1. INTRODUÇÃO
Instituído em 26 de março de 1991, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) tem suas bases fundamentadas num projeto de aceleração do desenvolvimento econômico, com justiça social, mediante a integração intergovernamental dos Estados que compõem a região. Apesar dessa característica que, a priori, implicaria em um entrave ao estabelecimento da livre circulação de pessoas, isso não foi obstáculo para avanços voltados à facilitação das migrações, alterando a agenda regional que guardava resquícios da doutrina de segurança nacional das ditaduras locais. Frente ao aumento de fluxos migratórios, o bloco integrado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai passou a considerar a possibilidade de aprofundamento da integração, a partir da facilitação da migração.
Com isso, não foram poucos os instrumentos que passaram a contemplar a questão migratória a partir da perspectiva do MERCOSUL, aprofundando-se a dimensão social e cidadã do processo de integração. Entretanto, a migração característica da região, nem sempre decorre de questões laborais, o que altera a lógica do recebimento de migrantes num processo de integração. Viu-se o aumento do número de solicitações de refúgio, em grande maioria originárias dos nacionais dos Estados Partes e de Associados. Paralelamente, bases universais e regionais estabelecem padrões mínimos que devem ser observados quanto ao recebimento e ao tratamento concedido aos refugiados, que nem sempre encontram guarida nas normas do bloco.
Nesse sentido, o presente artigo procura compreender a seguinte problemática: o tratamento da temática migratória dispensado pelo MERCOSUL está adequado aos parâmetros estabelecidos, no âmbito regional e universal, pelo direito internacional dos refugiados?
Para responder provisoriamente o problema de pesquisa, apresentamos a seguinte hipótese de trabalho: embora a característica da intergovernabilidade do MERCOSUL, não seja a mais apropriada para o estabelecimento de negociações e da uniformidade em matéria migratória, o bloco tem feito consideráveis avanços sobre o tema, os quais, porém, não se verificam quanto à proteção dos refugiados. Estes acabam sendo tratados pelas regras gerais de migração, as quais, em sua grande maioria, estão de acordo com os parâmetros internacionais e regionais.
Para o desenvolvimento da pesquisa proposta, pretende-se atingir os seguintes objetivos específicos: compreender o modelo de proteção de direitos humanos no MERCOSUL; examinar os fluxos migratórios do bloco; analisar o tratamento jurídico conferido a refugiados no MERCOSUL; e, finalmente, compreender se há congruência entre a política migratória mercosulina e o direito internacional dos refugiados.
A pesquisa que se propõe é qualitativa, de cunho exploratório. Para o seu desenvolvimento, utilizar-se-á o método de análise normativo-descritivo, sendo a técnica de pesquisa bibliográfica e documental. A aplicação dessa metodologia permitiu que os resultados alcançados corroborassem a hipótese formulada.
2. O MERCOSUL E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DOS MIGRANTES: PARA ALÉM DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DO PROJETO DE JUSTIÇA SOCIAL
Segundo Morales Antoniazzi, “l; a idea de integración en Suramérica no es original ni nueva, lo que sí es original es el proceso de la integración de la región; la idea de una integración económica y política latinoamericana tiene larga tradición y se remonta al proprio movimiento de independencia. En 1826 Bolívar ya presentaba el Tratado de Unión, Liga y Confederación. Si bien en esa época no logró resultados concretos, sí contribuyó a la formación simbólica de una identidad subcontinental. A mediados del siglo XX los esfuerzos de integración tomaron curso, pasando por diversas concepciones basadas en los pensamientos panamericanos e interamericanos, en especial cuando ellas envolvían la participación de los Estados Unidos. Desde el surgimiento de la Comisión Económica para América Latina (CEPAL), pasando por el regionalismo abierto, las ideas de integración regional han jugado un papel protagónico y en los últimos años han adquirido una connotación política que ha dado lugar al denominado ‘renacimiento’ de los procesos integracionistas a nivel regional y subregional”.
Em esse marco de um novo processo integracionista no Cone Sul, o MERCOSUL teve como prelúdio uma série de acordos bilaterais entre Brasil e Argentina nos anos 70 e 80, os quais, inseridos em um contexto de emergência de democracias e de crise econômica, buscavam estabelecer objetivos comuns de fortalecimento no âmbito internacional, através de um processo de abertura econômica e do aumento da competitividade de seus mercados.
Na década de 1990, junto a Paraguai e Uruguai, esses Estados criaram uma plataforma de inserção internacional e de solução de questões comuns a suas economias (dívida externa, recuperação econômica), que resultou na instituição, pelo Tratado de Assunção, do MERCOSUL, com o fim de estabelecer na região um mercado comum no prazo de três anos para Brasil e Argentina e de quatro para Uruguai e Paraguai. Em 2006, foi autorizado o ingresso da Venezuela como membro pleno no bloco, o qual se efetivou em 2012. Atualmente, Bolívia se encontra em processo de adesão, enquanto que Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname são Estados Associados.
O processo de integração do MERCOSUL decorreu da necessidade dos Estados de encontrar-se em condições de competir economicamente com outras regiões. Dessa maneira, o ideal integracionista bolivariano de um conjunto de nações com identidades/proximidades idiomáticas, étnicas, religiosas, culturais, históricas, converteu-se numa necessidade econômica decorrente do processo liberal de globalização, que terminou por reduzir fronteiras, instigando o livre mercado e o livre intercâmbio, reduzindo barreiras tarifárias e não tarifárias, num esforço voltado à aproximação das economias.
Não obstante, o processo de integração não deixou de lado temas correlatos à proteção dos direitos humanos. Se bem o tema tende, em geral, a ser omitido no direito originário, já que poderia destoar das questões econômicas, a justiça social e o respeito à dignidade da pessoa humana encontram-se previstas no Preâmbulo do Tratado de Assunção, sendo pressupostos básicos de um processo de integração. A progressiva inclusão de uma temática que transcenda a econômica e atinja setores que para alguns devem ser apartados dos processos de integração reforça a compreensão de Martínez Pizarro de que espaços de integração são essencialmente espaços sociais;”, e permite que a discussão acerca dos fluxos migratórios e da influência dos processos de integração sobre a migração internacional se torne uma pauta necessária.
De acordo com o Tratado de Assunção, o mercado comum que se pretende no MERCOSUL tem como bases a livre circulação de bens, serviços, fatores produtivos (pessoas) e investimentos estrangeiros, fundada na reciprocidade dos Estados Partes. No entanto, o Tratado, apesar de fazer referência indireta à livre circulação de pessoas, emprega uma linguagem vaga e imprecisa que “corresponde à própria ambiguidade da política de integração”. Ou seja, embora apresente a ambição de constituir-se num mercado comum, restringe-se à utilização de normas programáticas para alcançar esse estágio de desenvolvimento econômico, além de reconhecer um período de transição e um lapso temporal para consolidá-lo, sem, contudo, fazer alusão a outros elementos essenciais, tais como, a circulação de pessoas, antes referida.
A estrutura institucional do bloco foi ampliada em 1994, com o Protocolo de Ouro Preto, que lhe conferiu personalidade jurídica, criou a Comissão de Comércio do MERCOSUL, e caracterizou o processo de integração como intergovernamental-.
Robinson pondera que os processos de integração que incluiriam o alargamento de fronteiras políticas e a necessária criação de um novo espaço econômico e social apenas seriam possíveis em um mercado comum, que visasse a livre circulação de pessoas. Portanto, a proposta integracionista do Cone Sul favorece uma integração político-institucional e, consequentemente, o fomento de políticas migratórias mais abertas e flexíveis. Por outro lado, a característica da intergovernabilidade dificulta o aprofundamento da integração, pois preserva intacta a soberania dos Estados e a autonomia dos Governos, de modo que as decisões domésticas podem ser tomadas em sentido contrário ao intuito integracionista. Ademais, a intergovernabilidade permite que os Estados estabeleçam políticas migratórias incompatíveis umas com as outras devido à ausência de uma diretriz regional, já que em essa existindo, seria preciso harmonizar o direito dos Estados Partes, isto é, coordenar a legislação interna para o estabelecimento de metas do processo integracionista.
Em 1998, com a instituição do Protocolo de Ushuaia, a pauta atinente à democracia, aos direitos humanos e à paz passou a expressamente fazer parte do direito do bloco. Com isso, sustenta-se que há no MERCOSUL o estabelecimento de um leverage model, baseado em “condições exógenas para o desenvolvimento da integração trazidas pela proteção internacional dos direitos humanos”. Em outras palavras, a participação em sistemas externos de proteção de direitos humanos torna-se condição para o processo de integração, de modo que é possível afirmar que um processo de integração, como o MERCOSUL, não possui objetivos exclusivamente econômicos, mas encontraria nesse objetivo o fator preponderante para estabelecer vínculos entre seus membros, alcançar melhor qualidade de vida, para instituir questões sociais.
Nesse sentido, os Estados fundadores, juntamente com Bolívia e Chile, assinaram em 2000 a Carta de Buenos Aires sobre Compromisso Social, reafirmando o compromisso com a consolidação e defesa dos direitos humanos e liberdades individuais. No documento, reconheceu-se a necessidade do fortalecimento dos mecanismos de apoio a grupos sociais vulneráveis, sendo reconhecidos como tal, os trabalhadores migrantes. O período de formulação e adoção da Carta Social coincide com o aprofundamento da união aduaneira no âmbito interno e externo, bem como com o “relançamento” do MERCOSUL, devido à ascensão de governos de esquerda na região, voltados à uma política sul-sul. Tais fatores aliados ao reconhecimento da existência de fluxos migratórios no bloco, e da necessária proteção daqueles que migram, pode ser compreendido como um passo à consideração de que todo o processo de integração influencia nos trâmites migratórios de forma complexa, clamando pela instauração de políticas múltiplas.
3. AS RAÍZES DOS FLUXOS MIGRATÓRIOS MERCOSULINOS E O AUMENTO DE REFUGIADOS NA REGIÃO
O fenômeno migratório acompanhou a história e a formação dos Estados latino-americanos e as relações entre eles, sendo a região que abrange o MERCOSUL historicamente marcada por fluxos migratórios intra e extra bloco. De acordo com Pellegrino, é possível estabelecer quatro etapas no processo migratório dessa região: (i) a etapa colonial, quando os requisitos para que um indivíduo pudesse migrar para a região eram estabelecidos na Europa, e cujo período também é marcado pelo tráfico de escravos negros; (ii) a etapa do início da independência das colônias, quando a migração servia de instrumento para “melhorar as raças” que se formavam e decorriam da miscigenação; (iii) a etapa de transição demográfica, ocorrida a partir dos anos 30, marcada por migrações inter-regionais; e (iv) a etapa da crise econômica, que em meados do Século XX aumentou o número de migrantes na região quando se agravaram as migrações por razões econômicas.
Especificamente no âmbito do MERCOSUL, observa-se o aumento da emigração aos Estados Unidos, Japão e Europa na década de 90. Entretanto, com o desenvolvimento econômico e político a partir da década de 1950, houve um incremento na migração intra bloco, convertendo Argentina, Brasil e Chile nos maiores receptores de migrantes, enquanto Bolívia, Paraguai, Uruguai e, mais recentemente, a Venezuela, são aqueles que geram o maior número de emigrantes no bloco. Para Novick, o fluxo migratório no bloco está relacionado ao incremento de políticas macroeconômicas e às transformações nos mercados de trabalho.
Nesse contexto, a estabilidade política e econômica dos países da região se tornou um dos principais atrativos ao deslocamento intra bloco, sendo Brasil e Argentina os principais países de destino. Além disso, a região tem observado fluxos migratórios decorrentes da impossibilidade de os indivíduos permanecerem em suas residências devido a violações de direitos humanos e/ou perseguições.
O conflito armado interno colombiano contribuiu ao incremento de deslocados internos e solicitantes de refúgio na região, obrigando cerca de 340 mil colombianos a cruzar as fronteiras do país, encontrando segurança, sobretudo em membros do MERCOSUL como Equador e Venezuela. Mais recentemente, houve o aumento de solicitações de refúgio de pessoas originárias da Venezuela, devido à crise institucional, as quais têm como principais destinos, por razões geográficas, Colômbia, Argentina e Brasil. A migração no MERCOSUL não se restringe aos fluxos voluntários, que no bloco caracterizaram-se, primordialmente pela migração laboral, havendo o aumento do número de refugiados, cuja maioria corresponde a nacionais de países da região, ou dos próprios membros do bloco.
4. A EVOLUÇÃO DO TRATAMENTO DADO AOS REFUGIADOS NO ÂMBITO DO MERCOSUL
A agenda dos Estados Partes do MERCOSUL quanto à temática migratória tem sofrido alterações desde a instituição do bloco. Durante a etapa de transição, o tema restringia-se a uma maior preocupação com o trânsito de trabalhadores, dentro do conceito de livre circulação de pessoas.
Com o Protocolo de Ouro Preto, o tema foi restringido, tornando-se uma questão interna e não mais internacional/integracionista. Somente em 2002, com o Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL, ocorre um “salto qualitativo” quanto à abordagem da questão migratória, pois reconhecido o direito de as pessoas migrarem para além de razões clássicas de migração, como trabalho, estudo, laços conjugais. Nesse sentido, Martínez Pizarro afirma que a migração internacional é tangenciada pelo bloco, mas que o tema não deixa de ter sofrido um gradual desenvolvimento. Para Novick, isso decorre do fato de não haver sido criado um grupo de trabalho sobre a temática.
O que se observa, é que houve uma alteração no modo como o tema era enfrentado pelos Estados: deixou-se de lado a doutrina da segurança nacional para compreender-se a migração a partir de uma lente que reconhecia o fenômeno como uma questão de direitos humanos. No entanto, os esforços a respeito da temática são rasos e estão voltados aos migrantes laborais e/ou aqueles nacionais dos Estados Partes. Isto porque, o tratado constitutivo confere especial relevância à livre circulação dos fatores de produção, de tal sorte que a Reunião de Ministros de Interior previu a criação de um Grupo de Trabalho sobre o tema.
No que nos interessa, em 19 de dezembro de 2015, por meio da Resolução nº 59, o Grupo do Mercado Comum aprovou a criação do Subgrupo de Trabalho nº 18 (SGT nº 18) sobre “Integração Fronteiriça”, que possui como um dos seus principais eixos a migração. Em que pese seja louvável a instituição do subgrupo referido, a norma que o constitui não detalha sobre quais especificidades este abordará a temática migratória, em sua agenda de trabalho. Logo, como se depreende, ainda está pendente a criação de um grupo ou subgrupo de trabalho que aborde especificamente a questão migratória e, neste tocante, a situação dos refugiados que são recebidos no MERCOSUL, provenientes de outros Estados Partes ou de terceiros Estados.
Ademais, é necessário destacar que o marco orgânico do bloco também prevê espaços sobre a mobilidade laboral, como o Subgrupo nº 11 de Assuntos Laborais, Emprego e Seguridade Social, a Comissão Sociolaboral do MERCOSUL, o Foro Constitutivo Econômico e Social, a Reunião de Ministros do Interior, entretanto, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) determina que com a reformulação do MERCOSUL a partir do Protocolo de Ouro Preto, a questão da livre circulação de trabalhadores perdeu centralidade nas discussões, dando espaço à livre circulação de capitais e mercadorias. Por conta disso, a livre circulação de trabalhadores deixaria de ser o principal objetivo da integração, relegando a mobilidade regional aos processos de migração laboral tradicional, regulados pelo direito interno. Não obstante o exposto, é importante destacar a existência da Declaração Sociolaboral do MERCOSUL, fruto da harmonização de legislações em matéria trabalhista, cuja última revisão é de 2015, assim como o Plano para Facilitar a Circulação de Trabalhadores no MERCOSUL, aprovado em 2013.
Por outro lado, a implementação de uma política de livre circulação de pessoas foi retomada e reconhecida como essencial em 2002, pelo Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL, o qual inclui Bolívia e Chile e aplica-se a esses Estados e à Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, bem como a Peru, Colômbia e Equador. Adotado com o fim de solucionar a situação migratória dos nacionais dos Estados Partes e dos Estados Associados, e de fortalecimento de laços, o tratado delineia as bases para a livre circulação de pessoas, na região, e para a proteção de direitos humanos, na medida em que garante aos nacionais dos Estados Partes, bem como a seus familiares, o gozo dos mesmos direitos e liberdades dos nacionais do Estado que os recebeu, desde que tenham obtido a residência conforme às diretrizes estabelecidas pelo Acordo.
Ademais, assegura o direito de reunião familiar, inclusive àqueles familiares que não tenham a nacionalidade de um dos Estados Partes, além de reconhecer a igualdade entre nacionais e migrantes dos Estados referidos, bem como o direito dos filhos dos imigrantes nascidos no território de um Estado Parte de ter um nome, registro de nascimento, nacionalidade e acesso à educação em condições de igualdade aos nacionais.
Embora a não discriminação em razão da nacionalidade seja um dos pilares de qualquer processo de integração, essa, no MERCOSUL, foi positivada somente em relação àqueles indivíduos cuja nacionalidade seja de um dos países do bloco. Por essa razão, Lorenzetti sustenta que os indivíduos nacionais de um Estado Parte do MERCOSUL devem ser tratados como se nacionais fossem podendo apenas serem estabelecidas diferenciações em relação aos migrantes não nacionais de um Estado Parte. Ou seja, as políticas migratórias do bloco centram-se e limitam-se em um critério de nacionalidade.
De outra parte, Faria pondera que o Acordo sobre Residência representa a viabilidade da livre circulação de pessoas, na zona integrada. Nesse sentido, Bello salienta que a liberdade de circulação, característica de um processo de integração como o MERCOSUL, deve deixar de ser examinada somente a partir de uma perspectiva econômica, e ser abordada sob um viés político, o que implica, juridicamente, em reconhecê-la “como um direito universal e exige um aprofundamento do processo de integração e do modelo jurídico e institucional do mesmo, privilegiando o conceito de cidadania regional”. Para ela, mesmo sem ter chegado a um regime de livre circulação de pessoas, o MERCOSUL ampliou positivamente a facilitação de residência e a regularização migratória.
Exemplo disso e fruto indireto do Acordo sobre Residência, é o Programa Pátria Grande na Argentina, programa de regularização documental, bem como de inserção e integração, de migrantes nacionais de Estados Partes e Associados do MERCOSUL, que haviam ingressado em solo argentino, implementado em 2004, através do Decreto nº 836/2004 e da Resolução nº 53.253/2005. O primeiro alude à criação de um órgão especializado e descentralizado para responder pelo tema, enquanto que o segundo contempla medidas facilitadas a partir das quais se poderia conceder residência permanente ou temporária aqueles migrantes, sendo essa última nunca inferior a dois anos. Dentre os motivos da adoção do Programa está a priorização de medidas necessárias para lograr o objetivo final da livre circulação de pessoas no bloco.
A Declaração de Santiago sobre Princípios Migratórios, adotada em maio de 2004, no âmbito da Reunião de Ministros do Interior, reconhece que abordar a temática migratória da região através de mecanismos multilaterais de diálogo aberto fortalece o processo de integração. Indica uma “vocação” do MERCOSUL em trabalhar em prol de uma política migratória fundamentada na proteção dos direitos humanos, mas que esteja adequada à realidade regional e internacional. De maneira particular, a Declaração de Santiago pressupõe que a regularidade migratória é condição indispensável para a recepção do migrante na sociedade.
Dentre os pontos mais relevantes da Declaração, destaca-se o reconhecimento da reciprocidade de tratamento em relação aos nacionais de terceiros países e a concessão de tratamento justo aos não nacionais do bloco. Tal exigência de tratamento faz com que o MERCOSUL considere, pela primeira vez, a migração para além dos indivíduos dos Estados Partes. Por outro lado, a Declaração incita a aproximação entre o bloco e os parâmetros internacionais de proteção a refugiados ao aludir sobre o compromisso dos Estados em conferir e promover a proteção internacional aos refugiados em consonância com a Convenção de Genebra de 1951 e com o seu Protocolo Adicional de 1967, bem como com outros instrumentos internacionais sobre a matéria em relação aos quais estiverem vinculados.
Especificamente a respeito do tema refúgio, em 2010, também no âmbito da Reunião de Ministros do Interior, foi adotada a Declaração do Rio de Janeiro sobre a Instituição do Refúgio. O Preâmbulo da Declaração reconhece as causas de refúgio constantes tanto na Convenção de 1951 e no Protocolo Adicional de 1967, quanto na Declaração de Cartagena, e, a partir delas, considera a necessidade de os países do MERCOSUL, bem como Bolívia e Chile, possuírem instrumentos normativos harmônicos que regulem a temática e que estejam adequados às normativas internacionais, sendo essa a preocupação principal do texto.
Na sequência, em 2012, foi elaborada a Declaração de Princípios sobre a Proteção Internacional dos Refugiados na qual os Estados reafirmam os compromissos elencados na Declaração do Rio e declararam o bloco como “um espaço humanitário de proteção aos refugiados”. Do mesmo modo, comprometem-se a não devolver, deportar ou expulsar refugiados que correm riscos, independentemente de qual país do bloco reconheceu o indivíduo como refugiado. Destaca-se que é nessa Declaração que se reconhece que se deve garantir ao refugiado, no mínimo, o exercício de direitos de outros migrantes no país, bem como a importância da implementação da definição de refúgio proposta pela Declaração de Cartagena de 1984, por se tratar de um critério de inclusão mais amplo do que aquele previsto no Protocolo Adicional de 1967.
Somente em 2015, os Estados Partes e os Associados voltaram seus olhares expressamente ao fluxo migratório advindo de outros continentes, sobretudo da Síria, Eritreia, Afeganistão, Somália e Nigéria, quando elaboraram a Declaração Especial dos Estados Partes e dos Estados Associados do MERCOSUL sobre a Crise Humanitária de Gestão de Movimentos Migratórios, expressando sua preocupação com a crise migratória e com o princípio da Reunião Familiar (já abordado nos outros documentos sobre o tema). Entretanto, não propuseram maiores avanços e ou compromissos concretos, senão reiteraram a posição do bloco em relação à proteção dos direitos humanos dos migrantes e manifestaram apoio à proposta de um mecanismo de diálogo permanente e multilateral que possa modificar a política e governança sobre o tema.
Paralelamente a esses avanços, o Conselho do Mercado Comum (CMC) criou, em 2009, o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do MERCOSUL (IPPDH), com o intuito de fortalecer e consolidar o Estado de Direito e os direitos humanos nos países do bloco, mediante a instituição e coordenação de políticas públicas de direitos humanos. Dentre os distintos projetos voltados à proteção dos direitos humanos no IPPDH, existe o “Projeto de Cooperação humanitária internacional para migrantes, apátridas, refugiados e vítimas de tráfico de pessoas”, cujo objetivo é desenvolver um conjunto de ações sobre a temática. Além disso, o IPPDH promove pesquisas sobre o tema, articulando não só a relação entre Estados e sociedade civil, como também políticas públicas necessárias ao logro dos objetivos elencados pelo Tratado de Assunção e voltados à temática de direitos humanos.
Diante dessas condições, Abramovich e Saldivia asseveram que os Estados Partes tomaram a iniciativa de requerer à Corte Interamericana de Direitos Humanos, um pedido de opinião consultiva sobre os direitos das crianças e adolescentes em contexto de migração irregular, refúgio e apatridia. Trata-se da Opinião Consultiva nº 21, de 2014, requerida por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, na qual foram delineados padrões mínimos a serem observados pelos Estados Partes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, na qual foi reafirmada a vulnerabilidade dessas pessoas, bem como as obrigações estatais decorrentes de vulnerabilidade agravada pela condição migratória.
No entanto, como pondera Bello, “mobilidade dos refugiados dentro do MERCOSUL, põe em jogo as noções tradicionais sobre a proteção internacional e as soluções duradouras para os refugiados”, dada a possibilidade desses refugiados migrarem dentro do bloco, após o reconhecimento da condição de refugiado. Deste modo, ainda que pareçam promissoras, é preciso examinar a compatibilidade dos avanços promovidos pelo bloco com os padrões gerais de proteção e a adequação de ambos às características do refúgio na região.
Embora a solicitação de opinião consultiva seja um primeiro passo para uma maior aproximação entre o Sistema Interamericano e o MERCOSUL, contribuindo para o fortalecimento de uma política regional sobre direitos humanos, ela traz à tona uma lacuna no processo de integração a respeito do tema. Por um lado, a Corte Interamericana consolidou que os Estados devem adotar medidas específicas devido à vulnerabilidade das crianças, agravada pelo status migratório, como, por exemplo, identificar ex officio aquelas pessoas que necessitam ser conhecidas como refugiadas, manter um banco de dados daqueles que ingressam em seu território etc. Por outro lado, a política migratória do bloco permite que se a criança for nacional de um Estado Parte ou Associado, sejam aplicados os padrões básicos de proteção do direito internacional dos refugiados, tal como ocorre com os adultos; enquanto, se for uma criança proveniente de outro país, dependerá de outros compromissos adotados pelo Estado receptor sem qualquer interferência do MERCOSUL.
5. A POLÍTICA MIGRATÓRIA REGIONAL E O DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS: UM ENCONTRO POSSÍVEL?
O escopo de proteção do direito internacional dos refugiados é compreendido do modo mais abrangente na América Latina. Embora o tema esteja regulado pela Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados e por seu Protocolo Adicional de 1967, os Estados da região, em 1987, acordaram pela adoção da Declaração de Cartagena sobre Refugiados, porém não em termos idênticos àqueles propostos pelos dois primeiros tratados.
A Convenção de 1951 reconhece como refugiado o indivíduo que antes de 1º de janeiro daquele ano refugiou-se temendo perseguições por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, ou seja, limitava as obrigações de forma geográfica e temporal àquelas pessoas perseguidas na Europa. Esse conceito foi expandido em 1967, pelo referido Protocolo Adicional, o qual estendeu a proteção ao eliminar as limitações temporais e geográficas. Desse modo, o refugiado passou a ser também aquele que teme perseguições devido à sua raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, independentemente do local onde se encontre ou do marco temporal.
Por outro lado, a Declaração de Cartagena reconhece como refugiado aquele que fugiu de seu país porque a sua vida, segurança ou liberdade foram ameaçadas pela violência generalizada, pela agressão estrangeira, pelos conflitos internos, pela violação maciça dos direitos humanos ou por outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública. Ademais, a Declaração promove o uso do mecanismo regional de proteção de direitos humanos, o Sistema Interamericano, como meio de complementação da proteção que deve ser garantida aos solicitantes de refúgio, ampliando as possibilidades de proteção a esses indivíduos. Ainda, reconhece como regra de jus cogens o princípio do non refoulement (proibição de devolução) o qual incluiria inclusive a impossibilidade de rejeição de um refugiado que chegasse às fronteiras do Estado.
Deste modo, compete aos Estados a instituição dos parâmetros e dos mecanismos a partir dos quais reconhece um indivíduo como refugiado ou como imigrante, desde que, caso tenha ratificado ou aderido a algum desses tratados, o faça com base nos parâmetros apresentados. Logo, para que um indivíduo seja considerado refugiado e receba a proteção decorrente desse status, deve preencher os requisitos previstos em ditos tratados. De toda a sorte, os tratados apresentam padrões mínimos que devem ser garantidos aos refugiados, tais como o princípio non refoulement, isto é, a proibição de expulsar ou devolver um refugiado, contra a sua vontade, para um território onde sofra perseguições, e o dever de não discriminar os mais notáveis, além do direito do refugiado de viajar para fora do país receptor.
Em linhas gerais, tanto a Convenção de 1951 e o Protocolo Adicional, quanto a Declaração de Cartagena garantem aos refugiados o direito à reunião familiar e a facilitações de repatriação. Da garantia de não discriminação constante em ambos os tratados, decorrem normas mais específicas, tais como resguardar a possibilidade, em igualdade de condições com relação a outros migrantes, de aquisição de bens, o respeito à liberdade religiosa, à livre associação, ao acesso à justiça, como previsto na Convenção de 1951. Igualmente, é assegurado aos refugiados o tratamento dado a outros migrantes no que se refere ao exercício de uma atividade profissional. Por outro lado, a equiparação aos direitos dos nacionais ocorrerá em relação à legislação e previdência social.
Como observado, as tendências da política migratória no MERCOSUL fundamentam-se em critério restritivo vinculado à nacionalidade do migrante. Na maioria das vezes, os delineamentos migratórios do bloco são pensados exclusivamente para os indivíduos nacionais do Estados Partes e Associados, e aqueles que estão dispostos a estabelecer residência permanente no Estado receptor. Isso pode vir a ser compreendido como um embrião de uma “cidadania regional”, pois confere o gozo a determinados direitos, que somente podem ser acessados por meio de documentação válida, a migrantes de determinados Estados.
Sobre o tema, em 2010, o CMC aprovou o Plano de Ação para a conformação do Estatuto da Cidadania do MERCOSUL (Decisão nº 64/2010), no qual foi estabelecida uma agenda de trabalho para a sua conformação progressiva, culminada em 2021, ocasião em que se completaram os 30 anos de celebração do Tratado de Assunção. O Plano, que aborda “os direitos fundamentais e benefícios para os nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL”, conforma a implementação de uma política de livre circulação de pessoas na região, de igualdade de direitos para os nacionais dos Estados Partes e de igualdade de condições de acesso ao trabalho, à saúde e à educação. Nesse sentido, o texto final do Estatuto, dado a conhecer em 26 de março de 2021, no primeiro eixo temático, traz entre os direitos do cidadão mercosulino o estabelecimento da livre residência, assegurando a igualdade de tratamento entre nacionais e residentes provenientes da zona integrada.
Por sua vez, é de se registrar que o Programa Pátria Grande da Argentina, já referido, inspirado no Acordo sobre Residência, ainda que tenha promovido grandes avanços na política migratória argentina, acaba por dificultar a regularização daqueles indivíduos que migram para o país e são provenientes do Caribe, Ásia Pacífico, África. Para Nejamkis e Rivero Sierra, o programa não logrou as suas aspirações integracionistas, porém, demonstra que a lógica de “regularização” dos migrantes tem como objetivo fazer com que o migrante possa contribuir ao Estado. Do mesmo modo, é possível questionar se somente a partir da regularização se buscaria a integração desses migrantes, o que contrariaria os parâmetros internacionais de que não se pode distinguir migrantes documentados daqueles indocumentados.
Ocorre que o parâmetro argentino vai ao encontro do mercosulino, na medida em que o Acordo sobre Residência também possui uma restrição vinculada à nacionalidade. Por outro lado, para Bello, tal limitação parece não colocar em xeque a adequação das normas do bloco aos parâmetros internacionais sobre a proteção dos refugiados. Isto pois, as práticas estatais, as declarações e os documentos adotados pelo MERCOSUL consagram princípios como o do non refoulement, sendo este aplicado para além dos países do bloco, como reconhecido pela Declaração do Rio sobre a Instituição do Refúgio, de 2010, segundo a qual a um indivíduo reconhecido como refugiado por um Estado Parte ou Associado, não se podem aplicar medidas de retorno forçado ao país onde é ameaçado. Tal Declaração, ao contrário do Acordo de Residência, não apresenta restrições vinculadas à nacionalidade do migrante. O mesmo ocorre em relação à Declaração de Santiago sobre Princípios Migratórios, de 2004, e à Declaração de Princípios sobre a Proteção Internacional dos Refugiados, de 2012.
No entanto, nenhuma dessas Declarações possui força vinculante em relação aos Estados Partes. Por se tratar de soft law, nenhuma delas obriga o Estado no plano internacional e tampouco impõe a adoção e adequação da política migratória, do direito interno e da ação estatal, aos padrões nelas estabelecidos. Assim, a obrigatoriedade quanto ao non refoulement se dá somente em relação aos Estados que ratificaram a Convenção de 1951 e/ou o Protocolo Adicional de 1967. Situação distinta é vislumbrada quanto ao direito de reunião familiar, o qual é garantido independentemente da nacionalidade tanto por declarações, quando por tratados vinculantes.
É certo que por se tratar de um processo de integração regional, pode presumir-se que o interesse principal dos Estados é a concessão de benefícios para aqueles que dele fazem parte. Em verdade, a livre circulação de pessoas, com fins laborais ou não, constitui um elemento chave no processo de integração, e, consequentemente, privilegia uma cidadania regional sob todas as outras. Partindo exclusivamente dessa premissa, é possível afirmar a convergência entre o Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL e os parâmetros do direito internacional dos refugiados, sobretudo a Convenção de 1951 e o respectivo Protocolo Adicional, já que reconhece a possibilidade de trânsito intra bloco, permitindo que um refugiado colombiano que chegue ao Brasil seja reconhecido como tal e possa viajar à Argentina ou ao Uruguai.
No entanto, Bello aponta para a possibilidade de transferência de responsabilidade do Estado que reconheceu o status de refugiado para aquele Estado em que o refugiado passa a residir. Para ele, em caso de mudança de residência, o Acordo reconhece essa transferência de responsabilidade ainda que de maneira não expressa, já que inserida na lógica da residência dos trabalhadores nacionais do bloco. Todavia, a falta de disposição normativa nesse sentido, não permite chegar a tal conclusão, já que confere aos Estados ampla margem de discricionariedade e liberdade para reconhecer, ou não, a proteção inerente à condição de refugiado.
6. CONCLUSÃO
A década de noventa marca um período de crises e da ascensão da globalização neoliberal, fazendo com que países com economias emergentes, como Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai tivessem que se aproximar para uma melhor projeção e competição a nível internacional. Nesse marco, foi instituído o MERCOSUL, bloco de integração econômica regional, de característica intergovernamental, que busca a implementação de um mercado comum na região. As aspirações desenvolvimentistas não impediram que o bloco tivesse como pressuposto básico o desenvolvimento econômico com justiça social, o que, ainda que timidamente, apontava para uma integração que transcendia objetivos econômicos.
Assim, temas que, a priori, ultrapassariam as aspirações de uma integração econômica passaram a ganhar espaço na agenda regional, como é o caso da proteção dos direitos humanos e da temática migratória. Entretanto, a característica da intergovernabilidade não permite que os Estados estabeleçam políticas migratórias compatíveis entre si, notadamente em razão da ausência de uma diretriz regional.
De toda sorte, o fenômeno migratório é intrínseco à história e formação dos Estados que hoje compõem o bloco, de modo que a região recebe não só migrantes laborais, como refugiados. Examinando-se os fluxos migratórios dos membros do bloco, nota-se que a migração é predominantemente intra bloco, ou proveniente de outros países latino-americanos. Nesse sentido, o pressuposto de livre circulação de pessoas, característico do processo de integração em estudo, passa a ser questionado: estaria o MERCOSUL preparado para receber refugiados e não apenas migrantes laborais? Em outras palavras, estariam as normas atinentes à proteção de migrantes adequadas aos padrões internacionais de proteção de refugiados? A resposta, seguramente, dependerá da nacionalidade daquele que se refugia.
Embora a agenda do bloco quanto ao refúgio tenha sofrido alterações positivas desde a sua instauração, iniciativas como o Acordo sobre Residência de 2002 (implementado de forma mais efetiva na Argentina, através do Programa Pátria Grande), a Declaração de Santiago de 2004, a Declaração do Rio, de 2010, apontam para o fato de que, no MERCOSUL, as políticas migratórias centram-se e limitam-se a um critério de nacionalidade dos membros do bloco. Ou seja, busca-se a livre circulação de pessoas, garantem-se direitos que estão em consonância com os parâmetros internacionais - como a Convenção de 1951, o Protocolo Adicional de 1967, a Declaração de Cartagena -, desde que o indivíduo seja nacional de um dos Estados que compõem o bloco regional. Isto propicia questionamentos a respeito da discriminação indireta, ao passo que a nacionalidade se converte em um fator que, mesmo sem intenção, prejudica e gera impactos negativos naqueles migrantes que não são nacionais de um dos Estados Partes
Ademais, princípios garantidos em todos os níveis de proteção do direito internacional dos refugiados, como o non refoulement, não são contemplados expressamente por instrumentos vinculantes, de modo que a sua obrigatoriedade se restringe a aqueles que ratificaram a Convenção de 1951 e o Protocolo Adicional de 1967. Isso não significa, contudo, que todas as garantias que devem ser concedidas aos refugiados são negligenciadas pelos instrumentos normativos do MERCOSUL, ainda que indique que a hipótese de trabalho inicialmente apresentada tenha sido confirmada, bem como que os objetivos específicos aos quais nos propusemos tenham sido alcançados.
Sobre o tema, veja-se que o direito à reunião familiar é amplamente assegurado, independentemente da nacionalidade do indivíduo. De outra parte, não é possível observar a plena adequação dos parâmetros mercosulinos às características específicas de vulnerabilidade, ou a casos de vulnerabilidade acentuada de refugiados, como no caso das crianças. Nesse particular, a despeito dos membros do bloco terem requerido uma opinião consultiva à Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o tema “crianças migrantes”, não houve incorporações sobre a temática, havendo um verdadeiro vazio normativo quando se trata de vulnerabilidade agravada ou de hipervulnerabilidade nesta matéria. Assim, a relação e a adequação dos padrões do MERCOSUL aos parâmetros de proteção do direito internacional dos refugiados segue sendo um diálogo incompleto, pautado, acima de tudo, pela nacionalidade conferida aos indivíduos pelos Estados Partes.