1. INTRODUÇÃO
O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) foi criado pelo Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991, tendo como objetivo a formação de um mercado comum, o que implica, conforme dispõe o seu art. 1º, na “livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente”1. Logo, a livre circulação de pessoas2insere-se nos propósitos do MERCOSUL, pois sem esta, não haverá a consolidação do mercado comum.
Ao mesmo tempo, a região que abrange o MERCOSUL é historicamente marcada por intensos fluxos migratórios. Isso demanda a ação e a cooperação dos Estados Partes na matéria, tanto para proteger os direitos das pessoas migrantes, quanto para fortalecer o espaço integrado e a cidadania do MERCOSUL. É por isso que, a fim de que sejam cumpridos os objetivos do bloco, o Tratado de Assunção estabelece, também em seu art. 1º: “o compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração”3.
Desde o início do esquema de integração até o momento atual, houve diversos avanços no tema da migração e da livre circulação de pessoas, especialmente, no campo normativo. Porém, diversos desafios ainda se fazem presentes, pois nem sempre existe a harmonização de legislações nacionais, como previsto no tratado constitutivo do bloco, bem como as normas produzidas no âmbito do MERCOSUL em geral não são aplicadas de maneira uniforme no território dos Estados Partes, o que gera disparidade no tratamento dos nacionais provenientes do MERCOSUL e de migrantes extra bloco4que se destinam a estes Estados.
Por isso, é necessária a busca por soluções que efetivem, na prática, os direitos previstos nas declarações, decisões, resoluções, diretrizes e tratados do MERCOSUL, e uma das maneiras de atingir a concretização dessa normativa é a busca da uniformização de sua aplicação e interpretação em todos os Estados Partes, a exemplo do que ocorre na União Europeia (UE). Nesse sentido, o mecanismo da opinião consultiva, presente no sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL, revela-se como sendo um instrumento apto para tal uniformização, mas que ao mesmo tempo é muito pouco utilizado e, quando acionado, não tem força coercitiva para garantir o seu êxito.
Diante desse cenário, o presente artigo traz como problema de pesquisa a seguinte questão: É possível utilizar o mecanismo da opinião consultiva, existente no MERCOSUL, para casos que tratem da circulação de pessoas, como ferramenta para uniformizar a interpretação e aplicação das normas mercosurenhas na temática migratória e, consequentemente, fortalecer os direitos das pessoas migrantes dentro do bloco?
A fim de responder a esse interrogante, na primeira parte do artigo será abordado o panorama da migração intra bloco, seguido da análise da normativa produzida referente à migração e à circulação de pessoas. Em um segundo momento, será realizada uma análise crítica acerca dos desafios da dimensão jurídica do bloco, especialmente no que tange à dificuldade de harmonização das legislações nacionais e de uniformização da interpretação e aplicação da normativa mercosurenha, nos Estados Partes. Por fim, se fará referência ao sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL, principalmente ao mecanismo da opinião consultiva e ao papel do Tribunal Permanente de Revisão (TPR), neste âmbito, a fim de avaliar se esta ferramenta poderia brindar uma melhor aplicação da normativa relativa à migração e de que forma.
A hipótese que se apresenta para responder ao problema de pesquisa apresentado é a de que a opinião consultiva é uma ferramenta que pode proporcionar a uniformização da interpretação e aplicação do direito mercosurenho na temática migratória e, consequentemente, promover um maior aprofundamento da integração no bloco, fomentando o desenvolvimento da noção de cidadania do MERCOSUL e a proteção de pessoas migrantes, na região.
Para os fins do presente artigo, utilizar-se-á os métodos normativo-descritivo e histórico, e como técnica de pesquisa a revisão bibliográfica e a análise documental, sendo que esta última engloba tratados internacionais, relatórios de organizações internacionais e órgãos estatais nacionais.
2. A LIVRE CIRCULAÇÃO DE PESSOAS NO MERCOSUL
Conforme antes referido, a livre circulação de pessoas é parte essencial do processo de integração, compondo uma das quatro liberdades necessárias à consolidação do mercado comum. Sob esta perspectiva, nesta primeira parte do artigo, serão trazidas algumas informações acerca da alta circulação de pessoas, na região, e suas características, a fim de configurar o cenário fático a respeito do qual estamos trabalhando, seguida da análise das principais normas existentes sobre o tema, no bloco.
2.1. Fluxos migratórios intra bloco
Os Estados Partes do MERCOSUL (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela) formam uma região que historicamente é caracterizada pela alta circulação de pessoas, seja por razões econômicas, exílios políticos ou turismo/intercâmbio cultural, e, por conta disso, foi necessário estabelecer mecanismos para combater certas questões, como, por exemplo, a de imigrantes, que, por se encontrarem em condições migratórias irregulares, passam a se sujeitar a trabalhos informais e extremamente precários5, nos quais há clara violação de direitos humanos.
Como se verá à continuação, o aumento da mobilidade de pessoas entre esses Estados se dá em razão de um conjunto de fatores que marcou o continente. Os Estados Unidos (EUA) e a Europa, no geral, sempre foram destinos preferidos dos migrantes sul-americanos, porém, a migração fronteiriça na América do Sul passou a crescer exponencialmente a partir de 1950, mantendo-se alta até a atualidade. Entre os motivos para esse crescimento, na década referida, podem ser destacados a expansão industrial da Argentina e do Brasil, que contrastava com o baixo crescimento econômico dos países vizinhos, assim como a eclosão de ditaduras militares em diversos Estados da região - inclusive nos dois países referidos -, ocasionando exílios políticos, e, por fim, a existência de traços culturais, de idioma e socioeconômicos comuns, o que torna mais fácil a integração do migrante no país de destino6.
Contudo, as questões políticas e econômicas são as que mais pesaram na caracterização dos fluxos migratórios, na região sul-americana. Nesse sentido, os migrantes são atraídos para se deslocarem a países vizinhos que apresentam maior estabilidade política e econômica que os seus de origem, assim como um determinado perfil de migrantes é impulsionado a procurar Estados que estejam demandando mão-de-obra. No caso do MERCOSUL, os maiores receptores de migrantes são a Argentina e o Brasil, ao passo que Paraguai e Uruguai são, na maioria das vezes, países de origem dos fluxos migratórios7. Porém, a dinâmica migratória entre as regiões é complexa e envolve diversos fatores históricos, para além dos políticos e econômicos, cabendo destacar ainda que, na atualidade, o fluxo de migrantes venezuelanos, dada a crise humanitária enfrentada pelo país, tem aumentado exponencialmente.
Nesse sentido, a Argentina é historicamente a maior receptora de imigrantes no MERCOSUL, com alto número de paraguaios, bolivianos, chilenos, peruanos e uruguaios8. Em relação ao alto fluxo migratório vindo da Venezuela, nos últimos anos, a Argentina também é um dos Estados que mais recebeu, chegando ao número de 130 mil imigrantes venezuelanos no país, de acordo com dados de junho de 2019, da Organização Internacional para as Migrações (OIM)9. Assim, desde o ano de 2018, os venezuelanos tornaram-se a nacionalidade com maior número de imigrantes, na Argentina10. Porém, cabe registrar que este também é um Estado que gera migrantes para a região, em especial, há grande número de imigrantes argentinos no Paraguai11.
Já o Brasil, atualmente o maior receptor de imigrantes venezuelanos do MERCOSUL, acolheu, de acordo com dados de 2019 da OIM, 168 mil pessoas12. Mas para além de ser um país receptor, o Brasil também é um dos maiores emissores de imigrantes da América do Sul, sendo que grande parte destes imigrantes brasileiros se encontra no Paraguai. Essa migração mais significativa de brasileiros ao Paraguai teve início na década de 1970, em torno de alguns motivos interconectados. Entre as razões para tal êxodo, está a oferta de terras férteis a preços muito mais baixos, havendo um número considerável de brasileiros que prosperou no agronegócio no país vizinho13. Isso se deu após a construção da Usina Hidrelétrica Itaipu, que ocorreu entre 1975 e 1982, levada a cabo pelo Brasil e Paraguai. Ocorre que, em razão dessa obra, muitas famílias tiveram que ser desalojadas, bem como houve inundação de parte do território do Estado Brasileiro do Paraná, fazendo com que muitos brasileiros perdessem suas terras. Assim, vários pequenos proprietários e latifundiários brasileiros migraram ou compraram terras no país vizinho14.
A imigração brasileira para a Argentina também passa a ser expressiva na década de 1970, sendo que estes imigrantes brasileiros se dividiam entre trabalhadores agrícolas de baixa escolaridade na região de Missiones e pessoas trabalhando no setor de serviços em Buenos Aires, os quais conseguem, normalmente, desempenhar funções compatíveis com seu nível de instrução15. Já no Uruguai, o número de imigrantes brasileiros é menor em relação aos outros Estados Partes do MERCOSUL. A maioria dos brasileiros, no Uruguai, encontra-se em atividades laborais informais, nos setores da agricultura ou de serviços. Dessa população migrante, também é possível destacar que a maior parte é composta por pessoas idosas e por mulheres16.
Ao se analisarem os dados estatísticos referentes à migração no Paraguai, verifica-se que Argentina e Brasil são os países que mais possuem cidadãos circulando ou migrando para este Estado. De acordo com dados mais recentes da Direção Geral de Migrações do Paraguai, de junho de 2019, 66.429 argentinos ingressaram em território paraguaio, sendo que deste total permaneceram 15.762. Já os brasileiros somaram a monta de 18.022, permanecendo no Paraguai 2.17617. No que tange aos venezuelanos, de acordo com dados da OIM, até 2018 o Paraguai acolheu aproximadamente 449 migrantes, sendo, portanto, o país com a menor quantidade no MERCOSUL e na América do Sul18.
Cenário semelhante pode ser observado no Uruguai, de acordo com dados da Direção Nacional de Migração desse país, que são do ano de 2014. Até dezembro do referido ano, a nacionalidade com maior número de ingressos e migração foi a argentina, seguido pela brasileira, e em terceiro lugar pela paraguaia19. Ainda, o Uruguai já acolheu aproximadamente 8.589 imigrantes venezuelanos, de acordo com os dados de 2018 da OIM20.
2.2. Histórico normativo e agenda política no tema migratório
Uma vez que a região sul-americana e, especificamente, a que abrange os Estados Partes do MERCOSUL, é marcada pela grande circulação de pessoas, a necessidade de se ter um controle de fronteiras, regularizar a situação migratória dessas pessoas e conceder-lhes proteção (para dar cumprimento aos objetivos do sistema de integração), fez com que fossem desenvolvidos muitos projetos a respeito do tema.
Desde o princípio, logo após a assinatura do Tratado de Assunção, o MERCOSUL trabalhou com a temática migratória. Num primeiro momento, o bloco optou pela constituição de subgrupos de trabalho (SGT’s) temáticos, que focaram em demandas específicas da livre circulação de pessoas e da migração extra bloco. Nesse sentido, os primeiros foram o SGT 2 sobre Assuntos Aduaneiros (controle migratório, cooperação administrativa, determinação comum de documentos necessários, etc.) e o SGT 11 sobre Relações de Trabalho, Emprego e Seguridade Social (comparações de estatísticas, de legislações trabalhistas, de fluxos migratórios laborais, etc.). Em 1994, com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, tais grupos deixaram de existir, tendo sido criada uma Comissão sobre migrações trabalhistas21. Porém, ainda existem grupos de trabalho nessa linha, como o SGT 18 sobre Integração Fronteiriça22.
Já em 2003, o MERCOSUL avançou no tema com a criação do Foro Especializado Migratório (FEM), responsável por tratar integralmente a matéria, tanto relativa a migrantes intra quanto extra bloco, até os dias atuais. Participam do FEM as delegações dos Estados Partes e Associados do MERCOSUL, e nele são assumidos compromissos vinculantes23. No FEM são realizados estudos e apresentadas propostas de soluções para questões envolvendo a temática migratória, adotando-se também medidas específicas para a livre circulação e residência legal dos cidadãos dos Estados Partes e Associados24, sendo uma delas a harmonização das legislações nacionais na matéria25.
O resultado do trabalho do FEM, dos SGT’s e das reuniões e negociações dos órgãos com capacidade decisória do bloco26, pode ser observado quando da adoção de diversas normas, que abordam a livre circulação dos cidadãos dos Estados Partes, as migrações de terceiros países e o instituto do refúgio27. Assim, destacam-se: o Acordo Multilateral sobre Seguridade Social do MERCOSUL (1997), a Declaração Sociolaboral do MERCOSUL (1998), a Declaração do Rio de Janeiro sobre a Instituição do Refúgio (2000), a Declaração sobre Tráfico de Pessoas e Tráfico Ilícito de Migrantes (2001), o Acordo sobre Tráfico Ilícito de Migrantes no MERCOSUL (2004), o Acordo de Residência para Nacionais dos Estados Partes e Associados do MERCOSUL (2002), o Acordo de Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL, Bolívia e Chile (2002),28a Declaração de Santiago sobre Princípios Migratórios (2004), o Acordo sobre Documentos de Viagem e Retorno dos Estados Partes do MERCOSUL e Estados Associados (2015), o Acordo de Recife sobre Controle Integrado dos Fluxos Migratórios nas Fronteiras (2015) e a Declaração Sociolaboral do MERCOSUL (2015).
Em relação à normativa que busca aprofundar a livre circulação de pessoas, o citado Acordo Multilateral sobre Seguridade Social do MERCOSUL, assinado em 1997, foi um dos primeiros instrumentos jurídicos do bloco nessa direção. Garante direitos referentes à seguridade social para trabalhadores migrantes nacionais dos Estados Partes, em condição de igualdade com os cidadãos locais, considerando a soma do tempo de serviço que a pessoa desempenhou em mais de um Estado Parte, para fins de concessão dos benefícios29.
Não obstante, os Acordos de Residência foram o passo mais importante rumo à livre circulação de pessoas e ambos estão vigentes em todos os Estados signatários30. Neles, os Estados expressamente declararam a pretensão de implementar uma política de livre circulação de pessoas, regularizar a situação migratória de seus cidadãos localizados em outros Estados Partes, bem como combater o tráfico de pessoas31. Assim, os Acordos concedem o direito de residência temporária de dois anos aos nacionais que pretendem migrar ou já migraram para outros Estados Partes, apenas através do documento de identificação da pessoa32, sendo possível transformar a residência temporária em permanente, mediante o preenchimento de alguns requisitos, menos rígidos do que para migrantes de terceiros Estados33. Ainda, aqueles que já se encontram em outro Estado Parte, não necessitam retornar ao seu país de origem para formular o pedido de residência e regularizar sua situação, independentemente da forma como ingressaram naquele território e sem a imposição de multas. Uma das características mais importantes dos Acordos de Residência é a concessão deste direito com base na nacionalidade do solicitante, e não através de requisitos relacionados à atividade laboral e ao vínculo de emprego34.
Por fim, cabe destacar também a citada Declaração Sociolaboral do MERCOSUL, firmada primeiramente em 1998 e posteriormente atualizada em 2015, importante instrumento jurídico para a garantia de direitos aos trabalhadores migrantes, que integra o Plano de Ação para adotar progressivamente um Estatuto da Cidadania do MERCOSUL, criado pela Decisão nº 64/2010, que, por sua vez, representa o segundo passo mais importante rumo à livre circulação de pessoas, no bloco. O art. 2º da referida Decisão destaca que o Plano - que deverá estar culminado quando do 30º aniversário da assinatura do Tratado de Assunção - terá como base os seguintes objetivos, extraídos dos tratados constitutivos e das normas de direito derivado do bloco:
[...] Implementação de uma política de livre circulação de pessoas na região; lgualdade de direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicas para os nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL; lgualdade de condições para acesso ao trabalho, saúde e educação35.
Ademais, cabe registrar que o Estatuto da Cidadania, que tem como objetivo implementar o conceito de cidadão do MERCOSUL, bem como um conjunto de direitos fundamentais destes cidadãos, converter-se-á em protocolo adicional ao Tratado de Assunção, portanto norma de direito originário do bloco36. Até o presente momento, ademais da atualização da Declaração Sociolaboral, foi firmado o Plano para Facilitar a Circulação de Trabalhadores no MERCOSUL, revisado o Acordo de Recife relativo ao Controle Integrado dos Fluxos Migratórios nas Fronteiras, e criada a placa comum de identificação veicular do MERCOSUL37, medidas destinadas a dar cumprimento ao Plano de Ação antes mencionado.
3. DESAFIOS DA DIMENSÃO JURÍDICA DO MERCOSUL
De acordo com o que foi visto até o momento, há um conjunto de normas produzidas no âmbito do MERCOSUL a respeito do tema da livre circulação de pessoas e da migração em geral. Isso decorre de um dos objetivos principais do bloco, que demanda a harmonização das legislações nacionais dos Estados Partes, conforme dispõe o Tratado de Assunção em seu art. 1º. A responsabilidade de promover tal harmonização é, inicialmente, dos órgãos com capacidade decisória do bloco, que possuem competência para legislar38.
São esses órgãos o Conselho do Mercado Comum (CMC), o Grupo do Mercado Comum (GMC) e a Comissão de Comércio do MERCOSUL (CCM), que legislam por meio de decisões (CMC), resoluções (GMC) e diretivas (CCM), gerando o chamado direito derivado do MERCOSUL, que é regido pelas normas de direito originário.
Por outro lado, são normas de direito originário do MERCOSUL o tratado constitutivo e seus protocolos adicionais, que são o Tratado de Assunção (1991), o Protocolo de Ouro Preto sobre a Estrutura Institucional do MERCOSUL (1994), o Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático (1998), o Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias (2002), bem como os protocolos referentes à adesão de novos Estados Partes, como o da Venezuela (2006), e aqueles que constituem novos órgãos do bloco. Registra-se que as fontes jurídicas do MERCOSUL vêm previstas no art. 41 do Protocolo de Ouro Preto.
Ocorre que há muitos desafios que se fazem presentes na dimensão jurídica do bloco. Primeiramente pode-se destacar que muitas normas produzidas pelo MERCOSUL, em especial os tratados internacionais, apesar de possuírem efeito vinculante, precisam ser incorporadas ao ordenamento jurídico interno dos Estados Partes, através do procedimento clássico de ratificação de tratados, o que significa que não possuem aplicabilidade imediata, nem efeito direto. Isso se torna um problema, uma vez que não são estabelecidos prazos peremptórios para tal incorporação, tampouco um procedimento comum, sendo o processo realizado de maneiras diferentes, de acordo com as regras e interesses de cada Estado. Em razão disso, muitas normas acabam levando anos para serem ratificadas, o que impede sua vigência39, gerando insegurança jurídica e falta de efetividade40. Como exemplo, pode ser citado o Acordo sobre Regularização Migratória Interna de Cidadãos do MERCOSUL e o Acordo sobre Regularização Migratória Interna de Cidadãos do MERCOSUL, Bolívia e Chile, ambos assinados em 2002. Os Acordos têm como objetivo tratar o requerimento de saída de uma pessoa de um Estado signatário, que já está fora de seu país de origem. Com esses Acordos, a pessoa migrante não precisa retornar ao seu Estado de origem para pedir a permanência em outro, podendo ser a esta concedida a residência temporária ou permanente, de acordo com o ordenamento jurídico interno do país de destino41. Porém, ambos os Acordos ainda não entraram em vigor em todos os Estados signatários, uma vez que o primeiro não foi internalizado pela Argentina42, e o segundo não foi internalizado por Argentina e Bolívia43. Assim, os Acordos estão pendentes de total efetividade há mais de quinze anos.
Outro problema que pode ser citado em relação à dimensão jurídica do MERCOSUL são as assimetrias constitucionais entre os Estados Partes, no que tange ao tratamento do direito derivado do bloco. Por exemplo, a Argentina e o Paraguai conferem hierarquia supralegal aos tratados internacionais de integração, ao passo que Brasil e Uruguai lhe reconhecem o status de lei ordinária44, 45.
Tudo isso soma-se ao fato de que o MERCOSUL expressamente optou pela intergovernabilidade em detrimento da supranacionalidade, de acordo com o disposto no art. 2º do Protocolo de Ouro Preto46. Em razão dessa opção, as decisões devem ser adotadas por consenso e com a presença de todos os Estados Partes47, o que permite a um Estado prejudicar ou até paralisar o funcionamento do bloco, em razão de seu veto ou de sua ausência48.
No que nos interessa, um caso que ilustra a disparidade de políticas e aplicação da normativa mercosurenha na temática migratória, no MERCOSUL, é o do fluxo migratório venezuelano. A Venezuela se tornou Estado Parte do MERCOSUL em 2012, vindo a ser suspensa em 2016, por não ter cumprido com a obrigação de incorporar toda a normativa vigente ao seu direito interno, no prazo de quatro anos49. Entre as normas não incorporadas, estão os Acordos de Residência50. Posteriormente, em 2017, os Estados Partes decidiram suspender politicamente a Venezuela, com base no art. 5º do Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático51, suspensão que ainda segue vigente. Em razão dessa situação excepcional da Venezuela, aliada ao alto êxodo de pessoas, à suspensão de seus direitos enquanto Estado Parte do MERCOSUL e à não internalização dos Acordos de Residência, não houve uma política ou aplicação da normativa do bloco de maneira uniforme aos imigrantes venezuelanos. Desse modo, Brasil e Paraguai não estão aplicando os Acordos de Residência para os imigrantes venezuelanos em seus países, adotando cada um a sua legislação migratória interna, considerando-os migrantes de terceiros Estados. Já a Argentina aplica os Acordos de Residência aos venezuelanos, enquanto o Uruguai, que antes de 2014 aplicava os referidos Acordos, atualmente utiliza sua lei interna, que prevê a concessão direta de residência permanente a nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL, incluindo, desse modo, a Venezuela52.
Diante de todas essas questões, ainda que o MERCOSUL tenha produzido um considerável conjunto de normas a respeito da livre circulação de pessoas e da migração em geral, que compõem o direito derivado do bloco, há várias dificuldades para promover e implementar a harmonização das legislações nacionais, na matéria. Ainda, soma-se a tal dificuldade a existência de assimetrias na interpretação e aplicação dessa legislação, pelos órgãos jurisdicionais dos Estados Partes. Assim, a ausência de uma interpretação comum das normas do MERCOSUL faz com que os tribunais internos dos Estados decidam não só de maneira diversa entre si, mas também contrária aos objetivos da própria norma. Tal cenário coloca em risco a efetividade da normativa produzida, que na maioria das vezes demanda anos entre produção, negociação, ratificação e internalização, bem como sujeita as pessoas destinatárias dos direitos, neste caso os migrantes, a uma situação de insegurança jurídica53.
A importância de haver uma interpretação comum da normativa em referência pode ser ilustrada a partir da análise dos resultados apresentados pelo Terceiro Relatório sobre a Aplicação do Direito do MERCOSUL por parte dos magistrados nacionais dos Estados Partes, material publicado pela Secretaria do MERCOSUL, em 2005. Neste documento, verifica-se que a jurisprudência da Argentina considera como obrigatória a já antes mencionada Declaração Sociolaboral do MERCOSUL, fundamentando diversas decisões judiciais sobre migração laboral nesta normativa. Há, inclusive, decisão da Justiça Nacional do Trabalho, que reconhece a referida Declaração como norma de jus cogens54, enquanto, por exemplo, o mesmo não é observado no Brasil.
Dessa forma, o diálogo entre as jurisdições dos Estados Partes é de suma importância para a efetivação dos direitos humanos, bem como para o fortalecimento da integração, através do efetivo cumprimento da normativa mercosurenha.
4. A OPINIÃO CONSULTIVA COMO FERRAMENTA PARA A UNIFORMIZAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO MIGRATÓRIO DO MERCOSUL
Diante dos desafios apresentados acerca da dimensão jurídica do MERCOSUL, sobretudo aqueles relacionados à interpretação jurisdicional da normativa mercosurenha nos Estados Partes, necessário se faz compreender o funcionamento da opinião consultiva, mecanismo pertencente ao sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL e, aqui, especialmente, o papel do TPR para a consolidação do direito do bloco, que em 2019 está completando 15 anos de existência.
Neste sentido, em 2002, o Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias, previu a criação de um tribunal arbitral de convocatória permanente, oficialmente instalado em 13 de agosto de 2004, na cidade de Assunção, no Paraguai. Denominado Tribunal Permanente de Revisão (TPR), o órgão foi projetado para ser de extrema importância para a uniformização da interpretação do Direito do MERCOSUL5555, fortalecendo a integração regional e possibilitando o cumprimento dos objetivos do bloco, previstos no Tratado de Assunção. Para tanto, ao TPR lhe foram atribuídas quatro competências principais, as quais estão relacionadas à revisão dos laudos dos tribunais arbitrais ad hoc, ao julgamento das controvérsias entre os Estados Partes em instância única, à apreciação de medidas excepcionais e de urgência, e, ainda, à emissão de opiniões consultivas, tema objeto deste artigo.
Em razão dos limites deste trabalho, nos centraremos somente nesta última competência. Em primeiro lugar, cabe destacar que as cortes judiciais internas dos Estados são imprescindíveis para garantir a aplicação e a primazia do Direito do MERCOSUL sob o direito interno. Porém, as normas do Direito da Integração, por serem aplicadas em diferentes países, cujas tradições, princípios, cultura e ordenamento jurídico são distintos, estão sujeitas a interpretações divergentes em cada Estado. De início, cabe citar novamente o fato de que cada um dos Estados Partes confere um grau hierárquico diferente ao Direito do MERCOSUL em seu ordenamento jurídico interno. Com esse e outros fatores influenciando os juízes nacionais na tomada de decisões, a aplicação da normativa mercosurenha acaba por ser problemática, uma vez que com a ausência de critérios comuns, os juízes nacionais podem chegar não somente a decisões divergentes, causando insegurança jurídica aos destinatários do direito, mas até mesmo a resultados contrários aos que a norma do bloco prevê56, 57.
Em razão disso, a opinião consultiva, ao ter como objetivo a uniformização da interpretação da normativa do MERCOSUL, adquire especial relevo, na tentativa de unificar critérios hermenêuticos, para que a divergência de interpretações nacionais não coloque em risco a coerência do Direito do MERCOSUL, influenciando diretamente a produção de efeitos deste Direito58, 59, 60.
Desta forma, se, por um lado, o TPR é o único órgão com legitimidade para interpretar o Direito do bloco, por meio da opinião consultiva, de forma a garantir a coesão referida, por outro, cabe destacar que ele não atua sozinho. Para que possa interpretar o Direito do MERCOSUL, o TPR deve ser provocado pelos órgãos com capacidade decisória (CMC, GMC e CCM)61, pelo Parlamento do MERCOSUL (PARLASUL), pelos Estados Partes atuando em conjunto ou ainda pelas Cortes Superiores destes62. Caso a opinião consultiva seja solicitada pelos Estados Partes ou pelos órgãos decisórios do MERCOSUL, o procedimento para tal solicitação vem previsto no próprio Regulamento do Protocolo de Olivos - Decisão n.º 37/2003. No caso do PARLASUL, a regulamentação do pedido está prevista no seu próprio Regimento Interno. Já se a solicitação for realizada pelo Poder Judiciário de um dos Estados Partes, o procedimento está regulamentado pelo chamado Regulamento do Procedimento para Solicitação de Opiniões Consultivas ao Tribunal Permanente de Revisão pelos Tribunais Superiores de Justiça dos Estados Partes do MERCOSUL - Decisão n.º 02/200763. Tal regulamentação também prevê quais são os tribunais superiores de cada Estado Parte que estão habilitados a solicitar a opinião consultiva, quais sejam, a Corte Suprema de Justiça da Nação (CSJN - Argentina), o Supremo Tribunal Federal (STF - Brasil), a Corte Suprema de Justiça (CSJ - Paraguai), e a Suprema Corte de Justiça e o Tribunal de Contencioso Administrativo (SCJ e TCA, respectivamente - Uruguai)64. Registra-se que a Venezuela ainda não indicou qual tribunal interno do país possuirá tal legitimidade65.
Especificamente no que nos interessa, ainda que os tribunais superiores possuam legitimidade para submeter a solicitação de opinião consultiva ao TPR, é importante destacar que os juízes nacionais de primeira instância e tribunais inferiores também podem solicitá-la, a diferença é que precisam enviar o requerimento ao tribunal superior, não possuindo acesso direto ao TPR. Esse requerimento, ademais, está regulamentado conforme o direito interno de cada Estado Parte. O Uruguai o regulamentou por meio da Acordada nº 7.604/2007 da SCJ; a Argentina, pela Acordada nº 13/2008 da CSNJ; o Paraguai, pela Acordada nº 549 da CSJ; e, finalmente, o Brasil, pela Emenda Regimental nº 48/2012 do STF66. A Venezuela ainda não regulamentou o procedimento.
Como é salutar, a opinião consultiva revela-se num mecanismo de cooperação entre as cortes jurisdicionais internas e o TPR. Quando um juiz nacional possui dúvida quanto à aplicação de uma determinada norma do MERCOSUL a um caso concreto que necessita julgar, pode solicitar à corte suprema de seu país, de acordo com o procedimento previsto no ordenamento jurídico interno, o envio do pedido de opinião consultiva à Secretaria do TPR67. Registra-se que, nas opiniões consultivas, os árbitros do TPR não poderão discutir matéria de fato, tampouco indicar a solução para o caso concreto, mas, sim, somente analisar o direito mercosurenho envolvido e apontar a correta interpretação deste, para que o juiz nacional, com base nisso, faça a aplicação da norma6868.
Outrossim, a solicitação de opinião consultiva deve obedecer requisitos para a sua admissibilidade, os quais estão previstos na Decisão nº 02/2007. Desta forma, deverá conter a descrição dos fatos, as razões para o pedido e a indicação da norma MERCOSUL a ser interpretada - que poderá ser o Tratado de Assunção e seus Protocolos adicionais, os Acordos e Protocolos celebrados em seu âmbito, bem como as normas de direito derivado produzidas pelos órgãos com capacidade decisória. Ademais, para ser admissível, a solicitação deve ter sido formulada por uma das cortes supremas indicadas pelos Estados Partes (art. 2º da Decisão), bem como a causa não pode estar sendo discutida no sistema solução de controvérsias do bloco. Ainda, pode vir acompanhado de considerações das partes e do Ministério Público do Estado Parte solicitante, bem como de documentos conexos. O próprio TPR pode solicitar a juntada dos documentos que entenda necessário69.
O Brasil, apesar de ter sido o último Estado originário a regulamentar a opinião consultiva, em 2012, através da Emenda Regimental nº 48 do STF, trouxe inovação em relação aos demais. A regulamentação brasileira permite não somente que todos os juízes nacionais - desde aqueles de primeira instância até os tribunais superiores -, através de encaminhamento ao Plenário do STF, solicitem a opinião consultiva, mas também concede tal direito às partes envolvidas no processo objeto da solicitação. O direito das partes solicitarem a opinião consultiva, por meio da corte suprema de seu país, não está previsto na regulamentação de nenhum outro Estado Parte70,71. A referida inovação, trazida pelo direito brasileiro, é extremamente positiva, uma vez que com ela pode haver a iniciativa de advogados na uniformização do direito mercosurenho, e não somente a de juízes, aumentando assim o número de legitimados que podem provocar o TPR, o que auxilia na difusão do conhecimento acerca do mecanismo.
Por fim, cabe mencionar também que após a emissão da opinião consultiva, esta é publicada no Boletim Oficial do MERCOSUL72, o que contribui para a publicidade do Direito interpretado, reafirmando o objetivo de promover a uniformização da jurisprudência. Porém, apesar do potencial do mecanismo, as opiniões consultivas no MERCOSUL enfrentam alguns desafios para alcançar o objetivo da plena uniformização do Direito do bloco.
Primeiro, há pouco conhecimento dos profissionais da área do Direito a respeito desse mecanismo, o que o torna pouco utilizado73. Desde o início das atividades do TPR, em 2004, até o ano de 2019, foram emitidas somente três opiniões consultivas74. Ainda, esse desconhecimento é agravado pela característica da não obrigatoriedade do pedido, mesmo quando um juiz nacional se depara com a necessidade de aplicação de uma norma do MERCOSUL, e possui dúvidas sobre o seu alcance e vigência. Outro desafio diz respeito à ausência de efeito vinculante. Em outras palavras, as opiniões consultivas, uma vez emitidas, servirão somente de orientação ao juiz nacional em sua decisão, não sendo obrigatória a sua utilização75, ainda que emitidas pelo órgão que detém a máxima legitimidade para a interpretação do Direito do MERCOSUL.
Aqui, cabe destacar, para fins de comparação, que a UE também conta com um mecanismo de uniformização da jurisprudência relativa ao Direito produzido pelo bloco europeu, denominado reenvio ou questão prejudicial. O Tribunal de Justiça da UE (TJ/UE), como instituição competente para uniformizar o Direito da UE, recebe dos órgãos jurisdicionais nacionais dos Estados Membros o pedido prejudicial, quando estes se depararem com a necessidade de aplicação de uma norma da UE a um caso concreto. As principais diferenças em relação à opinião consultiva do MERCOSUL são que no sistema europeu a solicitação da questão prejudicial é obrigatória no caso dos tribunais superiores ou de única instância. Ainda, uma vez prolatado o acórdão prejudicial pelo TJ/UE, a interpretação do Direito nele contida é obrigatória não somente para o juiz que solicitou a consulta, mas para todos os juízes de todos os Estados Membros que se depararem com a necessidade de aplicação de tal norma76. Tais características fortalecem a coesão do Direito da UE e poderiam servir de inspiração para o MERCOSUL.
Apesar dos problemas referidos, deve-se destacar que a opinião consultiva permite que o TPR estabeleça um diálogo com as jurisdições nacionais dos Estados Partes, o que cria um sistema de contato entre ordenamentos jurídicos internos77. Desta forma, exerce papel de fundamental relevo, como último intérprete do Direito do MERCOSUL, que indica aos juízes nacionais a correta interpretação da normativa do bloco. Neste tocante, no que nos interessa, pode conferir maior efetividade, inclusive, àquelas normas mercosurenhas relativas à proteção da democracia, direitos fundamentais e direitos humanos78.
No que tange à migração e à livre circulação de pessoas, especificamente, pode-se afirmar que as normas vigentes no bloco podem ser objeto de opinião consultiva, ainda que não tenha havido nenhuma discutindo esse tema até então. Deste modo, podem ser interpretados pelo TPR: o Acordo Multilateral sobre Seguridade Social do MERCOSUL; o Acordo de Residência para Nacionais dos Estados Partes e Associados do MERCOSUL; o Acordo de Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL, Bolívia e Chile; o Acordo sobre Documentos de Viagem e Retorno dos Estados Partes do MERCOSUL e Estados Associados. Todos estes tratados, plenamente vigentes, relativos à livre circulação de pessoas e à cidadania do MERCOSUL, integram o direito derivado do bloco79.
Diante disso, a opinião consultiva também pode ser utilizada para a uniformização da interpretação e aplicação da normativa do MERCOSUL no tema da migração e da livre circulação de pessoas, o que pode conferir maior efetividade aos direitos contidos em tais normas, bem como maior segurança jurídica às pessoas migrantes destinatárias dos tratados acima citados. Logo, tal mecanismo deve ser fortalecido, sendo urgente a promoção de maior difusão sobre o seu uso entre os profissionais do Direito, nos Estados Partes.
CONCLUSÃO
O presente artigo buscou investigar se seria possível utilizar o mecanismo da opinião consultiva para casos que tratem da circulação de pessoas, no MERCOSUL, de modo a uniformizar a interpretação e aplicação das normas do bloco na temática migratória e, consequentemente, fortalecer os direitos das pessoas migrantes, na região.
Diante de todos os aspectos investigados e apresentados no desenvolvimento, verificou-se, primeiramente, que a livre circulação de pessoas e a cidadania do MERCOSUL representam objetivos primordiais para o bloco, para os quais o Tratado de Assunção traçou como essencial a harmonização das legislações nacionais, na matéria. No que tange aos migrantes de terceiros Estados, também foi visto que o MERCOSUL assumiu compromissos para com os direitos humanos em geral, bem como para com os direitos humanos da pessoa migrante. Nesse sentido, o esquema de integração já conta com um conjunto de normas, sejam elas de hard law ou de soft law, a respeito da livre circulação de pessoas e das migrações em geral. Ademais, verificou-se que a região composta pelos Estados Partes possui historicamente alta mobilidade de pessoas e que os fluxos migratórios nos últimos anos vêm aumentando cada vez mais, o que torna relevante e urgente a efetividade, na prática, das normas produzidas pelo bloco.
Por sua vez, verificou-se que o mecanismo da opinião consultiva, apesar de alguns problemas e desafios ainda pendentes de ação, se mostra de especial importância para o fortalecimento do Direito da Integração, tendo em vista o objetivo de uniformizar a interpretação e aplicação, no território dos Estados Partes, da normativa produzida pelo bloco, podendo, assim, conferir maior efetividade a tais normas e aos direitos nelas previstos.
Deste modo, tendo em vista que algumas das normas mais importantes produzidas pelo MERCOSUL, no tema da migração, referente aos migrantes intra bloco, podem ser objeto de solicitação de opinião consultiva ao TPR, verificou-se que o mecanismo também pode servir para o fortalecimento da livre circulação de pessoas e para a consolidação da noção de cidadania do MERCOSUL, promovendo um maior aprofundamento da integração.