INTRODUÇÃO
O estudo da quantificação da transferência de fósforo em bacias hidrográficas (BHs) tem sido estimado mediante técnicas como o monitoramento de campo ou através do uso de modelos de simulação, de acordo com os dados disponíveis e a capacidade do usuário de utilizar cada uma destas técnicas (McDowell et al. 2001). O monitoramento de campo em BHs, mesmo com quantidade adequada de recursos, é bastante oneroso e de difícil acompanhamento, sendo que muitas vezes os sistemas tradicionais de coletas de solo e de água adotados não se mostram eficientes na determinação da poluição difusa. Por isso, opta-se pelo uso de modelos de simulação para o estudo de perda de água, sedimento e nutrientes em BHs (Tucci e Mendes 2006; Minella e Merten 2011).
As áreas com risco potencial de transferência de P das áreas agrícolas para os cursos hídricos em bacias hidrográficas rurais podem ser mapeadas pela sobreposição de planos de informações com o uso de um ambiente SIG (Sistema de Informação Geográfica). O uso de um índice designador de áreas de risco denominado de índice de fósforo (IP) foi proposto visando o planejamento e a gestão adequada de bacias hidrográficas rurais. O IP é uma ferramenta que auxilia na identificação de áreas onde as fontes de P coincidem com o elevado risco de sua transferência aos corpos d’água, classificando o risco em escala de muito baixo a excessivo, por meio do cruzamento de fatores de fonte e de transporte. Tem como princípio à conciliação das recomendações agronômicas com os aspectos ambientais da BH, utilizando parâmetros que servem de base para o planejamento de práticas de uso, manejo e conservação do solo e da água. Por isso, o IP é útil na tomada de decisões, apresentando-se como uma ferramenta adicional na gestão de áreas agrícolas por agricultores e técnicos.
O IP foi proposto inicialmente nos EUA (Lemunyon e Gilbert 1993) e, desde então, distintas versões foram desenvolvidas. Elas consideram as condições locais, modificando ou agregando novos fatores que apresentam influência no movimento de fósforo de áreas agrícolas para os sistemas aquáticos (Sharpley et al. 2001). Atualmente o IP é amplamente utilizado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e está sendo testado em vários países, inclusive no Brasil (Oliveira et al. 2010). A maior parte dos trabalhos considera a combinação de fatores para predizer as áreas com potencial de transferência de P para os ecossistemas aquáticos. Entre elas, destacam-se, as áreas preferenciais de formação de escoamento superficial, o grau de erosão, a distância de um determinado ponto ao curso d’água, a quantidade de fósforo encontrada no solo e, até mesmo, a maneira que este elemento foi aplicado no solo (Lemunyon e Gilbert 1993, Veith et al. 2005, Oliveira et al. 2010). Uma vez identificadas às áreas críticas, práticas de uso, manejo e conservação do solo e da água podem ser aplicadas de maneira mais eficaz (Veith et al. 2005, Lopes et al. 2007).
Para melhor estimar as perdas, além de fatores como, a erosão do solo na bacia hidrográfica, o teor de fósforo no solo e distância ao curso hídrico, foram agregados aos modelos características do solo, de classe de escoamento do solo, de declividade, de frequência de inundação, de potencial de percolação do nutriente no solo, da porcentagem de saturação de fósforo, das épocas, doses, fontes e formas de fertilização fosfatada, das práticas de manejo de lavoura, dos padrões dos cultivos, do estabelecimento da área de preservação permanente (APP) e do período de recorrência das chuvas (Sharpley et al. 2001, Nair e Graetz 2004, Delaune et al. 2004). A incorporação de mais parâmetros, embora aumente a complexidade, permite mais opções para o técnico ou agricultor na tomada de decisão, quanto à quantidade de fertilizante a ser aplicado e, principalmente, no gerenciamento de dejetos, quando este é utilizado como fertilizante. Esse procedimento é mais eficiente do que simplesmente diminuir as taxas de aplicação (Sharpley et al. 2003).
Embora o IP seja bastante popular nos EUA, refletindo boa capacidade de prever a possibilidade de contaminação dos cursos hídricos, no Brasil existem poucos estudos testando este método em bacias hidrográficas. Então, o objetivo do presente trabalho foi verificar o ajuste de três versões do IP na estimativa da transferência de fósforo por escoamento superficial para a rede de drenagem em uma bacia hidrográfica rural no sul do Brasil.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado em uma bacia hidrográfica (BH) rural (78,3 ha), que se encontra localizada no assentamento de reforma agrária Alvorada, município de Júlio de Castilhos, Rio Grande do Sul, Brasil. As águas do assentamento drenam para a bacia hidrográfica do Alto Jacuí. A hierarquia fluvial da BH seguindo os critérios introduzidos por Strahler (1957) é de terceira ordem. A BH apresenta fator forma de 0,47 e coeficiente de compacidade de 1,34. O tempo médio de concentração e o tempo médio de pico são 82 e 210 min, respectivamente. Conforme Rossato (2011), o clima do município é classificado como Cfa - subtropical mediamente úmido com variação longitudinal das temperaturas médias. A temperatura média anual varia de 17 a 20°C e a precipitação pluvial com média entre 1500 e 1700 mm anuais, bem distribuídas durante o ano. A BH apresenta relevo homogêneo, formado de modo geral por colinas suaves, bem arredondadas e com declividade média de 0,07 m m-1 (54,6% da área possui declive inferior a 8% e 7,8% da área da BH apresenta declive superior a 15% (Figura 1b)).
A classe de solo predominante na área de estudo são os Argissolos e em menor proporção os Neossolos, os Cambissolos e os Gleissolos. A textura média de 20 amostras de solos contemplando toda a variabilidade de solos presentes na BH para a camada de 0-20 cm foi de 67,2 ± 5,3% de areia, 17,4 ± 3,4% de silte e 15,4 ± 3,9% de argila. O principal uso da terra na BH é o cultivo de culturas anuais, representando 66,9% da área total da bacia. Os demais usos da terra são pastagens de verão e campo nativo (12,0%), áreas úmidas (14,8%), silvicultura (1,39%), mata (1,50%), açudes (0,4%), estradas (1,8%) e as sedes das propriedades com 1,21% da área total (Figura 1a).
O sistema de produção predominante na BH é baseado no cultivo de soja e milho sob sistema plantio direto (SPD), com o uso de fertilizantes e agrotóxicos no verão, e pastoreio de aveia e azevém pelo gado no inverno. Estas áreas sofrem com a erosão em entressulco e erosão em sulco em razão da baixa adoção de sistemas de controle do escoamento superficial e pela reduzida cobertura do solo no período do inverno.
Para estimar o IP foram usadas três versões: o IP Pensilvânia ou Original (Lemunyon e Gilbert 1993 - Tabela 1), o IP do Estado do Alabama (NRCS 2001 - Tabela 2) e o IP de Nebraska (Eghball e Gilley 2001 - Tabela 3). Todas as versões são aditivas e foram escolhidas por facilitar a aplicação do IP, com fatores e pesos bem definidos, possibilitando a obtenção do IP a partir dos dados experimentais. O IP foi obtido considerando os diferentes parâmetros de acordo com cada metodologia, multiplicados pelo seu fator de ponderação. Para cada versão os resultados apresentam a vulnerabilidade da área e a interpretação de risco de contaminação. A transformação do valor numérico em um índice de risco de contaminação com fósforo (IP) foi determinado de acordo com a Tabela 4.
Para obter os parâmetros necessários nas diferentes versões e para a validação do melhor método (Tabelas 1; 2 e 3) foram realizados levantamentos topográficos, aplicação de equação, análises de solo e entrevistas com os agricultores.
O fator de perda do solo foi obtido utilizando a equação universal de perda de solo revisada (RUSLE) (Renard et al. 1997), sendo definida pela equação 1:
A erosividade da chuva (R) foi obtida a partir de dados de precipitação, pelo índice EI30 (Wischmeier e Smith 1978). O mapa de erodibilidade do solo (K) foi definido seguindo a metodologia proposta por Denardin (1990). O fator topográfico (LS) foi determinado utilizando o software ArcGis®, baseado no Modelo Numérico do Terreno (MNT). O MNT, com resolução de 5 x 5 m, foi gerado a partir de levantamento planialtimétrico com um aparelho de posicionamento cinemático em tempo real (RTK) tomando 4029 pontos na bacia hidrográfica. O interpolador utilizado foi o Topo to Raster, que interpola uma superfície hidrologicamente correta a partir de linhas e pontos. Foram usados somente pontos disponível no módulo Spatial Analyst Tools do software ArcGis®. O fator manejo de culturas (C) foi gerado mediante imagem do satélite QuickBird de 22/02/2008, sendo, a campo, verificados e corrigidos os resultados obtidos em laboratório. Para o fator P foram usados valores de acordo com Wischmeier e Smith (1978).
Para determinar a perda do solo (A) na bacia hidrográfica foi realizado o cruzamento dos diferentes planos de informações representados pelos fatores da equação na forma de matriz numérica com resolução de 10 x 10 m no software ArcGis® (Mitasova et al. 2011).
O plano de informação com o nível de fósforo do solo da camada de 0-10 cm (<2 mm) foi gerado a partir da determinação do teor de fósforo disponível (Mehlich I - Tedesco et al. 1995), sendo que foram coletadas 41 amostras distribuídas nos diferentes usos da bacia hidrográfica, sendo 23 de lavouras, 12 de pastagem e 6 de mata.
As doses, formas e método de aplicação de fósforo foram estimados por meio de entrevistas junto aos agricultores das bacias hidrográficas em estudo, e posteriormente classificados de acordo a faixa apresentada pelas diferentes versões de IP.
A distância entre um ponto determinado da bacia hidrográfica e os corpos de água foi determinada com ajuda do software ArcGis®. A distância da área agrícola ao rio foi definida como sendo a distância entre o ponto da área mais próximo ao fluxo de água (Flynn et al. 2000, NRCS 2001).
Para determinar o maior ou menor risco do fósforo contaminar o curso hídrico foi confeccionado com plano de informação na forma de matriz numérica com resolução de 10 x 10 m com a distância de cada pixel aos cursos hídricos. Posteriormente as matrizes com os diferentes planos de informações no ambiente SIG foram multiplicados entre estes e os mesmos geraram plano com informações referente ao risco potencial de contaminação por fósforo na bacia hidrográfica, denominado IP. A transformação do valor numérico em um índice de risco de contaminação com fósforo foi determinado para cada metodologia de acordo a tabela 4.
Os dados de escoamento superficial, precipitação e produção de sedimento na BH foram obtidos a partir da construção de Calha Parshall com largura crítica (Lc) de 1,22 m gerando vazão mínima de 0,013 m3 s-1 e máxima de 2,68 m3 s-1. Na mesma foram instalados um linígrafo e um turbidímetro, para medida de lâmina d’água e da concentração de sedimento em suspensão, respectivamente. Ambos os aparelhos foram conectados a um datalogger que registrou os dados a cada 5 minutos, o qual também registrava a intensidade da chuva com auxílio de um pluviógrafo.
Para validação dos resultados dos equipamentos em inúmeros eventos pluviométricos foram obtidos valores reais em um pluviômetro instalado na bacia, realizada a leitura direta da lâmina d’água na calha e determinado em laboratório a concentração de sedimentos em suspensão (CSS). Para a CSS foram realizadas amostragens de água + sedimento manualmente a cada variação na altura da lâmina de água, sendo o número e a frequência de amostragem definidos de acordo com as condições de cada evento. Para a coleta utilizou-se um amostrador manual do tipo US DH-48.
Para determinar o teor de fósforo total as amostras de solo e sedimento foram submetidas a digestão nitroperclórica e determinadas por colorimetria, no Laboratório de Química e Fertilidade do Solo da Universidade Federal de Santa Maria.
Em decorrência dos baixos níveis de P no solo foi construído o cenário em que o nível de P fosse adequado para altas produtividades das culturas agrícolas utilizadas na região. Para isso, foi seguido o nível de suficiência considerando os valores estabelecidos pela CQFS-RS/SC (2004), atribuindo o nível médio para as áreas agrícolas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As três versões do Índice de Fósforo utilizados na BH apresentaram variações na estiva da perda potencial de P (Tabela 5).
A versão do IP da Pensilvânia apresentou 77,1% da superfície da BH como sendo de “Baixa” vulnerabilidade à perda de P, com 55,5% destas áreas encontradas sob o uso agrícola. As áreas com risco “Médio” de perda chegam a 14,1%, encontrado na totalidade em áreas agrícolas. Estas áreas necessitam de acompanhamento para não se tornarem fontes de poluição de fósforo aos cursos d’água. Já as áreas com maior potencial de perda (“Alto”) da BH perfazem 8,8%, estas foram encontradas 67,8% sob o uso agrícola (Tabela 5; Figura 2a). Para as áreas ocupadas por pastagem e por banhados, que geralmente se encontram próximos aos cursos hídricos, o modelo mostrou baixo potencial de perda de P. O problema de transferência de P aumenta quando se aumenta os níveis “Médio” e “Alto” especialmente quando as áreas cultivadas têm alta declividade. Nessas áreas, necessita-se de ajustes das doses e a implementação de práticas complementares de conservação do solo. Isto evidencia a influência antrópica em aumentar os níveis de P do solo para fins produtivos.
A versão do IP da Pensilvânia dá peso similar à perda de solo e água e aos fatores relacionados à dinâmica do fósforo. Portanto, em áreas com maior erosão, mas com baixo teor e com baixas quantidades de fertilizantes fosfatados aplicadas não resulta em potencial de contaminação, o que é correto hidrológica e quimicamente. Nesse sentido, Oliveira et al. (2010) constataram que este método foi o que melhor representou a perda de P numa BH, e verificaram que os fatores do teor de P no solo e a forma de aplicação de P orgânico foram os que mais contribuíram na concentração de P no escoamento superficial.
A versão do Alabama foi a que apresentou menor estimativa de contaminação dos recursos hídricos por P. A classe de “Baixa” vulnerabilidade à perda de P representou 97,7% da área da BH (Tabela 5). As demais áreas que são classificadas com vulnerabilidade “Média” (1,6%) e “Alta” (0,5%) foram localizadas nas margens dos drenos construídos em áreas úmidas para serem utilizadas como lavouras (Figura 2b). Isto evidencia o maior peso dado por essa versão aos locais próximos aos cursos hídricos propensos a transferir P.
As áreas de lavouras, que possuem os maiores teores do P no solo entre os usos, foram responsáveis por 62,4, 75,0 e 97,4% da porcentagem de superfície classificada como de vulnerabilidade “Baixa”, “Média” e “Alta” à perda potencial de P, respectivamente. Esta versão conseguiu discriminar apenas as áreas agrícolas próximas aos cursos hídricos, onde as mesmas não se encontram protegidas por vegetação nativa. Os dados obtidos de perda de P nas medições realizadas na calha da BH (Rasche 2014) se adequam a o estimado pela versão do Alabama.
A versão do IP de Nebraska foi a que apresentou maior vulnerabilidade a contaminação entre as três versões (Tabela 5; Figura 2c). Mais de 22% da área foi classificada como de Alta probabilidade de contaminação dos recursos hídricos por fósforo. Agrega-se, ainda, mais 8,8% da área que foi classificada como de “Média” vulnerabilidade. No entanto, mais de 68% da superfície continua sendo enquadrada na classe de “Baixa” vulnerabilidade à perda de fósforo.
Para as áreas de lavoura a versão IP Nebraska classificou como “Baixa” e “Alta” 62,6 e 87,5% das áreas, respectivamente (Figura 1a). As maiores transferências foram estimadas como sendo as áreas com declives superiores a 8% (Figura 1b). Por esse motivo, a maior parte da área ocupada por lavoura foi enquadrada como de “alta” vulnerabilidade.
A enorme quantidade de área classificada como de “alta” vulnerabilidade de perda potencial de P da versão de Nebraska ocorre porque a mesma atribui muito peso á erosão do solo. Adicionalmente, essa versão somente tolera baixíssimas perdas de solo, comparativamente às outras versões. Por exemplo, áreas com perda de solo superior a 10 Mg ha-1 ano-1 já têm índice 8, o que leva a classificar o mesmo como de vulnerabilidade “alta”, sem mesmo considerar os demais parâmetros como o teor de fósforo no solo ou a forma e a taxa de aplicação (Tabela 3).
A versão do IP de Nebraska não se correlaciona com os dados reais de perda de P e de sedimento, medidos na presente bacia hidrográfica. No entanto, ela poderá ser muito útil para simular condições de adição de doses de fosfatos necessárias a altas produtividades, pois se baseia no princípio de que se tiver erosão e for aplicado fosfato na camada superficial terá grande possibilidade dele ser transferido aos cursos hídricos. Exemplo disso é o trabalho feito por Schendel et al. (2004) que, monitorando uma bacia hidrográfica rural do Rio Elk Creek no Canadá, constataram boa previsão das perdas de P. O método ajustou-se as quantidades de fósforo total na água devido às alterações de uso do solo. Observaram que o teor de P aumenta a jusante da bacia, incrementando a vulnerabilidade de perda de fósforo do solo para os corpos de água, e que a intensidade do uso do solo era o principal componente do P-index.
A versão do IP Alabama é o que mais se assemelha ao que realmente ocorre na BH, pois foi observada baixa perda de sedimento em suspensão na BH. A quantidade de sedimento em suspensão que passou pela seção controle (calha do exutório) foi de 5,1 Mg e 22,3 Mg para 2011 e 2012, respectivamente. Essas perdas correspondem a 0,064 e 0,280 Mg de sedimento ha-1, para 2011 e 2012, respectivamente.
Similarmente, as perdas de P total foram muito baixas. Em seis dos dez eventos pluviométricos monitorados na BH entre 2011 e 2012, o valor de P total médio durante foi menor do que 0,1 mg L-1, enquadrando-se na Classe I da Resolução no 357 (2005) do CONAMA. Mesmo considerando os valores máximos de concentração de P na água do arroio, somente em seis eventos a água continha mais do que 0,1 mg L-1. Isso é coerente com a enorme carência de fósforo disponível dos solos cultivados. O teor de fósforo total dissolvido na água do arroio, quando em fluxo de base, era tão baixo que não era detectado mesmo pelo método de Murphy e Riley (1962).
A pouca perda de P ocorre porque existe baixa taxa de aplicação de fertilizante fosfatado nas lavouras e não há fertilização das pastagens. Embora existam lavouras com erosão moderada e alta, grande parte do solo erodido fica depositada nas áreas úmidas e não há entrada de grandes quantidades de sedimento e de P ao curso hídrico. A pequena quantidade de P que é carreada para o sistema aquático ocorre em eventos pluviométricos de grande intensidade. Tiecher et al. (2014) verificaram que grande parte do sedimento que chega ao exutório da BH provém das estradas, o qual possui baixíssimas quantidades de P quando comparado àquele proveniente das lavouras.
Os agricultores assentados pelo processo de reforma agrária dessa bacia hidrográfica utilizam subdoses de fertilizante industrializados. O método de aplicação do fósforo na BH é a incorporação durante o plantio das culturas na linha de semeadura do cultivo a 5 a 10 cm de profundidade. A quantidade de dejetos animais produzidos e aplicados é desprezível sob o ponto da nutrição de plantas e, logicamente, não apresentam nenhum potencial de contaminação dos mananciais de água.
De acordo com o IP Alabama, que leva em conta a largura da faixa de vegetação nativa e a distância das lavouras aos cursos hídricos, as áreas localizadas próximas à rede de drenagem apresentam maior vulnerabilidade de contaminação da água por P. A área monitorada tem faixa muito estreita de preservação da mata ciliar e até em longas distâncias dos córregos não há área de preservação permanente. Pellegrini et al. (2008) já haviam demostrado que as áreas que não possuem APP são as que geram maior quantidade de sedimento. A presença de pastagem natural é fundamental importante, pois retarda o escoamento superficial e permite a retenção de sedimento, funcionando como uma barreira biológica contra a erosão do solo. Mesmo que exista área com média declividade e que são utilizadas para o cultivo de plantas anuais, na bacia monitorada, as áreas próximas ao curso hídrico são planas e ocupadas por áreas úmidas, possibilitando reter o sedimento antes que este chegue ao curso hídrico. No entanto, em trabalho realizado por Capoane et al. (2016a) nessa mesma bacia hidrográfica, as áreas úmidas apresentaram os maiores teores de fósforo disponível no solo da camada superficial comparativamente a outras áreas, mesmo aquelas cultivadas. Isto revela o grande potencial desses locais no sequestro de poluentes bem como o manejo inadequado das atividades agrícolas e pecuárias desenvolvidas na bacia hidrográfica. Adicionalmente, num outro artigo, Capoane et al. (2016b) comparando duas pequenas bacias hidrográficas com variações nas áreas de mata ciliar e áreas úmidas concluíram que a qualidade da água é moderada pela presença dessas duas categorias de uso da terra: maior área de zonas úmidas ribeirinhas pode compensar a menor presença de mata ripária, e vice-versa.
Simulando-se cenário de uso das doses recomendado pela CQFS-RS/SC (2004) logicamente que houve o aumento do teor de P no solo. Os dados reais de disponibilidade de fósforo mostraram que somente oito amostras tinham teor “médio” e as demais eram classificadas como de “baixa” ou “muito baixa” disponibilidade (CQFS-RS/SC 2004). Simulando-se aplicações de fosfato em doses suficientes à obtenção de altas produtividades, as três versões de IP previam que todas as amostras de solo das áreas fertilizadas atingiriam teor “médio”.
Somente quando se utilizou a versão do IP de Pensilvânia é que foi constatado aumento significativo na transferência de fósforo do solo aos sistemas aquáticos. A pouca influência do aumento de P no solo sobre o IP nas diferentes versões se deve ao fato que o peso dado ao teor de P do solo frente aos outros fatores que formam a equação das diversas versões do IP é baixo sendo de 12,9% da Pensilvânia (Tabela 1); 6,25% de Nebraska (Tabela 2) e 3,8% do Alabama (Tabela 3).
Simulação feita com a versão IP Pensilvânia provocou desaparecimento da faixa de vulnerabilidade “Baixa” (77,1% para 0,4%). A maior parte dessa área passou a ser classificada como “Média”, a qual aumentou de 14,1% para 81,9%, em relação aos dados reais e originais. A faixa classificada como “Alta” também sofreu aumento de 9% com o novo cenário (Figura 3a). Evidentemente que essas mudanças ocorreram principalmente nas áreas agrícolas. Grande parte da área agrícola se encontra em zona com declividade superior a 8%, não há práticas mecânicas de controle da erosão e tampouco o solo é mantido constantemente coberto. Então, mesmo se adotando o SPD há grande de perda de solo e com incremento nos níveis de fósforo disponíveis, também, haverá enormes transferências desse nutriente aos cursos d’água.
Contrariamente ao IP Pensilvânia, o uso da versão de Nebraska manteve mais de 68% da superfície da BH na classe de “Baixa” vulnerabilidade as perdas de fósforo. No outro extremo, 14,5% da área anteriormente classificada como de “Alta” vulnerabilidade à perda de fósforo passou a ser considerada com de “Muita Alta” vulnerabilidade de perda potencial de P (Tabela 6). Quanto maior for a distância de um ponto até o córrego, menor será a possibilidade de transferência de fósforo aos cursos d’água. No entanto, em eventos pluviométricos extremos até mesmo o fósforo localizado a grandes distâncias pode chegar aos cursos hídricos (Sharpley et al. 2008). Estes autores estudaram 248 eventos ocorridos entre 1997 e 2006 e verificaram que 93% dos eventos apresentam período de recorrência de um ano e foram responsáveis pela perda de 47% do fósforo total. Já os dois maiores eventos, com período de recorrência de 10 anos foram responsáveis pela perda de 23% do fósforo total.
O uso de modelos extremamente simples como o IP pode ajudar a focar a atenção dos agricultores sobre o risco de perdas de fósforo das lavouras e definir medidas corretivas para áreas onde eles terão o maior benefício no controle da erosão e perda de nutrientes.
As simulações alertam que mesmo quando se adota sistema de plantio direto em áreas relativamente planas (± 8-10% de declividade), ao se elevar as taxas de aplicação de fertilizantes fosfatados a fim de assegurar altas produtividades ocorrerão aumentos significativos nas quantidades de fósforo transferido para os ambientes aquáticos. Recomenda-se, portanto, a implantação de algumas práticas mecânicas (no mínimo a construção de terraços e a semeadura em nível); a adoção de práticas culturais de controle da erosão (cobertura do solo permanentemente com plantas vivas ou seus resíduos) e a preservação de mata ciliar e as áreas úmidas próximas às nascentes e cursos de água.
CONCLUSÕES
O índice de fósforo usado no Alabama é a versão que melhor se ajusta para a reprodutibilidade das perdas reais de sedimentos e para a estimativa da vulnerabilidade da perda potencial de fósforo na bacia hidrográfica.
O índice de fósforo usado no Nebraska é a versão com maior sensibilidade na simulação do cenário com aumento de P no solo, mostrando ser adequada na previsão de locais preferenciais de perdas de fósforo e, consequentemente, apontando para ações necessárias a serem adotadas para mitigar os impactos negativos que poderão advir do uso de doses de fertilizantes adequadas a altas produtividades.