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Revista de la Secretaría del Tribunal Permanente de Revisión

Print version ISSN 2307-5163On-line version ISSN 2304-7887

RSTPR vol.3 no.5 Asunción Mar. 2015

https://doi.org/10.16890/rstpr.a3.n5.339 

Artículo Original

Os investimentos estrangeiros e o direito ao desenvolvimento

Las inversiones extranjeras y el derecho al desarrollo

Ana Rachel Freitas da Silva* 

*Ministério da Fazenda, Brasil.


Resumo:

A história econômica brasileira indica a opção por políticas públicas que atraíssem o capital estrangeiro para o país, sob o argumento de que seria uma fonte alternativa de financiamento para o desenvolvimento. Contudo, a associação entre investimento estrangeiro e desenvolvimento leva em consideração um conceito restrito de desenvolvimento, que pode ser medido pelo crescimento econômico. As questões envolvendo os investimentos estrangeiros devem considerar o desenvolvimento como um direito humano, amparado por documentos internacionais e pela Constituição Federal Brasileira.

Palavras-chave: Inversiones; Desarrollo; Derechos Humanos

Resumen:

La historia económica brasileña revela la opción por políticas públicas que atrajeran el capital extranjero, con el argumento de que sería una fuente alternativa de financiamiento del desarrollo. Sin embargo, la asociación entre inversiones extranjeras y desarrollo se basa en un concepto restrictivo de desarrollo, que puede ser medido por el crecimiento económico. Las cuestiones que involucran las inversiones extranjeras deben considerar el desarrollo como un derecho humano, amparado por documentos internacionales y por la Constitución Federal Brasileña.

Palabras clave: Investimentos; Desenvolvimento; Direitos Humanos

1. INTRODUÇÃO

O ingresso do capital estrangeiro sempre foi festejado e sobre ele depositada a esperança do financiamento do desenvolvimento do país. Contudo, é importante investigar a qual tipo de desenvolvimento essa expectativa está atrelada. Parece-nos, inicialmente, que o desenvolvimento proporcionado pelo capital estrangeiro poderia ser avaliado em termos econômicos, como sinônimo de crescimento econômico. Na utilização de índices como Produto Interno Bruto, Exportações, Formação Bruta de Capital Fixo, Formação de Capital Humano, conclusões são apontadas nos dois sentidos: favoráveis e contrários à política brasileira de atração ao capital estrangeiro.

Contudo, o que pretendemos questionar nesse trabalho, ainda que seja como um primeiro olhar sobre o tema, é o conceito de desenvolvimento utilizado para avaliar os resultados dos investimentos estrangeiros diretos. O que se propõe é a utilização de um conceito de desenvolvimento como direito humano, como reconhecido pela Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento.

A preocupação com o desenvolvimento não está limitada aos instrumentos internacionais. A Constituição Brasileira, de 1988, trouxe em seu bojo o desenvolvimento como objetivo, elencando vários outros princípios que indicam a preocupação do constituinte com os vários aspectos da vida social. Nesse sentido, a adoção de políticas que incentivem ou dificultem o acesso do capital estrangeiro deve estar em acordo com os objetivos e preocupações constitucionais.

Aos Estados cabe um papel ativo na proteção e promoção desses direitos, seja pela postura mais ativa na relação direta com os indivíduos e coletividade, seja na cooperação com outros Estados. Assim, ao decidir pelo ingresso de recursos estrangeiros no país, a decisão governamental deve considerar se e em que medida tais investimentos promovem o direito ao desenvolvimento.

2. INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS NO BRASIL

Em primeiro lugar, cabe destacar que se pretende analisar o investimento estrangeiro direto (IED), sob a perspectiva do direito ao desenvolvimento. Sua principal característica é a estabilidade da aplicação, ou seja, o interesse de permanência do capital, como expressado pelo art. 1º da Lei nº 4.132, de 1962. Aplicações meramente especulativas, voláteis, ainda que provenientes de pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no exterior, não são consideradas investimento estrangeiro nos termos da legislação brasileira.

Orozimbo José de Moraes identifica quatro ciclos do IED no Brasil. O primeiro corresponde à industrialização por substituição de importações adotado no pós II Guerra. Esse investimento estava mais concentrado em bens públicos, ferrovias e exportações de matérias primas, que aproveitavam as vantagens comparativas. Entre 1950 e 1960, o país contou com uma política governamental mais intensa, dirigida para a substituição de importações de bens de consumo duráveis, bens intermediários e bens de capital.

O segundo ciclo abrange os anos entre 1967 e 1973 e se desenvolve no âmbito do chamado "milagre econômico", com o Programa Estratégico de Desenvolvimento do Ministério do Planejamento, com um aumento do estoque de capital estrangeiro na indústria de mais de 4 vezes e taxas de crescimento expressivas. O terceiro ciclo tem início com a implantação do II Programa Estratégico de Desenvolvimento, em 1974, para ajustamento da economia brasileira aos dois choques do petróleo e se caracterizou pelo "crescimento com endividamento", no qual o governo contava com financiamento abundante e barato existente no mercado financeiro internacional.

O quarto e último ciclo começa em 1995, com o ingresso expressivo de IED e a internacionalização da economia brasileira. A "reestruturação industrial" e a nova onda de IED transformaram o ambiente empresarial na América Latina. Alguns fatores contribuíram para isso: abertura comercial iniciada em 1991, redução da regulação sobre o investimento privado, estabilização macroeconômica proporcionada pelo Plano Real, iniciada em 1994, o progresso da integração regional com destaque para o MERCOSUL e a adoção de programas extensos de privatização de serviços e infra-estrutura.

Apesar do festejado crescimento do IED a partir da década de 90, Brasil que tinha alcançado o terceiro lugar como destino de IED na década de 80, caiu para o 8º lugar na década de 90. Os anos 2000 experimentaram uma retomada e em 2011, o Brasil figurou na 5ª posição entre os países receptores de investimentos, mantendo-se atrativo nos anos seguintes.

Apesar do IED ter contribuído para o aumento da eficiência e da competitividade em setores mais defasados da economia nacional, em comparação aos padrões internacionais, o principal instrumento utilizado pelas empresas transnacionais foi a importação massiva de componentes e de tecnologia, sem o aumento proporcional das exportações. A maior parte da produção estava direcionada para o mercado doméstico. No médio e longo prazo, o fluxo do IED contribuiu para o agravamento da restrição de divisas e aumento da vulnerabilidade externa.

Ademais, consoante demonstra o mesmo estudo, uma grande parte do IED que ingressou no mercado brasileiro foi destinado à aquisição de ativos já existentes, pouco contribuindo para a formação bruta do capital fixo. A contribuição desse tipo de investimento estrangeiro para a formação bruta do capital fixo só se materializa quando investimentos adicionais são realizados. Esses investimentos adicionais parecem ter sido relativamente modestos no Brasil em termos macroeconômicos.

A análise das exportações e importações das 500 maiores empresas privadas brasileiras (separadas entre empresas nacionais e filiais estrangeiras), nos anos 1989, 1992, 1997 e 2000 levou Sarti e Laplane a concluírem que, embora as filiais estrangeiras exportassem proporcionalmente mais do que as empresas nacionais, os números das importações realizadas por essas empresas tornaram sua contribuição ao saldo da balança comercial pouco significativa. Além disso, comparando as filiais brasileiras de empresas estrangeiras e as empresas nacionais, não havia grande diferença no volume de exportações, considerando empresas do mesmo porte e do mesmo setor, o que sugere que a capacidade exportadora estava mais relacionada com o setor do que com a pretensa nacionalidade da empresa. Por fim, ainda comparando transnacionais e nacionais, as empresas brasileiras apresentavam um volume menor de importações.

O estudo da formação bruta do capital fixo, dos volumes de importação e exportação e o consequente resultado na balança comercial servem apenas para demonstrar os efeitos do IED no Brasil em relação a alguns indicadores econômicos. Poderíamos elencar outros indicadores, como crescimento do PIB, taxas de desemprego e arrecadação, que indicariam uma contribuição positiva do IED. Contudo, não é o objetivo desse pequeno estudo indicar a evolução das variáveis macroeconômicas resultantes direta ou indiretamente do capital estrangeiro no Brasil.

O próprio crescimento econômico brasileiro, pela industrialização regionalizada, tem sido implementado de forma compartimentalizada, seja por não considerar o desenvolvimento de forma holística, seja por não considerar o Brasil com suas particularidades sociais e regionais. Nesse processo de industrialização e desenvolvimento econômico (aqui entendido como crescimento), o país se constituiu de inúmeras "células exportadoras", sem um planejamento que pudesse articular os interesses nacionais e regionais, e ainda, os interesses internacionais.

Nesse cenário, o capital estrangeiro instalado no país esteve direcionado majoritariamente ao mercado doméstico, com atividade exportadora reduzida. Tal comportamento resulta num desestímulo à inovação, uma vez que os produtos não sofrem a concorrência de mercados exigentes como os de países desenvolvidos. Tampouco conseguiu lograr uma maior integração das cadeias produtivas com a participação das empresas brasileiras, dadas as facilidades de importação de componentes e produtos intermediários. Como resultado, a economia brasileira tornou-se ainda mais vulnerável, principalmente se considerarmos a trajetória de liberalização tarifária, que permite que as empresas transnacionais tenham acesso ao mercado brasileiro sem a necessidade de produzir no país.

Como resultado, as medidas econômicas no Brasil, além de serem voltadas para a resolução de problemas de curto prazo, com pouco o quase nenhum planejamento de longo prazo, estão concentradas no que Pochmann chama de FaMa (Fazenda e Maquiladora), pois "combinam a produção em larga escala de bens primários com manufaturados montados a partir do uso difundido de insumos importados". Essas medidas vão reproduzindo a situação histórica de dependência do país, sem quebrar com o ciclo de subdesenvolvimento.

3. O DESENVOLVIMENTO COMO DIREITO HUMANO

Parece haver pouca resistência sobre a necessidade de buscar o desenvolvimento, principalmente quando as discussões compreendem desafios dos países mais pobres. Contudo, apesar da aparente conversão quanto ao objetivo que deve ser perseguido, principalmente no que tange aos investimentos estrangeiros, objeto do presente estudo, tal convergência se perde quando adentramos o conceito de desenvolvimento.

Por tratar-se de conceito extremamente complexo e multidisciplinar, vamos apenas enumerar as definições mais difundidas sobre o que vem a ser desenvolvimento, nos pautando, para tanto, na obra do professor Arndt, com título original "Economic Development: the History of an Idea" (Desenvolvimento Econômico: a História de uma Ideia).

É importante ressaltar que, apesar de uma ou outra concepção de desenvolvimento terem tido destaque em determinado momento histórico, não há uma sucessão de conceitos de desenvolvimento. Ao contrário, as diferentes identificações do que seria o almejado desenvolvimento coexistem e, em muitos casos, se completam.

A acepção de desenvolvimento que vigora no pós II Guerra Mundial é a de crescimento econômico. Os países mais pobres buscavam, a todo custo, elevar seus indicadores de crescimento e industrialização, como por exemplo, o PIB. Nesse contexto, algumas alternativas se colocaram tanto como meios para determinar o desenvolvimento (crescimento), quanto como estratégias de governo, como por exemplo, o investimento no capital humano e a busca de uma performance mais ativa no comércio internacional.

Contudo, alguns anos mais tarde, apesar de muitos países em desenvolvimento apresentarem melhoras nos números relacionados ao crescimento da riqueza, a situação de suas populações continuava a mesma, quando não piorava. Foi nesse contexto que vários críticos, incluindo aqui organizações internacionais, apontavam as limitações em se considerar desenvolvimento como crescimento econômico, propondo a utilização de critérios sociais para definir desenvolvimento. Essas ideias sofriam grande resistência por parte dos governos dos países em desenvolvimento, que continuavam demonstrando preocupação com o crescimento e estavam receosos de que a inserção de temas sociais na agenda pudesse prejudicar os esforços no sentido de ampliar a riqueza interna.

O conceito de desenvolvimento passou, então, a compreender objetivos sociais como o desenvolvimento social, emprego, igualdade, eliminação da pobreza, o suprimento das necessidades básicas e o bem estar. Tais preocupações foram abraçadas pelo Estado do bem estar social que buscava, de forma mais ou menos eficiente, proporcionar as condições para o gozo desse status por todos os indivíduos. É dentro desse contexto que floresce a identificação do desenvolvimento como direito humano.

Em sua conclusão, Arndt distingue o desenvolvimento como objetivo político e que historicamente comportou inúmeras definições e desenvolvimento como processo que tem lugar bem antes de se pensar em desenvolvimento como objetivo, até de forma inconsciente. Encarar o desenvolvimento como um processo complexo pode resultar em mudanças nas perspectivas sobre o desenvolvimento como um objetivo, até porque, no conceito de desenvolvimento estão contidos todos os dilemas sobre as condições e as esperanças humanas.

Por fim, é importante citar a compreensão de desenvolvimento como liberdade, defendido por Amartya Sen. A liberdade possui, nessa teoria, tanto uma função instrumental quanto finalística. As três liberdades fundamentais ou grandes liberdades seriam a política, a econômica e a social. As outras liberdades seriam instrumentais, ou seja, meios para alcançar as liberdades fundamentais. É interessante observar como essa concepção cuida do desenvolvimento de forma holística, sem descuidar de cada um dos aspectos que compõem o conceito, e ao mesmo tempo, trabalha individualmente cada liberdade, num movimento recíproco. "É tão importante afirmar a importância individual de diferentes tipos de liberdade, como é reconhecer a interdependência empírica entre estas mesmas liberdades".

O direito ao desenvolvimento insere-se no segmento dos denominados direitos fundamentais de terceira dimensão. São constituídos em torno da titularidade coletiva ou difusa. Estão direcionados para além da garantia à vida e à liberdade (direitos civis e políticos), mas concernem à preocupação com a qualidade de vida e à solidariedade entre os seres humanos de qualquer raça ou nacionalidade. Foi no plano internacional que esses direitos foram se desenvolvendo inicialmente.

A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos de Viena, de 1993, reafirma o direito ao desenvolvimento, conforme estabelecido na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986, enquanto direito universal e inalienável e parte integrante dos Direitos Humanos fundamentais. Reafirma a indivisibilidade dos direitos humanos, não escusando um Estado do sacrifício de um direito em detrimento de outro.

A Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento situa o ser humano como sujeito central do processo de desenvolvimento. A Declaração de Viena, ao adotar a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, contribuiu para inserir o direito ao desenvolvimento definitivamente no Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Nesse processo, o Estado exerce papel importante para efetivação desse direito, conforme prevê o artigo 2.3 da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, in verbis

Art. 2.3 Os estados têm o direito e o dever de formular políticas nacionais adequadas para o desenvolvimento, que visem ao constante aprimoramento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos, com base em sua participação ativa, livre e significativa e no desenvolvimento e na distribuição equitativa dos benefícios daí resultantes.

Previsões semelhantes sobre a responsabilidade dos Estados estão contidas nos artigos 3.1, 6.3, 8.1, 8.2 e 10 da Declaração mencionada. Os Estados em desenvolvimento, nesse contexto, além de responsáveis por proporcionar o desenvolvimento aos seus cidadãos, acabam sendo beneficiários do reconhecimento desse direito, uma vez que ele envolve ainda, obrigações de cooperação no plano internacional.

A Declaração de Viena, já mencionada, traz a responsabilidade de toda a comunidade internacional para com o desenvolvimento, responsabilidade essa que, pelas próprias condições econômicas dos países, impõe maior comprometimento aos países desenvolvidos. Em uma das afirmações do artigo 10, extraímos:

Os Estados devem cooperar entre si para assegurar o desenvolvimento e eliminar os obstáculos que lhe sejam colocados. A comunidade internacional deve promover uma cooperação internacional efetiva com vista à realização do direito ao desenvolvimento e à eliminação de obstáculos ao desenvolvimento.

Seria importante reconhecer que as assimetrias entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento iriam requerer lentes distintas para olhar as relações entre países desenvolvidos e as relações entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. O direito dos investimentos também deve ser tratado sob essa perspectiva. Modelos e análises que envolvam operações entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento devem levar em conta que a responsabilidade para promover o desenvolvimento do ser humano, independente da origem, cabe a todos os membros da sociedade internacional.

Nesse caminho, a Constituição Brasileira, de 1988, não somente estabeleceu de forma expressa a promoção do desenvolvimento como um dos objetivos da República, como reconheceu o direito ao desenvolvimento como direito fundamental. Essa afirmação pode ser extraída de uma interpretação sistemática da Constituição, ao se considerar a inserção do desenvolvimento como objetivo da República e de uma interpretação teleológica, na medida em que a promoção do desenvolvimento humano, não apenas no aspecto econômico, possibilita o desenvolvimento das liberdades fundamentais. Sem o desenvolvimento do homem, aqui também amparado pelo valor da dignidade humana constitucionalmente consagrado, o avanço econômico tem pouco significado.

A Constituição de 1988, como constituição dirigente, traz uma série de dispositivos voltados à superação da condição de subdesenvolvimento. Ela oferece a base para a atuação do Estado com vistas a alcançar mudanças de cunho econômico e social, além de oferecer embasamento jurídico para a ação política.

Ademais, por tratar-se de direito humano estabelecido em tratado internacional, no caso, a Declaração de Viena, no âmbito da ONU, o direito ao desenvolvimento incorporaria a norma aberta do §2º do artigo 5º da Constituição, por sua natureza materialmente constitucional. Dispõe o artigo supra citado:

Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Nesse sentido, o direito ao desenvolvimento adquire uma preponderância, devendo ser visto como orientador das políticas públicas. Ele constitui um fim em si mesmo e um meio para alcançar os demais direitos previstos na Carta Política. Cuida-se de um direito complexo, para o qual convergem ações em várias áreas, a exemplo do desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e desenvolvimento político.

4. INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS SOB A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

A princípio, devemos esclarecer que, ao analisar as políticas de atração do capital estrangeiro sob a perspectiva do desenvolvimento, não estamos aqui advogando pela expulsão desse capital. Ao contrário, defendemos a importância de estabelecer uma clara estratégia de inserção do Brasil na economia globalizada. Nesse contexto, é importante destacar a participação do IED, contudo, é preciso repensar o papel desse capital, que deve estar associado a uma melhora qualitativa da inserção da economia brasileira na economia global. Isso significa uma melhoria na qualidade dos investimentos. Essa melhor qualidade dos investimentos deve atender às necessidades de bem estar da população brasileira, em atenção aos objetivos e às diretrizes trazidas pela Constituição Federal, como o desenvolvimento, o pleno emprego e o combate à pobreza.

Isso não significa desconsiderar a importância do crescimento econômico, até porque uma política de bem estar e distribuição de renda exige uma soma considerável de recursos. Contudo, a preocupação com a distribuição e o desenvolvimento como direito humano não pode ser postergada indefinidamente até que se julgue que o país alcançou riqueza suficiente para realizar essas tarefas. Defendemos apenas que o crescimento econômico não deve ser a única medida do desenvolvimento. Ele é um instrumento para o desenvolvimento.

Mesmo reconhecendo que, nas diretrizes da política externa brasileira, o desenvolvimento quase sempre esteve identificado como crescimento, o Brasil não conseguiu estabelecer uma estratégia clara de associação com o capital estrangeiro, o que foi responsável pelo agravamento da vulnerabilidade externa e problemas no balanço de pagamentos. A visão de que a entrada de investimentos traria riquezas para o país, independente das condições em que ocorresse, fez com que as autoridades envolvidas deixassem de aproveitar o momento para uma negociação com as empresas estrangeiras que buscaria aumentar a contrapartida para o Brasil. Essa contrapartida envolveria maior comprometimento dessas empresas com as questões sociais e humanas.

O Brasil entrou no século XXI com um aparelho industrial moderno e diversificado e um setor de agronegócios que lhe confere a liderança mundial em vários outros campos. No entanto, a sua estrutura ocupacional reflete o atraso social do país (...) A economia brasileira é constituída de um arquipélago de empresas modernas e eficientes, algumas entre elas de classe mundial, imerso num oceano de atividades de baixíssima produtividade.

A estratégia de inserção deve abranger não apenas a produção voltada para o mercado interno, mas a expansão das exportações brasileiras, a exemplo da estratégia adotada pela Coréia do Sul e outros tigres asiáticos, com compromisso de exportação e ampliação do valor agregado do que é produzido no país. Tais medidas contribuiriam para reduzir a vulnerabilidade externa do país e induzir uma cultura empresarial de inovação, permitindo que o país desenvolva produtos com maior valor agregado, diversificando a pauta de exportações.

Para que essa estratégia seja implementada, faz-se necessária uma postura mais ativa das autoridades brasileiras, negociando diretamente com as empresas interessadas no mercado nacional. Contudo, devemos cuidar para que essas negociações reflitam uma posição governamental conjunta, envolvendo as três esferas federativas. Isso porque, ao buscar atrair investimentos a qualquer custo, muitas regiões brasileiras fazem concessões prejudiciais que limitam o que pode ser aplicado em áreas como saúde e educação. Além disso, essa postura tem causado embates entre as diversas regiões brasileiras, com manobras que afetam a livre iniciativa.

A transição para o desenvolvimento sustentável começa com uma mudança imediata de paradigma, que estava baseada no crescimento financiado pelo ingresso de recursos externos e pela acumulação de dívida externa para um paradigma de mobilização dos recursos internos associados aos externos, com políticas que tomem outros valores como objetivos principais. Sachs, por exemplo, sugere que o desenvolvimento passe a considerar o trabalho como finalidade principal. Seguindo o raciocínio, o caminho dos países em desenvolvimento não pode ser o mesmo seguido pelos países desenvolvidos. A análise do desenvolvimento não está circunscrita a critérios economicistas, envolve fatores culturais e educação, o que não pode ser mensurado. Assim, o Estado tem um papel fundamental a desempenhar no desenvolvimento.

A adoção de um conceito de desenvolvimento sustentável, que inclua os vários aspectos do bem estar humano, traz um olhar distinto sobre a atração do capital estrangeiro. As filiais que aqui se instalaram e operam sob a legislação brasileira devem ser compelidas a atuar de conformidade com a ordem jurídica. A responsabilidade de exigir essa conformidade, seja com sanções para os descumprimentos, seja com prêmios para promoção da responsabilidade empresarial, é do Estado. Mais do que uma análise quantitativa do recurso disponível no mercado interno, cabe ao Estado fazer uma análise qualitativa desses recursos, incentivando a atividade produtiva, numa postura bem distinta daquela que vislumbramos atualmente, totalmente favorável à financerização da riqueza.

Por outro, é importante destacar que o compromisso governamental com o bem estar de sua população é perfeitamente compatível com a segurança jurídica e a manutenção de um espaço favorável para os negócios. Apesar de não ter ratificado qualquer Acordo Bilateral de Investimentos, o Brasil seguiu recebendo investimentos estrangeiros. Dentre as explicações que se buscam para esse fenômeno, cabe destacar o poder de barganha do mercado interno e o ambiente favorável, que apresenta garantias mínimas de segurança para os investidores estrangeiros.

Tais elementos podem ser mais bem aproveitados na estratégia de inserção brasileira na economia internacional. Reformas institucionais, não apenas que melhorem as condições econômicas do país, mas reformas legais que simplifiquem e facilitem as atividades empresariais no Brasil são bem vindas. A legislação brasileira que cuida sobre investimentos é um exemplo. A normativa encontra-se difusa e com muitos dispositivos desatualizados, o que prejudica a transparência e a segurança jurídica. A Lei nº 4.131, de 1962, é o principal instrumento legal que regulamenta a entrada do capital estrangeiro no país e parece preocupar-se, basicamente, com o registro de capitais, não dispondo sobre outros temas de grande interesse para os investidores.

Dessa feita, seria interessante rever a legislação nacional sobre o assunto para buscar uma aproximação com a normativa internacional. Isso não significa aceitar a liberalidade e os dispositivos que estabelecem privilégios para os investidores estrangeiros em detrimento do espaço regulatório do Estado. Vários dos direitos concedidos aos investidores internacionais já estão previstos na legislação nacional, como por exemplo, a indenização em caso de desapropriação, mas pela falta de sistematização e tratamento especifico do tema, não podem ser facilmente acessados pelos interessados no mercado nacional.

Cabe destacar, ainda, que o constituinte brasileiro demonstrou preocupação com a dependência econômica brasileira, ao elencar como princípio a reger a ordem econômica a soberania nacional. A utilização do termo soberania nacional no inciso I do art. 170 tem um significado próprio e está relacionado à superação da situação de dependência das nações desenvolvidas, não no sentido de ruptura de relações internacionais, mas no sentido de recolocação do Brasil no mercado global.

Portanto, entendemos que os investimentos estrangeiros presentes no país devem ter o compromisso de contribuir para o bem estar da população, atuando como instrumento para a implementação do direito ao desenvolvimento. A postura das autoridades brasileiras, de exigir esse compromisso, não é, de forma alguma, incompatível com a inserção ativa e responsável do Brasil na economia internacional. A política relacionada aos investimentos estrangeiros deve buscar conciliar a manutenção de um ambiente seguro e atrativo para os investidores, que garanta ainda, bem estar interno e menor dependência externa.

CONCLUSÃO

O discurso de que o investimento estrangeiro contribui para o desenvolvimento do país não pode ser tomado como absoluto. Apesar de resultar na entrada de capital e em alguns casos estar direcionado para as atividades produtivas, esse investimento nem sempre traz benefícios para a economia do país. Essa análise deve considerar, inicialmente, o que se entende por benefício e ao chamar o benefício de desenvolvimento, o que se entende por desenvolvimento.

A aferição dos benefícios do capital estrangeiro no Brasil sempre esteve relacionada ao crescimento econômico. Apesar de ter sofrido algumas interrupções, o ingresso do capital estrangeiro foi crescente. Esse processo trouxe, sem dúvidas, resultados produtivos para a economia brasileira, principalmente no que tange à modernização, tanto dos parques produtivos quanto das estruturas organizacionais, representando uma importante contribuição para a inserção internacional da economia brasileira. Contudo, nesse processo de abertura internacional alguns efeitos colaterais foram sentidos, entre eles aumento da vulnerabilidade externa, quando as filiais das empresas estrangeiras passaram a importar, em maior escala, componentes, bens intermediários e de capital, sem que o incremento dessas importações fosse acompanhado pela contrapartida nas exportações.

Dessa forma, mesmo considerando apenas variáveis econômicas, a forma com que o país se relacionou com o capital estrangeiro resultou em alguns inconvenientes. Entretanto, não são apenas questões de produtividade que devem ser consideradas quando se pensa em desenvolvimento. A aproximação da ideia de desenvolvimento com o bem estar social ultrapassou as preocupações internas e resultou em preocupação internacional. Organizações internacionais, como a ONU, dedicaram encontros para defender o desenvolvimento como direito humano da Conferência sobre Direitos Humanos da ONU, de 1993.

O constituinte brasileiro, atento a essas questões, já havia introduzido no texto constitucional, mesmo antes da Conferência, preocupação com o desenvolvimento. Como constituição dirigente, dispôs logo nos primeiros artigos, que o desenvolvimento era objetivo a ser buscado pela República Federativa do Brasil. Mesmo não incluído no rol dos direitos fundamentais, o direito ao desenvolvimento, como direito de terceira geração, é amplamente aceito como direito fundamental reconhecido pela Constituição e sua concretização é obrigação do Estado brasileiro.

Portanto, o Brasil pode seguir como um destino atraente para o capital estrangeiro, proporcionando um ambiente seguro para os negócios sem deixar de lado a preocupação com o bem estar da população. Pode oferecer um ambiente seguro e próspero para o capital estrangeiro, mas deve exigir desse a contrapartida, o compromisso com o desenvolvimento do país. O Estado tem papel importante a desempenhar no planejamento e na negociação interna e externa. Considerando a interdependência que caracteriza os direitos humanos, bem como a reciprocidade e inter-relação entre as liberdades substantivas e instrumentais, as decisões políticas relativas ao capital estrangeiro não podem ter em conta apenas aspectos ligados ao crescimento econômico.

NOTAS

Consideram-se capitais estrangeiros, para os efeitos desta lei, os bens, máquinas e equipamentos, entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos financeiros ou monetários, introduzidos no país, para aplicação em atividades econômicas desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior.

Cf. MORAES, Orozimbo José de. Investimento Direto Estrangeiro no Brasil. São Paulo: Aduaneiras, 2003.

Dados colhidos por BARRETOS FILHO, Fernando Paulo de Mello. O tratamento nacional dos Investimentos Estrangeiros. Brasília: Instituto Rio Branco. Fundação Alexandre Gusmão. Centro de Estudos Estratégicos, 1999.

Dados disponíveis no sítio eletrônico da Organização das Nações Unidas sobre Comércio e desenvolvimento: UNCTAD. World Investment Report 2011: non-equity modes of international production and development [online]. Genebra: UN Publications, 2011 [acesso em 28 de março de 2014]. Disponível em: <http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/wir2011_en.pdf>

Cf. SARTI, Fernando e LAPLANE, Mariano F. "O investimento direto estrangeiro e a internacionalização da economia brasileira nos anos 1990". Revista Economia e Sociedade. 2002, vol 11, nº 1, p. 63-94.

Ídem.

A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) mede o quanto as empresas aumentaram os seus bens de capital, ou seja, aqueles bens que servem para produzir outros bens. São basicamente máquinas, equipamentos e material de construção. Ele é importante porque indica se a capacidade de produção do país está crescendo e também se os empresários estão confiantes no futuro. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) é calculada trimestralmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao longo de 10 anos ocorreu um pequeno aumento da FBCF (em % PIB), estava em 16,4 em 2002 e em 2012 em 20,4% do PIB. Em: BACIC, Frederico Matias. "Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF ou FBKF) no Brasil em % do PIB" [online]. Economidiando [4 de setembro de 2012]. [acesso em: 7 de fevereiro de 2014]. Disponível em: <http://economidiando.blogspot.com.br/2012/09/formacao-bruta-de-capital-fixo-fbcf-ou.html>

SARTI, Fernando e LAPLANE, Mariano F. Op. Cit.

Cf. BRANDAO, Carlos Antônio. Território e desenvolvimento: as múltiplas escalas entre o local e o global. 2ª ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2012.

POCHMANN, Marcio. Qual desenvolvimento? Oportunidades e dificuldades do Brasil contemporâneo. São Paulo: Publisher, 2009. p. 86.

Cf. ARNDT, H. W. Economic Development: The History of an Idea. Chicago and London: University of Chicago Press, 1987.

Ibídem.

Cf. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

SEN, Amartya. "Prefácio". Em: BARRAL, Welber (ed). Direito e desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Singular, 2005. p. 28.

Cf. FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

"Conferência de Direitos Humanos - Viena - 1993 [online]". DHnet. Direitos humanos na Internet. [acesso em: 16 de fevereiro de 2014]. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/viena/viena.html>

"Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento - 1986 [online]". DHnet. Direitos humanos na Internet. [acesso em: 02 de março de 2014]. Disponível em: <http://dhnet.org.br/direitos/sip/onu/spovos/lex170a.htm>

Cf. MOISES, Cláudia Perrone. Direito ao desenvolvimento e investimentos estrangeiros. São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1998.

Cf. TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Editora Método, 2006.

Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e direito constitucional internacional. 6a ed. Rio de Janeiro: Max Limonad, 2004.

BRANDAO, Carlos Antônio. Território e desenvolvimento: as múltiplas escalas entre o local e o global. 2ª ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2012. p. 111 e 112.

Cf. LACERDA, Antônio Corrêa de. "Investimentos diretos estrangeiros e políticas de desenvolvimento". Revista Administração em Diálogo. 2003, nº 5, p. 11-18.

Cf. SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável e sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.

Ibídem.

SCHLEE, Christine. "Investimento Internacional e desenvolvimento". In: BARRAL, Welber (ed). Direito e desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Singular, 2005.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegura a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional.

GONZALES, Thiago Holanda. "A busca pelo desenvolvimento nacional e os obstáculos à soberania econômica: uma análise da ordem econômica constitucional de 988 face à globalização" [online]. Em: Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI, (Fortaleza - CE, 09-12 de junho de 2010). [acesso em 26 de fevereiro de 2014]. Disponível em: <http://150.162.138.7/documents/download/520;jsessionid=2D5958D25F87BB1C9CBAD41D0BA35C68>

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Recebido: 04 de Fevereiro de 2015; Aceito: 19 de Março de 2015

Autor de Correspondência: Procuradora da Fazenda Nacional, Ministério da Fazenda do Brasil, Atua na Coordenação-Geral de Operações Financeiras da União no acompanhamento das negociações do Tratado para constituição do Centro de Solução de Controvérsias em Investimentos da UNASUL. Mestre em Direito das Relações Internacionais e Doutoranda em Direito, ambos pelo Centro Universitário de Brasilia (Uniceub). E-mail: anarachel.freitas@gmail.com

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