INTRODUCCIÓN
Através da observação da população e comportamento das aves pode-se ter uma ideia sobre o estado de conservação de uma determinada região, pois as aves são importantes bioindicadores do estado geral de preservação do meio ambiente, isso devido ao comportamento de cada espécie, levando-se em consideração suas particularidades e preferências por determinado ambiente, diferentes tipos de alimento, reatividade à presença humana, etc 1. Algumas espécies só são encontradas onde as florestas estão muito bem preservadas como, por exemplo, a Araponga (Procnias nudicollis). Com isso pode-se afirmar que o estudo e observação das aves são de grande importância para determinar o quão em equilíbrio o local de estudo em questão está 2.
Além de importantes bioindicadores, as aves também apresentam um papel crucial na dispersão das sementes e fruto. Calcula-se que de 50 a 90% das árvores frutíferas das florestas tropicais tem suas sementes dispersas por animais 1. O Tucanuçu (Ramphastos toco) tem um papel importante na dispersão das sementes no ambiente onde vive 3.
Ramphastos toco (tucanuçu ou tucano toco) é uma espécie neotropical que se destaca por se tratar da maior ave do gênero Ramphastos e por apresentar um dos maiores bicos, tanto em proporção como em tamanho absoluto 4. Pertencente à ordem dos Piciformes e família Ramphastidae, o tucanuçu possui uma dieta substancialmente baseada em frutos carnosos, apresentando função importante como dispersora de sementes e, portanto, corroborando para manutenção da flora frutífera do ecossistema local. 3,4.
Raramente se relatam deformidades dos bicos de pássaros de vida livre 5, embora já tenham sido registradas em várias espécies de aves de todo o mundo 6,7 Essas deformidades podem ser temporárias ou permanentes e podem ser causadas por inúmeros fatores 5. Dentre as principais causas estão a fatores genéticos ou de desenvolvimento, traumas e acidentes (por conflitos, colisões em janelas, ferimentos a tiro, por exemplo), contato com agentes químicos (por exemplo, produtos químicos utilizados na agricultura), doenças, deficiências nutricionais, desgaste inadequado do bico e também problemas durante a incubação 7,8.
A família Ramphastidae está entre as aves que mais sofrem com deformidade de bico, entre os indivíduos da família, o Ramphastos toco é o que mais possui registros de tal patologia 9. A seguir podemos ver na tabela (Tabela 01) casos registrados nos últimos anos.
Tipo de deformidade | Município Estado | Data |
---|---|---|
Malformação na extremidade da maxila | Brasília-DF | 08 de setembro de 2007 |
Maxila e mandíbula cruzadas | Batayporã-MS | 26 de julho de 2009 |
Ausência da ponta da maxila - acidental | Corumbá-MS | 05 de setembro de 2009 |
Maxila cruzada | Poços de Caldas-MG | 06 de novembro de 2009 |
Fissura na ponta da maxila - acidental | Caetanópolis-MG | 07 de janeiro de 2010 |
Ausência da ponta da mandíbula - acidental | Goiânia-GO | 01 de abril de 2010 |
Maxila cruzada | Uberaba-MG | 04 de junho de 2010 |
Ausência da ponta da maxila - acidental | Peruíbe-SP | 30 de abril de 2011 |
Ausência da ponta da mandíbula - acidental | São Roque de Minas-MG | 10 de junho de 2011 |
Mandíbula alongada; ausência da ponta da maxila | Araxá-MG | 06 de abril de 2012 |
Maxila cruzada | Joanópolis-SP | 30 de abril de 2013 |
Ausência de aproximadamente metade da maxila - acidental | Bonito-MS | 12 de dezembro de 2013 |
Parte da maxila deformada - acidental | Mundo Novo-MS | 24 de março de 2014 |
Parte da maxila deformada - parece queimada | Três Corações-MG | 28 de junho de 2014 |
Ausência da ponta da maxila - acidental | Mineiros-GO | 30 de dezembro de 2014 |
Ausência de aproximadamente metade da mandíbula - acidental | Araçatuba-SP | 17 de fevereiro de 2015 |
Ausência da ponta da maxila - acidental | Campo Grande-MS | 02 de maio de 2015 |
Ausência da ponta maxila - acidental | Niquelândia-GO | 04 de julho de 2015 |
Perfuração da maxila- acidental | Natalândia-MG | 30 de dezembro de 2015 |
Malformação na extremidade da maxila | Araçoiaba da Serra-SP | 08 de fevereiro de 2016 |
Este trabalho tem por objetivo apresentar um caso de deformidade no bico em Ramphastos toco, da região de Chaco Húmedo no Paraguai.
RELATO DE CASO
Em setembro de 2020, durante um trabalho de pesquisa observacional de aves na região de Chaco Húmedo no Paraguai, se observo um grupo de aves de oito indivíduos. Todas da espécie Ramphastos toco, caracterizadas por seu grande porte, plumagem em sua maioria negra, com uma região branca na área do papo e um bico que se destaca pelo seu grande tamanho e cor alaranjada com uma mancha negra na extremidade. No período no qual foi observado o grupo de aves, um dos indivíduos chamou atenção do pesquisador, pois ele apresentava uma deformidade no bico, em região da rinoteca. O animal foi visualizado com auxílio de binóculo e registrado por fotografia.
Na tarde desse dia quando o pesquisador,observava a fauna local com auxílio de um binóculo e sua câmera fotográfica, logo percebeu que se tratava do Ramphastos toco (Tucanuçu).
No período em que foi observado o grupo de aves, um dos indivíduos chamou sua atenção, pois ele apresentava uma deformidade em seu bico (Rinoteca). A causa dessa deformidade não foi possível ser determinada, pois foi observada em um animal silvestre de vida livre, mas dentre as possibilidades de causas para esta enfermidade a mais provável seria uma malformação congênita ou trauma, sendo a causa nutricional a menos provável, pois as demais aves do grupo não apresentava essa deformidade.
O Tucanuçu que apresentava deformidade na rinoteca aparentemente apresentava-se saudável e bem nutrido, demonstrando que estava tendo sucesso mesmo com a deformidade em questão, pois de alguma forma ele se adaptou a sobreviver com essa condição adversa que naturalmente poderia comprometer atividades cruciais para um individuo de vida livre, como por exemplo, manutenção das penas, limpeza, nutrição e outros (Figura 1 y 2).
DISCUSSÃO
A dispersão de sementes é de grande importância para a manutenção da diversidade da vegetação, onde nos trópicos cerca de 90% das espécies são dispersas por animais 7,8. Rhampastos toco é uma espécie de grande importância na dispersão de sementes, o que reforça a importância do estudo da espécie considerando-se a importância do equilíbrio entre as comunidades de aves e plantas.
Vale destacar que morfologicamente o bico exerce intensa presença na seleção natural 9, sendo que sua deformidade pode atuar diretamente na redução do período de vida da ave 10,11, comprometendo-a na realização de comportamentos rotineiros, como a manutenção das penas, limpeza e alimentação, que, de certa forma, pode afetar sua saúde e estado nutricional 12,13,14,15. O Tucanuçu, relatado no presente trabalho, apresentava a conformação, brilho e aspecto geral de suas penas dentro do padrão de normalidade esperada para espécie. Além disso, aparentava estar bem nutrido e com comportamento normal, apesar de possuir a morfologia do bico alterada, o que demonstra uma adaptação do animal para sobreviver com essa condição que naturalmente poderia comprometer atividades cruciais para um indivíduo de vida livre.
A deformidade no bico das aves é um fenômeno que em geral pode ser causado por múltiplos fatores e ter diferentes origens 8,15,16,17,18,19,20. Vale destacar que essas publicações e estudos se referem ao hemisfério norte. O animal do presente trabalho por ser de vida livre, esteve sujeito aos mais variados agentes que poderiam ter dado origem a deformidade relatada, sendo impossível a determinação da causa, apesar da hipótese de malformação congênita ou trauma. Considera-se baixa a possibilidade de uma causa nutricional, devido ao fato de as demais aves do grupo não apresentarem essa deformidade. Os registros de casos de deformidade no bico, em sua maioria, se tratam de animais observados fora de seu convívio social, encontrados sozinhos, o que impede uma comparação a nível de grupo e possíveis causas.
Pode-se verificar com o levantamento bibliográfico que tal anomalia geralmente é representada pelo alongamento ou encurtamento da maxila ou mandíbula, que também podem se cruzar lateralmente ou verticalmente 21,22. Se estiverem alinhadas, maxila e mandíbula podem ainda se enrolar, juntas, para cima ou para baixo 8. O Ramphastos toco observado e estudado no relato apresentava sua mandíbula e maxila alinhados, a mandíbula com tamanho normal, porém sua maxila (rinoteca) apresentava-se com encurtamento.
A maior parte dos artigos sobre deformidades de bicos são provenientes de estudos ocorridos em regiões temperadas 23,24,25,26,27,28,29,30, sendo raros na região Neotropical 31). O Chaco Húmido do Paraguai é um bioma de vegetação aberta, parte do bioma distribuído na Argentina, Bolívia e Paraguai e na região sudoeste do estado de Mato Grosso do Sul, no Brasil 29,32,33. Nessa região, relatada no presente trabalho, a deformidade de bico em Ramphastos toco ainda não foi relatada.
Aves portadoras de deformidades no bico podem apresentar uma elevada carga de ectoparasitas (5, 12, 29). No entanto, essa avaliação não foi realizada no presente trabalho pelo fato de o animal não ter sido capturado.
CONCLUSÃO
Com os efeitos das mudanças climáticas e as constantes agressões ao meio ambiente provocadas pelo homem, estão cada vez mais em voga assuntos relacionados ao meio ambiente, e também a conservação, proteção e recuperação. Com os desafios ambientais é cada vez mais importante se pensar em meios de preservar, cuidar, reconstruir o que já foi perdido e amenizar futuros prejuízos. Registros, como o do presente relato, são importantes para o conhecimento ornitológico, uma vez que maiores estudos podem ser realizados visando melhor compreensão acerca do tema. O monitoramento destes animais também pode contribuir para a conservação do ambiente local, pelo fato de as aves serem importantes bioindicadores do estado de conservação do meio ambiente onde vivem.