados Parte, que implica em suposta violação da normativa do MERCOSUL, podendo produzir graves danos, considerando seriedade da situação descrita e seus efeitos, inclusive para um terceiro Estado. Assim como estabelece que ainda não existe controvérsia em curso sobre esse objeto. Logo, dois dos requisitos principais da Decisão N° 23/04 foram cumpridos.
Contudo, o tribunal declarou sua incompetência originária para lidar com a demanda, pois: a controvérsia não trata de “bens perecíveis, sazonais, retidos injustificadamente no território do país demandado”, nem de “bens destinados a atender demandas originadas em situações de crise no Estado Parte importador”. Esse requisito é intransponível na configuração da competência originária do TPR em matéria de medidas excepcionais de urgência30.
Isto significa que apesar da reconhecida importância da questão com potencial risco de danos sérios para os membros envolvidos, em especial o Paraguai, e até mesmo para o avanço do processo de integração do MERCOSUL, o caso restou sem o exame de mérito ou qualquer resolução. Embora o PO e o TPR tenham sido desenvolvidos justamente para evitar essas situações de ineficiência, foram obstruídos de cumprir sua função em razão dos limites estabelecidos na Decisão N° 23/04.
O próprio órgão admite que a tomada de uma medida emergencial poderia reduzir a insegurança jurídica presente na controvérsia31. Inclusive, o Laudo registra opinião minoritária ora mencionada:
65. Culmina esta opinião minoritária considerando ser evidente que um órgão com vocação e competência jurisdicional para resolver os conflitos entre os Estados Partes, segundo o art. 1 do PO, na situação indicada, deve conhecer as medidas excepcionais de urgência e posicionar-se a respeito da legalidade ou não das decisões de suspensão e de incorporação de outro Estado como membro pleno sem haver o Paraguai ratificado sua incorporação32.
Nessa situação, é possível concluir que a impossibilidade do TPR de apreciar o caso consiste em negação à prestação jurisdicional33. Não obstante constar no Laudo que de forma geral, o tribunal é apto para lidar com questões políticas, ao se tratar do procedimento especial, essa aptidão é revogada causando grande prejuízo ao próprio sistema de soluções de controvérsia e aos Estados que busquem dele beneficiar.
5. CONCLUSÃO
O MERCOSUL surge como bloco econômico que avança a integração dos países do polo sul. Por isso, é importante analisar sua estrutura e procedimentos, em especial na área jurídica, afinal as decisões tomadas pelo bloco tem potencial de afetar toda a América Latina. Nesse sentido, o estudo de seus documentos constitutivos como o PO ajuda a compreender o funcionamento do sistema de solução de controvérsias. Ele que foi elaborado com a finalidade de ajustar o sistema estudado traz como novidade o TPR, para a promoção de maior segurança jurídica e uniformidade para o direito produzido no contexto da organização.
O recorte de análise do Art. 24 do PO, teve o intuito de ilustrar como funciona o procedimento especial de urgência e suas potenciais limitações. Uma vez que o artigo em si é muito vago em sua definição, estabelecendo só que será aplicável quando se tratar de situações de urgência que necessitem de medidas emergenciais adequadas para remediar controvérsias - para evitar dano irreparável ao reclamante -, foi preciso que o CMC demarcasse por meio de decisão os critérios adequados para constituir o procedimento.
Nesse sentido, foi emitida a Decisão N° 23/04 pelo CMC que delimitou o escopo material do procedimento especial de urgência unicamente para questões de natureza comercial ao estabelecer seus quatro requisitos. Dessa forma, gerou-se o problema de que caso haja situações políticas de conflito com risco de danos irreparáveis sobre a aplicação de documentos da estrutura normativa do MERCOSUL, estes poderiam ficar sem solução, como ocorreu no caso do Paraguai, conforme o Laudo N° 01/2012 emitido pelo TPR.
A pertinência dessa problemática teve suas repercussões práticas nesse caso, pois apesar de o Paraguai, suspenso à época, ter acionado o TPR como instância originária para lidar com a controvérsia, não obteve acesso a qualquer remédio jurisdicional. O Laudo N° 01/2012 declara, nesse contexto, que o tribunal não tem competência material para lidar com questões políticas na instância do procedimento de urgência, sendo limitado pela Decisão N° 23/04 do CMC.
A metodologia adotada para este estudo foi a pesquisa qualitativa tendo como campo temático o Direito Internacional, em específico o Direito de Integração criado pelo MERCOSUL. Foram utilizadas como fonte de pesquisa: bibliografia especializada, o exame de tratados e protocolos internacionais e jurisprudência arbitral, referentes ao tema através do método dedutivo.
À luz dessa pesquisa, percebe-se que o Art. 24 do PO caracteriza a instituição das medidas excepcionais e de urgência de forma ampla. Portanto, deduz-se que o TPR seria apto para eventualmente se utilizar deste procedimento não apenas para questões que se encaixem nos limites da Decisão N° 23/04, mas também em outras situações. Abarcando, assim, aquelas em que as partes alegam que lhes foi recusado o acesso jurisdicional ou que os trâmites restantes previstos para reclamação lhes sejam inacessíveis, havendo ameaça de prejuízos irreparáveis.
Especialmente ao se considerar que o próprio tribunal declara a sua competência geral para lidar com qualquer tipo de controvérsia, seja comercial ou não, limitar o escopo do procedimento de urgência, sem qualquer justificativa razoável para tanto, é se submeter a possibilidade da ocorrência de danos que prejudiquem a própria integração dos Estados do MERCOSUL.