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Investigación Agraria

On-line version ISSN 2305-0683

Investig. Agrar. vol.17 no.2 San Lorenzo Dec. 2015

https://doi.org/10.18004/investig.agrar.2015.diciembre.77-86 

 

 

ARTÍCULO DE REVISIÓN

 

Mapeamento Digital: nova abordagem em levantamento de solos

Digital mapping: new approach on soil survey

 

Ricardo Simão Diniz Dalmolin1* e Alexandre ten Caten1

 

1 Departamento de Solos, Universidade Federal de Santa Maria. Avenida Roraima, 1000, Bairro Camobi, Santa Maria, RS, Brasil. CEP 97105-900.

2 Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Curitibanos. Rodovia Ulysses Gaboardi, km 3, interior, Curitibanos, SC, Brasil. CEP 89520-000.

* Autor para correspondencia (dalmolin@ufsm.br)

Recibido: 03/11/2015; Aceptado: 27/11/2015.

 


RESUMO

O uso cada vez mais intensivo do solo e sua ocupação desordenada resultam em sua degradação. Existe uma grande carência de informações mais detalhadas de solos e seus levantamentos. Por apresentarem informações básicas sobre esse recurso natural e sua distribuição na paisagem, os mapeamentos são fundamentais para o manejo sustentável das terras. A produção de mapas de classes e atributos, com maior nível de detalhamento, só será possível com a utilização de geotecnologias combinadas com dados coletados no campo. Assim, o objetivo desta revisão foi ressaltar a importância dos levantamentos de solos dentro de um novo paradigma, definido como Mapeamento Digital de Solos (MDS). A prática de MDS requer que: i) os dados utilizados tenham sua origem em coletas de campo e resultados analíticos de laboratório, incluindo dados legados e novas coletas; ii) o processo de inferência e espacialização inclui a proposição de modelos matemáticos e estatísticos entre as observações do solo, as covariáveis ambientais e os demais fatores scorpan; e, iii) os resultados estejam na forma de um sistema espacial em solos, com dados contínuos e/ou discretos, agregados à incerteza dessas informações, podendo ser atualizados sempre que novas observações estiverem disponíveis. A aplicação do MDS irá permitir que informações espaciais em solos, de atributos e classes, sejam geradas e prontamente disponibilizadas em formatos digitais e com a incerteza associada. Entre os desafios para uma maior aplicação das várias estratégias disponíveis em MDS está a capacitação e formação das futuras gerações de pedólogos.

Palavras-chave: Pedometria, pedologia, atributos de terreno, sensoriamento remoto.

 

ABSTRACT

Increasingly intensive use of soil and its disorganized occupancy result in its degradation. There is a lack of more detailed information on soils and on soil surveys. Soil mappings are key for land sustainable management because they provide basic information about this natural resource and its distribution on the landscape. The production of highly detailed soil class and attribute maps, will only be possible using geotechnologies in combination with field data. The objective of this review was to emphasize the importance of soil surveys within a new paradigm, defined as Digital Soil Mapping (DSM). DSM requires: i)  the use of data from field sampling and analytical results from laboratories, including existing as well as newly collected data ii) the process of inference and of spacing includes a proposition of mathematical and statistical models based on soil observation, environmental covariates and other scorpan factors iii)  results should be presented as soil spatial system format with continuous and/or discrete data, added to the uncertainty of this information, which could be updated whenever new observations become available. The application of DSM will make it possible for soil spatial information, attributes and classes to be generated and be readily available in digital format with its associated uncertainty. Among the challenges for further implementation of several strategies available in DSM, the training of future generations of soil scientists should be a priority.

Key words: Pedometry, pedology, terrain attributes, remote sensing.


 

INTRODUÇÃO

O solo é um recurso lentamente renovável, vital para o desenvolvimento da vida, atua como filtro e transforma moléculas tóxicas, além de regular a água no sistema hidrosfera-atmosfera. O solo abriga aproximadamente 25% da biodiversidade do planeta e também é a base dos agroecossistemas, pois fornece nutrientes e água para as plantas que são fontes de fibras, alimentos e combustível.

A demanda por alimentos e fontes energéticas vem ocasionando o uso cada vez mais intensivo do solo, muitas vezes com ocupação desordenada que pode causar impactos negativos. A FAO relata que aproximadamente 33% dos solos do mundo apresentam degradação de moderada a alta devido ao uso inadequado. A agricultura, de uma maneira geral, tem se expandido para áreas de menor aptidão agrícola, o que representa uma ameaça à produção agrícola com quantidade e qualidade, além de prejudicar o recurso natural solo devido à utilização fora de sua capacidade.

Conforme Grunwald et al. (2012) a mudança climática global e demais alterações induzidas pelo homem, colocam novos desafios a serem avaliados como ameaças aos solos. As pressões com origem antrópica nos diferentes ecossistemas têm comprometido a sustentabilidade do recurso solo em escala regional, nacional e global. Ainda segundo esses autores, esses problemas são agravados pelo fato de que os sistemas, seja ambiental, social, cultural, político, financeiro ou econômico tornaram-se globalmente interligados em tal grau que a mudança ou colapso de um componente interfere no sistema global como um todo. Assim, uma profunda compreensão das ligações causais e processos mecanicistas no espaço, tempo e dimensões humanas é necessária para descrever a relação dos sistemas acoplados, incluindo o ambiente humano, o solo, água, plantas e outros sistemas em um mundo de intensa mudança.

Entre os componentes dos ecossistemas o solo tem sido reconhecido como peça fundamental, não só na produção de alimentos, mas na regulação do clima na Terra (Sanchez et al. 2009). Contudo, ainda há, de forma generalizada, uma carência muito grande de informações mais detalhadas dos solos. Novos conhecimentos são necessários para garantir um ambiente sustentável e que propicie a segurança alimentar. De acordo com Dalmolin et al. (2004), os levantamentos de solos, por apresentarem informações básicas sobre o solo e sua distribuição na paisagem são fundamentais para o manejo sustentável das terras, desde que apresentem escala compatível e informações detalhadas do ambiente.

Mapas de classes e atributos com maior nível de detalhamento e que possam ser utilizados para fins de manejo e conservação do solo, planejamento de uso racional das terras, previsão de cenários futuros e fonte de dados para modelagem espaço-temporal são uma necessidade urgente. A produção desses dados somente será possível com a utilização de novas tecnologias (geotecnologias) combinadas com informações geradas no campo. Esse novo paradigma da pedologia, onde novas tecnologias em equipamentos, modelos estatísticos e matemáticos são aplicados, foi definido por McBratney et al. (2003) como mapeamento preditivo ou Mapeamento Digital de Solos (MDS).

Dentro dessa linha, em um contexto de renascimento da importância da informação espacial em solos (Hartemink 2008) e da necessidade de obter novos dados de campo e novas tecnologias para levantamentos de solos foi criado o “International Working Group on Digital Soil Mapping” sob os auspícios da “International Union of Soil Sciences (IUSS)”, no ano de 2004. O objetivo principal desse grupo de trabalho é discutir e promover novas estratégias e métodos para obtenção de informações espaciais do solo em alta resolução com menores custos. Também foram propostos recentemente os grupos Proximal Soil Sensing (iniciado em 2008) e Digital Soil Morphometrics (iniciado em 2014), em um contexto similar da necessidade de otimizar coletas e integrar as diferentes fontes de dados na produção de informação espacial 3D em solos (IUSS 2015).

Nesse contexto, procurou-se discutir nesta revisão bibliográfica a importância dos levantamentos de solos dentro de um novo paradigma, com a aplicação da tecnologia como aliada de modelos matemáticos e estatísticos para gerar informações espacialmente localizadas de atributos e classes de solos, necessários para o uso racional e sustentável do solo.

 

DESENVOLVIMENTO

A Pedologia e os levantamentos de solos

Os levantamentos de solos constituem-se na representação da distribuição espacial de solos em mapas e relatórios, contendo informações das características morfológicas, físicas, químicas e mineralógicas dos solos, juntamente com sua classificação taxonômica e classificação interpretativa. O nível de detalhe das informações contidas nos levantamentos de solos depende da escala e do objetivo para o qual foram confeccionados (Dalmolin et al. 2004, IBGE 2007, Hartemink et al. 2013).

Os levantamentos de solos são essenciais aos modelos de desenvolvimento sustentável das sociedades modernas (Curcio 2014). Segundo esse autor, as informações contidas nos mapas e relatórios servem para indicar os tipos de sistemas produtivos a serem implantados juntamente com a intensidade de manejo que os solos podem suportar. Nessa linha, Lepsch (2013) relata que como o solo é um recurso natural, o conhecimento da sua distribuição espacial é de interesse nacional. Esse mesmo autor afirma que quanto mais se conhece do solo e sua distribuição espacial, mais racionalmente ele será usado por quem tem a posse da terra e também pela comunidade onde ele se encontra.

De acordo com Arrouais et al. (2014a), existem três importantes componentes sobre o solo para que haja o uso e manejo sustentável da terra: i) um entendimento da variação do solo, espacializado em mapas, por exemplo; ii) habilidade de detectar e interpretar mudanças que ocorrem no solo com o passar do tempo e iii) capacidade de prever (modelagem) o que acontecerá no solo em condições específicas de manejo da terra e mudanças futuras do clima. Segundo esses autores, o componente (i) se reveste de grande importância, pois fornece informações básicas dos atributos da paisagem que é essencial para o planejamento e manejo adequado em todas as escalas, seja regional, nacional ou global. Os mapeamentos também possuem informações e dados para o monitoramento e simulação de modelos, envolvendo, portanto, os componentes (ii) e (iii) respectivamente. Porém, ainda conforme Arrouais et al. (2014a), os sistemas convencionais de mapeamento e classificação de solos não foram concebidos com os propósitos descritos acima e há dificuldades para atender a demanda para estimar o armazenamento e fluxos de água, carbono, nutrientes e solutos. Para McBratney et al. (2000) as críticas recaem sobre os sistemas convencionais de levantamentos de solos devido a esses serem excessivamente qualitativos.

Os dados de solos legados de levantamentos já realizados foram produzidos há muito tempo e em escalas generalistas. Nachtergaele e Van Ranst (2003) relatam que aproximadamente 2/3 dos países foram mapeados em escalas de 1:1.000.000, porém mais de 2/3 da área total de terras do globo ainda precisam ser mapeadas mesmo que na mesma proporção de escala de 1:1.000.000. Conforme Harteminck (2008), a maioria dos mapas de solos existentes ao redor do mundo foram realizados após a Segunda Guerra Mundial até o final da década de 1980. Verifica-se também, que existem grandes diferenças entre os países em relação as áreas mapeadas, considerando principalmente extensão e escala, sendo que a cobertura nacional de mapas de solos em escala > 1:250.000 é geralmente mais elevada nos países mais ricos. Assim, de acordo com Arrouais et al. (2014a) a maioria dos dados espaciais sobre os solos estão desatualizados, pois a maior parte dos levantamentos de solos disponíveis foi concluída há mais de duas décadas atrás, bem antes da utilização generalizada de métodos digitais.

Os levantamentos de solos no Brasil tiveram seu auge no final da década de 60 e início da década de 70, quando foram realizados grandes investimentos. A maior parte do território brasileiro está coberto por mapas de solos em escala pequena (aproximadamente 1:1.000.000), insuficiente para qualquer tipo de planejamento, seja para a expansão agrícola ou monitoramento ambiental seja em nível de município ou empreendimentos rurais. A situação é semelhante em outros países da América Latina, onde predominam mapas nas escalas generalistas entre 1:6.000.000 e 1:500.000. Poucos são os países latino americanos que possuem os dados digitalizados e disponíveis na internet (Omuto et al. 2013).

Os levantamentos de solos não têm sido prioridade das políticas públicas para reconhecimento dos recursos naturais, com exceção de pequenas áreas por interesse da iniciativa privada. Curcio (2014) faz uma série de considerações sobre as razões que levaram ao abandono de trabalhos de levantamentos de solos no Brasil. Porém, esse fenômeno não ocorreu apenas no Brasil, sendo uma tendência mundial. Basher (1997) faz uma ampla abordagem mostrando o declínio da pedologia no Mundo e os cortes em financiamentos e recursos humanos para realização de levantamento de solos em muitos países desenvolvidos. A própria Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (SBCS) promoveu um intenso debate sobre o declínio da pedologia. Em um contexto em que se discutiu o “Futuro da Pedologia no Brasil”, Dalmolin (1999) mostra a diminuição do número de pedólogos no Brasil, situação que perdura atualmente. Paralelo ao diagnóstico de que há um menor número de pedólogos atuando em nossas instituições de ensino, pesquisa e extensão, cabe ser realizada uma profunda análise de quais seriam as atividades que deveriam estar sendo realizadas por profissionais da pedologia em nossa sociedade. Com as profundas alterações sociais, do clima, de uso da terra, de avanço do conhecimento técnico e científico, quais os papeis que deveriam estar sendo desempenhados pelos pedólogos neste complexo contexto? O debate precisa ser realizado.

Entre as várias tarefas para a pedologia está aquela de continuar estudando e mapeando o recurso natural solo. Novas informações, juntamente com o detalhamento das informações existentes nos relatórios e mapas de solos, devem continuar sendo obtidas, preferencialmente, considerando questões como custo e tempo. Conforme Häring et al. (2012), dependendo da escala do mapa ou do detalhe da legenda do mapa, a informação pode ser pouco precisa. Há a necessidade de construir bancos de dados ambientais facilmente relacionados com o solo para suprir as demandas existentes, não só para utilização agrícola, mas que atendam todas as funções que o solo desempenha nos diferentes ecossistemas. Esses autores reforçam que o conhecimento da distribuição espacial detalhada dos solos é crucial para a modelagem, o manejo e o monitoramento ambiental. Para isso, os levantamentos de solos devem se apropriar das novas tecnologias, permitindo agilidade trazendo informações mais detalhadas, não só de classes, mas também de propriedades do solo.

Os levantamentos convencionais de solos podem ser pensados como um exercício de modelagem envolvendo métodos científicos e um pouco de arte (conhecimento tácito do pedólogo). Geralmente, o mapeamento no campo envolve o desenvolvimento de um modelo mental, que relaciona o solo com condições de paisagem, seguido pela formulação de hipóteses, que são então testados pela verificação em loco. O modelo muitas vezes pode ser revisto, ajustado e reformulado e uma nova relação solo-paisagem pode surgir (Wilding 1985).

Um novo paradigma para a pedologia

Modelos quantitativos em levantamento de solos têm sido desenvolvidos e estão sendo usados para descrever, classificar e estudar os padrões de distribuição espacial do solo de uma forma mais objetiva (McBratney et al. 2000). Os métodos são categorizados coletivamente em um campo emergente da ciência do solo conhecido como Pedometria. Conforme Burrough et al. (1994), o termo pedometria foi instituído na Austrália por Alex McBratney e descreve o estudo quantitativo da variação do solo. O conceito clássico de Pedometria, conforme definido no sitio da Sociedade de Pedometria <www.pedometrics.org> é “a aplicação de métodos matemáticos e estatísticos para a modelagem quantitativa dos solos, com o objetivo de analisar sua distribuição, propriedades e comportamentos”.

Um importante tópico de pesquisa da Pedometria é o desenvolvimento de modelos e ferramentas para verificar a variação espaço-temporal dos solos podendo ser aplicadas para integrar o mapeamento convencional do solo. Assim, o pedólogo passa a dispor de novas ferramentas as quais irão lhe possibilitar uma maior compreensão das relações solo-paisagem, além de lhe possibilitar um maior rendimento no mapeamento devido à capacidade de extrapolação dos modelos automatizados em ambiente de geoprocessamento criando-se nesse caso o conceito de MDS. Logo, verifica-se que a pedologia passa por um processo de mudança de paradigma, onde que anteriormente, processos totalmente baseados no conhecimento tácito e em uma abordagem quantitativa, associam-se a metodologias e ferramentas baseadas em critérios quantitativos. O desafio para a pedologia está na integração dessas abordagens, complementares, para a geração de informação espacial em solos.

O conceito clássico de MDS foi estabelecido por Lagacherie e McBratney (2007) como: “criação e população de sistemas espaciais de informação de solos, através do uso de modelos numéricos para a inferência das variações espaciais e temporais dos tipos de solos e de suas propriedades, a partir de observações e conhecimento dos solos e de variáveis ambientais correlacionadas”. Para Sanchez et al. (2009) um mapa digital do solo é essencialmente um banco de dados espacial das propriedades do solo, com base em uma amostra estatística da paisagem. A amostragem de campo é usada para determinar a distribuição espacial das propriedades do solo, as quais são medidas no laboratório. Esses dados são então utilizados para prever as propriedades do solo em áreas não incluídas na amostra. Mapas de solos digitais apresentam ainda o potencial de apresentar, de forma associada, as incertezas dessas previsões e, quando baseados em dados de séries temporais, fornecem informações dinâmicas sobre as propriedades do solo.

Conforme Lagacherie e McBratney (2007), a crescente demanda por informações sobre os solos e os avanços tecnológicos têm incentivado de maneira crescente o MDS com a aplicação de técnicas pedométricas. A constituição de bancos de dados de informações ambientais e a evolução das ferramentas de informação geográfica e sensoriamento remoto têm ocorrido simultaneamente, o que propicia avanços na geração de informação para o monitoramento e modelagem ambiental.

A publicação de McBratney et al. (2003) foi decisiva para a reunião e sistematização dos conhecimentos gerados até aquela data. Os autores estabelecem um novo paradigma propondo para o MDS um modelo baseado no modelo determinístico empírico dos fatores de formação do solo proposto por Jenny (CLORPT), onde os solos (classes e atributos) podem ser preditos quantitativamente como funções espaciais. Esse modelo é chamado de s.c.o.r.p.a.n. → Sc,p = f (s.c.o.r.p.a.n.), onde: Sc,p (Solo: classe ou propriedade); s = próprio solo, c = clima, o = organismos, r = relevo, p = material de origem, a = tempo, n = localização geográfica. O modelo SCORPAN (Figura 1), considera que o solo pode ser predito a partir dele próprio (via dados legados) e a partir de coordenadas geográficas, utilizando as novas tecnologias existentes, pode ser tratado como uma evolução do modelo CLORPT.

 

Um banco de solos global

A história recente está bem sumarizada em Lagachiere (2008) que relata a oportunidade de reunir 80 cientistas de 17 países no primeiro workshop dedicado à MDS, realizada em Montpellier no ano 2004, onde foram discutidas as diversas habilidades e ferramentas comuns para desenvolvimento do MDS como levantamento do solo, sistemas de informação do solo, sistemas especialistas, Sistemas de Informações Geográficas (SIG), técnicas de pedometria, técnicas de mineração de dados e procedimentos de sensoriamento remoto. O segundo workshop “2nd Global Workshop on Digital Soil Mapping” foi realizado no Rio de Janeiro em 2006 e desde então, sistematicamente, esse evento ocorre bienalmente.

No ano de 2006 o consórcio GlobalSoilMap.net foi formado (Arrouays et al. 2014a), e em abril de 2012, durante a 5ª conferência do “Working Group on Digital Soil Mapping” da IUSS realizado em Sydney, o consórcio passou a ser denominado simplesmente de GlobalSoilMap. Conforme Arrouays et al. (2014b) o GlobalSoilMap tem por objetivo produzir um mapa digital de solos para todas as áreas continentais, com um banco de dados de propriedades fundamentais do solo em várias profundidades. Esse banco de dados será construído principalmente por meio de informações do solo existente em dados legados e co-variáveis ambientais. Todas as informações serão disponibilizadas gratuitamente via internet.

Nesse consórcio participam universidades, centros de pesquisa, organizações de desenvolvimento, agências governamentais e inúmeras empresas privadas de todo o mundo. O grande impulsionador do projeto é a demanda por informações mais precisas, atuais, detalhadas e espacialmente referenciadas sobre os solos, tão necessárias para a comunidade científica, agricultores e tomadores de decisão. Ainda conforme Arrouays et al. (2014a), seis ideias chave têm sido perseguidas ao longo do desenvolvimento de GlobalSoilMap: i) os dados gerados devem fornecer uma cobertura global completa e basear-se nos melhores dados disponíveis; ii) a resolução espacial dos dados do solo tem de corresponder e ser compatíveis com outros conjuntos de dados globais do ambiente relacionadas com o terreno, hidrologia, cobertura do solo e uso da terra; iii) a prioridade são as propriedades funcionais do solo relacionadas com a água, carbono e nutrientes; iv) cada estimativa de uma propriedade do solo tem que estar acompanhada da estimativa da incerteza; v) que o sistema de informação sobre o solo seja duradouro e de fácil atualização, com acesso on-line para ser usufruído em conjunto e; vi) os melhores dados ambientais e de solo disponíveis têm de ser utilizados para gerar as estimativas devendo ser feito de uma forma que respeite a soberania das nações.

Conforme Arrouays et al. (2014b) as especificações do projeto GlobalSoilMap não prescrevem como os dados deverão ser gerados, apenas precisam estar em conformidade com as mesmas para se ter um produto final padronizado. Segundo esses autores, a entidade espacial deve ser caracterizada até uma profundidade de 2 m ou até a profundidade da rocha se ela estiver a menos de 2 m de profundidade, com uma superfície menor que 2 m x 2 m localizado no centro de um grid global definido de 3 arc-segundos por 3 arc-segundos o que corresponde a aproximadamente 100 m x 100 m. Os valores preditos das propriedades do solo e suas incertezas associadas devem ser realizadas dentro dos seguintes intervalos: 0–5, 5–15, 15–30, 30–60, 60–100 e 100–200 cm. Onze propriedades do solo devem ser preditas em cada local conforme tabela 1. Propriedades adicionais do solo podem ser incluídas sendo que cada propriedade do solo terá uma estimativa da incerteza associada para cada profundidade para cada grid local.

 

De acordo com Hempel et al. (2014), o GlobalSoilMap é hoje o projeto de maior abrangência internacional em Ciência do Solo. Esse projeto teve influência significativa no aumento da consciência sobre o papel ambiental do solo dentro da comunidade mundial. Além disso, o trabalho do consórcio, e de todas as instituições parceiras associadas, propiciou um avanço nos mapeamentos de solos, criando um grande interesse em novos praticantes para a ciência de solo. Atualmente, inúmeros trabalhos desenvolvidos em MDS seguem as preconizações do GlobalSoilMap (Minasny e McBratney 2015), o que, no entanto, não deve ser entendido como uma regra para a geração de informação espacial em solos. Há, conforme visto anteriormente, um direcionamento para que as informações geradas possam, de alguma forma, contribuir com os objetivos desse projeto.

Aplicação da abordagem digital

O esquema representado na figura 1 demonstra diferentes formas e estratégias para o desenvolvimento de modelos preditivos para o MDS. Conforme Hempel et al. (2014) este modelo tem sido usado para explicar processos, dados e informações necessários para construir um sistema com informações de propriedade do solo de forma consistente em todo o mundo.

De fato, há a necessidade de atualização das informações existente sobre os solos e o maior detalhamento, o que resultará em mapas de classes e atributos que possam ser utilizados para fins de manejo e conservação do solo, planejamento de uso racional das terras, previsão de cenários futuros e fonte de dados para modelagem espaço-temporal. Essas demandas apenas serão alcançadas com a utilização de novas tecnologias (geotecnologias). A aplicação do geoprocessamento para a pedologia, dentro da abordagem do MDS, foi discutida por Mendonça-Santos e Manzatto (2007) onde as novas tecnologias devem ser assimiladas pelos pedólogos sendo que a diferença entre a abordagem tradicional e a quantitativa deixam de existir quando a tecnologia e o conhecimento formal se unem para produzir informações relevantes para a sociedade. Conforme ten Caten e Dalmolin (2014) é necessário um incremento da tecnologia, especialmente àquelas ligados a tecnologia de informação para produzir conhecimentos aplicados ao mapeamento de solos.

É crescente o número de artigos abordando o MDS, apesar disso, há uma dificuldade ainda grande para mostrar a importância e a necessidade dos mapas de solos (classes e atributos). Para ten Caten e Dalmolin (2014) é preciso a melhoria em todos os níveis de ensino para haver a apropriação das novas tecnologias para produzir dados e informações atrativas sobre o recurso solo. Nessa mesma linha, Harteminck (2015) relata que é necessário melhorar o ensino e os currículos para que a nova geração de cientistas de solos se apropriem das informações de pedologia (levantamento e classificação de solos), bem como, das novas técnicas e metodologias atualmente disponíveis e que já estão sendo empregadas na pedologia. Hoje há um interesse renovado, segundo esse autor, pelo surgimento dos novos campos como o MDS, morfometria e sensoriamento remoto proximal. De fato, ten Caten e Dalmolin (2014) abordam o quanto seria útil para um usuário no campo observando a paisagem a sua volta e comparando com uma imagem nítida e interativa existente na tela de um dispositivo portátil no formato de prancheta (tablet). Esse usuário poderia observar o mapa de solos, com seus principais atributos, dados analíticos e outras informações relevantes. Para Streck et al. (2014), mapas mais atraentes e interativos que pudessem ser consultados via web, no campo por meio de tablet ou smartphones causaria uma revolução em termos de utilização prática.

Conforme Grunwald (2009) as informações devem ir ao encontro da compreensão e quantificação espaço-temporal dos padrões do solo, em relação aos ciclos hidrológicos e a qualidade dos ecossistemas. É necessário desenvolver estudos de modelagem do solo e suas características em locais/regiões modais, como forma de compreender sua relação com o ambiente. Como resultado, os modelos de correlação ambiental gerados poderão ser, depois de testados e validados, utilizados no MDS de áreas mais extensas, possibilitando, assim, o planejamento de uso racional dos recursos naturais. Sanchez et al. (2009) atestam a necessidade de se produzir mapas de alta resolução das propriedades funcionais do solo que sejam relevantes para o usuário, concordando com Carré et al. (2007) que afirmam que os pesquisadores que trabalham com MDS precisam ser muito mais conscientes sobre as necessidades do usuário final adaptando e educando estes usuários para desfrutarem das informações, e considerando a incerteza associada a essas informações. Entre as aplicações prontamente disponíveis, em formato digital e via acesso remoto, que estaria disponível para os usuários estariam os mapas e relatórios de Aptidão Agrícola das Terras (Dalmolin et al. 2012).

Nos últimos anos, o MDS tem sido realizado com diferentes abordagens para predizer a distribuição espacial de atributos e classes de solos e/ou aumentar informações pré-existentes contidas nos dados legados. Essas abordagens são encontradas com freqüência na literatura (Giasson et al. 2006, Connolly et al. 2007, Grimm et al. 2008, Hansen et al. 2009, Odgers et al. 2011a, Odgers et al. 2011b, ten Caten et al. 2011, Häring et al. 2012, Kerry et al. 2012, Samuel-Rosa et al. 2013, ten Caten et al. 2013, Cavazzi et al. 2013, Dotto et al. 2014, Adhikari et al. 2014, Hartemink e Minasmy 2014, entre outros). No entanto, os resultados dessas diferentes abordagens preditivas são dependentes da qualidade dos dados utilizados, a saber: resolução espacial e incerteza das co-variveis ambientais, qualidade e quantidade das amostras de treinamento, densidade espacial das amostras, e a capacidade do modelo preditivo em capturar a variação espacial do solo.

A aplicação mais ampla do MDS ainda depende da definição de algumas questões. Existe a necessidade de mais informações e principalmente de um banco com dados precisos e georreferenciados de solos e covariáveis ambientais. Além disso, ainda faltam protocolos que definam de maneira prática os detalhes sobre as técnicas de mapeamento digital abordando também informações sobre escala. Conforme destaca Grunwald (2009), não há equação universal ou modelo de predição digital de solo que se encaixe para todas as regiões do globo. Ainda, segundo essa autora, mais pesquisas precisam ser realizadas, não baseadas apenas em questões específicas do solo, mas que considere também questões mais amplas como a qualidade da água, ciclo do carbono, mudança climática global, uso sustentável das terras, entre outros.

A aplicação da técnica de MDS foi revisada em estudo publicado por ten Caten et al. (2012), na qual os autores destacam o crescente número de trabalhos publicados a respeito da aplicação dessa técnica no Brasil. Esses autores abordam as principais características dos trabalhos já realizados na tentativa de nortear trabalhos e demandas futuras. Entre as funções matemáticas utilizadas há o predomínio de regressões logísticas, seguido por técnicas de mineração de dados por Árvore de Decisão (AD). As AD, conforme os autores, têm sido frequentemente utilizadas por relacionar fatores de formação e classes de solos de maneira muito parecida com o conhecimento tácito do pedólogo. Conforme esses autores, o MDS aplicado à predição de classes de solos no Brasil tem ocorrido predominantemente em nível semidetalhado (1:50.000), possivelmente devido à disponibilidade de mapas de solos para serem usados como área de referência ou ao emprego de cartas topográficas nesta escala para a geração de modelos digitais de elevação. Porém os levantamentos em escalas de 1:100.000 ou maiores, são muito escassas no Brasil.

O MDS está construindo uma identidade inovadora para pedologia, colocando-a na era digital e dando uma nova abordagem para ciência do solo. Essas evoluções tecnológicas servem de atrativo e são vistas como desafios para impulsionar a geração mais nova de pesquisadores. Porém, conforme Grunwald (2009), não se deve esquecer a experiência de campo e deve haver uma fusão equilibrada do MDS com a experiência qualitativa dos mapeamentos pedológicos tradicionais.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os pedólogos interessados em aplicar a técnica de Mapeamento Digital de Solos (MDS) precisam observar que a mera digitalização de mapas analógicos não os torna praticantes de técnicas pedométricas para o mapeamento de solos. A prática de MDS requer que: i) os dados utilizados no MDS tenham sua origem em coletas de campo e resultados analíticos de laboratório, incluindo dados legados e novas coletas; ii) o processo de inferência e espacialização inclui a proposição de modelos matemáticos e estatísticos entre as observações do solo, as covariáveis ambientais e os demais fatores scorpan; e, iii) os resultados estejam na forma de um sistema espacial em solos, com dados contínuos (raster) e/ou discretos (vetores), agregados à incerteza dessas informações, os quais podem ser atualizados assim que novas observações estiverem disponíveis.

Os levantamentos de solos, como foram praticados em tempos passados, eram realizados em outros contextos políticos, sociais e tecnológicos. Esses contextos se modificaram muito. Atualmente, os dados sobre recursos naturais são coletados sob demandas específicas para questões como mudanças do clima global, otimização de insumos, disponibilidade hídrica e seguridade do solo. O mapeamento do solo de forma generalista (pequenas escalas) terá dificuldades em receber financiamento para sua realização. O Pedólogo precisa identificar seus clientes e dialogar sobre quais são as demandas relacionadas ao recurso natural solo. A aplicação do MDS irá permitir que informações espaciais em solos, de atributos e classes, sejam geradas e prontamente disponibilizadas em formatos digitais e/ou analógicos, com a incerteza associada.

O MDS já é uma realidade e vem sendo aplicado de forma sistemática (Minasny e McBratney 2015). Cabe a todos os envolvidos com a produção do conhecimento sobre a distribuição espacial dos solos na paisagem buscarem sua atualização em prol da aplicação dessas novas abordagens para os levantamentos de solos. Há muito espaço para a pesquisa e a proposição e modificação de metodologias ‘digitais’ para o mapeamento.

O MDS pode ser um grande aliado para o aprofundamento de nosso conhecimento sobre as relações solo-paisagem, entre solo e cada um dos fatores scorpan, e nos modelos mecanisticos de desenvolvimento do solo na paisagem.

Entre os desafios para uma maior aplicação das várias estratégias disponíveis em MDS esta a capacitação e formação das futuras gerações de pedólogos. O MDS é intrinsicamente interdisciplinar. Conhecimentos de pedologia, informática, estatística, sensoriamento remoto e sistemas de informações geográficas são integrados para a geração de informações espaciais em solos. As pessoas, e consequentemente as universidades, apresentam resistência às modificações. Os currículos de graduação devem ser flexibilizados para novas formas de aprendizado e de aplicação da tecnologia em sala de aula. Assim como, os estudantes devem ser ensinados a estudar em um mundo onde dados e informações não estão, necessariamente, em falta. O desafio está em traduzir tudo em conhecimento útil e que tenha uma contribuição relevante para a formação dos futuros profissionais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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