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Revista Internacional de Investigación en Ciencias Sociales

On-line version ISSN 2226-4000

Rev. Int. Investig. Cienc. Soc. vol.19 no.2 Asunción Dec. 2023

https://doi.org/10.18004/riics.2023.diciembre.235 

ARTICULO ORIGINAL

Distinção e omnivorismo cultural: hábitos de consumo cultural entre argentinos

Distinction and cultural omnivorism: cultural consumption habits among Argentines

1Universidad Católica de São Paulo (PUCSP), Facultad de Economía, Departamento de Administración de Empresas, Contabilidad y Actuaría (FEA) de la Pontificia. Brasil


RESUMO

O artigo visa analisar os hábitos de consumo de produtos culturais entre argentinos de Buenos Aires, entre 2014-2016, a partir dos referenciais conceituais de distinção cultural (BOURDIEU, 1998b) e omnivorismo cultural (PETERSON, 1972). Para tanto, o artigo localiza a discussão de consumo dentro da Sociologia do Consumo (Bourdieu, Bauman e Alonso) que propõe uma ampliação do conceito para além da tradição econômica neoclássica. A partir do referencial teórico são apresentados dados do consumo de três produtos culturais: consumo de leitura de livros e revistas, frequência a eventos culturais e assistir TV. O artigo conclui que, embora não seja possível uma análise mais profunda e consistente dos conceitos apresentados, os dados, variáveis e categorias apresentadas permitem supor que as distinções e omnivorismo cultural possam se verificar e que o tratamento e análise de dados sociográficos mostram-se tarefas complexas a exigir amplo e diverso aporte conceitual e metodológico.

Palavras-chave: consumo; distinção; omnivorismo cultural; classe social; estratificação.

ABSTRACT

The article aims to analyze the consumption habits of cultural products among Argentines from Buenos Aires, between 2014-2016, since the conceptual references of cultural distinction (BOURDIEU, 1998b) and cultural omnivorism (PETERSON, 1972). To this end, the article locates the discussion of consumption within the Sociology of Consumption (Bourdieu, Bauman and Alonso) which proposes an expansion of the concept beyond the neoclassical economic tradition. Based on the theoretical framework, data on consumption of three cultural products are presented: consumption of reading books and magazines, attending cultural events and watching TV. The article concludes that, although a deeper and more consistent analysis of the concepts presented is not possible, the data, variables and categories presented allow us to suppose that the distinctions and cultural omnivorism can be verified and that the treatment and analysis of sociographic data are complex tasks requiring a wide and diverse conceptual and methodological contribution.

Key words: consumption; distinction; cultural omnivorism; social class; stratification

INTRODUÇÃO

A ciência econômica tradicional, uma das primeiras e principais áreas de estudos a se preocupar com a questão do consumo, utiliza como pressuposto metodológico a separação entre as ações econômicas e sua essência social e humana. Para esta Ciência, prevalece, em geral, a ideia do homo economicus, ator social movido predominantemente pela e para a satisfação racional de suas necessidades. Tal visão tem grande influência e predomina nas concepções metodológicas dos estudos sobre consumo nas ciências sociais e da gestão organizacional.

Nas últimas décadas, entretanto, esta visão tem sofrido questionamentos nos estudos de origem sociológica. Por exemplo, Pierre Bourdieu, através de seus inúmeros estudos e pesquisas de campo sobre a relação entre o indivíduo e as suas diversas maneiras de consumo, tem questionado não mais a possibilidade de um discurso econômico clássico que associa o modelo econômico a uma fórmula matemática e universal, mas antes a integração deste ao seu dado social e histórico. Deste modo, contrariando aquilo que defende a teoria econômica neoclássica, para Bourdieu o mercado não é mais o resultado de um simples encontro racional entre produtores e consumidores, baseado exclusivamente em um cálculo racional e econômico, mas, sim, o resultado do jogo de forças entre agentes sociais inseridos no mercado, agentes estes dotados, segundo o autor, de capitais culturais e econômicos diferentes. Nas palavras deste autor,

[...] a principal contribuição destas pesquisas despojadas de toda a aparelhagem técnica do discurso econômico [...], é que elas mostram que tudo o que a ortodoxia econômica considera como um puro dado, a oferta, a demanda, o mercado, é o produto de uma construção social, é um tipo de artefato histórico, do qual somente a história pode dar conta. E que uma verdadeira teoria econômica só pode se construir rompendo com o preconceito antigenético, para se afirmar como uma ciência histórica. Isto implicaria que ela se empenhasse, prioritariamente, a submeter à crítica histórica suas categorias e seus conceitos que, em grande parte emprestados sem exame do discurso comum, são protegidos de tal crítica pelo amparo da formalização (BOURDIEU, 2005, pp 16-17).

A Sociologia do Consumo vem se configurando, desta maneira, em uma vasta e promissora área de estudos da Sociologia, ampliando tanto os referenciais teóricos possíveis de aplicar ao tema como as bases epistemológicas e metodológicas de compreensão deste complexo fenômeno nas sociedades modernas.

Sociologia do consumo

Para a Sociologia, o consumo é muito mais do que apenas absorver ou consumir recursos. Os seres humanos consomem para sobreviver, por certo, mas no contexto global e tecnológico das sociedades atuais, também consomem para divertir e se divertir e como uma maneira de compartilhar tempo e experiências com os outros indivíduos. Consome-se não apenas bens materiais, mas também, e principalmente, serviços, experiências, informações e produtos culturais, como arte, música, cinema e televisão. De fato, da perspectiva sociológica, o consumo é hoje um princípio organizador central da vida social. Ele molda as vidas cotidianas, nossos valores, expectativas e práticas, nossos relacionamentos com os outros, nossas identidades individuais e de grupo e a experiência geral que as pessoas têm no mundo e do mundo.

Diversos sociólogos seguem nessa linha e reconhecem que muitos aspectos de nossas vidas diárias são estruturados pelo consumo. Por exemplo, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em seu livro Vida para consumo (2008), argumenta que as sociedades ocidentais não estão mais organizadas em torno do ato de produção, mas sim em torno do consumo. Essa transição começou nos Estados Unidos em meados do século XX, a partir de quando ocorreu um processo de transferência dos empregos de produção para o exterior, e a economia se concentrou nos segmentos de varejo, prestação de serviços e informações (BAUMAN, 2008).

Sendo o consumo um ato central na maneira como as pessoas vivem, passa a assumir grande importância nos relacionamentos que as pessoas estabelecem socialmente. Uma grande quantidade de atos sociais é organizada em torno do ato de consumir, como o sentar-se à mesa, em casa, para comer uma refeição em família ou com amigos, para assistir a filmes, para encontrar amigos em uma visita a um centro comercial etc. Mais além, a própria expressão de sentimentos passa a ser realizada através da oferta de bens de consumo através da prática de presentear ou recepcionar as pessoas. Igual fenômeno passa a ocorrer inclusive nas práticas religiosas, onde celebrações como Natal, Páscoa, Ação de Graças etc., passam a se estruturar em torno de atos de consumo (BAUMAN, 2008).

A partir da onipresença do consumo na vida particular e social os indivíduos, a formação e expressão de identidades individuais e sociais através de atos de consumo torna-se uma consequência lógica e inexorável. De acordo com Bourdieu (1974), a classificação do consumo se baseia em princípios dinâmicos que se movimentam nas sociedades contemporâneas, dando origem à necessidade de um conhecimento para exercer o julgamento, ou seja, um capital cultural.

Para este autor, então, o habitus é uma forma de capital cultural que se incorpora à pessoa, integrando-a, e que é assimilado com o passar do tempo, pois não pode ser comprado como um objeto. Há, ainda, duas outras formas de capital cultural. Primeiro, o Estado Objetivo, que detém a qualidade que se define somente na relação com o capital cultural incorporado, como exemplos, as pinturas, as esculturas e os objetos que são transmissíveis materialmente. Neste sentido, o bem cultural pode ser apropriado materialmente e, consequentemente, passa a compor o capital econômico, mas também se torna uma apropriação simbólica que supõe o capital cultural. Segundo, o Estado Institucionalizado, que é, sobretudo, o conjunto dos títulos de educação formal que o indivíduo possui. Constitui-se como uma espécie de licença ou certificado de competência cultural, que dá ao seu portador um valor convencional, constante e jurídico garantido pela relação com a cultura, instituído por uma espécie de magia coletiva. Magia que tem, assim, o poder de fazer crer e se fazer reconhecer pela sociedade (BOURDIEU, 1998).

De certa forma dentro da mesma escola de pensamento de Bourdieu está o economista e sociólogo espanhol Luis Enrique Alonso Benito que, em seu trabalho La era del consumo (ALONSO, 2005), parte de uma definição de consumo como processo histórico, como forma de apropriação material do excedente social, além da produção, circulação e uso de signos, todos incorporados nas práticas de cada posição social (o habitus de Bourdieu). Seu propósito é articular estruturas macroeconômicas com o estudo de ambientes de interação social específicos, como forma de entender o consumo como uma integração de categorias e variáveis ​​necessariamente diferentes da forma de apresentação do consumidor atomizado da teoria econômica tradicional. Para Alonso (2005), o consumo é, portanto, expressão de disposições sociais e coletivas, tanto no plano material de posições de poder e luta pelo excedente, como no plano simbólico de geração, reprodução ou resistência, na ordem de discursos. A explicação da cultura do consumo na chave dos processos socioeconômicos é formulada dessa maneira, e não como uma simples fórmula argumentativa, pois acaba configurando os princípios programáticos de uma sociologia empírica total do consumo, evidentemente relacionada à síntese teórica do pensamento de Pierre Bourdieu. Para este autor,

O consumo é um fato social total - no sentido clássico do conceito do sociólogo e antropólogo francês Marcel Mauss - pois é uma realidade objetiva e material. Mas, acima de tudo, é, ao mesmo tempo e indissoluvelmente, uma produção simbólica: depende dos sentidos e valores que os grupos sociais atribuem aos objetos e às atividades de consumo. Portanto, é uma atividade social quantitativa e qualitativamente central em nosso contexto histórico atual. Não apenas porque grande parte de nossos recursos econômicos, temporais e emocionais são dedicados a ele, mas também porque muitas de nossas identidades e formas de expressão relacional são criadas e estruturadas nele. É um campo de lutas pelo significado dos sujeitos sociais, que parte do domínio da produção, mas não o reproduz mecanicamente, mas com certa autonomia, produz e reproduz poder, dominação e distinção (ALONSO, 2005, p.30. Tradução deste autor).

Consumo e omnivorismo cultural

Para Bourdieu (1998b), em sua teoria da reprodução cultural, o consumo cultural está relacionado com a origem familiar e com as condições culturais e socioeconómicas do indivíduo. Para este autor, os bens culturais só estão acessíveis à classe social de elite e para que um indivíduo possa aceder a um bem cultural é necessário que possua recursos culturais que são transmitidos de geração em geração, em seu contexto familiar. De acordo com a teoria da distinção (BOURDIEU, 1998b), a origem social dos indivíduos irá determinar as diferentes dotações de capital cultural criados no habitus, sendo essas diferenças acentuadas ao longo do percurso escolar, contribuindo para perpetuar as desigualdades sociais e mantendo, assim, um sistema de reprodução e penalizando as classes sociais menos favorecidas.

O consumo desempenha um papel fundamental na construção de nossa identidade e nos modos como devemos nos relacionar. A teoria explicativa do gosto de Bourdieu (1998) baseia-se na divisão de classes que nos permite estabelecer relações entre status, classe social e gosto. Segundo Bourdieu (1998), as práticas de consumo são condicionadas pela classe social objetiva à qual o indivíduo pertence, na qual o habitus está configurado, o que gera os padrões de desenvolvimento de gostos de acordo com a classe social de origem.

O conceito de omnivorismo cultural surge a partir de Peterson (1972) como crítica à teoria do gosto de Bourdieu (1998). O cenário da globalização econômica e a fragmentação social levaram a mudanças em como analisar o consumidor e suas formas de distinção simbólica. A distinção entre alta cultura e cultura popular perde força diante do crescente ecletismo e do aumento da tolerância em relação a outras preferências. Neste contexto, surgem novas abordagens, como a do omnivorismo cultural, que substitui as ideias de elitismo intelectual e esnobismo que prevaleciam nas análises. Existe um setor da população que gosta de uma gama mais ampla de formas culturais, o que refletiria uma maior tolerância a outras opções, não necessariamente do próprio grupo social. Para Peterson (1972), o omnivorismo cultural é um conceito mais alinhado com as características da sociedade em rede, mais aberta e tolerante, fenômeno característico do século XXI. (RODRIGUEZ; HEIKKILÄ, 2011).

Segundo Peterson (1972), as categorias que definem o omnivorismo cultural são construídas em torno de dois eixos: a distinção entre alta cultura e cultura popular e a amplitude ou extensão dos gostos. O autor classifica os consumidores dentro deste enfoque em quatro categorias: a) onívoros da alta cultura, possuidores de valores culturais elitistas dominantes e criadores de distinção social; b) omnívoros da alta cultura: omnívoros autênticos, que dispõem de amplos gostos que oscilam entre a alta cultura e elementos mais próprios das culturas populares; c) onívoros da cultura popular: onívoros autênticos, com elenco reduzido de hobbies, hábitos de consumo passivos e "mau gosto"; e d) omnívoros da cultura popular, com ampla variedade de gostos, mas com poucas incursões na alta cultura.

Classe social e estratificação

A estratificação social é um conceito fundamental para a compreensão das relações sociais e da desigualdade que permeia as sociedades humanas. Ela se refere à maneira pela qual a sociedade está organizada em diferentes camadas ou estratos, com base em critérios como classe social, status, poder e acesso a recursos. Esse fenômeno social tem sido objeto de estudo e reflexão de inúmeros autores da área ao longo dos anos.

Um dos primeiros teóricos a abordar a estratificação social foi Karl Marx, cujas ideias influenciaram significativamente o pensamento sociológico. Marx (2014) argumentava que a estratificação social era resultado das relações de produção em uma sociedade capitalista, onde a classe dominante (burguesia) explorava a classe trabalhadora (proletariado). Para Marx (2014), a desigualdade social era inerente ao sistema capitalista e uma fonte de conflito.

As ideias de Marx sobre a classe "em si", classe como realidade histórica, e a classe "por si mesma", classe que se tornou consciente de sua identidade e capacidade de agir, também influenciaram a teoria e os conceitos de estratificação de classes. Sobre a ideia de ação de classe, entretanto, surgiram críticas, tendo havido uma divisão entre empiristas, que consideravam apenas estrutura de classe, e analistas, que conceberam consciência e estrutura como duas facetas do mesmo fenômeno (CROMPTON, 1993).

Durkheim enfatizou a importância da solidariedade social na manutenção da coesão social e destacou a existência de uma divisão do trabalho como um dos principais fatores de estratificação. Segundo Durkheim (2016), a especialização de funções na sociedade gera interdependência e diferenciação social, criando assim diferentes estratos sociais.

Max Weber, um dos principais teóricos da sociologia clássica, também fez contribuições significativas para a compreensão da estratificação social. Weber (2009) propôs uma abordagem multidimensional que levava em consideração não apenas a classe social, mas também o status e o poder como componentes da estratificação. Para Weber (2009), a classe social era determinada pela relação com os meios de produção, o status estava relacionado ao prestígio social e o poder era a capacidade de influenciar outros indivíduos.

Na sociologia contemporânea, Pierre Bourdieu foi um autor importante para a compreensão da estratificação social. Bourdieu (1998b) argumentou que a posição social de um indivíduo é influenciada por diferentes formas de capital, como capital econômico, cultural e social. Ele enfatizou a importância do capital cultural, como o conhecimento, a educação e as habilidades adquiridas, na reprodução das desigualdades sociais.

Para Crompton (1993), em toda sociedade complexa há uma distribuição desigual de bens materiais e simbólicos, fato este que coexiste com um sistema de significados que o explica e justifica. Nas sociedades tradicionais, pré-industriais, a desigualdade é naturalizada por uma cosmologia que explica a sociedade e é explicada como uma consequência da divindade. Entre os séculos IX e XII, a Europa constituiu uma sociedade tradicional.

A partir do advento do mercantilismo/capitalismo, a partir do século XV, os sistemas de crenças tradicionais que justificaram a desigualdade nas sociedades tradicionais começam a ser criticados. A partir do século XVII, surgiu a ideia de que os homens nascem iguais e as análises sociológicas passam a investigar a origem e as características da desigualdade social. Os primeiros que tentaram responder a esse problema foram os teóricos do contrato, como Hobbes, Locke e Rousseau. Com o industrialismo capitalista, os costumes foram substituídos pela racionalidade, à luz da qual a desigualdade passou a ser estudada. (CROMPTON, 1993).

Conforme Grant (2001), classe social é um conjunto de conceitos nas ciências sociais e na teoria política centrados em modelos de estratificação social em que as pessoas são agrupadas em um conjunto de categorias sociais hierárquicas. Entretanto, conforme aponta Crompton (1993), a ideia de classe não é usada apenas para descrever desigualdades materiais, legais etc., mas também forças sociais com capacidade de transformar a sociedade. Essa ideia se reflete no pensamento de Marx, que argumentava que a luta de classes era o principal motor da história humana, atribuindo, assim, um caráter político à noção de classe social.

Além da existência de uma grande diversidade de significados do termo "classe", os debates em torno da estratificação foram impulsionados por mais dois fatores: os debates dentro da teoria social e a rapidez das mudanças sociais e econômicas que essas teorias tentam explicar.

Entre as diversas correntes que trabalham com o fenômeno, o chamado consenso ortodoxo, que se originou entre as décadas de 1950 e 1960, teve uma grande influência nas análises sociológicas de classe. Esse consenso apresentou uma abordagem positivista, considerando os eventos sociais como coisas, e funcionalista e foi influenciado pelo pensamento característico da sociedade industrial, que supunha que a tecnologia do industrialismo, com as características sociais dele derivadas, teria sido o principal motor de transformação do mundo contemporâneo (CROMPTON, 1993).

Durante a segunda metade do século XX, o conceito de classe social perdeu importância. Isso ocorreu devido a inúmeros fatores, como o declínio do emprego no setor industrial causado pela automação, a migração do trabalho para os setores de comércio, tecnologia e serviços, as crises econômicas globais, a diminuição da dependência dos salários para a sobrevivência das pessoas e o aumento do desemprego. Como consequência, utilizar a ocupação como base de estratificação social começou a se tornar problemática, tendo o consumo assumido o papel de variável-chave para as classificações sociais. Outros fatores de cunho não-econômico também influenciaram este processo, como os movimentos sociais e políticos, como feminismo, ambientalismo, etnicidades e outros. Tudo isso contribuiu para enfraquecer os fundamentos da antiga política de classe e da ação política baseada em classes (CROMPTON, 1993).

Tratando a questão da estratificação social nos estudos culturais, Usagre (2010) argumenta que a estratificação social, seja por estamentos, classes ou status socioeconômico, teve uma importância notável na diferenciação dos indivíduos segundo seus estilos de vida culturais. O autor salienta que a estratificação social tem sido estudada nas sociedades contemporâneas de duas formas fundamentais: as classes sociais e as diferenças de status.

Na primeira forma, Usagre menciona apresenta esquema de classes denominado EGP ou CASMIN (Erikson, Goldthorpe y Portocarero, 1979, apud Usagre, 2010), onde a situação profissional (empregador, trabalhador independente, empregado) e ocupação são usadas ​​para atribuir uma posição de classe em função relações de produção e as ocupações são classificadas de acordo com diferentes codificações nacionais ou internacionais. Na segunda forma, o autor apresenta Índice de ISEI (International Socio-Economic Index), desenvolvido por Ganzeboom, De Graaf e Treiman (1992, apud Usagre, 2010), cuja escala atribui valor a uma ocupação pela sua capacidade de converter educação em renda.

Este mesmo autor, mas em outro trabalho (Usagre, 2011), menciona três principais enfoques utilizados para o conceito de estratificação social: argumento da homologia, relacionado ao aspecto estrutural das classes sociais e/ou status; argumento da individualização, onde as diferenças nos estilos de vida e consumos culturais estão unicamente sustentadas pela vontade do indivíduo; e argumento da omnivoracidade, que defende que os gostos não são propriedade exclusiva e estanque das diferentes classes sociais, mas que a diferença fundamental reside na gama de consumo cultural que cada camada é capaz de abranger.

Hábitos de consumo cultural entre os argentinos de Buenos Aires

Utilizando como referencial teórico os elementos apresentados previamente, nesta parte do trabalho será realizada uma análise dos hábitos de consumo cultural entre os(as) nativos(as) da Cidade Autônoma de Buenos Aires (CABA) e o primeiro cordão do conurbano. A pesquisa foi realizada entre os anos de 2014 e 2016.

Foram selecionados três variáveis para se proceder à análise: a) frequência de leitura de livros e revistas por prazer; b) frequência de assistir a eventos culturais como concertos, teatro, museus etc.; e c) frequência de assistir TV.

Consumo cultural conforme a idade

Os dados referentes aos perfis de consumo por idade nas três variáveis selecionadas são apresentados nas tabelas 1 a 3 abaixo.

Tabela 1: Frequência de ler livros e revistas por prazer segundo a idade. 

Ler livros e revistas por prazer Idade
Jovens Adultos Seniores
(até 34 anos) (35 a 49 anos) (50 anos ou mais)
Todos os dias 19,8 18,0 23,4
Alguns dias por semana 23,0 24,7 27,3
Algumas vezes por mês 19,8 22,1 16,3
Algumas vezes por ano 12,2 8,6 7,2
Nunca 25,2 26,6 25,8
TOTAIS 100,0 100,0 100,0
n 222 267 209

Fonte: Base Projeto UBACyT “Articulaciones entre clase, género, actividades domésticas y uso del tiempo libre”, 2014-2016.

Tabela 2: Frequência de assistir a eventos culturais (concertos, teatro, museus, etc.) segundo a idade. 

Assistir a eventos culturais (concertos, teatro, museus etc.) Idade
Jovens Adultos Seniores
(até 34 anos) (35 a 49 anos) (50 anos ou mais)
Todos os dias 1,3 0,7 0,0
Alguns dias por semana 10,8 9,7 4,3
Algumas vezes por mês 38,1 28,6 29,5
Algumas vezes por ano 23,8 28,6 24,6
Nunca 26,0 32,3 41,5
TOTAIS 100,0 100,0 100,0
n 223 269 207

Fonte: Base Projeto UBACyT “Articulaciones entre clase, género, actividades domésticas y uso del tiempo libre”, 2014-2016.

Tabela 3: Frequência de assistir TV segundo a idade. 

Assistir TV Idade
Jovens Adultos Seniores
(até 34 anos) (35 a 49 anos) (50 anos ou mais)
Todos os dias 59,2 72,9 73,2
Alguns dias por semana 30,0 20,4 19,1
Algumas vezes por mês 2,7 3,0 1,4
Algumas vezes por ano 1,3 0,4 1,4
Nunca 6,7 3,3 4,8
TOTAIS 100,0 100,0 100,0
n 223 269 209

Fonte: Base Projeto UBACyT “Articulaciones entre clase, género, actividades domésticas y uso del tiempo libre”, 2014-2016.

Se considerarmos que o consumo cultural de leitura de livros e revistas e a frequência a eventos culturais como concertos, teatros e museus representam gostos mais sofisticados culturalmente, em contraposição ao consumo de TV aberta, podemos verificar pelos dados que este último hábito de consumo cultural (assistir TV), conforme Tabela 3, tem uma penetração massiva junto à população analisada, independentemente da idade. Deste modo, cerca de 60% ou mais da população assiste a TV diariamente, sendo que este consumo se amplia conforme a idade, chegando a cerca de 73% entre as pessoas com 50 anos ou mais de idade. Trata-se, como os dados mostram, do produto cultural de maior consumo entre a população analisada. No lado oposto, apenas uma parcela muito pequena da população, independentemente da idade, não tem o hábito de assistir a TV.

Uma vez que assistir à TV é um hábito bastante popular, é de se esperar que o consumo dos outros produtos culturais seja pequeno. De fato, o hábito cotidiano da leitura por prazer ocupa cerca de 20% da população como um todo, independentemente da idade, conforme Tabela 1. Se considerarmos, entretanto, aqueles que leem algumas vezes por semana, temos, então, uma parcela de cerca de 50% da população que lê, o que representa um percentual bastante significativo.

No caso específico do consumo de produtos culturais como teatro, concertos e museus (Tabela 2), devemos considerar que estes são produtos cuja frequência de consumo não é normalmente diária. Apenas uma parcela muitíssimo pequena da população tem este hábito, talvez por conta muito mais que questões profissionais ou envolvimento passional do que por hábito de lazer/prazer. Se considerarmos, então, que frequentar este tipo de local cultural seja um hábito mais mensal do que cotidiano, podemos constatar uma frequência bastante significativa entre todas as idades.

De modo geral, considerando o aspecto da idade, podemos verificar que o consumo de livros e revistas apresenta frequências muito parecidas entre as três faixas etárias (Tabela 1). A frequência eventos culturais é um hábito bem mais presente entre os jovens até 34 anos (Tabela 2). Em termos gerais, o hábito de assistir a TV é igualmente frequente entre todas as faixas etárias (Tabela 3), sendo que entre os jovens a maior frequência é semanal, enquanto entre os adultos e idosos é diária.

Consumo cultural conforme o sexo

Os dados referentes aos perfis de consumo por sexo nas três variáveis selecionadas são apresentados nas Tabelas 4 a 6 abaixo.

Tabela 4.  Frequência de ler livros e revistas por prazer segundo o sexo. 

Ler livros e revistas por prazer Sexo
Homens Mulheres
Todos os dias 16,9 23,0
Alguns dias por semana 24,2 25,8
Algumas vezes por mês 15,7 23,0
Algumas vezes por ano 10,3 8,5
Nunca 32,9 19,7
TOTAIS 100,0 100,0
n 331 365

Fonte: Base Projeto UBACyT “Articulaciones entre clase, género, actividades domésticas y uso del tiempo libre”, 2014-2016.

Tabela 5: Frequência de assistir a eventos culturais (concertos, teatro, museus, etc.) segundo o sexo. 

Assistir a eventos culturais (concertos, teatro, museus etc.) Sexo
Homens Mulheres
Todos os dias 1,2 0,3
Alguns dias por semana 8,5 7,9
Algumas vezes por mês 32,9 31,1
Algumas vezes por ano 22,1 29,5
Nunca 35,3 31,1
TOTAIS 100,0 100,0
n 331 366

Fonte: Base Projeto UBACyT “Articulaciones entre clase, género, actividades domésticas y uso del tiempo libre”, 2014-2016.

Tabela 6.  Frequência de assistir TV segundo o sexo. 

Assistir TV Sexo
Homens Mulheres
Todos os dias 69,3 68,1
Alguns dias por semana 22,0 24,0
Algumas vezes por mês 2,7 2,2
Algumas vezes por ano 1,5 0,5
Nunca 4,5 5,2
TOTAIS 100,0 100,0
n 332 367

Fonte: Base Projeto UBACyT “Articulaciones entre clase, género, actividades domésticas y uso del tiempo libre”, 2014-2016.

O consumo dos produtos culturais em análise apresenta características muito específicas relacionadas ao sexo dependendo do produto que está em análise.

No caso do consumo de livros e revistas (Tabela 4), há uma clara preferência deste hábito pelas mulheres. Enquanto mais de 40% dos homens leem algumas vezes ou nenhuma vez por ano, entre as mulheres este percentual é de 28,2%. Entre as três maiores frequências de leitura, apenas na faixa da leitura de alguns dias por semana a frequência é semelhante entre homens e mulheres. Nas demais, a predominância do hábito de leitura é claramente maior entre as mulheres.

No caso do consumo de eventos culturais (Tabela 5), a distribuição entre as diversas frequências de consumo é muito semelhante ao caso da leitura por idade. Mais uma vez, por certo, por conta das características deste tipo de produto cultural. Mas, neste caso, a distribuição entre os sexos é praticamente idêntica. Uma das explicações possíveis para isso também remete à característica deste tipo de produto cultural. É muito mais frequente que este hábito seja realizado pelas pessoas em companhia de outras, principalmente seus pares afetivos. Situação diferente do hábito da leitura que normalmente é solitário.

Tal semelhança de frequência entre os sexos também ocorre em relação ao hábito de assistir TV (Tabela 6), onde as distribuições são praticamente idênticas entre homens e mulheres. Embora o senso popular possa sugerir que as mulheres são maiores consumidoras da programação televisiva, a pesquisa aponta que este hábito é igualmente praticado entre os homens.

De modo geral, também entre sexos constata-se que o maior consumo está na programação televisiva, um produto cultural mais popular, do que entre os outros produtos culturais em análise.

Consumo cultural conforme a classe social

Os dados referentes aos perfis de consumo por sexo nas três variáveis selecionadas são apresentados nas tabelas 7 a 9 abaixo.

Tabela 7: Frequência de ler livros e revistas por prazer segundo a classe social. 

Ler livros e revistas por prazer Classe social
de serviços intermediária trabalhadora
Todos os dias 27,0 16,9 15,5
Alguns dias por semana 29,3 25,5 18,2
Algumas vezes por mês 24,2 18,4 15,0
Algumas vezes por ano 12,1 7,8 7,5
Nunca 7,4 31,4 43,9
TOTAIS 100,0 100,0 100,1
n 256 255 187

Fonte: Base Projeto UBACyT “Articulaciones entre clase, género, Actividades domésticas y uso del tiempo libre”, 2014-2016.

Tabela 8: Frequência de assistir a eventos culturais (concertos, teatro, museus, etc.) segundo a classe social. 

Assistir a eventos culturais (concertos, teatro, museus etc.) Classe social
de serviços intermediária trabalhadora
Todos os dias 0,8 1,2 0,0
Alguns dias por semana 12,5 6,3 5,9
Algumas vezes por mês 40,1 28,6 25,1
Algumas vezes por ano 31,9 23,5 20,9
Nunca 14,8 40,4 48,1
TOTAIS 100,1 100,0 100,0
n 257 255 187

Fonte: Base Projeto UBACyT “Articulaciones entre clase, género, Actividades domésticas y uso del tiempo libre”, 2014-2016.

Tabela 9: Frequência de assistir TV segundo a classe social. 

Assistir TV Classe social
de serviços intermediária trabalhadora
Todos os dias 62,3 73,4 70,7
Alguns dias por semana 27,6 19,9 21,3
Algumas vezes por mês 3,1 3,1 0,5
Algumas vezes por ano 0,8 0,4 2,1
Nunca 6,2 3,1 5,3
TOTAIS 100,0 100,0 100,0
n 257 256 188

Fonte: Base Projeto UBACyT “Articulaciones entre clase, género, Actividades domésticas y uso del tiempo libre”, 2014-2016.

A partir dos dados apresentados é possível verificar que a classe social é que representa, efetivamente, a grande diferença no consumo entre os produtos culturais mais nobres, como leitura, concertos, teatro e museus, e aqueles mais populares, como assistir a TV.

No caso do consumo de livros e revistas (Tabela 7), enquanto entre as pessoas pertencentes à classe dos serviços apenas 19,5% têm baixa ou nenhuma frequência de consumo destes produtos, nas classes intermediária e trabalhadora este percentual encontra-se em torno de 40% para mais. Embora haja uma grande diferença entre a classe de serviços e as demais, verifica-se que o comportamento de consumo de leitura entre a classe intermediária e a classe trabalhadora é muito semelhante.

Comportamento muito semelhante ocorre na análise dos hábitos de consumo de eventos culturais (Tabela 8). No caso das pessoas da classe de serviços, menos da metade (46,7%), apresentam uma frequência baixa ou nula de consumo. Para a classe intermediária, a frequência baixa ou nula salta para 63,9% das pessoas e na classe trabalhadora este comportamento é de 69%. Também no caso deste tipo de produto cultural, embora haja uma grande diferença entre a classe de serviços e as demais, verifica-se que o comportamento de consumo de eventos culturais entre a classe intermediária e a classe trabalhadora é muito semelhante.

A análise do consumo de programação de TV (Tabela 9), se considerarmos as duas maiores faixas de frequência do hábito (todos os dias e alguns dias por semana), verifica-se que praticamente não há distinção entre as diversas classes sociais, sendo 89,9% para a classe de serviços, 93,3% para a intermediária e 92% na trabalhadora. O único detalhe é que entre as classes intermediária e trabalhadora existe uma maior frequência de assistir TV diariamente (73,4% e 70,7%, respectivamente), enquanto na classe de serviços há uma maior frequência entre a classe de serviços (27,6% contra 19,9% da classe intermediária e 21,3% da classe trabalhadora).

De modo geral, é possível constatar que os produtos culturais mais nobres, como leitura, concertos, teatro, museus etc., têm uma maior frequência de consumo entre os membros da classe de maior renda, sendo que o produto cultural mais popular (TV) é igualmente consumido entre todas as classes sociais.

CONCLUSÃO

De modo geral, os dados apresentados e analisados não nos permitem uma análise mais profunda e consistente nem do conceito de distinção de Bourdieu (1979) nem do conceito de omnivorismo cultural de Peterson (1972) e outros. Para isso, seria necessário a disponibilidade de mais dados sobre o perfil dos produtos culturais analisados, principalmente em relação aos conteúdos que são consumidos. Explicando melhor, acreditamos que não é consumo do produto cultural em si que faz a distinção ou caracteriza o omnivorismo cultural, mas sim o tipo de conteúdo que se consome. Em outras palavras, não é a leitura do livro que distingue, mas, por exemplo, se se trata de um livro de autoajuda ou um livro de história, artes ou filosofia. Não é a presença em um concerto que distingue, mas a presença em um concerto de música popular ou erudita. E assim por diante.

De qualquer modo, os dados, variáveis e categorias apresentadas permitem supor que as distinções e omnivorismo cultural possam se verificar.

Por fim, os dados apresentados permitem perceber que o tratamento e análise de dados sociográficos mostram-se tarefas complexas a exigir amplo e diverso aporte conceitual e metodológico, longe das simplificações e fundamentalismos de qualquer área ou Ciência.

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Editor Responsable:

José Antonio Torres. https://orcid.org/0000-0001-6242-1191

Contribución de autores

Milton dos Santos es el único autor del artículo, desarrollado íntegramente mediante investigación bibliográfica y elaborado mediante escritos individuales.

Financiamiento

La elaboración del artículo no contó con financiación pública ni privada, se llevó a cabo exclusivamente por cuenta del autor.

Conflicto de intereses

El autor del artículo declara no tener conflictos de intereses con ninguna entidad o persona.

Recebido: 17 de Maio de 2023; Aceito: 02 de Agosto de 2023

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