1. INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a tradicional regulamentação do Investimento Estrangeiro Direto (IED) por meio dos Acordos de Promoção e Proteção de Investimentos (APPI) mostrou-se desalinhada com os interesses dos Estados. O objetivo traçado no preâmbulo dos acordos, de promover o investimento por meio de proteções substantivas, entregou a eles o contrário do que esperavam. Houve frustração quando os governantes notaram que tais acordos haviam restringido sua soberania ao limitar sua capacidade de regular e que, além disso, os investimentos não os haviam brindado com um satisfatório crescimento econômico e, principalmente, sustentável1.
Preocupados com a retração dos fluxos de investimento após a crise de 2008, a diminuição dos números de acordos sobre investimento firmados e com o aumento das arbitragens internacionais investidor-Estado e buscando promover o crescimento global ancorado na sustentabilidade, vários organismos internacionais advogaram por políticas voltadas à facilitação para reforma dos tradicionais acordos de investimento2.
Na América do Sul, o Brasil foi pioneiro na incorporação das medidas de facilitação em acordos de investimento estrangeiro direto, tanto que criou um modelo específico, chamado Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimento, que tem como elemento-chave a facilitação como forma de beneficiar a entrada do capital estrangeiro e seu direcionamento segundo os interesses do Estado3. Convergindo para a modernização e fortalecimento do MERCOSUL, o modelo brasileiro foi proposto para o grupo, o qual, em abril de 2017, assinou o Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (PCFI).
Com isso em vista, este trabalho busca averiguar quais são as principais características do Protocolo de Cooperação e Facilitação e Investimentos enquanto parte de uma nova geração de acordos de investimento que foca nas políticas de facilitação como modo de se alcançar o equilíbrio entre as partes e o desenvolvimento sustentável.
Para tanto, em um primeiro momento, busca-se apresentar ao leitor o conceito da facilitação e sua evolução nos acordos de investimento. Em seguida, esmiúça-se o PCFI como acordo de nova geração, explicitando porque ele é um acordo de facilitação, quais são suas principais características e o que o diferencia dos APPIs. Posto esse panorama, critica-se o modelo dissertando acerca da viabilidade do seu estabelecimento no MERCOSUL, os principais problemas a serem enfrentados em suas cláusulas e, por fim, se o aumento da facilitação compensa a diminuição e a restrição das medidas de proteção substantivas.
1.1. Facilitação: da fluidez do conceito e sua presença nos acordos de investimentos
A facilitação é tema frequente nas discussões atuais concernentes à regulamentação do IED, porém, ainda não há uma definição concreta para o termo. Diferentes provisões são agrupadas sob o conceito de “facilitação”, como se verá. Como tais disposições têm ganhado protagonismo em tratados de investimentos apenas recentemente, não se observou uma preocupação de sistematização e conceituação de facilitação. Justifica-se, portanto, antes de examinar as propostas de facilitação de investimentos do PCFI, uma discussão teórica sobre o conceito, seguido da digressão histórica dessas medidas nos APPIs.
Há uma variedade de conceitos e sugestões feitas por países e instituições multilaterais em fóruns de discussão internacionais. A Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, acredita que a facilitação abrange tanto a adoção de políticas transparentes quanto formas de redução de barreiras de acesso ao mercado. O primeiro leva à diminuição de procedimentos burocráticos com a criação de uma autoridade e um posto de requisição de informações e licenças centrais: os one-stop-shops. Ademais, a própria redução de barreiras de acesso ao mercado induz a adoção de políticas transparentes, que por darem claridade ao procedimento devem reduzir o risco de corrupção, tornando o ambiente previsível e transparente4.
De modo similar, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) entende que as medidas de facilitação devem focar em aliviar obstáculos ao investimento. Pontua que a facilitação deve promover a transparência das informações disponíveis aos investidores, a eficiência de procedimentos administrativos e a previsibilidade e estabilidade de sua aplicação para os investidores. O órgão da Organização das Nações Unidas atenta ao fato de que a facilitação não deve ser confundida com medidas que fornecem aos investidores garantias e incentivos relacionadas à criação de Zonas Econômicas Exclusivas ou reduções tarifárias5.
O grupo de países formado pelo G20 também conceituou a facilitação no seu Guia de Princípios para uma Política Global de Investimentos. Para eles, a facilitação deve desenvolver políticas de incentivos que sejam transparentes, incentivem boas práticas e a governança corporativa6. Artigo publicado pela organização International Institute for SustainableDevelopment inclui no conceito de facilitação de investimento ações regulatórias, competências institucionais e procedimentos administrativos cujo objetivo é facilitar a entrada, operação e retirada de investidores7.
Já os diplomatas brasileiros, Felipe Hees e Pedro Mendonça Cavalcante, acreditam que o modo mais adequado de definir facilitação é por meio de uma abordagem negativa8. Tal posicionamento foi adotado pelos Amigos da Facilitação de Investimento para o Desenvolvimento (FIFD) na Organização Mundial do Comércio em um Diálogo Informal sobre a Facilitação de Investimento para o Desenvolvimento9. Pelo conceito negativo ou excludente, a facilitação não deve abranger o acesso ao mercado, a proteção ao investimento ou a resolução de disputas10. Abrangeria, por outro lado, uma quantidade imensurável de medidas, mecanismos e ações que, em suma, devem contribuir para um ambiente nacional favorável ao investimento.
É notório que todos os conceitos acima têm similaridades e se complementam. Deles é possível concluir que o conceito de facilitação pode ser traduzido em uma forma de oportunizar o fluxo de investimento entre fronteiras por meio de políticas que têm um conteúdo e propósito determinado. Como conteúdo, as medidas devem fornecer suporte ao investidor e, como propósito, as medidas devem desenvolver procedimentos claros para a instalação do investimento por meio de auxílio prático no estabelecimento, na expansão e durante a operação.
Tendo em vista este conceito, vale mencionar que os APPIs tradicionais, aqueles assinados até início do século XXI, não tinham como praxe a adoção de medidas de facilitação. Segundo a UNCTAD, até 2016 as cláusulas de facilitação de investimentos nos acordos internacionais ou são inexistentes ou fracas, com apenas duas exceções: as cláusulas que tratam da entrada e permanência de estrangeiros e aquelas que dispõem sobre a transparência11.
Tais cláusulas trazem medidas simples e um tanto quanto óbvias a serem realizadas em conjunto com um parceiro comercial. Tratam, por exemplo, da facilitação de concessão de vistos para empresários12, de permanência dos investidores no país receptor13, concessão de autorizações para estabelecimento do investimento, permissão para o trabalho de especialistas e consultores, possibilidade de permanência14ou do estabelecimento de escritórios de representação nos locais que receberão o investimento15. Dados da UNCTAD demonstram que entre 1968-2010 apenas 37% de todos os tratados dispunham acerca de facilitação do trânsito de indivíduos, sendo o índice de disposições que tratam da transparência surpreendentemente mais baixo: apenas 9% dos acordos deste período os preveem16.
O incremento da discussão sobre o conceito de facilitação nos fóruns internacionais alterou um pouco esse cenário. Nos últimos anos, principalmente após a crise econômica de 2008, houve um aumento desse tipo de preocupação. Isso mostra uma tendência à aderência de tais previsões nas reformas ou nos novos acordos internacionais de investimento. Entre 2011-2016, por exemplo, o aumento da presença de cláusulas sobre facilitação de movimentação de indivíduos alcançou o índice de 59% e de transparência chegou a 46%.
O modelo brasileiro vai além da inclusão pontual de disposições sobre facilitação. Ele se assenta numa perspectiva de cooperação e facilitação. Este modelo surgiu como uma resposta pragmática e equilibrada ao sistema tradicional dos APPIs, que prezam pela proteção do investimento, corroborando a necessidade de reconfiguração dos acordos que regulamentam os fluxos de IED ao redor do globo. O Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimento, como o próprio nome sugere, foi desenvolvido visando os conteúdos e propósitos da facilitação.
1.2. O Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimentos: características que o tornam um acordo diferente dos tradicionais APPIs
O Protocolo, cuja proposta inicial foi apresentada pelo Brasil, segue influências e direcionamentos presentes nos ACFIs negociados anteriormente17. Por conta disso, é possível dizer que o PCFI, assim como ACFI, tem suas principais características provenientes de três pilares base (i) a governança institucional, exercida pelos Pontos Focais e pela Comissão Conjunta, em atenção à adoção dos princípios de transparência, participação e cooperação institucional, aplicados em toda execução do Protocolo; (ii) Mecanismos de mitigação de riscos e prevenção de disputas, exercido pelos Pontos Focais e pela própria Comissão Conjunta; (iii) Agendas Temáticas de Cooperação de Facilitação de Investimentos18. O PCFI mescla nestes pilares um conjunto de ações regulatórias, papéis institucionais e procedimentos administrativos com vistas a reduzir e eliminar potenciais e existentes obstáculos para os investidores por meio da facilitação e do desenvolvimento sustentável.
Podemos dizer que os pilares incorporaram as medidas de facilitação tanto por meio de princípios que deverão nortear as ações das partes, e por esse motivo estão dispostos em cláusulas abertas, quanto por meio de procedimentos de auxílio direto ao investidor, alguns estabelecidos no próprio Protocolo, como a prevenção de controvérsias, e outros a serem estabelecidos nas legislações nacionais, como os Pontos Focais. O modelo brasileiro dá prevalência às instâncias de prevenção em detrimento das de solução de controvérsias19.
O PCFI foi dividido em 5 partes. A primeira parte traz o objetivo do acordo, âmbito de aplicação e define, em especial, investimento e investidor, deixando claro que o tratado se aplica apenas ao investimento direto. A segunda parte aborda temas típicos de acordos de investimentos, como as cláusulas de não discriminação (tratamento nacional e nação mais favorecida), disposições sobre desapropriação direta e transferência de capitais, compensação em caso de perdas e algumas exceções.
A transparência, por exemplo, é enfatizada em todo o Protocolo, apesar de o artigo 8º tratar do tema especificamente. Ela melhora os resultados do acordo de investimento ao determinar a publicidade dos atos dos Estados, com melhores esforços para publicação em formato eletrônico; garantia de uma administração objetiva, imparcial e conforme o ordenamento jurídico; manifestação dos interessados quanto a essas medidas. Os interessados também poderão ser convidados a se manifestar quanto aos trabalhos da Comissão Integrada, responsável por administrar o Protocolo, conforme estabelece o artigo 17. Essa participação de setores privados e interessados dinamiza o Protocolo, pois garante o diálogo entre as partes e, em decorrência, promove a cooperação. A transparência também aparece no artigo 13 onde, de forma recíproca, exige-se dos investidores a obrigação de fornecer informações aos Estados Partes quando previsto na legislação.
A seção também conta com outros princípios que circundam a facilitação e são relativos às boas práticas empresariais que criam um ambiente favorável ao investimento20, influenciando principalmente a conduta do investidor. O PCFI se inclui entre os exemplos de novos acordos que trazem obrigações de compliance diretamente para os investidores, assim como o Acordo da Organização da Conferência Islâmica (OCI)21, o modelo indiano22 e o tratado entre Marrocos e Nigéria23. Tal abordagem ressalta a presença de obrigações recíprocas, rebalanceando os interesses dos investidores e dos países receptores de investimento. Estimula, ainda, o fluxo de investimento sustentável e cria um ambiente de confiança mútua24. Ademais, para o Estado receptor de investimento, há maior espaço para legislar sobre medidas de prevenção e combate à corrupção, conforme artigo 15, e sobre questões relacionadas a problemas trabalhistas, saúde e meio ambiente, conforme artigo 16.
A grande parte das inovações relacionadas à facilitação está presente na terceira seção do Protocolo, a qual trata da Governança Institucional e Prevenção de Controvérsias. Nesta parte há um forte direcionamento de procedimentos e práticas que devem ser executados por estruturas governamentais a partir da ratificação do Protocolo. O Brasil já possui essa estrutura que também está prevista nos acordos bilaterais ratificados anteriormente pelo país25.
Essas estruturas organizacionais - os Pontos Focais e a Comissão Integrada - são extremamente importantes para o bom desempenho do Protocolo já que eles são os responsáveis por administrá-lo conforme os princípios da facilitação, estabelecer as agendas de facilitação, dar auxílio direto ao investidor na fase pré e pós estabelecimento do investimento e prevenir as controvérsias.
Os procedimentos e práticas de facilitação destinadas à Comissão Integrada, instituída no artigo 17, são relativos ao compartilhamento de oportunidades para expansão de investimento mútuo, à prevenção de controvérsias - onde a Comissão deve buscar resolver empecilhos de modo amistoso - e, por fim, à discussão de temas a serem incluídos na Agenda de Cooperação e Facilitação de Investimentos.
Já os Pontos Focais deverão atuar de forma ainda mais direta, no dia-a-dia do investidor. Estabelecido no artigo 18, os procedimentos e práticas de facilitação a eles destinados estão relacionados à assistência aos investidores por meio de fornecimento de informações e acompanhamento em procedimentos junto aos setores administrativos envolvidos. Devido a essa forte ligação com os órgãos governamentais - no caso brasileiro, por exemplo, integra diretamente a estrutura governamental -, os Pontos Focais também atuam na prevenção de conflitos sugerindo modificações nos procedimentos, acelerando-os e intermediando a relação entre investidor e órgãos governamentais do país anfitrião. Busca-se que o investidor tenha à sua disposição “meios eficazes para superar dificuldades e desafios enfrentados para fazer e manter o investimento e promover um ambiente bom para os negócios”26. Seriam uma espécie de one-stop-shop para as reclamações recebidas, uma espécie de interlocutor institucional para tratar dos problemas em estágio inicial27.
A Comissão Integrada e o Ponto Focal têm papel importante na execução do Protocolo. Devem servir como instâncias de diálogo, onde sejam ouvidos Estados, investidores, setores privados nacionais e da sociedade civil. O artigo 19 contempla a troca de informação entre as partes por meio dessas instituições, relacionadas a oportunidades de negócios, procedimentos para instalação do investimento e eventuais alterações legislativas que possam influenciar os fluxos. Neste sentido, inclusive, afirma-se que “essas instâncias podem ser consideradas o núcleo institucional do Acordo, pois garantem a concretização dos compromissos firmados e o fortalecimento de diálogos entre as partes”28. Vale ainda adicionar que, o artigo 27 incentiva a cooperação entre as partes, através de suas agências de promoção de investimento, com a finalidade de identificar áreas de cooperação mútua e aprimorar o sistema de promoção do Estado parceiro.
Por fim, as Agendas de Facilitação e Cooperação constam na quarta seção do Protocolo e objetivam a identificação de temas e iniciativas do governo que possam incrementar os investimentos entre os países. Segundo Godinho, as agendas temáticas tornam esse modelo dinâmico devido a possibilidade de desenvolvimento de anexos que podem ser criados ao longo das relações bilaterais29.
O PCFI, na mesma linha que os ACFIs brasileiros, inova ao considerar outras necessidades dos investidores. É intuitivo pensar que existe um interesse de Estados e investidores na continuação da relação. É possível obter um compromisso cooperativo entre Estados e investidores. Os mecanismos de facilitação “amortecem” os atritos e impedem que que a escalada do conflito torne o rompimento da relação inevitável. Parece fazer sentido que se chame, assim, uma terapia de casais.
Afora a existência dessas medidas de facilitação, é elementar mencionar que o PCFI também detém cláusulas comuns encontradas nos demais APPIs. Algumas proteções não foram previstas devido à grande polêmica que as envolvem como, por exemplo, as cláusulas de tratamento justo e equitativo, de plena segurança e proteção, cláusula guarda-chuva e a expropriação indireta.
A exclusão expressa da cobertura da expropriação indireta, a ausência do tratamento justo e equitativo a investimentos e investidores e a não inclusão da arbitragem investidor-Estado, de natureza procedimental, constituem uma das diferenças mais relevantes em termos das garantias de tratamento entre o PCFI e os APPIs30. Questiona-se se a ausência dessas previsões, em especial da arbitragem investidor-Estado, pode ser suprida pela inclusão de cláusulas de facilitação de forma a ser visto como atrativo pelos investidores do bloco. Discutiremos, a seguir, o valor agregado da facilitação e do próprio PCFI na ausência das proteções supramencionadas, comuns em acordos de investimentos.
1.3. O valor agregado da facilitação vis-à-vis a limitação da proteção aos investimentos no PCFI
Conforme visto, o modelo adotado pelo MERCOSUL para regulamentação dos investimentos entre os Estados Partes não tem como objetivo principal a concessão de proteção aos investidores. Tanto que diversas previsões de proteções substantivas são bem mais limitadas se comparadas com os APPIs. Em verdade, o referido Protocolo segue um modelo que busca um maior equilíbrio entre a entrada de capitais estrangeiros, os direitos dos investidores e o direito de o Estado receptor do investimento legislar sobre as questões prioritárias. Indaga-se que vantagens a facilitação pode trazer para o bloco e se a presença dessas cláusulas compensaria, de alguma forma, a ausência da arbitragem investidor-Estado no PCFI.
Inicialmente, é importante considerar que não existe uma fungibilidade entre facilitação e arbitragem investidor-Estado. Contudo, ainda que não se possa fazer uma comparação acurada entre um e outro, se considerarmos que a facilitação traz benefícios aos investidores do bloco, podemos concluir pelo saldo positivo do PCFI.
Em consulta realizada em 13/12/2018, o sítio eletrônico da UNCTAD revela a existência de 2361 acordo bilaterais de investimentos e 310 tratados com disposições sobre investimentos em vigor31. Informa, ainda, a existência de 904 casos de arbitragem investidor-Estado conhecidos. De forma bem simplista, nos parece intuitivo que um grande fluxo de investimentos regulados por esses acordos passa longe de um processo arbitral. É claro que a possibilidade de demandar diretamente o Estado anfitrião em um tribunal arbitral independente é um payoff importante para o investidor32, mas não deve ser considerada a única medida de sucesso de um acordo. Se um acordo funciona bem, espera-se que as Partes cumpram seus termos e não haja a necessidade de incoar um procedimento arbitral. Consideramos, assim, que a facilitação constitui um payoff a ser considerado pelo investidor e que numa perspectiva global, o PCFI tem o potencial de favorecer os investimentos da região, sem incorrer em riscos típicos de um APPI.
Talvez o principal benefício da inclusão da facilitação é o fato de ser um elemento-chave para a reforma da governança institucional do acordo e das políticas de investimento estrangeiro33. Afinal, ela visa um ambiente transparente, previsível, eficiente e cooperativo, principalmente no que toca a ações administrativas e governamentais34.
Essa boa governança melhora o clima de investimentos como um todo e, nessa esteira, contribui para a atração de novos investimentos. Os investidores, por exemplo, ao definirem um local para aportar seu investimento, procuram por vantagens que vão além de proteções legais35. Nesse sentido, a diminuição de fatores como corrupção, crimes, impostos e o aumento do auxílio direto na estruturação dos investimentos, que diminuem o risco do projeto, são levados em conta na hora de decidir o destino dos aportes36.
Para corroborar, uma pesquisa realizada pelo Banco Mundial aponta o estabelecimento de um ambiente legal regulatório estável como segundo fator mais importante para alto fluxo de IED, sendo o primeiro o tamanho do mercado e seu potencial de crescimento37. O relatório afirma que reformas políticas que visam tornar o ambiente estável melhoram a relação custo-benefício e tornam o local mais atrativo por diminuir, por exemplo, custos indiretos relacionados à corrupção38. Essas medidas demandam a adoção de normas previsíveis, consistentes e transparentes que levam à diminuição de barreiras causadas por empecilhos burocráticos administrativos e, por criar um ambiente seguro, diminuem os gastos prudenciais dos investidores39.
Dependendo de como aplicadas, as medidas de facilitação também podem gerar oportunidades de negócios e potencializar o crescimento do mercado em setores específicos. Entretanto, tal incentivo irá requerer políticas específicas e seletivas por parte do governo para fornecer incentivos para o setor pretendido. Essa é justamente uma das tarefas das Agendas de Cooperação a serem desenvolvidas pela Comissão, as quais poderão integrar um instrumento jurídico específico, com cronogramas e atividades, e assunção de compromissos únicos voltados para um setor ou um objetivo. A possibilidade de discutir instrumentos correlacionados ao Protocolo dá grande dinamicidade a ele, visto que permite que as partes frequentemente estejam em contato buscando formas conjuntas de facilitar o investimento.
Ademais, analisando de modo mais detido a linguagem das medidas de facilitação constantes do PCFI, é possível notar que o acordo traz os objetivos a serem perseguidos, deixando aos Estados a decisão sobre como buscar esses objetivos. As medidas concretas devem observar esses objetivos, mas deverão ser tomadas pelas autoridades nacionais do modo que lhes aprouver, sendo efetivadas por meio das legislações domésticas. Além disso, não é estabelecido no PCFI quais serão os temas específicos a serem desenvolvidos pelas agendas, as políticas específicas de promoção, as medidas para ampliar a cooperação entre as agências, troca de informação, facilitação de processos administrativos e regras de compliance40.
O PCFI pretende se apoiar numa premissa de cooperação. Apriori, uma análise econômica das relações entre Estados e investidores indica que há uma convergência inicial de interesses, contudo, com o passar do tempo, Estados, numa ótica individualista, têm incentivos para se apropriar dos ganhos do investidor. Temendo essa ação expropriatória estatal, investidores podem deixar de investir. Tratados de investimentos, ao possibilitar que Estados infringentes incorram em penalidades, trazem maior segurança ao investidor41.
Por exigir a participação do Estado de nacionalidade do investidor na Comissão Integrada e na arbitragem entre Estados, talvez o PCFI não permita uma pressão tão forte como os tradicionais APPIs, já que o próprio investidor não pode iniciar diretamente uma arbitragem. Apesar disso, o foco na prevenção e a busca por soluções longe de um processo arbitral podem aumentar o clima cooperativo entre as partes. Esse clima cooperativo não se esgota na prevenção e resolução de conflitos. Ele é exercitado pela troca de informações, na busca de maior transparência e na discussão de assuntos de interesse comum.
O PCFI, à semelhança do ACFI, trabalha na mitigação de riscos42. Sendo assim, se bem implementada, a facilitação pode criar um ambiente de previsibilidade, enfraquecendo as barreiras geradas pelas incertezas institucionais. Neste sentido, ela pode aumentar inclusive a reputação estatal a partir da confiabilidade desenvolvida pelo surgimento de uma administração imparcial e eficiente. Uma boa terapia minimiza os conflitos e pode impedir uma separação.
A presença de medidas de facilitação e a ausência de arbitragem investidor-Estado podem estimular a entrada de investimentos produtivos e desestimular o chamado treaty shopping, em que investimentos são feitos com o objetivo de ter acesso a arbitragem internacional43. Podem, assim, promover o fluxo de IED de forma mais eficiente do que se acreditava com os tradicionais APPIs, que ofertavam proteções substantivas aos investidores como forma de atração dos investimentos44.
Por privilegiar a prevenção em detrimento da solução de controvérsias, toda a sistemática do acordo foi elaborada para que a reclamação seja decidida em momento inicial, pelo Ponto Focal, já que foi dado a ele todo aparato para comunicação com as instituições internas envolvidas. Caso o Ponto Focal falhe, seja pela falta de estruturação ou por sua atuação ser insuficiente para a resolução de problemas, o passo seguinte é o envio da controvérsia para a Comissão Integrada. Cabe ao Estado a análise sobre a proposição do caso perante o organismo em busca de uma resolução amigável. Se a controvérsia não for resolvida pela Comissão Integrada, o caso poderá ser levado para a arbitragem entre os Estados, já que não há previsão de arbitragem investidor-Estado.
Existem fortes críticas referentes à exclusão da arbitragem investidor-Estado como método de resolução de controvérsias e a existência apenas da arbitragem entre Estados. Isso porque esta última politiza a controvérsia, já que exige a chancela do Estado de nacionalidade do investidor. Tal método é desvantajoso para o investidor, pois ele não exerce qualquer controle sobre as discussões e os termos que os Estados chegarão, seja a nível preventivo dentro da Comissão Integrada, seja a nível arbitral, já que o procedimento estabelecido no Protocolo de Olivos não prevê a participação de particulares. Contudo, há quem veja a politização positivamente: a obrigação dos Estados de dialogar sobre o problema pode fazer com que ambos aufiram mútuos ganhos pela coexistência de soluções mais sensíveis que prezem pela cooperação45. Assim, fica garantida a soberania estatal e evita-se que casos desnecessários sejam levados à arbitragem, fazendo com que apenas aqueles que sejam suficientemente sérios estejam em pauta.
Além disso, a discussão do caso perante a Comissão Integrada e uma possível arbitragem entre Estados pode facilitar a resolução de conflitos de forma macro, colocando na mesa a política de um Estado. Enquanto numa típica arbitragem investidor-Estado discute-se, em regra, os danos sofridos por determinado investidor e, uma vez paga a compensação, encerra-se a discussão; o objetivo da arbitragem entre Estados é tornar a medida compatível com o acordo46. Isso significa que o Estado que tiver descumprindo o protocolo deverá reavaliar a medida impugnada e nesse movimento podem ser beneficiados investidores outros que sequer participaram do processo. A ausência da previsão da arbitragem investidor-Estado e a limitação de medidas de proteção substantivas levantam questionamentos sobre o potencial do modelo de lançar bases mais equilibradas para relações entre Estados e investidores estrangeiros.
A reforma dos tradicionais acordos de investimento busca justamente resolver o dilema entre criar um clima favorável ao investimento e remover barreiras que prejudiquem seu estabelecimento e proteger os interesses públicos regulamentados pelos Estados47. Sob esta ótica, comparado aos tradicionais acordos de investimento, o PCFI reduziu as proteções concedidas aos investidores. Tal fato poderia tornar o Estado receptor um local mais inseguro para os investimentos ao tempo em que ele aumenta o poder regulatório do Estado. Contudo, para compensar, o Protocolo foi construído em três pilares: a) cooperação e facilitação de investimentos; b) Governança Institucional por órgãos permanentes e c) mitigação de riscos, prevenção e solução de controvérsias48. Tais pilares trabalham em conjunto para equilibrar o modelo e concedem benefícios relacionados principalmente ao desenvolvimento da atividade empresarial.
Consideramos que esses pilares representam um payoff para investidores do bloco. Contudo, tais pilares podem não ser suficientes para compensar a ausência da arbitragem investidor-Estado e a limitação das proteções substantivas. O primeiro ponto a ser destacado é que o Protocolo demanda grande esforço das partes e é praticamente dependente do engajamento destas. O Protocolo exige a criação de organismos, como a Comissão Integrada e o Ponto Focal para sua administração e promoção. O Ponto Focal deve conhecer bem todos os processos administrativos que envolvem o investimento estrangeiro para conseguir fornecer auxílio ao investidor. Além disso, todo o sistema nacional deve estar comprometido em adotar os princípios de transparência e previsibilidade e trabalhar em colaboração com o Ponto Focal.
Há que se considerar, ainda, que Ponto Focal e a Comissão Integrada serão compostos por representantes designados pelo executivo. A Comissão Integrada é formada por representantes dos governos e os Pontos Focais serão instituídos dentro dos Ministérios. Esses dois organismos são responsáveis por garantir toda a aplicabilidade do Protocolo, afinal de contas, cabe a eles a prevenção das controvérsias, mitigação de riscos, aperfeiçoamento de processos administrativos internos que visem a transparência e cooperação, formação das agendas de cooperação e facilitação, troca de informações sobre oportunidades de negócios, procedimentos e requisitos de investimento, entre outros. Sendo assim, se cada Estado parte não se engajar em garantir uma estrutura forte e organizada, os organismos não conseguirão cumprir estas funções essenciais para a facilitação do investimento. Portanto, o bom funcionamento desses canais vai depender, em última instância, do interesse dos países membros em dotar esses órgãos da estrutura e autonomia necessárias para realização do trabalho.
Além disso, a atuação desses órgãos, bem como a própria decisão de encampar um pleito de um investidor para fins de iniciar uma arbitragem Estado-Estado, acabam por privilegiar investidores que tenham boas relações com o Estado. Com isso em vista, questiona-se se pequenas empresas, que têm baixa influência econômica e poder de atuação, terão o mesmo tratamento que grandes conglomerados econômicos perante a Comissão Integrada na defesa de seus interesses.
Além da dúvida acerca da imparcialidade da Comissão para encaminhar e decidir as controvérsias, os acordos podem acobertar influências também no que toca a sua tarefa de construção da Agenda Temática. As Agendas são construídas segundo a soberania e interesse do Estado, de modo que podem vir a demonstrar assimetria já que investidores e empresários com maior poder e influência são capazes de opinar junto aos Pontos Focais e à Comissão Integrada seus anseios, deixando em segundo plano os interesses e benefícios reivindicados pelos investidores menores49.
Cabe destacar, ainda, que diferentemente dos ACFIs celebrados, por exemplo, com México, Colômbia, Suriname, que trazem previsão sobre uma arbitragem compensatória50, o PCFI se remete ao Protocolo de Olivos sem trazer mais detalhes. O artigo 1º do Protocolo é específico ao prever o uso do mecanismo para resolver “controvérsias que surjam entre os Estados Partes sobre interpretação, a aplicação ou não cumprimento”51, gerando dúvida sobre a possibilidade de Estados firmarem um compromisso arbitral específico, no âmbito do Protocolo, para examinar prejuízos causados a um investidor.
Afora os problemas de execução do Protocolo, também se questiona como serão desempenhadas algumas medidas de facilitação. Investidores com grande poder de barganha são capazes de incentivar a criação de normas domésticas que, no fim, podem não trazer um benefício econômico-sustentável, comprometendo, inclusive, a capacidade do Estado em regular. Sobre este aspecto, a facilitação em si, apesar de ter uma conotação positiva, pode trazer consequências negativas para alguns países que ainda estão discutindo e elaborando propostas em relação ao tema.
Em suma, os resultados do PCFI vão depender do engajamento dos Estados partes do bloco, sob pena do acordo converter-se em uma carta de intenções. Do ponto de vista prático, os investidores continuam muito dependentes de seus Estados de nacionalidade. Não se descarta, contudo, que o protocolo possa ser invocado perante as cortes locais, funcionando como mais um elemento de pressão sobre Estados recalcitrantes.
Em arremate, conclui-se que se todas as partes não estiverem dispostas a negociar e promover concessões por meio da facilitação, de trabalhar em pautas conjuntas, adotar outras medidas de cooperação e fornecimento de um ambiente favorável, o Protocolo poderá se tornar um instrumento com pouca utilidade. A prática fornecerá respostas sobre a efetividade desse novo modelo vis-à-vis os tradicionais APPIs.
CONCLUSÃO
Ao longo do trabalho constatou-se que é recente a proliferação de medidas de facilitação nos acordos que buscam regular o fluxo de Investimento Estrangeiro Direito. Não há ainda um conceito harmônico sobre o termo entre a comunidade internacional, mas é possível identificar o conceito a partir de princípios de transparência, cooperação e eficiência, os quais devem reger as ações das partes. O conceito se reflete, ainda, em ações diretas de auxílio ao investidor, a serem tomadas pelo aparato Estatal.
Na América do Sul, o Brasil aparece como voz na defesa das medidas de facilitação por meio do seu modelo de Cooperação e Facilitação de Investimentos e das discussões no âmbito da OMC. O PCFI, inspirado nos ACFIS, notabiliza-se por observar as recentes críticas direcionadas aos tradicionais acordos de investimento e, oferecer uma alternativa aos APPIs, em especial, para a arbitragem investidor-Estado. Propõe, em substituição, instâncias de prevenção de controvérsias e arbitragem Estado-Estado.
Para compensar essa limitação das cláusulas de proteção, o modelo buscou equilibrar a relação com a inclusão das cláusulas de facilitação. Tais disposições, assim como as de proteção, também concedem benefícios aos investidores, mas possibilitam maior controle por parte dos Estados. Os benefícios das cláusulas de facilitação aproveitarão os investidores no momento de seu estabelecimento e durante a atividade econômica do investidor e não apenas no “momento do divórcio”, quando Estado e investidores estiverem frente a um tribunal arbitral.
O Protocolo pode ser analisado sob duas dimensões. A primeira, direcionada aos princípios que a envolvem, se materializa nos vários preceitos de boa conduta espalhados por todo o Protocolo, tais como transparência, intercâmbio de informações e de melhores práticas, publicação de atos, medidas anticorrupção, entre outros. A segunda dimensão, direcionada a formas de auxílio direto ao investidor, será efetivada pelas novas instituições criadas, que dão dinamicidade ao acordo - a Comissão Integrada e o Ponto Focal. Tais instâncias permitirão que os investidores se manifestem acerca das políticas relacionadas ao investimento. Da mesma sorte, nas Agendas Temáticas, os Estados conseguirão direcionar os setores e procedimentos burocráticos que deverão ser alcançados pelas medidas de facilitação.
Se bem aplicadas, as medidas de facilitação podem criar um ambiente regulatório estável e transparente e, ainda, proporcionar potencial de crescimento para um determinado mercado. Havendo o engajamento dos governos dos países do bloco, o resultado final do trade-off será benéfico aos investidores.
Contudo, o Protocolo ainda não está vigente no MERCOSUL, de modo que não é possível constatar se as medidas de facilitação têm o potencial real de tornar o ambiente mais cooperativo e atraente para esses investimentos sustentáveis, como, em tese, se espera.
O sucesso do PCFI requer uma constante interação entre setores diplomáticos, agências governamentais e os novos organismos criados pelo acordo, partes do executivo. Todos eles, em conjunto e/ou individualmente, são responsáveis tanto por observar as normas de boa-conduta de forma geral, quanto por cumprirem as medidas de facilitação propostas. Logo, para que o acordo seja bem administrado, deve existir um executivo comprometido com a adoção dos mecanismos de facilitação, encarando-os como política de Estado, que seja capaz de criar um ambiente previsível, que desenvolva a transparência e gere a cooperação entre os Estados. Como consequência, espera-se que o dia-a-dia do investidor seja facilitado, inclusive com instâncias de discussão de eventuais problemas com o Estado anfitrião.
Potencial não falta ao novel acordo. Não basta, contudo, que as partes envolvidas compareçam às sessões de terapia. É preciso que se engajem no processo e busquem solucionar os conflitos. Só assim será possível manter o relacionamento, de interesse dos Estados e investidores estrangeiros.